domingo, 12 de novembro de 2017


antonio prata

Os direitos do imbecil

Adams Carvalho/Folhapress
No sábado, dia 4, o STF derrubou o item 14.9.4 do Enem, que previa nota zero nas redações cujo teor desrespeitasse os direitos humanos. Com a decisão, o STF garantiu ao imbecil, na prova do dia seguinte, seu direito à imbecilidade -e, por mais triste que seja, me parece ter sido o correto.

O imbecil também é gente e se quiser defender a volta das crucificações, a instalação de um pato guilhotina diante da Fiesp ou a indicação do Alexandre Frota para o Ministério da Educação, não cabe ao Estado calá-lo, mas a todos os não imbecis rebatê-lo racionalmente.

Além da questão ética há uma outra, estratégica, para que deixemos os imbecis espalharem aos quatro ventos o vento de suas cabeças ocas: o cretino com voz é apenas um cretino, mas o cretino censurado se transforma num mártir da liberdade de expressão.

Se permitirmos que se comuniquem, há grandes chances de os patetas tropeçarem nos próprios cadarços, como os que protestaram diante do Sesc contra a filósofa Judith Butler, brandindo crucifixos, ateando fogo a uma boneca e gritando "Queimem a bruxa!". Basta calarmos o bufão, no entanto, e ele vira um herói das liberdades individuais numa cruzada contra a tirania do Estado, repetindo cacos de Thoreau copiados do Facebook e aspas do Mises pinçadas do Twitter.

Para o discurso delirante dos nossos Teletubbies alt-right, nada é melhor do que o falso papel de oprimido. E, surpreendentemente, nos últimos anos, eles têm conseguido ganhar o público nesse papel. No país em que a polícia tortura sistematicamente, executa suspeitos e promove chacinas, os paranoicos performáticos do Escola Sem Partido conseguem convencer boa parte da opinião pública de que ir contra os direitos humanos é desafiar o establishment.

Nunca é demais lembrar que São Paulo elegeu para deputado estadual o Coronel Ubiratã, comandante do massacre do Carandiru. Mais de 50 mil pessoas digitaram na urna o seu número, 111, o mesmo número de cadáveres que seus homens deixaram no presídio. Achar ousado ser politicamente incorreto neste cenário é mais ou menos como, no Coliseu, crer-se
subversivo por torcer pelo leão.

Dilma foi impeachada, Michel Temer está no poder, as bancadas do Boi, da Bala e da Bíblia, se quiserem, em troca de apoio, fazem o presidente dançar "Despacito", de fio dental, no espelho d'água do Planalto, mas os Beavis & Buttheads do conservadorismo continuam se defendendo da esquerda opressora.

Nesta quarta (8), uma comissão da Câmara aprovou, por 18 votos (todos homens) contra um (mulher), a proibição do aborto mesmo em caso de estupro. Serão esses parlamentares influenciados pela poderosíssima "ideologia de gênero" que os carolas do Sesc combatiam com cruzes e chamas? Terão estes senhores sido vítimas do complô de doutrinação comunista que o Escola Sem Partido luta tanto para derrubar?


No domingo passado (5), enquanto 6 milhões de adolescentes faziam o Enem, com o aval do STF para se manifestarem contra os direitos humanos, Luan Nogueira, de 14 anos, saiu de casa para comprar biscoito, em Santo André, e foi morto por um PM com um tiro no pescoço. Sua mãe, impedida pela polícia de se aproximar do corpo, coberto por um saco plástico, reconheceu o filho pela sola do sapato. Sem dúvida, precisamos urgentemente lutar pelas liberdades individuais contra a tirania do Estado, mas será que é combatendo os direitos humanos? 

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