sábado, 16 de setembro de 2017



16 DE SETEMBRO DE 2017
DAVID COIMBRA

O fim do João Carlos


Imagino o Rio Grande inteiro vivendo horas de suspense para descobrir o que, afinal, aconteceu com o João Carlos.

De onde ele veio? O que pretende? Para onde vai?

Se você perdeu a crônica anterior, segue resumo: o João Carlos, de repente, surgiu em TVs, rádios, jornais, internet e cartazes de rua dizendo tão somente uma frase:

- Olá. Eu sou o João Carlos.

Nada mais acrescentava. Isso por meses, até que um repórter decidiu derramar luz nas trevas. Chamava-se Sérgio Villar e fez um juramento: "Vou descobrir quem é esse João Carlos nem que leve a vida toda".

E saiu a campo, pesquisando, indagando, investigando. Mas não descobria nada. Ninguém na cidade sabia quem ele era. Como podia?

Então, deu-se o inesperado: depois de seis meses, o João Carlos sumiu. Nenhuma aparição de TV, nenhuma foto nos jornais, nada no rádio ou nas redes sociais. Onde andaria o João Carlos?

O povo inteiro fez essa pergunta durante uma semana. Depois disso, estourou um escândalo em Brasília e em seguida veio uma briga entre o PT e o MBL e logo após alguém famoso disse alguma frase meio homofóbica ou meio machista, algo assim, e, desta forma, as pessoas deixaram de pensar no João Carlos. Em 15 dias, ninguém falava mais dele. Em um mês, 50% da população o esqueceu. Em dois meses, o João Carlos não era mais reconhecido na rua. Só uma pessoa se importava com ele: Sérgio Villar.

Sérgio Villar estava decidido a cumprir a promessa: descobriria o João Carlos.

Mas estava difícil.

Durante meses, Sérgio Villar vasculhou a cidade. Resolveu que procuraria o secretário para obter alguma informação, mas o resultado foi decepcionante: ele jamais vira o João Carlos. A comunicação entre os dois se dava através de e-mail.

Sérgio Villar estava desesperado, já não sabia mais o que fazer, até que recebeu uma ligação anônima. Uma voz gutural de homem aconselhou:

- Quer achar o João Carlos? Peça uma pizza.

Sérgio Villar achou que era a voz do secretário, mas não questionou - tratava-se da única pista que tinha. Começou a pedir pizzas. Almoçava pizza, jantava pizza, seu café da manhã era pizza. A mulher e os filhos não aguentavam mais tanta pizza. Quando o entregador chegava, ele perguntava:

- Conhece o João Carlos? Sabe algo do João Carlos?

Ninguém conhecia, ninguém sabia...

Passado um mês, Sérgio Villar já não podia mais ver uma pizza sem sentir enjoo. A mulher avisou que se separaria se tivesse de comer pizza outra vez, mas ele continuava pedindo, interrogando os entregadores e acumulando pizzas.

Sérgio Villar gastara suas economias em entregas de pizza, a família estava em crise com tamanha obsessão, ele não fazia mais a barba nem escovava os dentes, o horror! Mas, uma noite, o próprio João Carlos bateu em sua casa, atrás de uma mezzo calabresa, mezzo portuguesa.

Sérgio Villar reprimiu o choro. Pegou o João Carlos pelo braço. Com autoridade pingando das vogais, disse:

- Você vai ter que me contar tudo!

O João Carlos baixou a cabeça. E murmurou, em uma nesga de voz:

- Eu conto... Eu conto...

Sentado no sofá da sala de Sérgio Villar, rodeado de discos endurecidos de velhas margueritas, o João Carlos contou: ele não era ninguém, ele nunca havia sido ninguém, mas sempre sonhara em ser famoso. Só que não sabia como. Como, meu Deus? Como? Ele não tinha nenhum talento, ele não era bonito nem feio, ele não era especialmente inteligente ou esperto, ele era em tudo um homem comum. Mas um dia o João Carlos recebeu uma herança. Um bom dinheiro, que poderia tornar sua vida tranquila para sempre. Ou...

Ou...

Ou fazê-lo famoso. O João Carlos, então, pesquisou. Descobriu quanto custariam inserções de cinco segundos no rádio e na TV, pequenos anúncios em jornais e outdoors, aprendeu como varar as redes sociais e pôs seu plano em prática. Queria ser famoso, e seria!

Como não tinha nada a dizer, não tinha nenhuma ideia brilhante, nenhum pensamento diferente, nem sequer tinha alguma opinião polêmica, resolveu propagar ao mundo, simplesmente, a sua existência. Comunicou ao povo que ele era o João Carlos.

E assim foi, e durante seis meses ele sentiu-se amado. O João Carlos não podia sair à rua que o povo o cercava, crianças pediam-lhe autógrafos, mulheres tiravam fotos com ele, homens suplicavam para que repetisse sua frase célebre, e ele repetia, feliz:

- Olá. Eu sou o João Carlos.

Só que o dinheiro acabou. Fora da mídia, em duas semanas ninguém mais sabia quem ele era. Sem recursos para se sustentar, passara a entregar pizzas.

Sérgio Villar ouviu em silêncio e ficou comovido quando uma lágrima rolou do rosto do João Carlos e caiu em cima de uma brotinho vetusta Califórnia.

- Foi um tempo bom - suspirou o João Carlos, colocando o capacete sob o braço e se despedindo. Antes de sair, já à porta, arrematou:

- O povo é ingrato...

E se foi, deixando Sérgio Villar a sós com suas pizzas e a certeza de que a fama não serve de nada se não deixar saudade quando se for.

david.coimbra@zerohora.com.br

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