quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018



NÍLSON SOUZA

Salto triplo

A intervenção federal no Rio de Janeiro dá alguma esperança aos oprimidos pela violência (todos nós), desconcerta a oposição e envolve as Forças Armadas nos problemas da vida real, mas também, de alguma forma, na guerra política pelo poder. Foi, aparentemente, um golpe de mestre de um governo inepto para promover reformas e enrolado em suspeitas de corrupção. 

No mínimo, um esperto golpe de marketing: vira a pauta da fracassada reforma da Previdência e oferece uma bandeira palatável para o impopularíssimo ocupante do Palácio do Planalto terminar seu mandato. Mas inclui riscos tão grandes, que o próprio presidente da Câmara, o chileno Rodrigo Maia, buscou uma definição original para a manobra:

- Um salto triplo sem rede!

Salto triplo nunca teve rede, podem alegar os conhecedores de atletismo ou aqueles que ainda recordam as façanhas do saudoso João do Pulo. Mas, na linguagem circense - e o país está mesmo mais para circo (de horrores) -, até se admite. O triplo mortal do trapezista, sem anteparo, é sempre uma temeridade (trocadilho involuntário!) que tanto pode terminar em aplausos quanto em pescoço quebrado.

Confesso que já estou suando nas mãos.

Como a maioria dos brasileiros acuados pela insegurança, torço para dar certo. Alguma coisa tem que dar certo nessa Pátria Amada, pois, como filosofou a escola campeã do Carnaval, seus filhos já não aguentam mais. O Rio é a vitrine do país. Tudo o que lá acontece não apenas repercute nos demais Estados, mas também serve de modelo. Para o bem e para o mal.

A vitrine estava quebrada - pelos arrastões, pela corrupção do tecido público, pelo crime organizado, pelas drogas, pelas balas perdidas, por presídios superlotados, por milícias e facções criminosas. Quem conhece a teoria das janelas quebradas sabe que o abandono e o descaso geram mais depredação, mais violência e a expansão do mal para outras áreas, como na sempre dolorosa metáfora da metástase. Então, chamar o Exército num caso desses talvez não seja nenhum absurdo. 

Na iminência do caos, parece lógico que a primeira providência seja consertar e proteger a vidraça.
Mas ninguém deve se iludir com a calmaria que certamente ocorrerá com a presença ostensiva de militares armados nas avenidas e ruelas da Cidade Maravilhosa. Os soldados não poderão ficar para sempre fora da caserna, nem haverá sentinelas suficientes para guarnecer cada esquina de cada cidade do país.

Só por aí já se pode concluir que não basta combater os efeitos da criminalidade: suas causas também precisam ser enfrentadas. Aí está o x da questão. Como? Com que recursos? Com que cabeças? Os atilados marqueteiros de Brasília, que tiraram a intervenção da cartola já à beira do precipício, devem à nação um projeto factível de prevenção a longo prazo, com oferta de oportunidades, educação e serviços públicos, que efetivamente interrompa a cultura da delinquência vigente nos grandes centros urbanos.

Seja quem for o próximo dono da caneta, é indispensável que apresente uma rede confiável para os próximos saltos.

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