terça-feira, 31 de maio de 2016


31 de maio de 2016 | N° 18539 
CARPINEJAR

Barbárie


Ela pode ter sido prostituta, ela pode ter sido usuária de drogas, ela pode ter se relacionado com quantos homens quisesse ao mesmo tempo, ela pode ter feito apologia de armas em sua página pessoal, pode ter dançado funk até cansar, pode ter saído de minissaia e sem sutiã, pode ter se encontrado de madrugada, pode ter fantasias eróticas de violência, pode ter se calado de vergonha, nada justifica o estupro, nada justifica ter sido contrariada, ter sido coagida, ter sido barbarizada, ter sido filmada agonizando. 

Ela não consentiu com a transa, muito menos com a transa coletiva, muito menos com a gravação absolutamente debochada e sarcástica no momento em que sofria. Ela foi violentada em todos os seus direitos por uma gangue de boçais.

Se alguém usar um desses argumentos para relativizar o ocorrido, deve pôr a mão na consciência para ver apenas que não tem mais consciência. Está sendo álibi da misoginia no país.

A mulher não é culpada por ser mulher, não tem que se esconder ou disfarçar que é mulher, não tem que se preservar e ser recatada para não chamar atenção.

Se um heterossexual tivesse sido estuprado por 33 sujeitos armados, ninguém duvidaria de seu sofrimento. Ninguém colocaria em dúvida o seu depoimento. Ninguém insinuaria que ele facilitou o desenlace. Ninguém descontaria a sua dor pelas suas experiências anteriores. Só aconteceria o mesmo preconceito se fosse gay ou travesti – as minorias são sempre subestimadas.

O passado foi uma escolha dela, o presente é também a sua escolha e ela não quis sexo, ela foi dopada, manipulada, sequestrada e forçada por dezenas de homens covardes e brutais, pretendendo conseguir o prazer à força. Não tinha como se defender, como pedir ajuda, como escapar. Era uma menor indefesa naquele instante.

Os seus antecedentes não diminuem o crime. Os seus gostos culturais não atenuam a monstruosidade. A barbárie é digna de guerra civil, de uma sociedade sem rapidez de polícia e de Justiça, com os presídios lotados, em subcondições.

Jamais a vítima será culpada. Ela tem o poder de definir quando deseja se despedir ou quando pretende ficar. Não é não, não não é charme, não é que ela esteja se fazendo de difícil, não é que ela esteja seduzindo e ganhando tempo. Não é não. Ir para um lugar perigoso não significa assumir riscos. Vamos parar de hipocrisia.

Machismo é explicar o que não tem explicação. O estupro coletivo é inexplicável. O inexplicável merece condenação sumária.

31 de maio de 2016 | N° 18539
RELIGIÃO

Fé nos mínimos detalhes

CAPELA DO PÃO DOS POBRES, destruída por um incêndio em 2014, será reinaugurada daqui a uma semana em Porto Alegre

Já se passaram mais de dois anos desde que, num domingo de janeiro, um incêndio destruiu a capela Santo Antônio, localizada dentro da Fundação Pão dos Pobres, em Porto Alegre. Depois de ficar mais de um ano na mesma situação, as obras de restauro começaram em agosto do ano passado, após aprovação da Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc). Às vésperas do Dia de Santo Antônio, celebrado em 13 de junho, o prédio deve ficar pronto para os festejos da data.

Antes de ser adaptado, em 1930, para ser uma capela, o espaço servia de dormitório a pessoas amparadas pela instituição. Na década de 1980, uma pequena restauração havia melhorado o lugar. Na obra atual, foram descobertas relíquias como um piso cerâmico do século 19 coberto por camadas de revestimento. Para preservar essa memória, foram feitas réplicas para cobrir a área. Em uma das paredes, a falta de pintura revela a arte original da construção.

– A cada parede aberta, a cada reboco removido aparecia uma surpresa. Estamos chegando em um resultado bastante aproximado do que foi a capela na época de sua inauguração – avalia o arquiteto responsável, Lucas Volpatto.

Vitrais em tons de rosa imitando os antigos e um altar igual ao anterior também foram criados para deixar o espaço com o mesmo aspecto que tinha antes do incidente.

Reerguida com uma verba estimada em R$ 1,5 milhão, a capela foi bancada em parte pelo valor do seguro, e também por verbas próprias da instituição e doações da comunidade.

– Ficamos sabendo de senhorinhas que iam ali na frente e entregavam o dinheiro todo enroladinho, faziam doações de R$ 5. A gente fica emocionado – conta o diretor-geral da instituição, irmão Albano Thiele.

A obra precisa agora de pequenos ajustes, como a instalação dos sistemas de luzes e som e o mobiliário. A previsão é de que ela fique pronta na próxima terça-feira, data prevista para o corte da fita inaugural e de duas missas especiais.

camila.kosachenco@zerohora.com.br

31 de maio de 2016 | N° 18539 
DAVID COIMBRA

Por que o medo


Martin Luther King é herói para o meu filho. Na escola, King é dos personagens mais estudados pelas crianças. Ele morou aqui, graduou-se em teologia pela Boston University e, entre os bostonianos, talvez só perca em prestígio para Kennedy. Chamam-no de “doctor King”.

Como não quero que meu guri deixe de ser brasileiro, ensino-lhe os contrapontos do lado de baixo do Equador. Então, comecei a contar-lhe sobre Zumbi dos Palmares, e, em meio à narrativa, encantei-me com o encantamento dele.

– É mesmo? – perguntava-me, boquiaberto. – É mesmo? Que coisa. Que coisa!

Aí me empolguei e colori ainda mais a história e já estava emocionado, quando entendi o motivo de todo aquele entusiasmo: meu filho tinha achado sensacional um dos heróis da história brasileira ser um morto-vivo comedor de cérebros.

Mais um capítulo do conflito de gerações. Por algum motivo, zumbis gozam de grande popularidade entre as crianças de hoje e mais ainda entre os adolescentes.

Por aqui, eles fazem sessões de cinema a partir da meia-noite de sexta-feira, as chamadas “Midnites”, apenas com filmes de terror, assistidos apenas por adolescentes. Não vou. Não gosto. Por dois motivos.

Uma época, depois dos anos 1980, os filmes de terror se brutalizaram. Era sangue espirrando e vísceras expostas. Péssimo gosto. Evitava esse tipo de filme.

Agora os filmes de terror retomaram o tema da ação das forças do Mal no mundo dos vivos, tipo clássicos como O Exorcista e O Bebê de Rosemary. Aí não assisto por uma razão que considero perturbadora: tenho medo!

Isso me deixa realmente chateado. Porque, se não sou materialista nem cartesiano no sentido pejorativo que a palavra ganhou modernamente, sou racional. Ou, pelo menos, tento ser. Tento refletir sobre as coisas do mundo, como diria o Paulinho da Viola, e compreendê-las.

Então, como é que um simples filme, que sei como foi feito, que sei que é ficção, que sei que é bobagem, então como é que um filme me faz sentir medo? Medo de quê? De fantasmas? Do diabo? Das forças malignas? Do sobrenatural? Como posso sentir medo de algo que SEI que não existe?

Aí está um verbo que repeti bastante: saber. O que SEI às vezes não corresponde ao que SINTO.

É uma terrível fraqueza, e é muito irritante. É o meu subconsciente derrotando o consciente.

Esse subconsciente, personagem do qual primeiro tratou Kant, depois Schopenhauer e depois Freud, esse subconsciente não devia ser tão poderoso. Ele devia continuar se refocilando nos subterrâneos da alma, emergindo só durante o sonho, e olhe lá.

De onde vem essa força? Não é mágica. Não é transcendental.

Sei o que é. Kant, Schopenhauer e Freud já me contaram. É fruto de percepção. Quer dizer: de inteligência fina. Baseado em experiências e conhecimentos de que talvez nem me lembre (conscientemente), meu subconsciente capta sinais e emite alertas.

O que querem dizer? O que significam? É difícil saber.

E, se você não consegue decifrar nem uma camada inferior de si mesmo, você é o verdadeiro morto-vivo.

Vai ver é essa a origem da fascinação dos adolescentes por zumbis. Eles olham para aquelas figuras em busca de cérebros e se identificam. E eu com eles. Cérebros, cérebros. Precisamos de cérebros.


31 de maio de 2016 | N° 18539 

LUÍS AUGUSTO FISCHER

PARECIA ATÉ UMA CIDADE


Sábado retrasado eu estava, nove da noite, em plena Praça da Alfândega. Eu e uma pequena multidão. Caminhávamos por ali, entre o Margs e o Memorial do RS, ou nos deslocávamos em direção à Casa de Cultura Mario Quintana, ou pegávamos a Ladeira para ir até o Museu de Arte Contemporânea. 

Ou ficávamos ali mesmo, no Margs, vendo a exposição do Ivan Pinheiro Machado – artista que, como dá para ver, é mesmo grande, com obra reconhecível –, ou a pequena mostra do acervo. Ou subíamos as escadas do Memorial, para tentar ver algo mesmo com a multidão presente.

Não fui até a Iberê, mas passei diante do Museu e do Planetário da UFRGS – e sabe o que vi, na cruzada? Multidão. Gente pra burro. Gente inteligente, querendo visitar os museus, aproveitar os microshows musicais nos prédios iluminados com destaque.

Muita gente que gosta de arte ou que quer gostar. Gente como eu, feliz, por motivos óbvios, mas não claramente discerníveis. E por que estávamos felizes?

Era a Noite dos Museus, uma sensacional iniciativa do Rodrigo Nascimento, com curadoria do incansável Francisco Marshall, sob apoio da LIC-RS, a lei de apoio à cultura do governo do Estado, patrocínio da Vivo e, naturalmente, com cooperação da Secretaria da Cultura do Estado e dos museus envolvidos.

Nada difícil de conceber, mas genial em sua simplicidade: museus abertos das 19h à meia-noite, entrada grátis, num sábado, com as ditas atrações musicais. Inspiração oriunda de Berlim, Alemanha.

Nas conversas rápidas com amigos, uma frase me veio espontânea e reiterada: “Parece até uma cidade isso aqui!”. Eu queria dizer da minha alegria, da felicidade geral que se via, simplesmente porque era possível, concretamente, estar na rua. Isso, apenas isso: estar na rua, no centro da nossa cidade, diante dos museus. E entrar em museus, sair deles, ver gente como a gente, também interessada nessa vida, no rigor da palavra, cidadã.

(Uma só crítica, para reformar na próxima edição: nada se disse, em toda a divulgação, das exposições presentes em cada museu. Uma pena.)

segunda-feira, 30 de maio de 2016



30 de maio de 2016 | N° 18538 
DAVID COIMBRA

A amiga que chorava

Eu tinha uma amiga que chorava sempre. Chorar é coisa de pessoas, mas ela era todos os dias. No início, aquele choro indefectível nos deixava consternados, mas, com o tempo, por ser indefectível, fomos nos acostumando.

Uma noite, nós em uns 10 numa mesa de bar e ela, de repente, começou a chorar. A conversa continuou como se nada de diferente tivesse acontecido, até porque nada de diferente estava acontecendo.

Ela era uma moça bonita, essa minha amiga, e inteligente e muito querida por todos. Por que chorava? Um dia lhe perguntei. E ela respondeu com uma só frase, que ainda guardo aqui no bolso e uso agora:

– Eu erro tanto...

Era isso. Chorava porque errava.

Eu, o dia não termina sem que tenha cometido um cacho de erros. Se pouco antes de dormir chego à conclusão de que foi um só, adormeço sorrindo. Foi um dia de sucesso.

Alguém dirá que estou querendo posar de humilde. Nada. Não se trata de humildade, mas de consciência da realidade. O que me dá uma vantagem: perdoo-me mais facilmente do que a minha amiga chorona. Ela tinha elevada expectativa a respeito do seu desempenho neste mundo, que, no caso, era mesmo um Vale de Lágrimas. Então, quando ela errava, ela se revoltava.

Você tem que ter autocrítica. Tudo bem. Concordo. Mas também tem que ter capacidade de autoindulgência. Até porque as outras pessoas estão sempre atentas para criticá-lo. Só que a crítica das outras pessoas em geral está errada e a sua própria em geral está certa, sobretudo quando as outras pessoas não conhecem você o suficiente e quando você se conhece o suficiente.

Gosto de duas frases de Caetano sobre autocrítica e crítica alheia.

Sobre autocrítica: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

Sobre crítica alheia: “De perto ninguém é normal”.

Mas a melhor de todas, a mais profunda, que reúne ambos os conceitos, é de Jesus de Nazaré: “Cada um julga os outros com sua própria medida”.

É isso. Em geral, se você vê maldade em tudo, é porque a maldade está em você.

Outra boa frase, também de Jesus: “O que contamina o homem não é o que lhe entra pela boca; é o que lhe sai da boca: o Mal é o que sai da boca do homem”.

Ou seja: você deve se perdoar mais, porque os outros não o farão. Qual é a saída? Simples: seja um Marco Aurélio Mello ao se julgar; não seja um Moro. Tento ser um Marco Aurélio comigo mesmo, e com os outros também.

Gula? Luxúria? Preguiça? Soberba?  Avareza? Ira?  Inveja?

Quem na vida não comete eventualmente cada um dos Pecados Capitais? Quem aqui nunca? Atire a primeira pedra!

Lembro de um filme do Woody Allen em que ele leva um fora da namorada. Ele pergunta qual o problema. Ela responde que ele é imaturo.

– Imaturo em quê? – ele insiste. – Intelectualmente, emocionalmente e sexualmente.

– Mas e no que mais? Autoindulgência é um talento.

As pessoas andam julgando muito, e condenando sempre. Raul Seixas, outro bom frasista, dizia para sua mamãe que não queria ser prefeito, porque podia ser eleito. Eu também não, querida mamãe Seixas. Os eleitos, por terem pedido voto, esses sim têm de ser fiscalizados e julgados a todo momento. Eles não podem cometer deslizes. Eu, sim. Afinal, cometo todos os dias.

Minha amiga que chorava parece que também. Faz tempo que não a vejo. Não sei por onde anda. Se a visse agora, eu lhe diria: seja generosa com você mesma, querida amiga. Não chore por seus erros, ria deles. Os outros vão rir também.


30 de maio de 2016 | N° 18538ARTIGO | 
LUÍS GUSTAVO PEDROSO LACERDA

A ORIGEM DO MAL

Por algum tempo, transitou a filosofia pela linha de argumento que atribuía à sociedade a origem de todo o mal que podia se apoderar do homem. Segundo essa vetusta corrente de ideias, ingênuos e inocentes eram os aborígines, antes de serem conspurcados pela insidiosa civilização que lhes contaminava com a perniciosa concupiscência e seus perversos efeitos.

Entretanto, essa senda de pensamento não convenceu por muito tempo, embora possa, por vez ou outra, ainda encontrar alguns temerários e duvidosos simpatizantes. Predomina hoje, no que se pode denominar de “pensamento ocidental contemporâneo”, a concepção que sustenta ser exatamente do homem a responsabilidade pelos seus próprios atos, não apenas aqueles dos quais orgulhosamente se jacta, mas também a responsabilidade por aqueles atos que pode tentar sorrateiramente ocultar ou da autoria deles se eximir.

A corrupção incrustada nos círculos de poder, a violência urbana persistente e diária, nódoas que nos atormentam nos tempos atuais, encontram, portanto, origem identificada e sabida. O mal concretizado pelos atos de escárnio e desdouro ao erário, o mal consistente dos constantes e cruéis atos de violência contra a vida e o patrimônio do cidadão, todos são males que não podem ser imputados aos deuses, aos astros, à sorte, à luta de classes ou a outros hipotéticos e sediciosos mecanismos da sociedade. Pelo contrário, o mal está, por essência, nos homens que assim agiram e assim agem.

Nesse desencantador estado de coisas, a reação de todos que somos vítimas poderia se limitar ao estupor e à inanição pelo fracasso das nossas mais simples esperanças. Mas, diversamente do que se preconizava, é justamente na sociedade, fundamentada no Estado de direito, que o homem pode encontrar a solução para o empenho de suplantar a corrupção e sobrepujar a violência. Acreditar na ordem jurídica e concretizar sua aplicação firme e isonômica são condições inarredáveis da resposta a tais desafios. A impunidade, maior fator criminógeno entre os diversos que se apresentam na nossa realidade, deve ser verberada ao extremo, não apenas através da persecução incansável dos atos contrários à lei, mas também através de penas efetivas e proporcionais às ofensas cometidas.

Somente a civilização pode vencer o mal.

Juiz de Direito*

30 de maio de 2016 | N° 18538 

EDITORIAL

A HORA DA PREVIDÊNCIA

A reação de contrariedade de centrais sindicais à reforma da Previdência do setor privado incluindo uma série de manifestações programadas para esta semana é previsível diante do tom emocional com o qual o tema costuma ser tratado. Ainda assim, até mesmo sindicalistas contrários a mudanças não têm como negar a gravidade dos números que, na hipótese de nada ser feito, tornam a situação ainda mais delicada, colocando sob ameaça o futuro imediato de quem já está aposentado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou em período de contribuição.

Os dados são incontestáveis. Só entre 2014 e 2015, os desembolsos do setor previdenciário aumentaram 10%, enquanto as contribuições se reduziram em 3%. Se nada for feito para deter esse descompasso entre receitas e dispêndios, já em 2019 o passivo pode alcançar R$ 200 bilhões. É um montante suficiente, por si só, para colocar em risco a viabilidade do próprio sistema, situação que nenhum país minimamente preocupado com a seriedade fiscal e com o futuro da população pode admitir.

Evitar que o sistema previdenciário se inviabilize não é uma questão de responsabilidade apenas do governo e de parlamentares, mas de todos os brasileiros. Diante da gravidade a que o setor foi levado por constantes omissões de quem não admite se desgastar perante os eleitores, não haverá saídas fáceis e sem ônus para os trabalhadores. Ainda assim, neste ou em qualquer outro governo, o custo para a sociedade vai depender da demora para esse desafio ser enfrentado. Evidentemente, urgência não significa imposição ou ausência de diálogo.

PONTO PARA A TRANSPARÊNCIA

Assinada na semana passada e divulgada na última sexta-feira, resolução do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, acaba com a tramitação dos chamados processos ocultos na Corte Suprema. Com o fim do procedimento, mesmo os processos que correm em segredo de Justiça terão os nomes das partes conhecidos pela sociedade, em obediência ao que o próprio ministro classifica como princípios constitucionais da publicidade, do direito de informação e da transparência.

A classificação anterior de processos “ocultos” possibilitava segredo total a autoridades investigadas, permitindo consultas apenas por parte do ministro relator do Supremo ou do procurador- geral da República. Evidentemente, não fica abolido o sigilo garantido pela Constituição para preservar o interesse público ou até mesmo para não causar prejuízos às investigações. Mas agora a sociedade poderá saber que o processo existe e também conhecer o nome ou pelo menos as iniciais de quem está sendo investigado.

No momento em que se multiplicam as investigações sobre integrantes dos altos escalões da administração pública, em decorrência da Operação Lava-Jato, o Supremo demonstra sintonia com os cidadãos que exigem combate efetivo e continuado à corrupção. Depois da prisão de empresários, políticos e servidores envolvidos em irregularidades, já não se pode mais dizer que a publicidade das falcatruas é a única punição. Ainda assim, os brasileiros têm o direito de saber quem está dando trabalho à Justiça por não ter se comportado de forma republicana.


30 de maio de 2016 | N° 18538 
L. F. VERISSIMO

Cadê o Leonardo?

No filme O Terceiro Homem (roteiro de Graham Greene, direção de Carol Reed), o vilão Harry Lime, interpretado por Orson Welles, defende sua vilania lembrando que, em 30 anos sob os Bórgias, Florença teve guerras, terror e assassinatos, mas também produziu Michelângelo, Leonardo da Vinci e outras glórias da Renascença, enquanto em 500 anos de ordem e paz a Suíça só produziu o relógio cuco.

A nova Florença que é Brasília, como a Florença dos Bórgias, também é feita de pequenas perfídias e grandes traições, mesmo que as punhaladas nas costas e o veneno no vinho sejam figurativos. Ouvindo as gravações que movimentaram o país nas últimas semanas – e as que ainda virão –, o que mais impressiona é a mediocridade dos artistas. São tramoias combinadas, alianças obscuras lembradas ou cobradas, e tem-se um espantoso vislumbre dos bastidores do poder brasileiro – só que o espanto não vem. 

Nada tem consequência, salvo o sacrifício de um ou de outro, que de qualquer maneira manterá seus privilégios parlamentares e sua influência entre seus pares. Você fica esperando alguma manifestação de grandeza, ou pelo menos de vergonha, dos gravados e nada. São essas tristes sumidades que decidem nosso destino. Tramam a derrubada de uma presidente por conveniência política, chegam a sugerir um conluio de ministros do Supremo, e é como se estivessem falando sobre relógios cucos.

Quer dizer, temos uma versão de Florença com as intrigas e os vícios da original, mas sem nada que os redima. Nenhuma grande figura para resgatar a autoestima nacional do domínio da mediocridade. Da Florença dos Bórgias se dizia que cada corredor mal iluminado escondia uma conspiração. Em Brasília, dispensam os corredores e as sombras, as conspirações são a céu aberto – só, às vezes, ao alcance de um gravador malandro. Espera-se para breve a edição em CD das conversas gravadas. Já existem as favoritas do público.

– Gostei mais da do Jucá.

– Que é isso? Sarney toda a vida.

E parece que já há um estribilho, a ser cantado em uníssono por todos no início do CD:

“Quem tem medo do Moro mau, do Moro mau, do Moro mau...?”.

sábado, 28 de maio de 2016


28 de maio de 2016 | N° 18537 
MARTHA MEDEIROS

Pés no chão

A simplicidade é o novo luxo. Aliás, sempre foi, apenas está recebendo o status merecido diante da falência econômica mundial

Saí de férias nas últimas semanas e não levei nenhum sapato de salto alto na bagagem. Nada contra, acho bonito, só que uso pouco. Salto agulha, só em festas de casamento e similares. Já um saltinho médio, tipo tacão, em botas e sandálias, ok. Mas dessa vez eu saí do país apenas com rasteirinhas e tênis e descobri que estava sintonizada com os atuais costumes, mesmo sem me dar conta. Depois de umas perambulações por lugarejos praianos e vilas medievais, passei três dias em Paris, meca da alta-costura, capital da elegância feminina, e não vi uma única mulher usando salto alto. Sério. Nenhuma.

Por alguma conexão cósmica, no mesmo dia em que percebi isso, li a notícia de que Julia Roberts havia circulado pelo tapete vermelho do Festival de Cinema de Cannes com os pés descalços, em protesto contra a expulsão de algumas mulheres que não seguiram o protocolo ano passado, enquanto que a jornalista Mauren Motta postava em seu perfil no Facebook o apoio à britânica Nicola Tharp, uma recepcionista de 27 anos que se recusou a trabalhar nove horas em pé usando salto e foi demitida.

Não sou partidária do desrespeito ao dress code estipulado por empresas e pelo bom senso: acho que vestir-se convenientemente, de acordo com a ocasião, é uma questão de bons modos. Mas nada impede que a gente repense a obrigatoriedade dos maiores ícones masculinos e femininos: a gravata e o salto alto. O uso de um e de outro deve ser facultativo, não uma imposição.

Posto isso, mudo de assunto, mas nem tanto. Voltei da Europa convencida de que o glamour tornou-se obsoleto. O mundo está em constante mudança, e é hora de sermos mais realistas e práticos. Glamour e ostentação não significam a mesma coisa, mas confundem-se. Tudo o que é over resvala para a cafonice. A simplicidade é o novo luxo. Aliás, sempre foi, apenas está recebendo o status merecido diante da falência econômica mundial.

Não estou falando apenas de consumismo, mas de atitude, de cultura, de estilo de vida. “Menos é mais” já deixou de ser uma tendência para virar um clássico. A Europa não é o paraíso: tem gente nas esquinas pedindo esmola, tem desemprego, tem greves, tem escândalos, nada está assegurado, o pulso pulsa.

Mas pulsa sem espalhafato. A Europa se manifesta num tom mais baixo e nem por isso deixa de ser escutada. Mantém a compostura. Não há celulares em cima das mesas dos restaurantes. Não há barulho excessivo. Não há cores gritantes. Não há tanto agrotóxico, maquiagem, pressa, televisão, grosseria, suores, botox. Não há tanto enfeite, não há tanta sedução ostensiva, não há tanto. As coisas funcionam sem os excessos. Há valores máximos dentro do mínimo.

Voltei sonhando (alto) com um Brasil mais pé no chão.


28 de maio de 2016 | N° 18537 
CARPINEJAR

A matemática do amor


Por mais que se perca a razão no amor, o sentimento guarda uma matemática secreta. Há uma equação escondida debaixo das tormentas do relacionamento. Ninguém levanta alicerces para o edifício das palavras e das juras a dois sem recorrer à trigonometria. Dentro da poesia aparentemente passional, caótica e temperamental da coreografia emocional, é possível localizar a precisão da engenharia e a sustentabilidade da arquitetura.

Na separação, eu realizo um cálculo objetivo que costuma funcionar. A felicidade sempre tem que pagar comissão para a dor. Não é uma taxa opcional – todos serão obrigados a participar.

É um coeficiente mínimo de esforço e sacrifício que cada um vai arcar para se desapegar do ex ou da ex. O separado precisa experimentar um isolamento e expiação proporcional ao tempo da relação. Se você viveu vinte anos com alguém, atravessará dois anos de luto. Se viveu dois anos com alguém, serão dois meses de luto. 

Se viveu dois meses com alguém, a conta de angústia fica em dois dias. Depois da alegria do banquete, cabe separar dez por cento da duração da união para o sofrimento. A saúde de um novo romance depende dessa estranha contabilidade. Encurtar ou alargar o período prejudicará o andamento das suas convicções – ou desistirá do romantismo ou emendará lastros com pessoas erradas e inoportunas.

O mundo adulto é feito de tributações. Onde predominou esperança restará um dízimo de frustração a quitar, onde reinou a ilusão sobrará o pedágio de desapontamento a superar, onde vigorou confiança aparecerão pendências para serem solucionadas. A fórmula da felicidade inclui tristeza e solidão com a ruptura. Depois de ser dois, voltar a ser um requer recuperar a metade doada.

O sofrimento é um garçom implacável de gravata-borboleta. Não achará forma de enganá-lo e fugir da dívida. Com o término do prazer e da idealização, ele estará diante de você com a caderneta preta da fatura na mão direita e a maquininha na mão esquerda:

– Crédito ou débito?

Melhor escolher o débito logo. Adiar o pagamento só aumentará os juros do recalque.

Mas há aquele que trai a objetividade e se separa dentro da relação. Parcela o fim em vinte e quatro vezes, a cada briga e discussão, e quando sai porta afora já não deve mais nada.


28 de maio de 2016 | N° 18537
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

O QUE PLANTAMOS


Os poderosos inteligentes sabem o quanto é admirável exercer a humildade

A sensação de poder exige do poderoso algumas virtudes. A mais importante delas é a perspicácia de entender que, neste terreno pantanoso, nada é absoluto nem ilimitado.

Os poderosos inteligentes descobrem precocemente o quanto é fácil e admirável nesta condição o exercício da humildade. Ao contrário dos subservientes por necessidade, os poderosos seduzem quando deixam claro que o poder “não lhes subiu à cabeça”.

Infelizmente, na maioria das vezes, a consciência da supremacia sobre seus pares gera comportamentos extravagantes e repulsivos que, como era de se prever, abrem caminho para a solidão e o abandono no futuro. Em algumas circunstâncias, em que a duração da idolatria é preestabelecida, seja pelo tempo de mandato do homem público ou pela transitoriedade do apogeu físico do atleta ou do artista, mais se exige inteligência na semeadura de afetos respeitosos ou não, que reverterão, logo adiante, em agradecimentos ou retaliações. 

Negligenciar esse destino é negar a inflexibilidade de vida, que só reserva para colheita o que plantamos. A constatação tardia do fracasso na construção desse futuro explica as atitudes destemperadas de políticos pós-mandato e os altos índices de drogadição entre ex-atletas e ex-famosos.

O riograndino apresentou as suas credenciais na primeira consulta. Tinha agendado para o primeiro horário e, quando a secretária lhe perguntou se cederia a vez para um paciente dependente de oxigênio, que confessara o temor de que seu reservatório pudesse terminar antes de chegar em casa, ele simplesmente disse: “O meu horário foi marcado com antecedência e não tenho nada a ver com isso!” Só soube desta cena no fim das consultas, mas ela teria sido apenas um prenúncio da trajetória de desamor que marcou a passagem dele pelo hospital. 

A ostentação e o desapreço que ele dedicou aos funcionários mais humildes encontraram ressonância na atitude dos filhos, que mantinham em relação a ele uma distância compatível com uma rigidez afetiva crônica. As referências elogiosas a mim sempre foram vistas com as reservas esperadas para uma relação em que um dos envolvidos estaria anestesiado e o outro empunharia um bisturi.

A evolução pós-operatória foi ótima, a internação foi curta, não houve tempo nem motivação para que nos gostássemos. E não nos gostamos.

Foi só na terceira ou quarta revisão semestral que “conversamos” pela primeira vez. Empobrecera, e a mulher bonita, mais jovem do que seus filhos, apresentada como esposa lá no início, era a parceira do quarto casamento e recentemente o abandonara. Não restara nada da arrogância antiga, e a necessidade de conversar era o preço da solidão. Nova e pungente. Ao sair, perguntou-me se podia me dar um abraço como agradecimento por tê-lo ouvido, e então senti uma dor por ele e cedi o abraço, não como quem simplesmente consola, mas como quem sente a necessidade aguda de compartilhar sofrimento. 

Só percebi a volubilidade da minha opinião depois que ele partiu. Bastou uma confissão de abandono para que eu sentisse uma pena enorme e esquecesse o quanto aquela punição tinha sido regada por uma vida de egoísmo e desamor. Talvez a minha comiseração tenha sido influenciada pelo pesar atávico que sinto dos ricos que viveram só para si e um triste dia descobriram, com desespero, que todo o dinheiro pode acabar antes que a vida termine.


28 de maio de 2016 | N° 18537 
DIANA CORSO

VOCÊ LEMBRA DO SEU PONTO ZERO?


Se alguma época da vida se assemelha a um casulo às vésperas de ejetar seu conteúdo, essa é a do final da puberdade. A adolescência já engloba as primeiras coisas que ocorrem do lado de fora. Os adolescentes têm amigos e experiências eróticas que, mesmo quando parcos, são suficientes para ignorar que há uma família ansiosa pelo seu destino. Para eles, uma história pessoal começou a acontecer, o que significa que já conseguiram atravessar a soleira da porta de casa. 

Antes disso, estão de pé, apoiados no marco, meio tontos, tentando ficar surdos aos sons domésticos que, às suas costas, chamam para ficar. Nesse momento, os olhos estão voltados para fora, mas ainda não têm forças para dar o passo libertário que os levará a partir. O tempo e o lugar desse impasse seriam o Ponto Zero, título do filme de José Pedro Goulart, que retrata o momento da vida em que esse passo acontece.

Você lembra? Ir e vir da escola, ser extremamente tímido, sentir-se derretendo quando é preciso falar na frente de todo mundo. Desejar e admirar gente que sequer sabe que se existe, provavelmente mais velha. Com sorte, não apanhar de uns caras mais fortes. Ser objeto de olhares de desprezo ou sentir-se transparente, excluído em todos os lugares. Masturbar-se sempre que possível. 

Encontrar alívio no ferrolho do computador: jogos, música, filmes, seriados, animes, mangás, para alguns poucos, leitura. Dormir muito. Responder com monossílabos. Começar a olhar a família como se não se estivesse no recinto, mas sentir urticária até com as vozes deles. Sentir-se preso. Esconder-se dentro do cabelo e de moletons folgados. Espinhas e cabelo sebento. Dormir de roupa, acordar e sair sem se trocar, de estômago vazio. Comunicar-se, no máximo, com um amigo, talvez virtual.

Como essas experiências, o filme é de intensa coloração dramática, contrastando com a quase ausência de ação da vida de um garoto de 14 anos. Ênio é, como todos da sua idade, quase mudo, feito só de olhos que tudo enxergam, embora sem maior expressividade. Olhares que não mostram o que se pensa. Ele tem a falsa quietude de um vulcão, por fora pedras, por dentro a lava borbulha. Quando finalmente sai, sua jornada é de solidão e atos desesperados. O filme é quase alegórico, não importa muito o que de fato acontece, tampouco eu faria aqui a descortesia de revelar. O certo é que, passado o patamar dessa primeira aventura, não há volta.

Não são necessários dragões, zumbis, duendes, mutações ou batalhas épicas para que uma história tenha efeitos metafóricos. Vivências psíquicas são suficientemente fantásticas para evocar significados máximos em eventos mínimos. A magia do filme de Goulart é levar-nos para dentro da cabeça de um quase adolescente que, por fora, pareceria insignificante e imóvel.

Por meio dos seus olhos observamos a falência do casamento dos pais, a distância hipócrita do pai, as chantagens emocionais da mãe, enquanto sua irmã adolescente fala ao telefone e vive tranquila, alheia ao cenário de brigas e sofrimento. Ênio é quieto, tenta minimizar sua presença ao máximo. Esse recurso ao silêncio é mais verdadeiro, pois os pensamentos nessa época não são muito claros, mais feitos de sentenças breves, de desfeita e desprezo, do que de longos parágrafos.

Chega a ser cômica a representação dessa ausência de palavras do protagonista no filme: ninguém realmente escuta as pessoas dessa idade, elas são ignoradas ou destinatárias de sermões e monólogos. Todos lhes falam e nunca os ouvem, nem mesmo quando estão respondendo às perguntas que lhes são feitas. Ponto Zero é uma ótima experiência de dar visibilidade à mais injustiçada época da vida. Prensada entre a infância e a adolescência, a puberdade é uma aventura e tanto. Por isso, seu final é um drama que merecia um retrato como esse.



28 de maio de 2016 | N° 18537 
ANTONIO PRATA

TECLA SAPDO HUMOR

Algum dia, essa nuvem negra estacionada entre o Guaíba e o Amazonas há de se dissipar, o Congresso deixará de ser o valhacouto dos velhacos, o covil dos covardes, o desvão dos desvios e o Legislativo finalmente retratará os múltiplos interesses nacionais. Neste dia glorioso, entre deputadas vegetarianas e senadores hip hop, entre ianomâmis e sadomasoquistas, empresários e budistas, hackers e nudistas, nerds e skatistas, cristãos, judeus, muçulmanos, ateus, punks e umbandistas, me sentirei enfim representado por uma bancada: a bancada dos humoristas – um conjunto de homens e mulheres sérios, empenhados em derrubar o verniz de seriedade que nos impede de enxergar o ridículo de todas as coisas deste mundo.

Enquanto o sol não vem – o cumulonimbus da mesquinharia parece bem fixo sobre nós –, dou aqui minha imodesta sugestão para os excelentíssimos comediantes: sugiro um projeto de lei tornando obrigatória, em todo o território nacional, a tecla SAP do humor. Em qualquer filme de cinema ou programa de televisão, de pronunciamento oficial a novela das oito, de Godard a comercial de margarina, do chamego sob os edredons do BBB aos grampos dos caciques do PMDB, em se apertando a tecla SAP do humor, teríamos a versão paródia do que estivesse sendo exibido. (Para pessoas com problemas auditivos, haveria legenda ou um mímico fazendo umas patacoadas num quadradinho, embaixo da tela).

Aparece o Temer, você aperta a tecla SAP e ouve a Tatá Werneck falando uns absurdos. William Bonner daria notícias delirantes sobre, digamos, uma chuva de cupcakes em Quixeramobim – com a voz do Pato Donald. Donald Trump só falaria espanhol, com sotaque árabe – sobre sexo. Debates entre políticos seriam dublados ao vivo pelo pessoal do extinto Rock Gol, da MTV. Marcelo Adnet recriaria os textos de todas as novelas bíblicas. 

Gregório Duvivier seria o encarregado pela Iurd. Pedro Cardoso faria a voz nos filmes do Bruce Willis. Bruno Mazzeo narraria todos os jogos de futebol e todos os jogos de futebol seriam do Vasco e o Vasco ganharia tudo, da série C de Santa Catarina a Champions League. (Se já houvesse a tecla SAP do humor na semifinal da Copa de 2014, Vasco x Alemanha teria terminado 7 a 1 pro Vasco – o Vasco seria o time de camisa branca, claro, a Alemanha, aqueles perdidões de amarelo).

Se você quisesse, poderia passar o dia com a tecla SAP do humor apertada: seria como assistir à realidade a contrapelo, ao mundo bizarro no desenho do Superman, ao lado de lá em Alice através do Espelho, seria o Porta dos Fundos entrando pela porta da frente nos lares e Cinemarks da nação.

Haveria apenas duas exceções em que a tecla SAP do humor não funcionaria: no horário eleitoral e em votações do Congresso. Ver a bancada da bala defender a vida, o Partido da Mulher Brasileira criticar o feminismo e religiosos usarem o nome de Cristo para reduzir a maioridade penal já é patético o suficiente. (Pensando bem, o 7 a 1 tampouco precisaria ser dublado. Melhor seria assistir a ele sem falas, em preto e branco, com um pianinho animado ao fundo, como uma boa comédia do Chaplin ou do Buster Keaton.)

28 de maio de 2016 | N° 18537 
DAVID COIMBRA

Mais punição é igual a mais humanidade

As feministas têm razão quando dizem que todo homem é um estuprador em potencial.

Você, homem tão sofisticado que se detém para ler o jornal, haverá de protestar:

– Eu não sou estuprador! Decerto que não. Como não é assassino. Mas tem, no recôndito mais sombrio da alma, potencial para ser ambos.

O homem é naturalmente mais agressivo. Vide a população carcerária, majoritariamente masculina. Vide os acidentes de trânsito fatais, quase sempre causados por homens. Mas não tem de ser assim. Não deve. Nem pode.

Mata-se, no Brasil – 60 mil pessoas por ano. Estupra-se, no Brasil – 13 mulheres por dia só no Rio de Janeiro. A diferença é que mesmo o matador mais frio está consciente de que cometeu um crime monstruoso. O estuprador, não. Os 30 homens que estupraram uma jovem no Rio, dias atrás, jactaram-se do que fizeram e postaram cenas na internet. Como se fosse natural.

Não é. Porque não somos bichos. Somos homens. Tornamo-nos homens. A cultura do estupro é ancestral.

Uma das principais armas de desmoralização do inimigo, nas guerras, é o estupro. No caminho para a tomada de Berlim, na II Guerra, os russos estupraram 2 milhões de alemãs, debaixo de consentimento e até incentivo oficial.

Quando você ouvir falar em “rapto” de mulheres na Idade Média ou na Antiguidade, entenda “estupro”.

Os romanos primevos raptaram as sabinas e as tomaram como esposas – depois de violentá-las, claro. Os sabinos, furiosos, queriam a guerra. Mas as sabinas, tendo passado algum tempo com os romanos, argumentaram que eles já tinham se tornado seus maridos. “Se houver guerra e vocês perderem”, argumentaram elas, “perderemos nossos pais e irmãos. Se vocês vencerem, perderemos nossos maridos”. Os sabinos se deixaram convencer e os povos se fundiram, em vez de se dizimarem.

Perceba a naturalidade com que a violência era encarada.

Gengis Khan, o maior estuprador da História, dizia:

– Não existe prazer maior do que derrotar o inimigo, tomar suas posses, cavalgar seus cavalos e violar suas mulheres.

Seguindo essa máxima, Gengis Khan se tornou um sucesso genético: calcula-se que cerca de 32 milhões de pessoas descendam dele hoje, mil anos depois de sua morte. São os filhos de milhares de estupros.

Se o macho humano pudesse, continuaria vivendo como bicho. Foi assim na maior parte do tempo. Se for verdade que o Homo sapiens surgiu há 200 mil anos, 95% desse período ele o passou em nomadismo, quase sem regras, a não ser a do mais forte.

Foi a mulher que civilizou o homem. Mais especificamente, a mãe. Não é por acaso que as deusas das épocas remotas da humanidade eram deusas-mães. Venerava-se A Grande Mãe. Porque, quando não se sabia nem qual era o papel do homem na reprodução, a mãe era a referência.

As necessidades da mãe criaram a civilização. Quando grávida, a mulher tem dificuldades para se deslocar. Quando pequenas, as crianças demandam cuidados. É preciso ficar, não estar em movimento. As mulheres, as mães, inventaram o sedentarismo, a agricultura, a propriedade privada, o capitalismo e a civilização.

E qual é o significado real de civilização? É repressão.

A civilização nada mais é do que o controle do instinto humano.

Que se dá através dos costumes. Que se transformam em lei.

Voltamos agora ao caso do crime horrendo ocorrido no Rio. Por que aqueles homens cometeram tamanha brutalidade contra aquela garota?

Porque podiam. Porque a lei brasileira é leniente. É permissiva e, sendo permissiva, “permite” qualquer coisa a qualquer um.

Os menores que violaram a menina não serão presos. Se forem detidos, estarão soltos em no máximo três anos. Os adultos tampouco ficarão muito tempo na cadeia.

Eles sabem disso. Isso tem de mudar. A lei nos humaniza. A repressão nos civiliza. Há que se endurecer a lei para casos de estupro. Há que se tratar monstruosidades, como a que ocorreu no Rio, exatamente como o que são: monstruosidades.

O Brasil precisa de repressão. Precisa de punição. A punição educa. Lembre-se: a punição educa.

sexta-feira, 27 de maio de 2016



RICARDO NEVES
06/05/2016 - 19h30 - Atualizado 10/05/2016 16h49

Se você é jovem, é hora de você dizer "Adeus, Brasil!"

Você tem entre 20 e 30 anos? Não desperdice a sua entrada na vida adulta aguardando uma chance para sua decolagem. O país ainda vai ficar no chão por vários anos

Fique certo de que o Brasil vai ficar taxiando no solo ao longo dos próximos anos. Pelo menos até 2020 vamos ter de resolver em primeiro lugar um amargo, profundo e complexo ajuste fiscal. Isso mesmo. Aquele que foi prometido e alardeado no início de 2015 por Dilma Desastre e que não saiu do lugar.

Em paralelo com o tal ajuste que deve vir aí, o país vai assistir a um processo político-jurídico similar ao Julgamento de Nuremberg ao final da Segunda Guerra. Isso mesmo. Após a saída da Dilma, não vai dar para simplesmente virar a página e tocar em frente.

Nós vamos assistir ainda ao prosseguimento da Lava Jato até o final deste ano e na sequência o maior julgamento da história deste país. Neste julgamento teremos com réu pelo menos um ex-presidente, muito provavelmente dois, e muitos outros peixes grandes. E isso, fique certo, vai durar anos até saírem as sentenças.

>> As jovens empresas que, na crise, emprestam a juros mais baixos que os dos bancos

As empresas vão ter que se espremer e se reinventar para voltar a crescer neste cenário de terra arrasada que Dilma Desastre deixa para trás. Não veremos uma volta por cima da economia como gostaríamos. Vai ser um trabalho árduo para adultos calejados, que têm responsabilidades que você, jovem, ainda não tem; e que não têm também as alternativas de flexibilidade que você tem. Não tem caminho mágico e fácil à frente.

Você é daqueles jovens identificados como “concurseiro”? Sinto muito. Não aposte suas fichas nisso. O ajuste fiscal e a reconfiguração que vão delinear o novo setor público brasileiro nos anos à frente vão restringir novas contratações de maneira severa.  A máquina pública está inchada e é pouco produtiva.

>> O desemprego entre jovens levará milhões à pobreza, diz pesquisadora da FGV

A austeridade de governo aqui no Brasil deverá seguir regras similares da austeridade em outros país que já fizeram o ajuste. Por exemplo, em Portugal a regra de contratação no setor público agora é chamada “2 para 1”, isto é, dois funcionários da ativa precisam sair para que seja contratado um novo.

Não perca tempo. Aproveite que a terceira década é a melhor para que o ser humano desenvolva uma cabeça global. É justamente entre os 20 e os 30 anos que uma pessoa aprende a operar multiculturamente, isto é, a entender e participar em ambientes diferentes do seu habitat natural, local e nacional.

>> Vote: se você fosse um cientista importante, você deixaria o Brasil?

Jovens com cabeça global constituem um dos principais ativos, um dos principais recursos para que um país se desenvolva e participe com protagonismo do ambiente global. Todos os países que se tornam grandes players devem superar aquela linha mágica de ter metade de seu PIB resultante de exportação. E não é exportando commodities, como nos acostumamos. É exportação de produtos e serviços de alto valor agregado.

É o que mostra a história da economia desde o final da Segunda Guerra Mundial com os exemplos de Alemanha, Japão, Coreia do Sul e agora China -- países que atingiram essa marca mágica de exportar pelo menos a metade do que produzem.

Nem nos melhores momentos o Brasil nunca passou de 20% de seu PIB gerado por atividades de exportação, sendo que infelizmente a maior parte da riqueza exportada não foi de produtos de alto valor agregado, como a produção de aeronaves da Embraer, por exemplo. Riqueza de alto valor agregado demanda gente qualificada e com cabeça global e é isso que você deve considerar como seu passaporte de retorno ao Brasil.

Compre uma passagem pra o exterior imediatamente e monte lá uma rede de conhecidos no que o ajude nos primeiros meses. A internet está aí para isso. Aproveite a sua juventude e seja ousado.

Se não tiver dinheiro para passagem e para as primeiras semanas, passe o pires na família. Ou então faça um livro de ouro. Rife alguma coisa. Faça uma vaquinha na internet, o tal do crowdfunding. Mas vá.

Não desperdice uma chance de ouro num momento em que esse país ainda está na UTI e de onde não vai sair tão breve. Vá! Vá e viva no mínimo uma grande aventura. Nós vamos ficar aqui tentando -- mais uma vez! – consertar esse Brasil desandado, legado de Dilma Desastre. Vocês sempre terão um lugar aqui entre pais, avós e amigos. E vai fazer muito bem a vocês voltarem com cabeça mais cosmopolita e globalizada.

WALCYR CARRASCO
24/05/2016 - 08h00 - Atualizado 24/05/2016 17h02

A eterna busca de alguém

Casamentos não são mais feitos para durar. Insatisfações do cotidiano tornam-se fardos insuportáveis


Casais que duram a vida inteira são tão raros como zebras. Existem, mas são admirados como bichos no zoológico.

– Imagine, completaram 30 anos de casados! Os amigos, filhos, parentes aplaudem e tentam entender.

– Como se suportaram tanto tempo?

Nunca falta quem faça uma lista de defeitos dos cônjuges.

– Mas também aguentar aquele velho chato a vida toda!

– Ela manda nele, é insuportável.

Dor de cotovelo. Poucos conseguem manter uma relação durante tanto tempo. Mais complexo, há um consenso de que a separação é algo bom. Muitos filhos, inclusive, estimulam as mães a separar-se. Conheci um rapaz que fortaleceu as divergências entre mãe e pai. Depois da separação, o pai se recusou a dar pensão. Sobrou para ele, que trabalha que nem doido como comissário de bordo. A mãe faz o que pode, mas era dona de casa em tempo integral.

– É muito bom, ela está numa nova fase. Exatamente. Uma fase solitária. O filho voa de um lado para o outro, namora. Ela, à espera. Mas o rapaz anda insatisfeito:

– Agora que tenho de segurar as pontas da minha mãe, não posso casar!

Casamentos não mais são feitos para durar. Às vezes, nem dá tempo de os dois abrirem os presentes. Um casal de atores casou-se apaixonado. Na volta da lua de mel, ele se separou no aeroporto. Já estava com outra. Pequenas insatisfações do cotidiano, que no passado seriam absorvidas em nome da família, dos filhos, tornam-se fardos insuportáveis. Juro, é verdade: um conhecido sempre jogava a toalha molhada em cima da cama, ao sair do banho. Ela reclamava. 

Ele jogava. A toalha tornou-se motivo de disputa e tortura psicológica. Ela se separou antes de um ano de casada. Um rapaz namorou cinco anos com uma garota. Durante esse tempo, fumava e jogava baralho. Assim que se casou, ela passou a reclamar do cigarro. Ele parou. Em seguida, ela atacou o baralho. Ele deixou o grupo. Também parou de jogar futebol. Chegou a vez da sogra: ela não suportava. Depois dos cinco anos de amizade no namoro, as duas viviam um inferno. Ele se afastou da mãe. A mulher passou a reclamar da situação financeira. Ele arrumou outro trabalho. Cumpria dois períodos. Ela se separou:

– Você não me dá mais atenção. Vive na rua.

O marido de uma secretária que conheço perdeu o emprego. Aos 50 anos, é difícil arrumar outro. Ela manteve a casa. Ele montou uma van de hot dog. Não deu certo. Impossível segurar a família. Ela o atacou. Como se a culpa não fosse dele, da idade, da crise. Foi para a casa da mãe com as filhas. Mas a sogra não queria saber do genro. A última notícia que tive: ele foi morar na rua. O sonho de uma garota de Brasília era casar com um diplomata. Bastava pertencer ao Itamaraty, ela se interessava. Achou um. Seis meses de namoro, casaram-se. Não deu um ano e meio, separaram-se. O argumento da moça.

– Ele viaja demais. Mas não era diplomata?

Há homens que casam com uma garota de 20. Tudo é felicidade. Quando ela começa a amadurecer, separam-se. Ele arruma outra, de 20. E depois... é tudo igual. Suas ex-­mulheres formam uma escadinha de idades, frequentemente com o mesmo tipo físico.

É uma época de impaciência para com o outro. O amor é volátil, como um líquido que evapora ao contato com o casamento. Tanto que, nas plantas de apartamentos de luxo, vem a grande opção: um banheiro para cada um. Já ouvi de uma amiga:

– Eu não conseguiria continuar casada se tivéssemos o mesmo banheiro.

Que amor é esse, que depende do banheiro?

Todo relacionamento vive impaciências. Dificuldades. Pequenas chatices do dia a dia no passado seriam relevadas. Quando alguém se casava, queria que fosse para sempre. Atualmente, parece até que se separar é mais importante que casar. As pessoas acreditam que estão entrando numa nova fase, para preencher o vazio interior. Entram em cursos, buscam novos grupos de amigos. Mulheres mudam o penteado, homens correm para perder a barriga. E depois encontram alguém parecido com quem já tinham, pois a mudança foi somente exterior. Unem-se e, dali a pouco, a rixa recomeça.

A grande questão é que, para amar o outro, é preciso amar a si mesmo. Está difícil, em tempos tão contraditórios. Cada vez que alguém se separa e encontra outra pessoa, não é uma renovação em si. Mas o produto de uma insatisfação interior que não será resolvida pelo par. Resultado: ao primeiro deslize, a separação. Tem muito marido que já perdeu a mulher porque se esquecia de abaixar a tampa do vaso.

j. p. cuenca

Ministério da Educação e da Cultura do Estupro
26/05/2016  16h00


No dia em que virou notícia o caso de uma menor de idade dopada e estuprada por 30 homens, crime exposto em vídeo com risadas e piadas na internet, foi recebido pelo ministro Golpista da Educação e pelo ministro Biônico da Cultura um ator conhecido, entre outras coisas, por ter confessado o estupro de uma mãe de santo na TV –depois disse que aquilo era parte do seu show de stand up, apenas uma piada. Kkkkk.

Ficcional ou não, o relato de estupro foi recebido com aplausos e gargalhadas no programa do mesmo comediante que comentou a gravidez de uma cantora dizendo que "comeria ela e o bebê". O apresentador também disse, num show de stand up, que mulher feia deveria ver estupro como "oportunidade" e não "crime": "Homem que fez isso não merece cadeia, merece um abraço". Defendeu-se dizendo que, claro, aquilo era apenas uma piada. Kkkkk.

Os homens que participaram desse estupro coletivo no Rio de Janeiro foram os que violaram a menina, os que a filmaram, os que compartilharam esse vídeo e os que fizeram comentários e piadas na internet sobre as imagens publicadas. Nenhum deles foi capaz de questionar o crime hediondo. Nenhum deles sentiu raiva, nojo, repulsa. Nenhum deles brigou para salvar a garota. Não saiu porrada. Nenhum deles foi a exceção: eles são a regra. No vídeo há gargalhadas. Em redes sociais, riram da mulher desacordada e sangrando assim: Kkkkk.

Todos eles também devem achar as piadas de Alexandre Frota e Rafinha Bastos sobre estupro muito engraçadas. Kkkkk.

Os números oficiais afirmam que uma mulher é estuprada no Brasil a cada 11 minutos. Como o crime é o mais subnotificado de todos, acredita-se que apenas entre 10% a 35% registrem queixa à polícia. Conhecendo nossa polícia, faz sentido. Estudos do Ipea apontam justamente para o pior cenário: 476 mil casos de estupro em 2014 no Brasil, cerca de um estupro por minuto. Segundo pesquisa Datafolha, 90% das brasileiras têm medo de ser vítima de agressão sexual. Faz sentido. Enquanto você leu os parágrafos acima, duas brasileiras devem ter sido estupradas.

O apelido do criminoso que divulgou o vídeo desse estupro é Michel Brasil. Faz sentido. Nesse país machista, autoritário, patriarcal e violento, onde culpar a vítima é regra e a impunidade de gente como ele está garantida, ele está em casa.

Não só ele. Nós. Todos os homens somos responsáveis pela manutenção da violência contra a mulher.

Não precisamos atacá-las fisicamente ou fazer piadas misóginas naturalizando violência para isso. Ao negar sua voz, ao tratá-la como nossa propriedade, ao objetificar sua existência, ao sermos os prepotentes narcisistas perversos e opressores que costumamos ser: o problema é nosso, a culpa também.

Só ficar consternado e escrever textinho oportunista pra ficar bem na fita não adianta. Existe um abismo de empatia que precisa ser atravessado –e isso é uma batalha diária que precisamos travar contra nós mesmos, contra nossa própria covardia e privilégios de gênero. Do contrário, nossas atitudes e palavras em momentos como esse terão a mesma substância de um livro de mesa de centro.

Autocrítica ou desconstrução é pouco: precisamos de uma autodemolição. 
Notícia da edição impressa de 13/05/2016. Alterada em 12/05 às 21h31min

Os pecados de Dilma e a guerra dos cabides



REPRODUÇÃO/JC
O festejado jornalista Ricardo Noblat apresentou, na versão impressa de O Globo e em seu blog, uma análise sobre o comportamento da presidente afastada Dilma Rousseff (PT) nos seus cinco anos e quatro meses de poder. O relato vem recheado por detalhes de situações pitorescas, humilhantes. Os dois mais notórios são o de uma ex-ministra que fez pipi na roupa e o da camareira que enfrentou a presidente em uma "guerra de cabides". Eis o resumo:
1. GULA - Dilma emagreceu 20 quilos no período de pouco mais de um ano e emagreceu também o País ao fazê-lo mergulhar na pior recessão de sua história desde os anos 30 do século passado. Nem por isso ela deixou de atentar contra o pecado da gula. Presidente algum, nem mesmo os da ditadura de 1964, se empenhou tanto em concentrar o poder como Dilma o fez. Seu apetite era insaciável. Confiou em poucos auxiliares. E mesmo desses costumava duvidar quando lhe diziam o que não queria ouvir. Foi uma gerente à moda antiga e, como tal, ineficiente. Na organização de esquerda na qual militou nos anos 1970, ganhou fama como tarefeira. Fazia o que lhe mandavam. E só se distinguiu por isso.
2. AVAREZA - O dicionário capenga de Dilma não tem o vocábulo "elogio". O que move pessoas, levando-as a superar limitações, é o reconhecimento. Sem ele não se consegue desempenho acima da média. A maioria dos ministros escolhidos por Dilma destacou-se por sua mediocridade ou falta de iniciativa. Mesmo os melhores acabaram se igualando aos demais por falta de incentivo. Fernando Haddad (PT), atual prefeito de São Paulo, largou o Ministério da Educação. Nelson Jobim (PMDB) deixou o Ministério da Defesa, para não ter que brigar com Dilma. "Não, você não entende de nada disso", gritava se a opinião de um ministro ou assessor a contrariasse. Certa vez, de tão assustada com o que Dilma lhe disse, uma ministra da área social fez pipi na calça, em plena reunião ministerial.
3. LUXÚRIA - O desejo egoísta por todo o prazer corporal e material está longe de marcar o desempenho de Dilma como presidente. Mas a vontade de sentir-se superior em relação aos semelhantes é também uma forma de luxúria. Humilhou Geddel Vieira Lima (PMDB), então ministro da Integração Nacional, num encontro dos dois com Lula (PT). Desde que eleita, exigiu ser tratada como "presidenta" e, para tanto, até sancionou uma lei (nº 12.605/12), que só faltou ter a fotografia dela, ao determinar o emprego obrigatório da flexão de gênero para nomear profissão ou grau em diplomas. Expulsou um general do elevador privativo do Palácio do Planalto. Fez chorar José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras. E deixou em pânico o jardineiro do Alvorada ao culpá-lo pela bicada de uma ema no cachorro que ela ganhara de presente de José Dirceu (PT).
4. IRA - Um dos ministros do governo inicial de Dilma anotou os frequentes surtos presidenciais. Quando ele já colecionava 16 episódios em dois anos, desistiu, porque a ira já havia se banalizado. Dentre eles, o que ficou conhecido como "A guerra dos cabides". Irritada com a arrumação do seu guarda-roupa no Alvorada, a presidente começou a jogar cabides em Jane, a camareira. Esta reagiu jogando os objetos de volta. A servidora acabou demitida, mas depois foi presenteada com outro emprego, em troca do seu silêncio.
5. INVEJA - A inveja de Lula responde por uma série de atritos que Dilma teve com ele, prejudicando seus governos. Logo de saída, tentou mostrar que não seria tolerante como Lula fora com os suspeitos de corrupção. Considerava-se a "faxineira ética", capaz de demitir sete ministros em menos de um ano. Nos anos seguintes, aconselhada por Lula, ela readmitiu alguns e empregou representantes dos outros para garantir apoio à sua reeleição. Descumpriu um pacto, não escrito, assumido com Lula que permitiria o retorno dele à presidência em 2014.
6. PREGUIÇA - Não fugia de longos expedientes e de meter-se em tudo, inclusive no que não deveria. A preguiça de Dilma foi a de não ouvir, não conversar, não trocar ideias e não gostar de conviver com pessoas. Dilma é uma mulher solitária; amava o pai; não se dá bem com a mãe. Quando a Câmara aprovou o impeachment, o ministro Jaques Wagner (PT) sugeriu a Dilma que telefonasse para cada um dos 137 deputados que haviam votado a favor dela, a quem entregou a lista dos 137 com pelo menos dois ou três números de telefone de cada um. Destacou quatro telefonistas para as ligações. Dilma não quis. Entrementes, Michel Temer (PMDB) telefonou para todos os 367 deputados que votaram a favor do impeachment. Muitas razões explicam a queda de Dilma, mas talvez a principal seja o fato de ela não gostar de ninguém e de ninguém gostar dela.
7. SOBERBA - Desprezou os políticos em geral, e a maioria deles em particular. Evitou aproximar-se deles e recebê-los. Tratou-os como cargas que era obrigada a carregar. Um exemplo: há mais de três anos, o ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pede, sem sucesso, para ser recebido por ela. Diante do risco de a Lava Jato bater à sua porta antes da reeleição, Dilma divulgou uma nota que afastava qualquer culpa dela, mas que deixava Lula exposto à suspeita de que a roubalheira na Petrobras fora obra dele, sim. Pode ter sido. Mas pode ter sido de Dilma também. Por mais que a soberba a impeça de reconhecer, ela e Lula estarão ligados para sempre pela história do País.

Responsabilidade dos notários

Foi a última canetada legal de Dilma, antes da queda. Ela sancionou anteontem a Lei nº 13.286, que dispõe sobre a responsabilidade civil de notários e registradores, alterando o art. 22 da Lei nº 8.935/1994.
Entra em vigor a seguinte nova redação: "Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso".
A pretensão de reparação civil prescreve em três anos, contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial.

Falência da autoridade política

Quando Fernando Collor caiu, na última semana de dezembro de 1992, o jurista gaúcho - e ex-presidente do Grêmio Porto-Alegrense - João Leitão de Abreu foi entrevistado pelo jornalista João Bosco Rabello, de O Globo. Apontando para uma pilha de livros sobre Direito Constitucional e Introdução à Ciência do Direito, Leitão explicou que "estas são obras muito boas sobre Direito, mas nenhuma delas faz referências à falência da autoridade política". Collor caiu por isso.
Dilma repetiu a falência da autoridade política. O que ela dizia deixou de valer; o que ela determinava que fosse feito era ignorado. A presidente passou a viver em um mundo de ficção. E assim será até que sua sorte seja definitivamente selada dentro de seis meses.

O presidente 'picante'

O novo presidente brasileiro é "um reconhecido advogado constitucionalista, que tem aparência ligeiramente gótica e que, a despeito da expressão impassível, tem uma vida pessoal um pouco picante", afirmou, na quarta-feira, o jornal londrino Financial Times, num perfil sobre Michel Temer. Conforme a publicação, ele terá a tarefa de "resgatar a maior economia da América Latina de uma profunda recessão e restaurar a fé pública na classe política que foi devastada pelo escândalo de corrupção na Petrobras".
O perfil explora especialmente os aspectos pessoais da vida do vice-presidente, como o casamento e as poesias escritas por ele. Chegar ao Palácio do Planalto, diz o jornal, "vai levar o ex-professor de Direito, cuja expressão impassível esconde uma vida pessoal mais picante, ao centro das atenções".
A publicação relembra que, "casado três vezes, Temer começou a namorar a terceira esposa, Marcela, uma ex-modelo, 40 anos mais jovem do que ele, quando ela ainda era uma adolescente. Sua aparência ligeiramente gótica também levou um rival a rotulá-lo como "mordomo da casa do terror". O texto menciona uma entrevista à revista TPM, em que Marcela diz que o marido parece ter 30 anos de idade e o classifica como um homem "extremamente charmoso".
O perfil arremata que o novo presidente, porém, "pode ser ameaçado pelo esquema de corrupção na Petrobras, pois seu nome foi citado por algumas testemunhas ouvidas pela investigação". O jornal ressalva que "porém Temer não está sendo investigado oficialmente e nega qualquer irregularidade no caso".

A piora do Congresso

O deputado Ulysses Guimarães espantou muita gente quando disse, em 1990, uma frase que passou a se constituir num autêntico teorema político: "Um novo Congresso será sempre pior do que o anterior". Que o confirme, agora, o desastrado Waldir Maranhão (PP-MA).
A "rádio-corredor" do Conselho Federal da OAB "cunhou" agora (é bem esse o verbo) o que se chama de "Teorema do Cunha": "Como é certo que, a cada quatro anos, alguns novos deputados vão se corromper, e que nenhum dos corruptos já estabelecidos vai se regenerar, assim se explica porque, a cada legislatura, o Congresso está piorando".