segunda-feira, 31 de outubro de 2016


31 de outubro de 2016 | N° 18674
ARTIGOS | RICARDO BREIER

ABUSO DE AUTORIDADE

Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 280/2016 (PL).

Ele dá nova disciplina aos crimes de abuso de autoridade e destina-se a substituir a Lei 4.898/1965, hoje em vigor. A mídia dá conta de duas manifestações.

O senhor juiz de Direito Sergio Moro teria afirmado que é preciso criar salvaguardas para deixar claro que a norma não pode punir juízes pela forma como interpretam as leis em suas decisões, pois “do contrário, vai ser um atentado à independência da magistratura”.

O senhor procurador Carlos Fernando dos Santos Lima teria sustentado que “a aprovação da lei... pode significar o fim da Operação Lava-Jato”.

Tais assertivas impõem que tenhamos noção sobre a que estão se referindo, ou seja, do que se trata.

A mídia não informa o conteúdo do PL. A lei de 1965 tem como sujeito a “autoridade”, entendida como quem exerça cargo, emprego ou função pública.

O PL é mais preciso quanto aos destinatários: agentes da administração pública; servidores públicos ou equiparados; e membro dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

O PL dá nova redação a crimes já definidos na lei de 1965 e cria novas hipóteses:

Constranger o preso ou detento, depois de esse ter perdido a capacidade de resistência, a exibir-se à curiosidade pública, a produzir provas contra si ou terceiro;

Ofender a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem da pessoa, constrangendo-a a participar de ato de divulgação aos meios de comunicação social ou serem fotografados ou filmados com essa finalidade;

Constranger alguém, sob ameaça de prisão, a depor sobre fatos que possam incriminá-lo ou que deva, por sua função, guardar sigilo;

Impedir, sem justa causa, que o preso se entreviste com seu advogado ou com este se comunique durante audiência judicial, depoimento ou diligência;

Executar mandado de busca e apreensão com excesso ou de forma vexatória;

Quebrar o sigilo bancário ou fiscal, interceptar telefonemas, fluxos de informática e telemática ou escuta ambiental, sem autorização judicial ou fora de suas condições;

Dar publicidade, antes de instaurada a ação penal, a relatórios, documentos ou papéis obtidos com resultado de intercepções telefônicas, de comunicação informática ou telemática, de quebra de sigilo bancário ou fiscal ou de escuta ambiental;

Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada”.

Há outras hipóteses (site do Senado Federal, PL 280/2016).

A razoabilidade e necessidade das novas hipóteses conflitam com as afirmações do senhor juiz e do senhor procurador.

Não creio que pretendam que lhes seja permitido o que o PL quer vedar.

Ou, que queiram que ele não se aplique à magistratura e ao Ministério Público.

O abuso de autoridade tem que ser vedado a todos.

Juízes e promotores não podem ficar à margem de regras.

Poderá alguém lembrar da sabedoria popular: todo aquele que deve teme.

O parlamento deve enfrentar e debater o PL, mesmo que destinatários a ele se oponham.

OS PRAZERES DA FEIRA DO LIVRO

O ator Gérard Phillipe está numa foto da revista Le Nouvel Observateur (1998) parecendo morder páginas impressas. Posava como modelo de devorador de livros, destinado a ilustrar uma campanha de propaganda em favor do livro do publicitário Henri Sjoberg com o slogan: “Melhor que um presente: um livro”.

De onde saiu essa ideia de misturar comidas e livros? A gula só aparece se for despertada por algo que dê muito prazer. A leitura faz isso, desperta prazer, o prazer do texto de que fala Roland Barthes. Adolfo Bioy Casares não deixa por menos – “si no hay placer, no hay literatura”.

As sensações voluptuosas estão presentes ao se tocar o livro. Continuam em detalhes. O barulho das páginas. O cheiro de papel. O tipo de letra. Exagero? Lembra Alfonso Reyes que Macaulay absorvia os livros pela pele... E há quem leia mexendo os lábios, decerto para melhor saborear as palavras... Todo esse enlevo já acabou em orgia descrita no texto A Biblioteca de Babel, de Jorge Luis Borges. Infinita, interminável, dominadora a biblioteca com suas escadarias, prateleiras, meandros, afigura-se um labirinto. Um livro leva a outro e mais outro. 

Quer numa biblioteca pública ou particular, os leitores estão na mesma situação dos comedores compulsivos, não podem parar, uns arrastados pelas iguarias, outros escravos de uma droga poderosa – a letra impressa. Há dependência e apego. O comedor não quer abrir mão da última almôndega. Sofre pela abstinência e sofre o leitor por algum empréstimo perigoso a que estiver sujeito – o livro pode não voltar. Parece então prudente deixar os livros em seus lugares prediletos: não se pode passar sem eles, a biblioteca é vista mais como um lugar de trabalho do que um lugar de ócios.

Talvez por isso Montaigne mandou gravar nas vigas de sua biblioteca sentenças que lhe pareciam úteis, extraídas dos autores que nunca abandonava. Dizia ele, agia “como o avarento goza do seu tesouro, simplesmente com saber que posso usá-los quando queira”.

Alinhados com cuidados meticulosos, neuróticos, os livros estão exatamente como devem ficar os vinhos nas caves, quietos, em lugar fresco, seco, ao abrigo da luz. As prateleiras passam a fazer o papel de “caves do saber humano” como quer Jean- Christophe Baily.

Os livros e seus prazeres encontram-se num suculento bufê: a 62ª feira do livro de Porto Alegre. Bom apetite!

UMA CPI EM DEFESA DA SOCIEDADE

Infelizmente, estamos assistindo ao indevido uso de alguns mecanismos que foram criados para a proteção dos direitos da sociedade, tais como imunidades, regras processuais, propostas orçamentárias, obras públicas e CPIs. Garantias da cidadania foram violadas e esses instrumentos democráticos perderam a sua essência.

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs), especialmente, incluem-se entre aqueles institutos desmoralizados pelo mau uso. Muito além do caráter investigatório, são utilizadas para defender interesses individuais e partidários distantes do seu papel social.

Com o avanço da democracia e a necessária luta em defesa da cidadania, a OAB/RS defende, neste momento da história, recuperar o relevante papel da CPI e o faz propondo uma investigação séria e aprofundada dos problemas da segurança pública. Este tema foi abandonado por nossos sucessivos governos, ainda que por ele clamem os cidadãos diariamente atingidos pela violência, que poderia ser evitada com uma política de gestão permanente de Estado.

Por meio da instalação da CPI da Segurança Pública, acreditamos que poderemos, de maneira completa e com o auxílio do parlamento, diagnosticar o caos que vivemos atualmente. O trabalho da CPI neste caso não se pautará por ideologias partidárias, mas, sim, pela defesa do interesse da sociedade gaúcha.

Espera-se, a partir de agora, que a promessa do Executivo e do Legislativo de transparência não seja apenas um discurso, e que a CPI proposta seja aprovada por unanimidade, com o voto de todos aqueles que têm o comprometimento de zelar pela ordem pública, representada por políticas efetivas de segurança. Nunca é demais lembrar que a grande vítima da insegurança é toda a sociedade, tendo em vista que nossos parlamentares foram eleitos para cumprir a vontade dela, garantindo-lhe a segurança pública. Então, nada mais coerente a sua defesa pelo parlamento.


31 de outubro de 2016 | N° 18674 
DAVID COIMBRA

O que dizem as eleições

Aeleição de Nelson Marchezan para prefeito de Porto Alegre, conjugada com os resultados das outras eleições municipais, demonstra uma realidade: o Brasil já mudou, nós é que não percebemos.

Nós, que digo, somos os profissionais das atividades que tentam compreender a sociedade, como o jornalismo e o Direito.

É natural que tenhamos surpresas periódicas com os movimentos das massas, porque o jornalismo e o Direito estão sempre atrás da sociedade, nunca à frente dela. O que não é crítica a jornalistas e juristas. É uma característica dessas profissões – o jornalismo se esforça para contar o que aconteceu e o direito se esforça para regular sobre o que está acontecendo. São profissões reflexivas, que têm o passado como matéria-prima.

Por isso mesmo, jornalistas e juristas são por natureza conservadores. A maioria dos jornalistas e dos juristas reproduz o pensamento dominante da intelectualidade de um país. Que não é, necessariamente, o pensamento da elite ou do grupo que está no poder. É o pensamento geral da intelectualidade média, e a sociedade é muitíssimo mais dinâmica do que a intelectualidade média.

Uma ilustração perfeita desse quadro foram as célebres manifestações de junho de 2013. Jornalistas e juristas ficaram perplexos, não compreendiam o que se passava nas ruas do país. Enquanto isso, a extrema-esquerda irresponsável, a partir dos famigerados black blocs, e a direita truculenta, a partir dos saudosos da ditadura, tentaram se aproveitar dos acontecimentos. Até tiveram algum ganho, mas mínimo. Não crescerão além do que já cresceram, porque estavam todos equivocados.

Há quem diga que se deu uma “guinada à direita” no país. Errado. O que há é uma saturação com a forma como o poder público e as autoridades se comportam no Brasil. As pessoas estão fartas, e isso não tem a ver com direita ou com esquerda. O PT se dissolveu nem tanto pela corrupção e muito mais por sua arrogância e seus métodos agressivos. Agora, lideranças de direita se comportam da mesma forma, na ânsia de dar o troco. Fazem tudo exatamente igual: o mesmo discurso excludente, as mesmas táticas de ataque e difamação de adversários, a mesma petulância.

Ao mesmo tempo, as ditas esquerdas não aprenderam nada. Continuam acreditando que foram vítimas de um golpe orquestrado malignamente pela direita, pelas elites brancas, pelos coxinhas, pela mídia. Como já disse, intelectuais são conservadores. São sempre os últimos a mudar.

O Brasil não está caminhando para a nova direita, nem haverá espaço para a nova esquerda. O Brasil começa a procurar a sensatez. Falta descobrir onde ela está. Escreverei mais a respeito amanhã.



31 de outubro de 2016 | N° 18674 
L.F. VERISSIMO

Algemas

O Mario Quintana disse que as guerras eram um modo prático de se aprender geografia. No noticiário de batalhas e territórios conquistados e perdidos, se descobria o nome de lugares até então desconhecidos, e alguns se tornavam não apenas conhecidos como históricos, identificados para sempre com o que ali se passara – fosse um morro, um riacho ou uma aldeia de um cachorro só. No atual noticiário sobre escândalos financeiros, delação premiada, prisão cautelar e prisão domiciliar, instâncias, recursos etc. – enfim, essa novela que não acaba –, estamos tendo aulas diárias de Direito e jurisprudência. 

Mas, como os locais insignificantes que ficaram famosos por serem cenários de fatos históricos, os debates judiciais não merecem a imponência que lhes empresta sua retórica esotérica, já que o que se está discutindo são diferentes interpretações do que é legal, constitucional e justo – tudo o que a gente imaginava já decidido e gravado em pedra. Discute-se o que juízes e polícia podem ou não podem fazer e até o que um ministro do Supremo Tribunal Federal pode ou não pode fazer. E a gente aqui pensando que isso estava combinado há anos.

A questão das algemas, por exemplo. Procurei um ladrão de galinhas para ouvir sua opinião a respeito. Como se sabe, na era pré-Lava-Jato só ladrão de galinha ia preso no Brasil. Consegui encontrar um representante da categoria e tivemos o seguinte diálogo fictício:

– Você é considerado um protótipo do ladrão de galinha brasileiro.

– Isso.

– Como devo chamá-lo?

– Pode ser Protó.

– Você é a favor ou contra as algemas?

– A favor.

– O quê? Você não acha que as algemas são uma indignidade, que humilham desnecessariamente o preso?

– Acho não.

– Logo você, Protó, que estava sempre sendo preso? Que surpresa. Mas obrigado, viu? Eu...

– Espera. Você não vai me perguntar o que eu acho de jogarem a gente no porta-malas da viatura como um saco e depois nos prenderem numa cela com 20 onde só cabem dois? Sou contra.

E completou:

– Gosto das algemas em comparação com o resto.

TCHAU

Vou sair de férias. Sem foguetes, por favor. Volto no dia 1º/12.

sábado, 29 de outubro de 2016


29 de outubro de 2016 | N° 18673 
LYA LUFT

Difícil tarefa



Quando crianças, o tempo para nós é sempre “agora”: brincar, mamãe, com sorte mais carinho do que violência, coisas desse tipo. Somos imediatistas. Depois, ainda pequenos, contamos o tempo pelas vezes em que teremos de dormir: “Quantas vezes tenho de dormir até o Natal? Até o aniversário?”.

Saindo do limbo da infância, começamos a ter projetos. Precisamos ter projetos. Nos dizem que temos de ter projetos, mais do que desejos ou sonhos, porque estamos ficando “grandes” e precisamos ser responsáveis. Alguns sonhos e desejos podem se transformar em projetos cada vez mais complexos e a mais longo prazo, à medida que nos tornamos adultos. 

Com eles chegam as frustrações: eu queria ser rico, acabei remediado, queria ser famoso, sou um anônimo. Eu queria se médico, acabei taxista. Eu queria ser modelo, virei uma acomodada dona de casa; eu quis viajar o mundo, e só agora, quase na velhice, vou conhecer o Rio.

A frustração tem a medida do desejo que não se realizou, ou da nossa incapacidade de nos adaptarmos ao real – sem perder a capacidade de voar. Não é preciso pisar na Lua para ser bem-sucedido, nem ter um Everest de dólares para se sentir bem na própria pele, isso que eu chamo de “ser feliz”. Gostar do que conseguimos: fazer caber nossas alegrias, isso que fazemos, desde que não nos humilhe nem degrade. 

Por que não posso ser bem-sucedida tendo uma casa simples mas acolhedora e uma família em que, apesar das brigas naturais, nos apoiamos uns aos outros em lugar de criticar? Por que conduzindo pessoas num táxi não posso fazer bem a elas e sustentar minha gente? Por que não sendo modelo, mesmo assim não posso me achar bonita, simpática, rica de emoções e coisas boas?

O problema maior é descobrir quem somos, o que desejamos e o que podemos. Ignorar, superar, os preconceitos, as regras, as receitas de ser bem-sucedido e feliz. Empoderamento, palavra clichê do momento (até rimou), me aborrece um pouco. Por que teríamos de ser todos poderosos? Importa, mais que isso, sermos decentes, dignos, úteis, amorosos, compassivos, criativos, e capazes de ver – mesmo na correria desta vida moderna – a beleza das nuvens disparando no céu, a dança das copas das árvores ou das ondas do mar quando venta forte. De telefonar para o amigo em dificuldade, dedicar um tempo aos filhos, ou aos pais, escutar o parceiro com carinho, enfim, sermos humanos sem maior complicação.

Para entender quem somos, quem queremos ser, quem podemos ser – não o que os outros, a turma, a sociedade, querem que sejamos –, é preciso parar pra pensar. “Parar pra pensar? Nem pensar! Se eu paro pra pensar, desmorono”, é a frase mais comum. Então esse deveria ser nosso heroísmo fundamental: interromper a agitação, um momento que seja, clarear a paisagem interior dominando a impaciência e o pessimismo. 

Enfrentando como podemos a realidade de um país confuso num mundo conturbado, na floresta de enganos em que se desperdiçam bons amores e desejos. Assim talvez sejam menos dolorosas as inevitáveis frustrações que por toda parte espreitam – porque viver, e conviver, sem perder a bondade nem a coragem, é difícil tarefa.




29 de outubro de 2016 | N° 18673 
MARTHA MEDEIROS

Minha dica: “Enclausurado” merece mesmo esse título, já que é um livro que prende o leitor

Enclausurado

Quando soube que o livro Enclausurado era narrado por um feto, gelei. Não sou muito fã de narrações feitas por crianças, o que dizer de um ser que nem criança ainda é? Na mão de um escritor menos tarimbado, teria tudo para transformar-se numa bizarrice, mas estamos falando do grande Ian McEwan, cujo talento anula qualquer desconfiança. Mestre é mestre: fui direto da primeira à última página sem pausa para buscar um copo dágua. E minhas gargalhadas confirmaram o prazer da leitura. Fazia tempo que não me divertia tanto.

De dentro da barriga da mãe, escutando tudo o que ela conversa, assim como os sons que a circundam, o bebê absorve informações sobre o mundo atual, incluindo alguns segredos íntimos e bem indigestos: mamãe planeja, com o amante, matar seu pai. Infiltrado no corpo da iminente assassina, ele é uma testemunha auditiva e impotente. Só lhe resta tentar entender o que está acontecendo lá fora e torcer para que a vítima escape. Eu quase pude ver o sorriso no rosto do autor enquanto ele se dedicava à engenhosa tarefa. Como toda boa trama policial, a parte psicológica é sempre a mais saborosa.

Aquele pequeno ser já formado (é o nono mês de gravidez), sem espaço para expandir-se, aguardando entediado o momento de nascer, acaba forçosamente participando do crime e recebendo informações privilegiadas: ele escuta os batimentos cardíacos de sua mãe, percebe a adrenalina provocada pelo medo dela, interpreta as nuances de seu tom de voz, sente as emoções todas que ela sente, desde o pânico contido até o prazer mais obsceno. Aliás, a descrição das relações sexuais da gestante sob o ponto de vista de quem está presenciando o ato de perto – muito, muito perto! – são absolutamente originais. E cômicas, claro.

Começou a Feira do Livro de Porto Alegre. Bancas e balaios com mil tentações, mas esta é a minha dica. Um texto espetacular e inteligente em apenas 200 páginas (sei que há pressa em voltar ao smartphone) e com um enredo que merece mesmo esse título, já que Enclausurado é um livro que prende o leitor.

Já que pretende ir à Feira, aproveite para me prestigiar no Pavilhão de Autógrafos. Aguardarei você às 17h do próximo sábado, dia 5, quando lançarei Um Lugar na Janela 2, o segundo volume dos meus relatos de viagens, em que me apresento nada enclausurada: livre e solta pelo mundo.




29 de outubro de 2016 | N° 18673 
CARPINEJAR

No tempo em que todos estavam vivos

O aniversário nunca será na fase adulta como na infância. Não haverá mais a longa véspera da meia-noite, entre dormindo e acordado, naquela vigília pelo presente. Não haverá mais o lar em completa algazarra por uma única pessoa: você no centro do mundo, uma pessoinha de pálpebras rápidas, piscando diante da mãe preparando a panela de brigadeiro, as forminhas de salgados e cuidando para o bolo não afundar acendendo e apagando a lâmpada do forno. Não haverá mais a estranha exclusividade de provar qualquer doce antes do almoço.

Um exército de mãos rompe a rotina para dar conta das atividades domésticas acrescida de novidade de seu aniversário.

E não é obrigado a fazer nada, a não ser assistir ao espetáculo de seu nascimento a ser repetido fora do ventre. Os irmãos não lhe machucam, não implicam, oferecem um indulto abençoado de gracejos. Colegas lhe tratam bem e com respeito, existe uma veneração de brilho, tios e tias mexem em seu cabelo, roubam beijos, brincam com a demarcação de sua breve existência com a marionete dos dedos.

Você só tem que apenas esperar uma surpresa depois da escola denunciada em cada riso da família. Não passou por nenhuma dor e separação para estragar a alegria, nenhuma cadeira estará vaga pela morte ao redor da mesa. Os avós estão ainda vivos e vêm de longe com suas malas xadrez do interior e pacotes improvisados longe das lojas.

A memória não é maior que a imaginação. Desperta da cama, como se fosse um sapato de couro envolvido em papel seda dentro de uma caixinha. Você colocará chapeuzinho cônico, com o elástico apertando o queixo imberbe. Soprará as velas com a ajuda dos outros, o melhor aniversário é do tempo em que não tem força no pulmão para apagar a chama da vida.

Assim que você cresce, a festa é um fingimento – um alegre fingimento, mas fingimento –, enfrentará o trabalho de convidar os amigos e de negociar os presentes, sofrerá com alguma perda e gafe. Precisará receber os convidados e não poderá parar um minuto de servir e ver se se todos estão felizes, comendo e bebendo.

Acabou a comemoração inconsciente, acabou a sensação de medo bobo, acabou o olhar guloso ao teto repleto de balões coloridos para definir qual deles levará para voar dentro do quarto.

Quando crescemos, os aniversários são solitários mesmo de casa cheia. Casado ou solteiro, ficará responsável pela sua alegria. Ninguém mais aplacará a expectativa e resolverá a carência. Persistirá a consciência de que estamos envelhecendo mais do que inaugurando uma idade.



29 de outubro de 2016 | N° 18673 
ANTONIO PRATA

BEIJO NO ASFALTO

O problema de São Paulo, dizia o Vinicius, “é que você anda, anda, anda e nunca chega a Ipanema”. Se tomarmos “Ipanema” ao pé da letra, a frase é absurda e cômica – segundo o Google Maps, caso eu saísse andando em direção ao Rio, levaria quatro dias e catorze horas para percorrer os 511 quilômetros que separam a minha poltrona verde das areias brancas do Posto 09. Tomando “Ipanema” como um símbolo, no entanto, como um exemplo de alívio, promessa de alegria em meio à vida dura da cidade, a frase passa a ser de um triste realismo: o problema de São Paulo é que você anda, anda, anda e nunca chega a alívio algum. O Ibirapuera, o Parque do Estado, o Jardim da Luz são uns raros respiros perdidos entre o mar de asfalto, a floresta de lajes batidas e os Corcovados de concreto armado.

O paulistano, contudo, não é de jogar a toalha – prefere estendê-la e se deitar em cima, caso lhe concedam dois metros quadrados de chão. É o que vemos nas avenidas abertas aos pedestres, nos fins de semana: basta liberarem um pedacinho do cinza e surgem revoadas de patinadores, maracatus, big bands, corredores evangélicos, góticos satanistas, praticantes de ioga, dançarinos de tango, barraquinhas de yakisoba e barris de cerveja artesanal.

Tenho estado atento às agruras e oportunidades da cidade porque, depois de cinco anos vivendo na Granja Viana, vim morar em Higienópolis. Lá em Cotia, no fim da tarde, eu corria em volta de um lago, desviando de patos e assustando jacus. Agora, aos domingos, corro pela Paulista ou Minhocão e, durante a semana, venho testando diferentes percursos. Corri em volta do Parque Buenos Aires e do Cemitério da Consolação, ziguezagueei por Santa Cecília e pelas encostas do Sumaré, até que, na última terça, sem querer, descobri um insuspeito parque noturno com bastante gente, quase nenhum carro e propício a todo tipo de atividades: o estacionamento do Estádio do Pacaembu.

Todo dia, quando o sol se põe, turmas se juntam nas calçadas para praticar crossfit. No meio do asfalto, uns nerds apostam corrida com carros de controle remoto, enquanto uns mais nerds ainda filmam tudo com drones. Sentados na mureta, casais se beijam, amigos jogam cartas, uns jovens fumam maconha e o mendigo deitado no barranco, contemplando o céu nublado, não incomoda nem é incomodado por ninguém.

Ontem, na entrada principal do estádio, um pai, um avô e duas crianças jogavam futebol, as enormes colunas fazendo as vezes de traves. Parei ali, fiquei vendo os dribles e ouvindo as risadas dos meninos até que, pouco a pouco, aqueles pilares gigantes, típicos dessa arquitetura fascista pensada para agigantar a pátria e humilhar o indivíduo, foram sendo trazidos – a contragosto, talvez – à escala humana. Lembrei do filme Um dia muito especial, do Ettore Scola. Numa tarde em que a cidade entra num frenesi pela presença do “Duce”, Marcello Mastroianni e Sophia Loren se arriscam numa delicada história de amor. Como se o cineasta oferecesse, contra o massificante glutamato monossódico do totalitarismo, um ramo de alecrim.

“Gol do Vitor!”, gritou o avô, “Gol do Vitor!”, gritou o pai, então o Vitor saiu correndo, saltando e socando o ar feito um Carlos Alberto Torres em 70, nem aí por estar num estacionamento, cercado de concreto, asfalto e prédios por todos os lados, a quatro dias e catorze horas de caminhada das areias brancas do Posto 09.



29 de outubro de 2016 | N° 18673 
DAVID COIMBRA

Você não terá de votar em mim


Se alguém perguntar a qualquer porto-alegrense:

– Afinal, o que é Melo?

Ele responderá de pronto:

– É quinze!

Agora, se você propuser a charada:

– Marque o quê?

Ele completará:

– Marque... zan!

O horário eleitoral tem esses primores da técnica de propaganda de repetição. Mas não fica só nisso. Os candidatos também precisam se autoelogiar e apontar os defeitos dos adversários. É essa exigência que me impediria de ser candidato. Nem tanto porque minha legendária humildade me faria sentir o constrangimento da exaltação de TODAS as qualidades que tenho, mas por causa dos defeitos. Seria muito fácil aos adversários achar e apontar os meus defeitos. Imagine a chateação.

Já tem muita gente que me critica por diletantismo, não vou querer uma equipe inteira me criticando por profissão. Não, jamais serei candidato. Não adianta insistir, PT.

Nos Estados Unidos é pior
Isso de criticar o adversário. Você pode achar que é baixaria e tudo mais, mas é porque não assiste à propaganda eleitoral nos Estados Unidos. Não estou nem falando da disputa entre Trump e Hillary, que assombra os americanos pela virulência. Estou falando dos candidatos a cargos minoritários, como senador.

Aqui não existe propaganda gratuita. É tudo regiamente pago. E eles pagam para desancar os adversários. Não é uma crítica dissimulada. É direta e violenta, como um tapa. No Brasil, os candidatos costumam fazer observações laterais a respeito dos concorrentes. Tipo: “Tem candidato aí que diz que...”. Aqui, não. Aqui, eles botam a foto do oponente, listam as críticas e dizem claramente: “Não vote no Fulano”.

Talvez seja uma campanha menos cínica, mas certamente é mais agressiva. Você ficaria escandalizado.

A pomadinha
Contei sobre os milagres da pomadinha cambojana e as pessoas se mobilizaram. Muitos me escreveram a respeito, o que só comprova que torcicolos são mais populares do que a Anitta.

Rita, a amiga da Marcinha que adquiriu a pomadinha lá no Camboja, enviou-me um e-mail dando mais pistas. Reproduzo-o:

“Quanto talento e quanta inspiração pra falar do bálsamo do Camboja.

Diz pra Márcia que, assim que terminar, ela deve colocar o potinho de enfeite na mesinha de cabeceira dela.

Esse potinho, assim como o bálsamo, é feito artesanalmente por mulheres que vivem na área rural de Siem Reap, cidade do Camboja onde estive.

Vou te dar uma dica para as tuas dores musculares: vai a uma farmácia normal e compra um bálsamo chamado TIGER BALM.

Na CVS tem com certeza, pois já comprei em uma filial de NY. O TIGER BALM é importado da Tailândia e é bem similar ao bálsamo que dei pra Márcia.

O TIGER BALM é vendido em toda a Ásia e na Índia. É um clássico da massagem. É um potinho bem pequeno”.

Bem. Obedeci e já comprei meu Tiger Balm. Ainda não usei. Espero não precisar. De toda maneira, aí vai a foto da pomadinha que as benditas mulheres de Siem Reap fazem com suas próprias mãos santas. Coloquei o pote ao lado de um livro sobre o Bob Dylan para você ter ideia do tamanho.

Jim e o Nobel
Certo, por que um livro sobre Dylan? Evidentemente, para homenageá-lo pelo Prêmio Nobel de Literatura e para me gabar por minhas façanhas econômicas: comprei esse livro por um único dólar!

Aliás, já escrevi sobre meu vizinho Jim, que é fanático pelo Bob Dylan. Ele só usa camisetas com estampa do Bob Dylan, as paredes da casa dele são todas forradas com fotos e quadros do Bob Dylan e ele já foi a mais de 150 shows do Bob Dylan. Claro que pensei nele quando o Bob Dylan ganhou o prêmio.

No dia do anúncio da Academia Sueca, passei pelo Jim e o cumprimentei:

– Congrats, Jim!

Ele agradeceu:

– Está todo mundo me cumprimentando pelo prêmio. Estou tão feliz...

Pelo velho e bom Jim, espero que Dylan seja sensato e dê ao Nobel o valor que merece.



29 de outubro de 2016 | N° 18673 
L.F. VERISSIMO

703

– Foi neste quarto. Exatamente neste quarto.

– Você está doido.

– Aposto o que você quiser.

– O quarto estaria o mesmo, tanto tempo depois?

– Algumas coisas mudaram, mas olha a vista. A vista é a mesma.

– Como você sabe? A última coisa que queríamos fazer, naqueles dias, era olhar a vista. Não saíamos da cama.

– Acho que eu estou me lembrando até do número. Era o 703. Tenho certeza.

– Tá sonhando.

– Lembra que você trouxe uma sacola com pijama? Achei aquilo maravilhoso. Em vez de uma camisola, ou de nada, um pijama de flanela azul.

– Que no fim eu nem usei.

– Tomamos banho juntos, lembra? Antes e depois.

– Foi a primeira vez que vi você nu. E quis me casar assim mesmo.

– Olha o banheiro. Igualzinho. Era o 703!

– Que ideia, vir para o mesmo hotel, tantos anos depois...

– E acabar no mesmo quarto! O que você está fazendo?

– Ligando pra casa. Pra ver se está tudo em ordem.

– Não vá dizer onde nós estamos.

– Vou. Vou dizer “Olha, seu pai quis passar o Dia dos Namorados no mesmo hotel em que dormimos juntos pela primeira vez”.

– Você trouxe os meus remédios?

– Trouxe. Estão na sacola, junto com os meus. Aliás, na sacola só tem remédios.

– O Isordil, veio?

– Veio. Eu estou delirando, ou naquela vez você entrou no quarto me carregando no colo?

– Entrei. Coisa de filme americano.

– Eu era mais magra.

– E eu era mais forte. Hoje, se fosse tentar carregar você no colo, me deslocaria a coluna, se não me desse um infarto.

– Tanto tempo...

– Eu me lembro de cada minuto.

– Mentira.

– Lembro de tudo. Lembro até do que você me chamava: Ronrozinho.

– Que coisa ridícula.

– Na época, era excitante.

Mais tarde:

– Ronrozinho, você não vem pra cama?

– Já vou. Estou olhando a vista.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016


Jaime Cimenti

Feira do Livro, Dylan, best-sellers & cia

Não, não vou chamar a 62ª Feira do Livro de "Feira do Livro de Bolso" por conta de alguns poucos encolhimentos, nem dizer que ela é a mesma coisa cada vez melhor, por conta das realidades e das fantasias que estão e sempre devem estar intimamente associadas com o querido evento. Prefiro repetir que ela é das poucas eternidades e certezas boas que ainda temos. Pagar imposto, morrer e ver o Inter campeão de novo são as outras certezas...

Ainda estamos curtindo as letras do Bob Dylan jogadas ao vento mundial pela Academia Sueca, que não sei porque segue não premiando os brasileiros. Drummond de Andrade é o Nobel do povo, do julgamento do tempo e dos leitores, que é o que mais interessa, pronto!

Será que o Dylan vai lá buscar a medalha e a grana preta, vai dar uma de Tim Maia ou mandar um bilhete tipo Jean Paul Sartre, recusando as honrarias? Será que essa demora toda para se manifestar é marketing? Vamos ver, vamos ver. Estou escrevendo estas linhas na terça-feira passada. Se o Dylan não aceitar o Nobel, acho que a Academia até vai gostar, vai repercutir ainda mais a escolha dos suecos... Se o Dylan aceitar, poderíamos enviar o Suplicy (pai) para cantar com ele Blowing in the wind. Como coral ou "backing vocals" sugiro Philip Roth, Mia Couto, Ferreira Gullar, Elena Ferrante, Haruki Murakami, Karl Ove Knausgard, Amos Oz, Lobo Antunes e outros que meus queridos leitores indicarem.

Há quem diga que as pessoas andam lendo pouco, que ficam lendo só partes dos livros, "trecheando", acumulando livros na mesa de cabeceira, lendo vários ao mesmo tempo, lendo sobre eles na web e tal. Claro que a leitura e o livro não morreram. Se for assim, o velório está bem concorrido. Muita gente ainda curte a indispensável e incomparável leitura silenciosa e solitária das páginas escritas dos livros. Elas estimulam a inteligência, a fantasia e os sentidos de uma forma única. Os meios eletrônicos podem ser fascinantes, mas não se comparam à leitura de um livro impresso.

Mas, olha só, há dias saiu, nos Estados Unidos, um livro, The Best-seller Code, coisa de norte-americano legítimo. Dois pesquisadores, em quatro anos, examinaram 20 mil obras de ficção para desenvolver um algoritmo que pudesse identificar livros que se tornariam "best-sellers". É um velho sonho dos editores. Apuraram 2.799 características de livros mais vendidos.

Heroínas jovens e fortes, descrever intimidades mas não sexo explícito, evitar pontos de exclamação, mostrar mais cães do que gatos, falar de casamento, morte, funeral, impostos, armas, escolas, crianças, e ter estruturas em três atos - apresentação, conflito e final -, são algumas das caraterísticas. Ritmo ágil, poucos temas, palavras vagas e finais tristes estão nas preferências. Sexo, drogas e rock'n'roll estão em baixa nos Estados Unidos em termos de mais vendidos.

Como se vê, coisas previsíveis e gostos duvidosos apareceram. Em países desenvolvidos, os dados são usados e as editoras faturam, entregando o que o público leitor de best-seller quer.

a propósito...

Faço resenhas de livros há mais de 40 anos. Respeito o gosto de todos e as leis de mercado, claro. Não tenho preconceitos e, como vocês sabem, com democracia e pluralidade, de olho na qualidade mínima e no bom senso, procuro informar os leitores da melhor maneira. Mas confesso que pesquisar tanto o gosto dos leitores e processar tanto a literatura até respeito, mas não acho bom. Prefiro best-sellers que tenham brotado da liberdade criativa, do acaso, da sintonia do autor com seu tempo e seus contemporâneos, da necessidade artística de expressão. Best-sellers como Dom Quixote, O velho e o mar, Memórias póstumas de Brás Cubas, Vidas secas e outros... 




Jaime Cimenti
Notícia da edição impressa de 28/10/2016. 
Alterada em 27/10 às 16h51min

As nove vidas do menino estranho


A nona vida de Louis Drax (Record, 238 páginas, R$ 29,90, tradução de Maria Luiza Borges), romance de Liz Jensen, ex-jornalista e escultora inglesa, atualmente escritora em tempo integral e autora de oito romances, está sendo lançado no Brasil ao mesmo tempo em que sua adaptação para as telas de cinema em uma produção estrelada por Jaime Dornan (Cinquenta tons de cinza), Sarah Gadon e Aaron Paul (Breaking bad) chegou ao Festival de Cinema do Rio de Janeiro e aos cinemas dia 20 de outubro.

A densa e profunda narrativa apresenta Louis Drax, um menino nada comum, como ele mesmo conta já no início. Aos nove anos, já passou por oito situações de quase-morte. Teve paradas respiratórias, caiu nos trilhos do metrô e teve 85% do corpo queimado, além de ter se afogado, se intoxicado gravemente com alimentos e sofrido uma série de doenças.

Dono de uma inteligência incomum, uma esperteza incrível e uma imaginação mórbida, no aniversário de nove anos ele sai para comemorar com os pais num piquenique. Acaba caindo misteriosamente num penhasco. Em coma profundo, será ajudado por um médico especializado em pacientes comatosos, pois o pai simplesmente desapareceu, e a mãe está em estado de choque. O médico Pascal Dannachet, neurologista especializado, é sua única chance de recuperação.

O menino é um desafio para o médico, que se vê arrastado para o universo sombrio de Louis, envolto pelas intrigantes circunstâncias do acidente. Foi mesmo acidente? Quem teria sido o responsável? O pai, como relatou a mãe à polícia? Conseguirá Louis comunicar-se com o médico? O doutor ouve as histórias do menino, a relação com os pais e vai usar toda sua experiência de neurologista telepata para penetrar nos mistérios da mente do garoto.

Como se vê, a escritora, que já foi indicada três vezes para o prêmio Orange Prize e que integra a Royal Society of Literature e ministra aulas de escrita criativa, apresenta uma história com fortes ingredientes, trama poderosa e personagens com alto poder de sedução. Sem deixar de ser humano, o romance é sombrio, provocador e os emaranhados de sua narrativa arrebatam os leitores.

"Pergunte só à minha mãe como é ser mãe de um menino que sofre acidentes o tempo todo, e ela vai te contar. Não tem graça nenhuma. Ela não consegue dormir, imaginando onde isso vai parar. Vê perigo em toda parte e pensa "tenho que protegê-lo, tenho que protegê-lo, mas às vezes não dá", é um trecho do romance, uma fala do menino estranho, que, com menos de 10 anos, já sobreviveu nove vezes.
lançamentos

A colecionadora de corujinhas (Bestiário, 118 páginas), do consagrado escritor, poeta e médico José Eduardo Degrazia, com prefácio do jornalista e escritor Eduardo Jablonski e apresentação de Alcy Cheuiche, traz minicontos poéticos, com situações, personagens e cenários do cotidiano. Falar o que seja é inútil ou sobre desconsiderações (Circuito, 112 páginas), do professor, escritor e editor Carlos Alberto Gianotti, tem ensaios sobre diferentes vieses do vazio da vida contemporânea de indivíduos fartados, incapazes sequer de apreender sua fartação.

Paulo Freire e a pesquisa em educação (Sulina, 302 páginas, R$ 50,00) com organização da professora Bruna Sola da Silva Ramos, traz textos dela e de outros educadores sobre as contribuições de Paulo Freire para a pesquisa em educação.


28 de outubro de 2016 | N° 18672 
CLÁUDIA LAITANO

Abominável mundo novo

Os três debatedores, dois médicos e um jornalista, todos com mais de 50, discutiam na TV os possíveis impactos do uso de equipamentos eletrônicos na primeira infância. O cenário era de arrepiar. Colunas vertebrais danificadas, cérebros arruinados, habilidades sociais permanentemente atrofiadas. A certa altura, um dos médicos chegou a afirmar que já era possível prever que estamos diante da primeira geração com menos potencial intelectual do que as anteriores. Corram para as savanas, crianças.

O catastrofismo tecnológico é hoje um dos esportes mais praticados do planeta. A popularidade de selfies, likes, sextings, games e oversharings parece diretamente proporcional à ansiedade causada por mudanças determinadas pela tecnologia – pelo menos entre os adultos. Alguns riscos, claro, são reais e imediatos, como a dramática evaporação de empregos, outros são previsíveis, como os impactos no corpo e na mente de um cotidiano 100% digital, mas muitos são ainda puramente especulativos. 

Claro que manter o espírito crítico nunca é demais, mais ainda quando crianças estão envolvidas, mas assumir o discurso de que a humanidade está marchando rumo ao precipício demonstra, além de uma certa inclinação à paranoia, pouco conhecimento a respeito da espantosa capacidade da nossa espécie de se adaptar a novas circunstâncias.

O fato é que nem Mãe Dináh seria capaz de prever no que tudo isso vai dar. Vamos desaprender a escrever, a pensar, a amar? Polegares serão inutilizados por excesso de uso? Uma nova descoberta vai acabar com a fome no planeta? Logo saberemos. Enquanto isso, a imaginação voa – produzindo sonhos e pesadelos. É nesse minúsculo intervalo que separa a nossa época das próximas transformações cotidianas radicais que trafegam séries como Black Mirror (Netflix) e Westworld (HBO). 

E se a quantidade de likes nas redes fosse tão importante quanto uma ficha limpa na polícia? E se o céu fosse como uma praia de Santa Catarina programada para reproduzir os melhores momentos de nossas vidas até o fim dos tempos? A relação com a tecnologia nem sempre é uma comédia romântica, mas também não precisa ser um filme de terror.



28 de outubro de 2016 | N° 18672 
NÍLSON SOUZA

DORMIÇÃO


A frase genial é do poeta Antônio Maria, e chegou até nós pela boca do colega Paulo Sant’Ana, no pretérito sempre presente de suas andanças pela nossa sala de trabalho. Numa das vezes em que se acomodou na sua poltrona favorita para ressonar e aguardar a inspiração, balbuciou:

– Se eu estiver dormindo, me deixe dormir. Se eu estiver morto, me acorde.

Fiquei tão encantado com a sacada, que imediatamente procurei na editoria de Arte o arteiro Paulo Zarif, e fiz a encomenda: um letreiro bem visível. Quando Sant’Ana acordou, o cartaz com a citação já estava colado na parede acima de sua cabeça. Conhecendo a sensibilidade do cronista atualmente em recesso para tratamento de saúde, tivemos o cuidado de selecionar também uma frase de sua autoria para colocar junto à do poeta que nasceu pernambucano e morreu carioca.

O sono é o prenúncio da morte, escreveu Shakespeare, para horror dos dorminhocos. Alguns menos encucados e mais espiritualizados acreditam que se trata de um momento de liberdade para a alma dar uma saidinha e passear por onde desejar. Materialistas convictos dizem que é apenas uma forma de descansar o corpo, já que o cérebro não para de funcionar, muitas vezes nos levando a reboque pelo mundo dos sonhos.

Nunca fui de muita dormição. Sempre preferi a madrugada para leituras e trabalhos intelectuais, pois o silêncio e o sono dos outros me facilitam a concentração. Mas já ando menos apaixonado pela insônia, principalmente depois que tomei conhecimento de um estudo do Centro de Pesquisa da Luz, de Nova York, sobre a interferência das telinhas luminosas (de celulares, tablets e computadores) no nosso ritmo circadiano, que vem a ser o nosso ritmo de sono. Segundo os cientistas, a luz emitida por esses dispositivos interfere no nosso cérebro e impede a produção do hormônio que nos faz desacelerar e dormir.

Como as pessoas que descansam bem à noite são mais resistentes a doenças e se tornam mais longevas, já ando pensando em trocar o computador pela velha máquina de escrever durante a madrugada. Aí os outros é que não vão dormir.

28 de outubro de 2016 | N° 18672 
ARTIGO - LÉO VOIGT*

NULO?


Nesta conjuntura surpreendente, em que a política e a sociedade estão mudando, vejo até alguns dos melhores professores argumentarem favoravelmente ao voto nulo nestas eleições. Muito embora sejam reconhecidos intelectuais, penso que emitem apenas mais uma opinião no lusco-fusco da disputa apaixonada.

O voto nulo em eleições formais é manifestação do ressentimento, da falta de objetividade na avaliação que leva ao rebaixamento do momento da vida democrática. Não é um ato de protesto. O próprio nome já diz: nulo, inútil. A lei eleitoral e a tradição das disputas não o computam como válido. Uma massa de nulidade não gera uma nova circunstância política, administrativa ou histórica. Ao contrário, pode fortalecer tendências opostas ao desejo dos incautos anuladores.

Abster-se de influir numa eleição significa virar-se de costas para as conquistas acumuladas nas lutas liberais, socialistas e de solidariedade dos séculos 18, 19 e 20. Votar nulo desqualifica o esforço histórico, ignora os atores da arena democrática e despreza o trabalho das autoridades públicas e do próprio Estado, que investem para viabilizar as eleições. 

É isso que separa o senso crítico e público dos cidadãos responsáveis do ressentimento inútil daqueles que não se dão conta de que estar à altura de uma conjuntura adversa não é ausentar-se dela. Além disso, o voto nulo torna iguais candidaturas e alianças que a caminhada democrática diferenciou.

Por fim, creio que votar nulo e propagar a abstenção é uma atitude de imaturidade na hora de decisão adulta. Se o meu preferido não está presente na nova rodada eleitoral, então não brinco mais. Isso, infelizmente, tem-se tornado frequente nestes conturbados tempos, quando mais gente se relaciona com a política pelo fígado e não pelo cérebro.

Em vista de que citam Bobbio para tentar legitimar o voto nulo, lembro aqui o seu compatriota, Dante Alighieri, que na Divina Comédia reservou o último dos infernos, o sétimo, para lá depositar os que, em circunstância de crise aguda, se omitem e se refugiam no nada da negação indeterminada.

*Cientista político

quinta-feira, 27 de outubro de 2016


27 de outubro de 2016 | N° 18671
ARTIGO | GERALDO COSTA DA CAMINO*

2056, UMA DISTOPIA


Tornou-se difícil, hoje em dia, discutir racionalmente um assunto. Fazê-lo dividindo a análise em planos distintos, então, quase impossível. Em tempos de instantaneidade de opiniões e de ideologias com verniz de ideias, imperam o maniqueísmo e a superficialidade. A “bola da vez” é o projeto de lei de “aumento” para membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. 

Aliás, de mera reposição, e parcial (16%), de perdas que já chegam, em 10 anos, a 42%. Altas autoridades sedizentes republicanas e a opinião pública – ou publicada – já elegeram tais “privilegiados” como os inimigos públicos da nação. Basta ler os editoriais dos grandes jornais para comprová-lo. Ainda assim, mesmo sem esperança de ser ouvido, alinhavo, por desafogo, argumentos que desmentem a falácia em voga.  

Primeiro: o propalado impacto nacional do rea- juste nas finanças públicas, de cerca de R$ 4 bilhões, embora impressionante em sua cifra, precisa ser contextualizado. São orçamentos que, somados, perfazem algo como R$ 2 trilhões. Assim, a reposição – direito de todas as categorias profissionais dos setores público e privado – significaria acréscimo de 0,2% nas despesas, o que, ao contrário do que o falso alarmismo vaticina, nem de longe desestabilizaria fiscalmente o país. Segundo: não se trata de evitar a discussão de quanto deveriam receber os magistrados. 

Essa questão diz respeito a que juízes e promotores queremos (já que o quanto se lhes paga, obviamente, define, em boa medida, o nível dos que serão recrutados). O povo, através de seus representantes ou diretamente, é soberano, na democracia, para fazer escolhas como essa. Trata-se, isso sim, de discordar do uso discriminatório, apenas contra magistrados, de um congelamento destinado a reduzir subsídios que são constitucionalmente irredutíveis.

Há 40 anos eu concluía o ensino de primeiro grau. O Grupo Escolar Anne Frank, no Bom Fim, era considerado escola-padrão no Estado. Devo muito, do pouco que sei, às dedicadas e competentes professoras que lá lecionavam. O magistério era, então, carreira bem paga e valorizada socialmente. Minha querida tia Anita, professora estadual, abastecia-me quinzenalmente de livros – e lhe sou eternamente grato pelo hábito da leitura –, para não falar dos generosos presentes em datas festivas. 

Nem preciso referir o que fizeram o tempo e os governos com a remuneração do magistério e, aos poucos, com a qualidade da educação. Ninguém imaginaria, em 1976, que em 2016 o ensino público estaria como está. As classes mais favorecidas foram indiferentes ao “arrocho” do magistério porque tiveram como alternativa o ensino particular. Será que em 2056 haverá Justiça privada?

*Membro do Ministério Público


27 de outubro de 2016 | N° 18671 
DAVID COIMBRA

Mando boa notícia para o verão

Li, num site de notícias, que a Alessandra Ambrósio estava “vendo o mar” em Malibu. Havia uma foto dela fazendo bem isso: sentada na areia da praia, de costas para a câmera, dentro de um mínimo biquíni, debaixo de um máximo chapéu, ereta como uma monja hindu, fitando as ondas azuis do Oceano Pacífico.

Examinei a foto por algum tempo. Depois, percorri o resto da notícia. Contava que Alessandra Ambrósio estava... vendo o mar em Malibu. E só. Um diamante do minimalismo, como a poesia de Dorival Caymmi, que cantava:

“O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito...”

Não é uma redonda verdade? O mar, quando quebra na praia, o que é? É bonito. Não precisa dizer mais nada. Assim a notícia da Ambrósio. Está tudo ali. Uma bela mulher, de biquíni e chapéu, olhando o mar de Malibu. Um poema em forma de notícia.

Há gente que diz que o jornalismo deveria dar mais informações positivas. Concordo. A matéria da Ambrósio, inclusive, me fez bem. Fiquei pensando naquilo: ela e o mar, o mar e ela. Chegava a ouvir o rumorejar das ondas. É bom saber que, em alguma parte, há mulheres olhando o mar. Tira a urgência do mundo.

Poderíamos dar outras manchetes reconfortantes aos leitores. Tipo:

“As folhas dos ipês estão amarelas em Porto Alegre e as dos carvalhos estão vermelhas na Nova Inglaterra”.

Ou: “Crianças brincam toda a tarde na praça”.

Ou ainda: “Menino dá drible da levantadinha em pelada no Alim Pedro”.

Ou, por fim: “Amigos fazem churrasco para ver os jogos da Dupla na Copa do Brasil”.

Ainda estão acontecendo coisas agradáveis no mundo, só não damos importância a elas.

Vou exercer meu papel de jornalista do Bem.

Vou dar uma notícia positiva.

Vem sob a editoria “Tendências”. Vamos lá:

Já reparei que muitas modas que surgem nos Estados Unidos estendem-se América abaixo e chegam vigorosas ao Brasil. Em geral, a coisa começa no verão americano e, dois meses depois, torna-se viral no verão brasileiro. Você lembra do verão do balde de gelo? Aquilo começou aqui em Boston e contaminou famosos e subfamosos de todo o Brasil. Pois era algo bom, não? Alertava para o combate a uma doença grave, e tudo mais.

Agora, neste verão americano, que, para minha tristeza, já se foi, sabe o que grassou entre as adolescentes e mulheres jovens?

O spandex.

O spandex é um shortinho realmente minúsculo, que as jogadoras de vôlei do Brasil usam. É feito de tecido elástico, lycra, suponho, e emprega tecnologia especial para soerguer o derrière das moças. As meninas daqui vestem-no mesmo nas festas. Diria que principalmente nas festas.

Um americano amigo meu, inclusive, tem uma filha que está na high school, o equivalente ao segundo grau. Ela ia a uma festa da escola, arrumou-se toda e entrou em um spandex sumário. eu amigo se escandalizou:

– What??? E avisou que, daquele jeito, ela não iria. A garota fez o que fazem as garotas dessa idade: pediu ajuda à mãe. Que aconselhou:

– Bota saia por cima. Lá, você tira. 

Foi o que ela fez. O pai a deixou na festa e voltou para casa espantado. Disse à mulher:

– Sabe que todas estavam de spandex, menos a nossa filhinha?

A mulher sorriu em silêncio e em silêncio ficou. É assim que elas são.

Prepare-se, portanto: o spandex deve estar estourando no verão brasileiro. Imagino que seja boa notícia. Se você não for um pai muito exigente.


27 de outubro de 2016 | N° 18671 
EDITORIAIS

SINAIS DE MELHORA

Ainda não há o que celebrar, mas os primeiros números positivos do processo de recuperação da Petrobras, por meio de uma gestão profissional e eficiente, servem de alento aos brasileiros para continuarem acreditando que o país sairá da crise. Em menos de um ano sob o atual comando, a principal estatal brasileira teve suas ações valorizadas em mais de 160% e ganhou promoção da agência de avaliação Moodys no ranking de classificação de risco. Para completar, subiu do 11º para o oitavo lugar na avaliação mundial por valor de mercado.

Como já ocupou a terceira posição, em 2008, fica fácil de perceber que o trabalho de recuperação da empresa ainda será demorado e extenuante. Mas já é possível perceber que a Petrobras está começando a sair do atoleiro em que foi lançada por uma administração equivocada, formulada por critérios políticos e vulnerável à corrupção. A reação é visível. Depois de ter sido transformada em símbolo da Lava-Jato, a estatal começa a readquirir a credibilidade que desfrutou durante décadas, como maior empresa brasileira e uma das principais do continente.

A estratosférica dívida de US$ 125 bilhões e as ações judiciais decorrentes de contratos malfeitos não deixam muita margem para euforia, mas é fácil de perceber que uma governança regida por critérios técnicos e austeros tem o poder de ressuscitar negócios quase falidos. De acordo com o atual gestor, o presidente Pedro Parente, os desafios imediatos são agora a redução de custos, a diminuição do endividamento e a restauração da capacidade de investimentos. Se o governo mantiver seu compromisso de não interferência e respeito à gestão profissional, ninguém pode ter dúvida de que os desafios serão vencidos até mesmo antes do prazo previsto. A fórmula aplicada na Petrobras merece ser replicada em outras áreas da administração pública: austeridade, competência e, principalmente, honestidade.

ONDE COLOCAR PRESOS

Diante da banalização do uso de viaturas como celas para suprir a falta de locais em presídios e delegacias, reduzindo ainda mais o que restava de policiamento ostensivo nas ruas, o governo estadual anunciou ontem a intenção de construir dois centros de triagem para presos provisórios. Essa, porém, é uma providência que não tem como esperar pelos trâmites normais da burocracia estatal, responsável em boa parte pela falência do sistema prisional. Enquanto o poder público não sair dessa inércia, que fere a lei e os direitos elementares de cidadãos sob sua custódia, dificilmente a população se sentirá segura.

O veto ao uso de porta-malas de camburões que deveriam estar circulando para reduzir um pouco mais a sensação de insegurança é uma questão emergencial, mas o caos dos presídios não tem como perdurar, por mais que se avolumem as explicações de ordem financeira do setor público. É inadmissível que um Estado cada vez mais subjugado pelo avanço da criminalidade continue convivendo com um déficit de no mínimo 10 mil vagas para prisioneiros e com o Presídio Central interditado para novos presos.

Independentemente da adoção de providências que já deveriam ter sido tomadas há muito tempo, é mais do que hora de o Estado rever quem precisa de fato estar nos presídios ou poderia estar cumprindo outro tipo de pena. Ações desse tipo não ajudariam a atenuar a situação de quem vem sendo mantido em camburões na frente de delegacias superlotadas – todos envolvidos em crimes de maior gravidade. Ainda assim, demonstrariam pelo menos a determinação do poder público de enfrentar a questão de forma ampla.


27 de outubro de 2016 | N° 18671 
L F VERISSIMO

Rosineide

O Bill veio passar uma temporada no Brasil, a trabalho, e aconteceu: apaixonou-se por uma mulata. A Rosineide. Belíssima. Traços finos. De se levar pra casa. E foi o que o Bill fez: casou-se com a Rosineide e a levou para conhecer seus pais, em Cincinnati.

Bill sabia pouco sobre Rosineide. Depois de ser apresentado a ela, tinha ouvido alguém comentar:

– Ela é do balacobaco.

Estranhou. Ela não era carioca? – Quíssima! – disse a Rosineide, já no avião a caminho de Cincinnati.

– Mas me disseram que você era de Balacobaco.

Rosineide hesitou antes de responder. Precisava tomar uma decisão. Ou explicava ao Bill o que queria dizer “balacobaco”, com o risco de ele não entender, ou, pior, entender, ou partir para a invenção. Optou pela ficção.

– Originalmente de Balacobaco, mas fui criancinha para o Rio.

E, a pedido de Bill, pôs-se a descrever Balacobaco. Nunca mais voltara à sua cidade natal. Sabia que tinha parentes lá, mas perdera o contato com eles. Onde ficava Balacobaco? Na Amazônia. Para ajudar Bill a localizar sua cidadezinha, Rosineide foi mais específica.

– É parte da Grande Cafundó.

E acrescentou: – Onde o diabo perdeu as botas.

– O quê? – perguntou Bill, perplexo. – You know. The devil. Lost his boots.

– The devil?!

– Esquece, bem – disse Rosineide, encerrando o assunto com um beijo.

Bill apresentou Rosineide a seus pais, em Cincinnati.

– She’s from Rio, but originally from Balacobaco.

Os pais do Bill acharam interessante, fizeram muitas perguntas sobre a Amazônia (desmatamento, cobras gigantes etc.) e, em geral, acolheram bem a Rosineide. Que está até hoje morando com o Bill em Cincinnati e prometeu que, da próxima vez que os dois vierem ao Brasil, o levará para conhecer Balacobaco. Ainda mais que agora tem aeroporto em Cucuia, que fica perto de Cafundó.

Só a mãe do Bill, eleitora do Trump, olha para a nora com um ar de desconfiança. Aquela história da Amazônia lhe parece invenção. Ela também não acredita que Barack Obama nasceu nos Estados Unidos.

PAPO VOVÔ

Reclamei para a nossa neta Lucinda, de oito anos, que ela não estava me dando atenção. E ela, mãos na cintura: “Vô, eu tenho minha vida social!”.