sexta-feira, 15 de setembro de 2017


15 DE SETEMBRO DE 2017
DAVID COIMBRA

O João Carlos

Uma vez, escrevi a história do João Carlos. Foi assim: certo dia, o João Carlos apareceu na TV, em frente a um cenário azul, dizendo:

- Olá. Eu sou o João Carlos.

E só. Uma aparição de cinco segundos.

No dia seguinte, no mesmo horário, surgiu a imagem do João Carlos em outro fundo, agora amarelo. Ele falou:

- Olá. Eu sou o João Carlos.

E nada mais.

Nos dias subsequentes, o João Carlos fez mais aparições na TV, em todos os canais de TV, em vários horários. Aparecia em ambientes diferentes, na rua, dentro de uma casa, à beira de um rio, diante de uma cascata, sempre saudando o telespectador:

- Olá. Eu sou o João Carlos.

Não havia nada de especial no João Carlos. Ele não era especialmente alto, nem baixo. Não era bonito, mas para feio não servia. Não era gordo e tampouco se poderia dizer que fosse magro. Seu cabelo era meio marrom, meio cinzento. Na verdade, um cabelo de cor indefinida. Os olhos do João Carlos pareciam acastanhados, mas ninguém tinha certeza. E ele usava um bigode. Não um grande bigode, um bigode discreto. 

Quando o João Carlos dizia "Olá, eu sou o João Carlos", dizia com confiança e vontade. Dava a impressão de que era importante ele ser o João Carlos e as pessoas logo ficaram esperando que ele revelasse algo de explosivo depois daquela apresentação, mas não foi o que aconteceu. Por dias, semanas e meses a figura do João Carlos entrava na sala das pessoas através da TV, e ele apenas repetia:

- Olá. Eu sou o João Carlos.

Mais tarde, a voz inconfundível do João Carlos estourou nas estações de rádio avisando que olá, ele era o João Carlos. E também nas redes sociais o João Carlos dizia que ele era o João Carlos e, nas ruas e avenidas, os motoristas dos carros e os passageiros dos ônibus deparavam com imensos outdoors com a foto do João Carlos sorrindo e, abaixo, a legenda: "Olá. Eu sou o João Carlos". Nos jornais, sempre havia a fotinho dele bem-humorado, em alguma página ímpar, repetindo: "Olá. Eu sou o João Carlos".

Todos se perguntavam o que quereria o João Carlos com tamanha promoção, repórteres de jornais, revistas, sites e TVs o procuravam a fim de entrevistá-lo, mas ele não falava nada, senão:

- Olá. Eu sou o João Carlos.

Sabia-se que o João Carlos tinha um secretário que tratava das compras de espaços publicitários, mas esse funcionário não revelava nada acerca do patrão. Foi o secretário quem recebeu o convite do Chico Novelletto, da Federação Gaúcha, para que o João Carlos fizesse uma apresentação no Gre-Nal decisivo do campeonato. Assim, antes do jogo, o João Carlos entrou no gramado, postou-se no grande círculo e, de microfone na mão, gritou:

- Olááááá!

E a massa se levantou nas arquibancadas, 60 mil homens e mulheres gritando em coro:

- Eu sou o João Caaaaarlooooooos!

Depois, eles vibraram como se comemorassem um gol.

O João Carlos saiu do estádio consagrado.

O grande assunto da cidade, do Estado e do país tornou-se o João Carlos. Seria ele do PT ou do MBL? Seria gremista ou colorado? O que será que o João Carlos pensava sobre a situação política brasileira? E do Trump? O que ele diria do Trump? Ninguém sabia, porque o João Carlos não falava. Ele só falava:

- Olá. Eu sou o João Carlos. Foi então que aconteceu algo. O que aconteceu?

Conto amanhã.

david.coimbra@zerohora.com.br

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