segunda-feira, 18 de setembro de 2017



18 DE SETEMBRO DE 2017
ENTREVISTA - JAIRO NICOLAU

"Os partidos perderam o norte"

Cientista político e professor da UFRJ

Autor de inúmeras obras sobre representatividade e comportamento político, Jairo Nicolau é um crítico da falta de identidade dos partidos brasileiros. Para o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mais preocupante do que a explosão de legendas é a escassez de doutrinas e de democracia interna nas agremiações.

O Brasil precisa de cem partidos? Temos cem ideologias diferentes no país?

Partidos não existem só para defender ideologias. É difícil saber até onde vai a ideologia e até onde vai o pragmatismo. Não há como mensurar efetivamente quantos são os partidos de aluguel. Há políticos ideológicos que fazem práticas fisiológicas e muitos pragmáticos que, em grandes discussões nacionais, votam com o lado ideológico mais definido. Tento fugir um pouco dessa discussão.

O número de partidos reflete o acesso irrestrito a dinheiro público e tempo de rádio e TV?

Essa é a grande questão. Até acho que há certa dificuldade para se criar partidos no Brasil. Poderia se criar algumas regras e fazer um registro online. Pronto. Pode ter 200 partidos, mas só acessam o fundo aqueles que, após a primeira eleição, obtiverem patamar mínimo de votos. Para a Câmara, 1,5%, 2% dos votos seria um bom piso.

Então o percentual mínimo de 1,5% dos votos definido na reforma política está adequado?

É pouco, mas faria razoável arrumação. É um percentual expressivo para deixar alguns partidos muito pequenos de fora, mas também não ameaça os mais tradicionais. Se fosse 3%, siglas como PTB, PDT, PC do B, PSOL estariam no limiar de ficar de fora. A cláusula não impede os eleitos de assumir o mandato, mas o partido que não atingiu o piso fica sem tempo de TV e sem acesso ao fundo. Daí, o deputado vai pensar três vezes se concorre mais uma vez por aquela legenda ou se migra para outra. Se tudo hoje é estímulo à dispersão, a lei prever índice mínimo de votos pode estimular as fusões.

Estímulo a fusões tende a reforçar identidade partidária ou a tornar a ideologia mais difusa?

Podemos ter siglas com demarcação ideológica ou um cenário americano, no qual há dois grandes partidos com várias correntes internas. Essa discussão entre esquerda e direita ficou esmaecida. Os partidos perderam o norte em termos de doutrina, projeto mínimo para o país. Terão de enfrentar isso. Os principais formuladores da política brasileira nos últimos 20 anos, PT e PSDB, terão de fazer um balanço. Eles orientaram o debate, mas estão em parafuso.

Muitos partidos vendem apoio nas eleições. Há como frear esse mercantilismo?

O grande desafio é retomar a confiança dos eleitores. O PMDB era pragmático e com baixa ideologia, mas operava com certa respeitabilidade. O PP era o principal partido de direita e virou, nas palavras da Procuradoria-Geral da República, uma quadrilha, com pedido de cassação do registro.

Há como diminuir a ditadura dos caciques nas siglas?

Não vejo nenhum movimento. A Rede mostrou-se frustrante. Não há ninguém desafiando a forma tradicional de os partidos tomarem decisões. Por que o PSDB não estabelece as prévias como regra compulsória toda vez que há escolha para disputa de cargos no Executivo? O PT está querendo abandonar a eleição direta para a direção. Não vejo democratização nem maior abertura para o cidadão participar. Óbvio que terá renovação na elite que domina a política, mas não sei se a que vem aí tem mentalidade diferente. Espero que pelo menos nos costumes seja uma elite menos corrupta.

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