sexta-feira, 30 de junho de 2017


Jaime Cimenti

Rua da Praia, 27/06/2017 

Eu não ia escrever sobre a Rua da Praia, mas a conheço há mais de 60 anos. Caminho por ela três ou quatro vezes por semana, e ela pediu encarecidamente ao modesto cronista que falasse com ela. Então achei melhor não a contrariar e cumprir minha tarefa de biografar o cotidiano com todo o prazer e sem cobrar mais caro por isso. Me conta a Rua da Praia que o Carlos Reverbel disse que ela está enterrada no belo livro de Nilo Ruschel, que tem foto em cores de seus paralelepípedos na capa. Ela me disse que os dois queridos é que estão enterrados. 

A Rua da Praia disse que não gostou muito quando o Iberê Camargo falou que ela revelava o achinelamento nacional, mas o perdoou e reza por sua alma. A Rua da Praia, ou Andradas, para os oficiais, me conta que já foi moça e mulher vestida com roupas elegantes, joias finas, artigos de luxo e frequentadora de lojas, restaurantes, bares e confeitarias requintados. Hoje, me diz ela, me sinto mais popular, democrática, diversa e meu comércio gira em torno de farmácias, telefones, moda mais básica, spinners e outras mercadorias vendidos por camelôs. 

Os camelôs, ou melhor, vendedores ambulantes, mesmo quando estão parados e não deambulam, seguem na Rua da Praia, vendendo roupas novas e usadas, brinquedos, acessórios para telefone, chapéus, livros e dezenas de coisas mais. Os músicos da Rua da Praia, me conta ela, nunca tiveram nível tão alto e seguem a antiga tradição de se apresentarem no palco mais digno que existe: na praça e na via pública, para deleite de muitos passantes. 

A Rua da Praia me diz que não pretende morrer tão cedo e que torce por revitalizações diversas, especialmente a do cais Mauá. Me diz a Rua que gostaria de mais companhia de noite e aos fins de semana, e que sonha com mais moradores e atividades profissionais no Centro Histórico. 

Não sou saudosista e não me sinto diminuída por contar agora com passantes mais populares e comércio mais modesto, diz a Rua da Praia, que segue viva e torcendo para que os escritórios, lojas e apartamentos desocupados sejam logo alugados, dando mais movimentação e energias ao local. A Rua da Praia me disse que não tem ciúmes da Padre Chagas, sua irmã mais moça e de menor extensão, que hoje se tornou o vale do silicone e conta com menobares - rincões do climatério, calçadas da fama e da grana e outras firulas. 

A Padre é outra praia, é outra passarela, me disse a Andradas, com sua majestade antiga e sua história incomparável. Hoje, 27/06/2017, a Rua da Praia me ofereceu momentos felizes e surpreendentes. No edifício número 1.512, ocupado pela Associação Nacional de Aposentados pela Previdência Social (Anapps), às 15h, no térreo, estavam aposentados cantando e dançando, inclusive contando com uma rainha com faixa e tudo. Toda terça tem festa, das 14h às l6h, para alegria de muitos que se divertem e esquecem de suas dificuldades de aposentados pelo INSS. Sinto-me feliz com isso, disse a Rua da Praia. 

a propósito... 

A Rua da Praia disse que aguarda, ansiosamente, pelo dia do conserto do piso de basalto e pelas obras de revitalização previstas pela prefeitura. 

Disse que quer seguir democrática, plural, popular, diversa e única, especialmente na esquina democrática, palco livre de todos para variadas manifestações, políticas, musicais, comerciais e outras que a cidadania achar conveniente. A Rua da Praia pede que tudo seja feito na Santa Paz, que é o melhor para todo mundo. 

A Rua da Praia deu tchau pedindo para eu não desaparecer, mesmo que deixe de trabalhar no Centro. Disse que gosta muito da gente, que sem as pessoas se sente tão sozinha como um pé de sapato sem o outro, como disse o Mario Quintana, que ainda caminha por ela.  - Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/06/colunas/livros/570645-o-libano-no-brasil.html)

Jaime Cimenti
O Líbano no Brasil 

Todos sabemos que o Líbano se transferiu em peso para o Brasil. Esta é a sensação de muitos libaneses que agora vivem por aqui. Na 32ª Bienal de Arte de São Paulo, o artista libanês Rayyane Tabet disse que, desde a sua infância, imaginava que no Brasil cada libanês tinha um sósia que poderia salvá-lo e que, no final das contas, os libaneses "daqui" resgatariam os libaneses de "lá". O território libanês é pequeno, minúsculo. Esteve e ainda está envolvido por muitas desditas e desventuras e também os brasileiros sentem a presença libanesa avassaladora e a grande presença da colônia libanesa, qualitativa e quantitativamente falando. 

No comércio, na indústria, política, finanças, medicina e culinária, entre outras áreas, os libaneses estão presentes. Nas ciências humanas, de modo geral, entre historiadores, antropólogos, atores, autores, linguistas, gramáticos, jornalistas e escritores figuram com destaque os libaneses e seus descendentes. 

Arabia Brasilica (Ateliê Editorial, 166 páginas, tradução de Letizia Zini Antunes e Valéria Vicentini), do professor Alberto Sismondini, subdiretor do Centro de Línguas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, trata de alguns grandes escritores brasileiros de origem libanesa ou com ela relacionados, como Jorge Amado, Alberto Mussa, Michel Sleiman e mais especialmente Salim Miguel, Raduan Nassar e Milton Hatoum. Alberto tem estudado com profundidade a literatura brasileira e principalmente investigado sobre autores brasileiros de origem libanesa. 

Ele é autor do ensaio I Cedri del Sertão, publicado na Itália. Os "turcos" e suas representações na literatura brasileira é tema abordado no livro e relacionado com Carlos Drummond, Guimarães Rosa e Jorge Amado. A emigração libanesa contada no Brasil fala de Ana Miranda e do livro Amrik. 

O ensaio mais importante do volume aborda três grandes escritores brasileiros de origem libanesa. Salim Miguel, autor de Nür na escuridão, a história de sua família marcada pela diáspora; Milton Hatoum, nascido na Amazônia e autor de Relato de um Certo Oriente e Dois Irmãos; e Raduan Nassar, autor de poucos livros, mas de grande repercussão, como Lavoura arcaica e Copo de cólera. 

O autor analisa profundamente a obra dos três grandes autores, relaciona-as com outras obras de ficção e de crítica literária e apresenta estudos de outros especialistas, como Leyla Perrone-Moisés, que estudou Lavoura Arcaica e o candente tema do incesto. Com o estudo do autor, às três Arábias do mundo clássico acrescenta-se, então, uma Arabia Brasilica, que dá título à obra. Diante da importância da colônia libanesa no Brasil e do porte de escritores de origem libanesa, deve ser saudada a obra. 

lançamentos 

Correr com Rinocerontes (Não-Editora, 290 páginas), do escritor e professor Cristiano Baldi, romance bem estruturado, com temática forte e linguagem criativa, narra sobre as andanças de um gaúcho que volta de São Paulo para enfrentar problemas familiares no Sul. Victória - Uma saga italiana no interior do Rio Grande (AGE Editora, 478 páginas), da atriz e bailarina porto-alegrense Ana Guasque, é um grande e denso romance sobre uma família imigrante italiana que deixou como legado uma cidade no Pampa: Chiapetta. 

O Um - inquérito parcial sobre o caso Ingo Ludder (Editora Bestiário, 160 páginas), do sociólogo e escritor Antonio D. Cattani, traz uma sedutora e movimentada novela policial. Na contracapa, uma frase para alertar e instigar os leitores: "e se isto não for uma ficção?". - Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/06/colunas/livros/570645-o-libano-no-brasil.html)


30 de junho de 2017 | N° 18885
CINEMA

PARA RIR E CHORAR EM FAMÍLIA

COMÉDIA DRAMÁTICA FRANCESA com Omar Sy, astro do sucesso de bilheteria Intocáveis, é refilmagem de produção mexicana

O estrondoso sucesso internacional da comédia dramática Intocáveis (2011), um dos filmes franceses de maior bilheteria de todos os tempos, catapultou a carreira de Omar Sy até Hollywood, onde já atuou em superproduções como X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014), Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (2015) e no ainda inédito por aqui Transformers: O Último Cavaleiro (2017). O ator francês volta agora ao registro agridoce em Uma Família de Dois (2016), que entrou em cartaz nesta semana na Capital. 

O primeiro longa-metragem dirigido pelo roteirista Hugo Gélin é a refilmagem do sucesso mexicano de público Não Aceitamos Devoluções (2013), comédia dramática escrita, dirigida e estrelada por Eugenio Derbez. Tanto no original quanto no remake, a história fisga o espectador inicialmente graças ao carisma do protagonista e depois pelo comovente relacionamento entre um pai nada convencional e sua adorável filha.

Em Uma Família de Dois, Samuel (Sy) é um sujeito sem muitas preocupações a não ser fazer festa e flertar com as turistas na ensolarada praia no sul da França onde trabalha pilotando uma lancha. A boa vida, porém, termina quando ele recebe a inesperada visita de uma ex-namorada, que simplesmente deixa sob sua responsabilidade um bebê de poucos meses, que a garota informa ser filha de Samuel. 

Em pânico com a súbita paternidade, o personagem corre para Londres a fim de encontrar Kristin (Clémence Poésy, a Fleur Delacour das duas partes de Harry Potter e as Relíquias da Morte) e devolver-lhe a pequena Gloria. Samuel, no entanto, perde o rastro da mãe e acaba ficando pela capital inglesa, onde é acolhido por Bernie (Antoine Bertrand), produtor de TV que lhe arranja um emprego como dublê. Oito anos mais tarde, com pai e filha vivendo felizes e inseparáveis, Kristin reaparece querendo recuperar Gloria (Gloria Colston).

Se o grande trunfo de Não Aceitamos Devoluções e Uma Família de Dois é a empatia despertada respectivamente por Eugenio Derbez e Omar Sy, o problema de ambos os títulos também é da mesma natureza. A narrativa flui com graça enquanto a trama mantém-se no registro mais cômico do pai atrapalhado que faz de tudo para agradar a filha; a partir do reaparecimento da mãe da menina, entretanto, o tom pende em excesso para o melodrama lacrimejante e assume um viés desajeitado de “filme de tribunal” misturado com “filme de doença”.


ROGER LERINA | ROGER.LERINA@ZEROHORA.COM.BR


30 de junho de 2017 | N° 18885 
CLÁUDIA LAITANO

Poesia numa hora dessas?!

Descobri João Cabral de Melo Neto pelo poema O Cão sem Plumas. Era o começo dos anos 1990, e eu fazia parte de um grupo de amigos que se reunia de tempos em tempos para ler, beber e descobrir autores novos que a turma andava lendo (com frequência, mais o segundo do que os outros dois). 

Em uma dessas reuniões, levei O Cão sem Plumas para o encontro e foi um sucesso – o que, em uma roda literária, significa que a pequena plateia não apenas não bocejou como pediu bis (“O que vive fere./ O homem, / porque vive, / choca com o que vive. / Viver / é ir entre o que vive.”). Como a mim e aos meus amigos, esse poema só lâmina marcou também a coreógrafa Deborah Colker – a ponto de ela lançar-se ao desafio de transformar o texto em um espetáculo de dança. O resultado está em cartaz, hoje e amanhã, em Porto Alegre. (Leia mais no Segundo Caderno.)

O espetáculo de Deborah Colker chega ao teatro em um ano especialmente poético – pelo menos no cinema. Quatro filmes que estrearam em Porto Alegre nos últimos meses celebraram não apenas a palavra escrita, mas sua forma mais sofisticada e exigente, a poesia. O ótimo Patterson, de Jim Jarmusch, narra a história de um motorista de ônibus (Adam Driver) que se distrai – e abstrai – do cotidiano fisicamente extenuante e repetitivo da profissão escrevendo poesias. 

(Os belos textos que ouvimos e lemos na tela são do poeta americano Ron Padgett, alguns deles escritos especialmente para o filme.) Neruda, de Pablo Larraín, com Gael García Bernal no papel principal, e Além das Palavras, filme de Terence Davies sobre a americana Emily Dickinson, são cinebiografias de poetas consagrados. Já o delicado, comovente e imperdível Quem é Primavera das Neves, de Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado, ainda em cartaz na cidade, é uma cinebiografia de uma poeta desconhecida que passou boa parte da vida traduzindo a poesia alheia.

Poesia Numa Hora Dessas?! é o título de uma seção que Luis Fernando Verissimo vem publicando, já há alguns anos, em jornais e revistas – coleção reunida em livro, em 2010, pela editora Objetiva. A sacada genial do Verissimo é que a questão/reafirmação “numa hora dessas?!”, quando nos referimos à poesia, adapta-se a todas as horas e nunca corre o risco de soar anacrônica. Isso porque, para muita gente, a arte é sempre um convidado estabanado que aparece cantarolando na festa sem perceber que o teto e as paredes em volta estão desabando.

Por sorte, para muitos outros, a poesia é exatamente o que nos ajuda a permanecer lúcidos enquanto o céu e o chão parecem desabar. O que vive fere, mas, para viver, é preciso estar entre o que vive.



30 de junho de 2017 | N° 18885 
DAVID COIMBRA

Sophie

Chega de falar em Temer, Lula, Dilma, Renan e Cunha. Chega! Vamos falar de mulher. Vamos falar de Sophie Charlotte.

Quem encomendou esse tema, solicitando com essa candência exclamativa, foi meu amigo Nelson Guahnon, o Cabeça, pai de um craque, o Gúti – você ainda vai ouvir e ler muito sobre o Gúti.

O Cabeça é um devotado admirador da Sophie Charlotte desde que ela não passava de uma adolescente recém-egressa de Malhação – o Cabeça é um descobridor de talentos.

Já eu sou mais difícil. Só fui reparar em Sophie depois que ela cantou Sua Estupidez com o Rei. Ela levitava dentro de um vestido branco que lhe deixava os ombros morenos nus. Olhos negros de corça, lábios vermelhos de carmim, dentes brancos de marfim, Sophie murmurava para Roberto:

– Eu te amo... Eu te amo... Penso tê-lo visto estremecer.

Sophie é meio alemã, meio brasileira. Como o grande Arthur Friedenreich, só que o contrário, porque ela é nascida em Hamburgo, filha de pai brasileiro e mãe alemã, e ele nasceu em São Paulo, filho de mãe brasileira e pai alemão.

A mãe de Friedenreich era uma lavadeira negra, o pai, um branquicela. Friedenreich saiu mulato de olhos verdes. Naquele tempo, anos 20 do século 20, os maiores clubes brasileiros não aceitavam negros no time, com exceção do Vasco da Gama. 

Assim, para poder jogar, Fried disfarçava a negritude: alisava os cabelos com gomalina e aplicação de toalhas quentes, e a cútis amarronzada alegava ser obra de saudável exposição ao sol dos trópicos. Colava. Não porque as pessoas se enganassem, mas porque ele fazia gols a mancheias. Antigos jornalistas registraram que Fried marcou 1.239 gols. Quase um Pelé.

Sophie também é craque. Ela canta, como mostrou no especial do Rei, dança, que é bailarina, e atua docemente. Nessa série da Globo, Os Dias Eram Assim, Sophie começou como uma jovenzinha de minissaia, rebelde e desafiadora, que pulava a janela da casa dos pais para passar uma tarde em liberdade, e está terminando como uma mulher feita, ainda inquieta, mas levemente torturada pela conformação com os fracassos da existência.

Depois que o Cabeça enviou aquela mensagem pedindo “Chega de Temer e Lula, escreva de Sophie!”, depois daquilo parei em frente à TV e me pus a observá-la com mais critério. Concluí que o Cabeça tem razão. Para que perder tempo com essas velhas fuinhas e suas tramas sórdidas se podemos olhar criaturas como Sophie e sorver sua arte escorreita e sua beleza luzidia, se podemos apreciar as boas coisas da vida?

Ah, essa gente má nos faz mal. Mas não gente como Sophie Charlotte. Sophie Charlotte é um antídoto. Há outros por aí: o murmúrio das ondas do mar, a risada do filho, o carinho da mulher amada, o chope gelado e a alegria de poder dar um presente a um amigo, como esta crônica que escrevi para o Cabeça, o pai do Gúti, quem sabe o nosso próximo Friedenreich. E que escrevi também para você, só para lhe dizer: esqueça os azedumes do dia, olhe para a vida em volta, escolha um antídoto, sirva-se à vontade. E seja muito mais feliz.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Há uma guerra na fronteira Norte

Reprodução
Helicóptero sobrevoa sede do governo e do Supremo, e Maduro fala em terror
Helicóptero sobrevoa prédios do governo e do Supremo venezuelano nesta terça-feira (27) em Caracas
A Venezuela está a um passo da guerra civil, se é que já não mergulhou nela. É a conclusão inescapável que se pode tirar do atentado contra o Tribunal Supremo de Justiça, na terça-feira (27), praticado a partir de um helicóptero da polícia –ou, mais exatamente, do CICPC (Corpo de Investigações Científicas, Penas e Criminalísticas).

O líder do "ataque terrorista", como o qualificou o presidente Nicolás Maduro, chama-se Oscar Pérez, é inspetor do CICPC, membro da Brigada de Ações Especiais e chefe de operações aéreas, além de piloto de helicópteros e paraquedista.

Em resumo, não é um oficial qualquer. Ainda por cima, apresentou-se de cara limpa em um tuíte, sob a guarda de quatro soldados (ou oficiais?) encapuzados. Significa que se oferece à repressão, na suposição de que terá seguidores na sua cruzada para "livrar-nos desse governo corrupto", como afirmou. É mais um sinal de que o edifício bolivariano apresenta cada vez mais rachaduras, ainda que em doses liliputianas.

A dissidência mais ruidosa e significativa foi aberta pela procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, fiel funcionária do regime até que Maduro ultrapassou todos os limites, ao confiscar as funções da Assembleia Nacional, controlada pela oposição desde a eleição de 2015.

O ataque ao Supremo não é o único indício de uma guerra civil de baixa intensidade em curso há pelo menos três meses. Não há como qualificar de outra forma os choques quase diários entre os manifestantes e as forças repressoras, que já causaram quase 80 mortes.

Não há movimento civil que se mantenha nas ruas durante tanto tempo, ainda mais sendo impiedosamente reprimido com uma violência típica das ditaduras, se não for por puro desespero. Desespero causado pela carência de alimentos e remédios, pela profunda retração econômica, pela inflação que é recorde mundial e pela destruição do avanço social dos primeiros anos do chavismo.

Sobre esse último ponto, basta citar a Pesquisa sobe Condições de Vida na Venezuela, elaborada por três das principais universidades do país e que mostra que, em dezembro de 2016, "pela primeira vez na história, chegamos a 82% de lares em situação de pobreza". Constatação de Ángel Oropeza, um dos responsáveis pela pesquisa.

O drama venezuelano fica acentuado quando se sabe que o governo não toma conhecimento dessa triste realidade e não retifica uma só das políticas que levaram à catástrofe. O que fazer quando se tem uma situação tão crítica na fronteira Norte do Brasil? Não há muito o que pode fazer um governo como o de Michel Temer, cuja única agenda é a sobrevivência.

Mas há uma sugestão que vale a pena anotar, feita pelo sociólogo mexicano Jorge Castañeda, em artigo desta quarta (28) para "El País": "Não há saída para a tragédia de Caracas sem Cuba". 

É por aí, dada a influência ideológica dos cubanos sobre o bolivarianismo. A dúvida é saber qual governo latino-americano pode trabalhar com Cuba para enfrentar o colapso da Venezuela. O do Brasil está fora do jogo, desgraçadamente.

BC sugere à Lava Jato ação conjunta em acordos com bancos sob suspeita

Rodolfo Buhrer/Reuters
Antonio Palocci (front), former finance minister and presidential chief of staff in recent Workers Party (PT) governments, is escorted by federal police officers as he leaves the Institute of Forensic Science in Curitiba, Brazil, September 26, 2016. REUTERS/Rodolfo Buhrer ORG XMIT: BRA103
O ex-ministro Antonio Palocci prometeu revelar nomes de bancos que participaram de corrupção
O Banco Central indicou aos procuradores da Operação Lava Jato que está disposto a compartilhar com eles informações sigilosas de bancos sob suspeita, e poderá oferecer ao Ministério Público um lugar na mesa quando chegar a hora de negociar acordos com instituições financeiras sob investigação.

Na sexta (23), dois diretores do BC se reuniram com integrantes da força-tarefa que conduz as investigações da Lava Jato em Curitiba para discutir mudanças na medida provisória que ampliou os poderes da instituição para investigar os bancos, editada pelo governo e enviada ao Congresso no início do mês.

A medida provisória vinha sendo discutida havia pelo menos sete anos, mas foi recebida com críticas pelos procuradores, que viram nela uma tentativa do governo de obstruir o caminho dos investigadores num momento em que novos delatores ameaçam fazer revelações sobre o envolvimento de bancos com os esquemas de corrupção descobertos pela Lava Jato.

O ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que negocia um acordo com a Lava Jato, disse ao juiz federal Sergio Moro no início de abril que um banqueiro o procurou em 2010 oferecendo ajuda para movimentar recursos ilícitos destinados à campanha de Dilma Rousseff à Presidência.

Palocci prometeu a Moro que revelaria nomes em outro momento e desde então negocia os termos de sua colaboração com a Lava Jato. Nesta segunda (26), o juiz condenou o ex-ministro a 12 anos de prisão e expressou dúvidas sobre sua disposição de colaborar com a Lava Jato.

A medida provisória que amplia os poderes do BC cria condições para que bancos sob suspeita forneçam informações sobre irregularidades em troca da redução de penas no âmbito administrativo, negociando acordos de leniência semelhantes aos que a Odebrecht e os donos da JBS negociaram recentemente.

Embora a medida só trate de infrações de caráter administrativo que o BC deve fiscalizar, a lista é tão ampla que em muitos casos elas se confundem com crimes que cabe à Polícia Federal e ao Ministério Público apurar, e não há previsão de que essas instituições participem das negociações do BC com os bancos.
Além disso, a medida provisória permite que o Banco Central mantenha em sigilo informações cuja divulgação considere uma ameaça à estabilidade e à solidez do sistema financeiro, o que deixou os procuradores contrariados.

No encontro de sexta, ficou combinado que os dois lados farão estudos sobre as 97 propostas de alteração da medida provisória apresentadas no Congresso e voltarão a conversar depois para buscar consenso em torno de emendas que o governo poderá apoiar. Nesta semana, os diretores do BC se encontrarão com assessores do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

MODELO

Uma das ideias em discussão é copiar o modelo adotado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão do Ministério da Justiça que fechou dez acordos com empreiteiras investigadas pela Lava Jato. O Ministério Público foi chamado a participar dos acordos na fase final da negociação em todos os casos.

A legislação atual já obriga o BC a comunicar indícios de crimes que surjam durante investigações. Mas os procuradores temem que o BC mantenha indícios sob sigilo por causa da preocupação com a estabilidade dos bancos e querem que as regras dos acordos de leniência deixem claro como as informações serão compartilhadas.