quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018


14 DE FEVEREIRO DE 2018
PEDRO GONZAGA

TENACIDADE



Em Capão da Canoa, a sesta do meu avô era sagrada. Depois do feijão cotidiano e perfeito de minha avó, meu irmão e eu nos recolhíamos para o quarto e forjávamos um sólido silêncio por duas horas, recompensado com uns cruzeiros para irmos ao flíper. (Trinta anos depois e os dedos ainda guardam as ranhuras das fichas das máquinas, o cheiro doce do minério que as compunha, a promessa de delícias quando as empilhávamos entre o indicador e o polegar à saída da boca do caixa.)

E então os passos no corredor que indicavam o fim da quarentena. Se nosso avô pedisse, por certo beijaríamos aquela mão que, com liberalidade, municiava-nos com rodadas de Double Dragon e Elevator Action.

Depois saíamos à Rua 6, cruzávamos a enorme praça que se abria desde a esquina, em diagonal, até faltarem duas quadras para o mar, e seguíamos por entre os prédios baixos. Às vezes corríamos, malgrado nossa natural robusteza: chegar antes das três era ter as máquinas só para nós.

Apesar de dois anos mais novo, meu irmão me superava em destreza nas alavancas e botões. Por isso, jogava com ele contra a máquina, aceitando, inclusive, tomar o herói de colete vermelho, que mais parecia fúcsia no balanço de cores da tela. Falei em destreza, mas, de fato, sua virtude era a tenacidade.

Não apenas resistir, não apenas persistir, mas qualquer coisa que não se curva diante do que é adverso. Quanto a mim, se não passava logo de uma fase, perdia a paciência e desistia. Mas ele me levava junto.

Em Capão, durante este carnaval que se encerra, descubro que o fliperama deu lugar a uma série de lojas ordinárias. Resta, feito duvidosa forma de lazer, uma caminhada à beira-mar.

Na volta, minha namorada e minha tia Cleia jogam um quase animado frescobol. Assumo uma das raquetes e, tentando salvar uma jogada com um peixinho ornamental, caio dentro d?água, incapaz de apanhar a bola e também os óculos que voam de meu rosto. A borracha boia, mas as lentes e o acetato, não.

Enquanto minha tia corre até a barraca mais próxima e apanha uma espécie de ancinho, arrastamos, por minutos, os pés num possível quadrante, turvado pelas ondas.

Como nos jogos, aceito a perda de uma vez. Mas a tia volta com o absurdo instrumento e insiste (tal meu irmão no Double Dragon). E, creiam, encontra os óculos no meio do mar, sob o aplauso dos vendedores.

Como nos jogos, às vezes a própria vida se dobra à tenacidade.

pdgonzaga@icloud.com PEDRO GONZAGA

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