terça-feira, 31 de março de 2015


31 de março de 2015 | N° 18118
FABRÍCIO CARPINEJAR

Meu sonho é casar na igreja

Sou sério, assumo minhas decisões, não sou inconsequente. Sofro porque sou sério. A falta de seriedade traz a leviandade, não é o meu exemplo.

Não há maior loucura do que casar-se com consciência de que se está casando, não há maior loucura do que a responsabilidade, do que desejar o casamento e segurar um projeto com os dentes e as palavras, por mais que a pressa crie desconfiança.

Nunca me casei na igreja, este é o meu sonho. Eu me guardo para este sonho. Eu luto por este sonho.

Fazer sem pensar é inconsequência. Fazer pensando é compromisso. Eu me comprometo comigo.

Penso rápido, mas penso. Penso com devoção. Ideias guardadas apenas envelhecem, não são como o vinho, não melhoram com os anos. Realizo enquanto tenho condições de realizar, ainda que imperfeito. Não adianta se conscientizar dos atos e do que seria melhor tarde demais. O que vejo de gente se arrependendo quando não pode mais consertar nada. O perdão se come quente, com o prato fumegando.

Não agirei bêbado e colocarei a culpa na bebida. Não agirei desesperado e colocarei a culpa na carência. Agirei porque quis. Enquanto é hora.

Se errei, se não deu certo, fui eu mesmo que escolhi o meu destino. O destino é meu de qualquer jeito, acertando e falhando.

Se fui enganado, se fui desamado, era um risco que corria. Minha vida não é comprada, não ganharei nenhuma luta por antecedência.

Pugilista ou poeta não pode reclamar de sangrar e apanhar. Não pode lamentar os hematomas, não pode protestar por injustiça, não pode praguejar o ringue.

É da minha natureza confiar no amor e confiar mesmo depois que a pessoa já provou o contrário. E confiar de novo e confiar mais uma vez diante da repetição do erro até que o outro aprenda o que é confiança.

A fragilidade é fortaleza. A vulnerabilidade é lealdade.

Quando o destino não me ajuda, fecho a guarda e sigo pela contagem dos pontos. Não abandono o meu coração.

O sofrimento é meu e também é parte da paixão. Não tenho como não sofrer quando me entrego. Não sei o que minha companhia é capaz de oferecer.

Garanto minhas intenções, mostro quem sou desde o início. Não encampo propaganda enganosa, ninguém descobrirá alguém diferente dentro de mim daqui a um tempo.

Sou monótono de tão passional, sou previsível de tão disposto, pois não mudo minha intensidade.

Caráter é como falamos a verdade mesmo quando não nos beneficia.


Ao morar junto em três dias ou três meses, estou sabendo que será por toda a vida. É o que espero até o último beijo. Ou até a consagração do altar.

31 de março de 2015 | N° 18118
ARTIGOS -  ANTONIO MARCELO PACHECO*

A VIOLÊNCIA ESTÁ TAMBÉM EM NÓS!

Vivemos na constante iminência da presença das violências, assim mesmo no plural. São violências simbólicas e violências físicas que assaltam sujeitos de grupos e espaços sociais distintos: são professores que apanham de pais e alunos, são adolescentes que matam por motivo fútil, são índices semanais de mortes no trânsito, são as ofensas, as injúrias que violentam a honra, a imagem e o nome de indivíduos e de grupos sociais.

É fácil responsabilizar o Estado como fonte primária dessa produção de violências que homeopaticamente vêm nos tornando imunes, passivos e domesticados ao reagir à violência. Sujeitos das violências que nos amedrontam, nos tornamos reféns desta mesma violência, (re)produzindo-a em tentativas desesperadas no nosso sobreviver.

Contudo, isto é impossível. As violências, precisamos reconhecer com certa dose de coragem, estão na sociedade, nos sujeitos e não somente nos representantes do Estado. Policiar a polícia que mata é uma obrigação cidadã, mas quem tem a coragem para policiar a sociedade sem precisar da farda para construir uma existência razoavelmente segura para a própria sociedade?

Quando pais partem para a agressão contra professores na frente de seus filhos adolescentes, quando jovens saindo de inferninhos que, fechados pela ação do Estado, são reabertos por este mesmo Estado, matam, quando agentes de trânsito são humilhados pela cor de sua pele a partir de preconceitos que estão em todos os grupos sociais, quando observamos que o Brasil tem um índice de homicídios que supera países que estão em plena guerra civil, é obrigatório reconhecer o que queremos desconhecer: temos participação nesse processo na medida de nossa irresponsabilidade.

As violências precisam reencontrar sua matriz básica que está no abandono da ideia de solidariedade, da condição de compromisso e da necessária percepção da empatia que nos torna igualmente sujeitos. Não iguais, mas todos humanos. As violências são sociais, muito mais do que institucionais e é preciso vencer o medo e protagonizar a resistência às violências mesmo que de forma anônima e mundana, mas sempre humana.


*Sociólogo e membro do Grupo Violência e Cidadania da UFRGS

31 de março de 2015 | N° 18118
LUIZ PAULO VASCONCELLOS

O TEATRO DO OPRIMIDO

Dezesseis de março era o dia do aniversário de Augusto Boal, falecido em 2009. Por essa razão a data foi escolhida para se comemorar o Dia Mundial do Teatro do Oprimido, movimento criado por ele nas décadas de 1960 e 70 e que, de alguma forma, mudou a cara do teatro no mundo inteiro.

Boal acreditava no teatro como um instrumento de transformações sociais. Uma manifestação política, libertária, renovadora. A meta era transformar o espectador num ser atuante, protagônico, um “espect-ator”, como bem humoradamente intitulou o público. Dizia ele: “Não só casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos, o café da manhã, os tímidos namoros ou os grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática – tudo é teatro. (...)

Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espetáculos da vida em que os atores são os próprios espectadores, o palco é a plateia e a plateia, o palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida cotidiana”.

A poética do Teatro do Oprimido está organizada em setores específicos, atividades lúdicas que podem servir ao ator e ao público indiferentemente. Alguns desses setores são: o Teatro-Jornal, técnica que propõe a encenação de notícias de jornais, principalmente o que está subentendido nas entrelinhas; o Teatro-Fórum, técnica em que atores representam a cena até a identificação do problema, transferindo para o público a responsabilidade da solução; e o Teatro Invisível, em que cenas são representadas em qualquer ambiente sem que o público saiba que se trata de uma representação.


Uma estética como essa resultou na repressão, na censura e no autoritarismo implantados pelas ditaduras militares na América Latina. Passado o período funesto, ela ainda sobrevive, sugerindo alternativas criativas de relação entre a ficção e a realidade. Valeu, Boal!

31 de março de 2015 | N° 18118
DAVID COIMBRA

Eu queria ser negro

Eu não queria ser negro. Deve ser difícil, e a vida já é repleta de dificuldades. Mesmo assim, gostaria de escrever A História dos Povos Negros. Seria esse o título do meu livro.

Será que os negros criticariam o livro devido ao fato de o autor ser branco? No Brasil, talvez não. Mario Filho escreveu O Negro no Futebol Brasileiro, um clássico, um dos melhores livros já escritos sobre futebol, sobre negros ou sobre qualquer outra coisa no Brasil, e Mario Filho era branco.

Verdade que os tempos são outros, as suscetibilidades aumentaram, alguém por certo ia reclamar. Deveria escrever?

Se escrevesse, não usaria o termo “afro-americano”. Não gosto, embora reconheça a boa intenção de quem o criou. O inventor do “afro-americano” pensou: não vamos identificar essa pessoa pela cor da pele, e sim por sua origem geográfica. Só que uma pessoa de ascendência egípcia que vivesse nos Estados Unidos ou no Brasil não seria chamada de afro-americana. Seria brasileira ou americana, simplesmente. E o Egito é africano há pelo menos 7 mil anos.

Assim, o “afro-americano”, de alguma forma, acentua o preconceito contra o negro. Porque você está chamando o cara de afro-americano exatamente porque ele é negro, não porque seus avós vieram da África.

Alguém dirá que todos os negros vieram da África. Certo. Só que todos os Homo sapiens vieram da África. Ou seja: todos nós viemos da África, todos somos um pouco negros, até a Scarlett Johansson. Até eu. O que me incentiva a escrever o livro.

O importante é que o negro não foi escravizado por ser africano, e sim por ser negro. Povos árabes africanos, inclusive, escravizavam os negros antes de os europeus o fazerem. E, na África do Sul, os brancos africanos impunham o apartheid aos negros africanos. Quer dizer: africanos que não eram negros escravizavam africanos negros.

Logo, foi a negritude que justificou a escravização desses homens.

Tente entender este que é o maior drama da história humana: um homem é arrancado à força da sua terra e da sua família e é levado para outro continente, onde passará o resto da vida trabalhando como escravo. Isso aconteceu porque sua pele tem a cor negra.
Nesse lugar, há pessoas de várias outras partes do mundo, de várias outras cores de pele, mas essas pessoas estão ali por vontade própria. Os imigrantes ocidentais ou orientais vieram “fazer a América”. Ou conquistá-la. Ou apenas explorá-la. Ou fugir de alguma perseguição. De um jeito ou de outro, vieram porque quiseram. Os negros, não. Os negros vieram agrilhoados em porões de navios. Os negros, portanto, são estrangeiros.

Aí está a maior tragédia. E eu, que não sou negro, ouso afirmar que esse sentimento é maior nos Estados Unidos do que no Brasil. Esse sentimento de não pertencimento, essa exclusão. Não é à toa que os negros americanos se chamam de irmãos.

Esse pensamento me faz admirar ainda mais Barack Obama. A elegante autoridade desse homem. A maneira como ele caminha e se expressa. E seu desempenho como presidente dos Estados Unidos. Todos esses fatores reunidos, aliados à dificuldade intrínseca de ser negro na América, isso eleva Obama a uma altura poucas vezes alcançada por um líder mundial, em qualquer tempo, em qualquer lugar, de qualquer cor.


Fernando Henrique, um presidente intelectual, decepcionou. Lula, um presidente operário, decepcionou. Obama, um presidente negro, foi melhor do que se poderia esperar. Olhe para Obama. Todos queriam ser Obama. E Obama é negro. Eu queria ser negro.

segunda-feira, 30 de março de 2015


30 de março de 2015 | N° 18117
CÍNTIA MOSCOVICH

MORAL DE CUECAS

Parece inacreditável, mas, passadas quase três semanas do tal “beijo gay” protagonizado por Teresa e Estela, personagens de Fernanda Montenegro e de Nathalia Timberg no primeiro capítulo da novela Babilônia, ainda há os que não se conformam com o feito. Com uma duraçãozinha de nada, a cena resultou em gente escandalizada e indignada, que anda liderando boicotes contra a novela.

É o caso da Frente Parlamentar Mista Permanente em Defesa da Família Brasileira, órgão da Câmara Federal e que é presidido pelo senador Magno Malta (PR-ES). Malta acusa a novela de fazer “apologia do mal” e de “pretender destruir famílias” – como se um beijo entre duas octogenárias fosse desmantelar a moral e os bons costumes.

Claro que Malta, a bancada evangélica e toda a grande parcela da população de moral mais conservadora tem toda a liberdade de não gostar dessa cena ou de qualquer outra. É deles o direito sagrado de desligar a televisão, mudar de canal, até de comandar boicotes. O que se torna exagerado é essa quase obsessão em tutelar os telespectadores, como se o público fosse constituído por um bando de débeis mentais que não sabem ao que deve assistir (aliás, Malta encarna – mais – uma espécie de moral de cuecas, envolvido que esteve no Escândalo das Sanguessugas, aquele da compra de ambulâncias).

Com a pegada cada vez mais realista, às vezes hiper-realista, das telenovelas, o aproveitamento de temas corriqueiros na vida brasileira (favelas, criminalidade, corrupção, tráfico de drogas) tornou-se mandatório. Que surja, então, um casal de lésbicas em nada deveria surpreender – porque há, e sempre houve, grande quantidade de casais assim conformados.

Uma última consideração. Para compor a trama, os autores Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga “precisam” de Teresa e Estela e da difícil vida pregressa de ambas numa sociedade – justamente – preconceituosa. Logo saberemos, por exemplo, que o filho de Teresa saiu do Brasil com vergonha da mãe lésbica.

Em resumo: a homossexualidade é elemento narrativo necessário e que não pode ser banido em nome de uma moral que não se sustenta em sua própria base.



30 de março de 2015 | N° 18117
MARCELO CARNEIRO DA CUNHA

“Better Call Saul” e o poema televisivo

Claro que vocês não sabem disso, mas eu adoro poesia. A boa poesia e a grande poesia, o que significa que eu adoro mais ou menos 0,00000001% da poesia que já foi escrita neste mundo vasto mundo. E um dos meus poemas favoritos começa assim “Something there is that doesn’t love a wall”. Olhem que beleza. Something there is. Algo há, algo há, que não gosta de muros.

Algo há que não quer que Saul se dê bem nesta ou em qualquer outra vida, é o que vemos ao assistir o soneto que é Better Call Saul. A conspiração contra Saul, que, aliás, se chama Jimmy, é cósmica, e nos comovemos com a luta de Jimmy em sua fase pré-Saul contra o universo que o desencanta com uma frequência tão constante quanto maldosa. Jimmy é o não eleito, o não pródigo, o sujeito condenado a ser uma versão inferior de si mesmo, uma sombra do homem que ele tenta desesperadamente ser, antes de desistir e virar Saul.

Breaking Bad é herdeiro de Os Sopranos e The Wire, grandes textos, grandes personagens, grandes destinos se impondo a pequenos homens. Better Call Saul herda a maluquice de Twin Peaks, mas sem a sua loucura. Um dos personagens sofre de “alergia a eletricidade”, o que quer que isso seja. O escritório de Saul, por hora Jimmy, fica em um salão de cabeleireiros.

Mike, o grande solucionador de problemas insolúveis em Breaking Bad, em Better Call Saul, trabalha em um posto de cobrança de estacionamento. A ordem, até aqui, é a da desordem, e se coisas rimam é porque a vida exige isso: do caos, de qualquer caos, sai um universo, e é a este universo improvável e encantador que temos acesso, como espectadores e cúmplices de Jimmy.

Sabemos o que ele vai virar, e isso dói, ao mesmo tempo em que fascina. Os melhores personagens são aqueles com os quais nos importamos, e Jimmy já é o personagem mais irresistível desde que inventaram o personagem irresistível.

A nova televisão tem dono, e é a Netflix, que nem TV é. Ironias, ironias e a vida, tal qual a grande poesia, está cheia delas.


Do lado de cá, nos resta aproveitar e ao máximo, enquanto der.

30 de março de 2015 | N° 18117
DAVID COIMBRA

Santas ou feras

Soube que arrancaram todos os dentes de Santa Augusta. Arrancaram por tortura, porque ela teimava em rezar para o deus cristão e Jesus, e não para Odin ou Thor. Arrancaram a torquês, a mando de seu próprio pai, que, além de ser um homem muito brabo, era general do exército de Alarico, o rei dos visigodos, que saqueou Roma e deu apelido ao afilhado do Zé Antônio Pinheiro Machado.

Depois desse suplício, Augusta ainda teve o corpo queimado e foi torturada num equipamento tenebroso chamado “roda dentada”, para só então morrer decapitada. Aí virou santa. Era assim que as pessoas viravam santas.

Santa Augusta é o nome do presídio de Criciúma. Visitei-o várias vezes, nos anos 80, a fim de fazer matérias para o Diário Catarinense. Não foi a única cadeia em que entrei por força da profissão. Como velho repórter de polícia, estive em vários presídios, inclusive nos femininos e na Fase. Já dei palestras para detentos. Já escrevi um livro junto com um presidiário, sabia? Mas um dia aconteceu algo, nesse Santa Augusta, que me tocou em especial.

Naquele dia, o carcereiro estava todo orgulhoso porque havia conseguido montar o que chamava de “biblioteca” para os presos. Levou-me até o lugar: uma salinha pouco maior do que um armário em que ele empilhara revistas e livros usados. Enquanto folheava alguns exemplares, perguntei:

– Eles leem bastante?

– Não muito – reconheceu. – É que tenho de cuidar, quando empresto um livro. Tenho que ter certeza de que vão ler mesmo.

Achei estranho: – Por quê?

– Porque muitas vezes eles pegam os livros para arrancar as páginas do meio. Para se limpar.

Para se limpar! Os presos do Santa Augusta usavam os livros como papel higiênico.

Dias atrás, vi uma matéria de TV sobre a cadeia em que está o Renato Duque. Vi cenas da cela em que o colocaram. Uma peça do tamanho de um quarto de solteiro, onde três detentos se acomodam com certa dificuldade. Não há banheiro – há um buraco no chão, fazendo as vezes de privada, e uma pia. O banho (frio) é coletivo. Sobre a cama, uma toalha, um cobertor e... um rolo de papel higiênico.

Aquele rolo de papel higiênico centralizou minha atenção. Teria sido posto ali, pelo administrador da cadeia, como prova da civilidade da sua prisão? Será que Duque vai continuar recebendo rolos de papel higiênico, ou terá de arrancar páginas internas de livros para se limpar, como faziam os detentos do Santa Augusta?

Não fiquei feliz ao saber dos sofrimentos pelos quais está passando o Renato Duque agora, não fico feliz ao saber dos sofrimentos pelos quais passam os mais de 500 mil presos do Brasil. Mais de meio milhão de pessoas que não estão na base da pirâmide social – estão sob ela, soterradas, esquecidas, pessoas com as quais ninguém se importa, nem direita, nem esquerda, nem Estado, nem nada.

Tenho acompanhado as discussões sobre a redução da maioridade penal no Brasil. Que debate é esse, se o Estado brasileiro não consegue sequer acomodar com dignidade os presos que já estão sob sua tutela?


Punição justa educa, isso é certo. Punição justa forma cidadãos. Mas é certo também que punição injusta forma feras. Só nos planos etéreos da Igreja é que a crueldade transforma seres humanos em santos.

30 de março de 2015 | N° 18117
MOISES MENDES

Quem torce contra o Brasil?

Gostei de ver a frase de Renato Janine Ribeiro de sábado a domingo na capa de ZH online. A frase do novo ministro da Educação, reproduzida de um texto da sua página no Facebook, permaneceu ali como um reforço singelo ao bom senso: Incrível como há gente torcendo pelo Brasil.

E como há gente torcendo contra. Tem gente torcendo, há muito tempo, contra o pré-sal, que não valeria muita coisa mesmo e que vale quase nada agora que o preço do petróleo caiu. E a torcida contra aumentou quando o governo decidiu que o dinheiro dos royalties do pré-sal irá para a educação.

Torcem contra o Enem, o Prouni, o Bolsa Família. Tem gente que se diz liberal e torce até contra o ministro Joaquim Levy. O ajuste fiscal seria inevitável, mas não nessas circunstâncias. Numa hora como esta, o melhor é que nada dê certo.

Alguns esgoelam-se torcendo contra o pleno emprego, porque trabalho demais causaria inflação. Torcem contra o consumo, porque o povo não pode sair comprando como a classe média tradicional. Torceram contra o preço baixo da gasolina e pediram aumento para a gasolina. Agora, se queixam do preço da gasolina. Torceram até contra o juro baixo.

Torcem com bandeiras pela seca, para que a luz fique mais cara. Esbravejam contra a reforma política, porque beneficiaria as esquerdas, ora vejam. Torceram e torcem contra a Seleção, para que o futebol ajude na desestabilização política.

E vão torcer muito contra Janine. Porque Janine fará escolhas que desagradarão a parte dos hipnotizados pela extrema direita, os amplificadores da retórica e dos atos – a definição é dele – “de um ódio cabal aos direitos humanos”. No bonde dos intolerantes, onde já estavam homofóbicos, xenófobos e racistas, agora se acomodam, na janelinha, os golpistas.

Janine já disse isso sobre os discurseiros da intervenção militar: “Estamos tendo no Brasil uma tolerância, que é grande, com condutas antidemocráticas que deveriam ser tipificadas como criminosas”.


O ministro assume num momento em que nunca foi tão difícil ser de esquerda no Brasil e nunca foi tão fácil ser da extrema direita. Eu torço pelo Brasil e torço muito por ele.

30 de março de 2015 | N° 18117
L. F. VERISSIMO

O inimaginável

Se você já cansou de escândalos e quer fugir deste cotidiano de intolerância e troca de insultos – ou seja, cansou do Brasil atual –, sugiro uma solução, mas com um aviso: você estará trocando uma angústia, digamos, cívica, por uma angústia existencial – o que não deixa de ser uma saída. Se estiver disposto, siga-me.

Minha sugestão é: vamos pensar no universo e esquecer todo o resto? Já se chamou isto de “pensar nas últimas coisas”, mas o problema é que os cientistas ainda não chegaram a um acordo a respeito das primeiras coisas. Teorias sobre o começo do mundo continuam a ser só isso, teorias. Até algumas que pareciam ser universalmente, sem trocadilho, aceitas continuam em discussão, como a teoria do Big Bang, que teria criado tudo em segundos. Agora estão dizendo que não houve o grande pum.

Especulações sobre o que existia antes da explosão inaugural – era o Nada absoluto ou não era nem o Nada? – devem ser substituídas por uma questão ainda mais estonteante, pois se as novas especulações (provocadas, se entendi bem, pela descoberta de pequenos buracos negros indicando a existência de universos paralelos) estiverem certas, significará que o universo, ou a versão do universo que você e eu habitamos, nunca começou. Sempre existiu!

A mente humana não está capacitada a entender uma coisa que existe sem nunca ter começado. O conceito do infinito para os dois lados é demais para quem está acostumado a uma vidinha orgânica, em que tudo nasce, cresce, declina e, que remédio?, acaba. O infinito para a frente ainda é, com algum esforço, concebível. O infinito para trás não cabe na nossa cabeça.

Cientistas, e principalmente físicos, são um pouco como bombeiros, policiais, desmontadores de bombas e domadores de circo, habituados a enfrentar situações extremas que espantam os outros. Vão aonde ninguém mais vai. No caso dos físicos, até as bordas do conhecimento, sem medo de serem engolidos pelo inimaginável, como um leigo. Mas duvido que em algum ponto das especulações eles não lamentem os limites naturais mesmo de uma mente privilegiada, e concluam que nenhuma teoria, jamais, chegará perto da verdade sobre a origem da matéria.


Eu já estou com saudade do Big Bang.

sábado, 28 de março de 2015


29 de março de 2015 | N° 18116
MARTHA MEDEIROS


Decolagem autorizada


É um impulso natural: abrir-se para novas oportunidades, alargar o campo de visão

Dias atrás escrevi uma coluna que repercutiu. Eu falava do sentimento de ver uma filha levantando voo, saindo de casa para construir sua própria vida fora do país, sem data para regressar. Na ocasião, recebi e-mails de pais e mães relatando experiências semelhantes, contando como foi importante para o amadurecimento de seus filhos essa decolagem rumo à própria independência.

Não foram três ou quatro, foram dezenas de mensagens, provando que essa debandada é mais comum do que se imagina e que só traz benefícios, tanto para quem vai quanto para quem fica muitos comentaram que o relacionamento com os viajantes só melhorou depois que eles partiram.

Estava eu entretida com as histórias que cada um contava quando entrou um e-mail de um pai que assim iniciava seu relato: “Tua coluna me levou às lágrimas”. Pensei: mais um que acaba de voltar do aeroporto depois de se despedir do seu moleque. Mas não. Ele contou que tinha um filho de 38 anos que ainda morava em casa e não dava sinal de querer levantar a bunda do sofá (palavras dele).

Imaginava que, a essa altura, o filho já teria vivido suas aventuras pelo mundo, aprendido um pouco sobre a vida, feito escolhas, mas que, ao contrário disso, criara raízes e não pretendia cortá-las. O garoto (garoto??) trabalhava, era um bom menino (menino??), mas nada de se movimentar.

À medida que o texto progredia, a frustração desse pai ficava mais evidente. No final, já estava insultando o guri (guri??). E eu, que gosto de um humor negro, não contive o riso diante deste “pai às avessas”, como ele próprio se definiu: inconformado por não ver seu filho também levantando voo.

Dei total razão a ele. Quando os filhos saem de casa, a gente se preocupa, sente saudades e tal, mas, no fundo, sabemos que esse rompimento está escrito e que é salutar na vida de todas as famílias. Por mais que dê um aperto no peito, o sentimento que realmente impera na hora da separação é orgulho. Criamos um filho que tem determinação, autonomia, equilíbrio emocional.

Não é preciso que ele vá para Londres, Austrália ou qualquer outro lugar distante. Basta abrir mão de um amanhã previsível, mesmo que seja mudando para o bairro vizinho. É um impulso natural: abrir-se para novas oportunidades, alargar o campo de visão, encontrar-se com um eu mais autêntico. Claro que grande parte da população não conta com esse privilégio: amontoam-se todos sob o mesmo teto por não terem como se sustentar de forma avulsa. Mas quem ganha seu próprio dinheiro e ainda assim se recusa a migrar será para sempre o apêndice de uma estrutura que não foi criação sua, e sim herdada sem esforço, impedindo a formação de uma identidade mais legítima.


Ô garoto, ô menino: coragem. Bata as asas e permita que seu pai voe também.

29 de março de 2015 | N° 18116
FABRÍCIO CARPINEJAR

O perdão custa caro

Qualquer criança confessa. Ou pela pressão da verdade ou pela ameaça das informações desencontradas.

A confissão não expressa maturidade. Tem que ser adulto mesmo para arcar com as consequências de seus atos e pagar a pena (que leva em conta a mentira e também o tempo que manteve a mentira).

Diante da quebra de lealdade no relacionamento, a sinceridade do arrependimento depende da contundência da mudança e rápida e emocionada disponibilidade para a retratação. Não pode haver vacilação e dúvida. Rompe-se radicalmente com o que trazia dor e duplicidade, recusam-se barganha e atenuantes, é deixar uma vida para trás e nascer de novo. Exige uma combinação enérgica de resistência emocional e determinação, para provar que nada se repetirá.

Pois se mostrar arrependido é diferente de cumprir o arrependimento.

O primeiro é um estado provisório, que pode ser da boca para fora, provocado pelo medo de perder alguém. Uma promessa, simplesmente, acalmando os ânimos acirrados.

O segundo é um processo de resiliência, definitivo, para resgatar a igualdade e cicatrizar a confiança daquele que se magoou. É quando transformamos a dívida em responsabilidade, quando transformamos o castigo em justiça, quando aceitamos repor as perdas e recuperar o direito de falar. Alinha-se a consciência novamente ao discurso.

Amadurecimento é corrigir o que foi feito de errado pela dedicação, pelo trabalho, dar o exemplo de integridade em sequência, sem jamais desistir. Com humildade, aguentar a desconfiança e a suspeita de quem feriu. Não desfrutará de meias-palavras, nem de um silêncio agradável: é o caso de se apresentar transparente na intenção e didático nos pensamentos.

Por um longo período, você que errou passará a ser o único a confiar em si, e não conhecerá dias leves. Estará em desvantagem nas conversas, precisará prestar satisfações e confirmar horários. A reincidência estará sorrindo à sua frente quando chora e se contorce de culpa. Terá vontade de retornar ao que era, onde mentia, fazia o que queria e não devia nada a ninguém.

Pedir desculpa é fácil e indolor, diria que é um suspiro letrado, mas carregar “eu errei” todo o dia nas costas que é árduo e tarefa para fortes.


Tudo pode ser consertado. Tudo. Desde que se entenda que desculpa é para crianças, e reabilitação é para adultos. Será obrigado a crescer.

29 de março de 2015 | N° 18116
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Intelectuais liberais gaúchos

“Liberal” quer dizer mais de uma coisa, bem sei, a depender do contexto da conversa. Décio Freitas, figura que tanta falta faz no comentário político sutil e profundo, gostava de falar da tradição “iliberal” no pensamento e na prática política do Rio Grande do Sul, com frutos projetados para todo o país. Iliberal quer dizer autoritário, pouco amante das liberdades, alguém capaz de sacrificar a liberdade pela busca da igualdade.

Não é pouca coisa. Os republicanos gaúchos, ferreamente positivistas em sua maioria, protagonizaram um período autoritário longo, que eles mesmos pensavam como “ditadura republicana”, com Júlio de Castilhos e depois com Borges de Medeiros, que presidiu o Estado por 25 anos, nas três primeiras décadas do século 20. Entregou o poder ao jovem Getúlio Vargas, que montou no cavalo da revolução de 30, liderando-a, e permaneceu no poder central por 15 anos ininterruptos, sem ser eleito por voto direto, e depois retornou, eleito, para um mandato, que não concluiu porque se matou antes.

Do braço esquerdo de Getúlio saiu o PTB, que se transformou em PDT depois da volta de Brizola do exílio, em 1979, partido com marca autoritária, não por ter protagonizado uma ditadura, pelo contrário, mas pela força enorme dos líderes sobre a base do partido, e/mas, como ocorrera nos casos de Getúlio e dos primeiros republicanos, com foco em políticas para os mais pobres, que hoje em dia chamaríamos de “inclusivas”.

No período mais recente, o PT, notoriamente afinado com políticas de distribuição de renda e de “empoderamento” dos de baixo – a palavra é meio tosca, mas designa bem o fenômeno –, traz em seu DNA algo dessa tradição que o Décio chamava de iliberal, de pouca tolerância com a iniciativa individual, com as dissidências, com tudo enfim que desvie das decisões das instâncias superiores.

Paulo Francis gostava de lembrar que Fidel Castro tinha sido aluno dos jesuítas, os quais talvez tenham sido o primeiro exemplo moderno de uma instituição que combinou alta performance política, exigente debate intelectual e impressionante submissão ao poder central. Lenin aprendeu com a história da Companhia de Jesus – mas os tempos mudam, tanto que o excelente papa Francisco, jesuíta com aspecto de franciscano, está onde está, fazendo o que faz.

Essa longa e imprecisa conversa me ocorre em função de quatro intelectuais gaúchos de grande valor, todos eles alinhados com uma visada que dá para chamar de liberal, ao menos em alguns dos sentidos do termo. Ramiro Barcellos, cujo Antônio Chimango completa este ano um centenário de vida, foi o primeiro – mas eu poderia ter lembrado antes a figura de Apolinário Porto Alegre, republicano não-positivista, que aliás foi vilmente atacado pelos autoritários do PRR. Ramiro foi o mais destacado opositor individual de Borges em seu auge, tendo-se apresentado à eleição ao Senado em 1915 para ajudar a expor seu adversário.

A Getúlio, por caminhos diferentes, se opuseram dois grandes escritores gaúchos. Primeiro Vianna Moog, que já em 32 ficou ao lado dos que cobraram de Getúlio a eleição que prometera, e foi punido por isso – funcionário federal, foi transferido para Belém do Pará, um verdadeiro exílio naquela época. No Estado Novo, Erico Verissimo claramente se colocou contra o que via. Esses dois vieram a viver nos Estados Unidos por tempos, com base na mesma convicção antiautoritária – ainda que entre Erico e Moog tenha havido bastante diferença política, Erico se considerando um socialista democrático, ao passo que Moog esteve próximo dos vitoriosos de 64.

O quarto desta série, ou quinto com Apolinário (ou sexto, se desde logo incluirmos o Décio no rol), é Raymundo Faoro. Criado no Estado, formado em Direito na UFRGS, ainda relativamente jovem se mudou para o Rio de Janeiro, onde despontaria, no fim da Ditadura Militar, como presidente da OAB e figura de destaque na defesa das liberdades elementares que aquele regime negava.

Todos escreveram, pensaram por escrito, discutiram o Estado brasileiro e as nossas mazelas. Nenhum deles é um pensador social, mas todos têm o que dizer sobre a cultura brasileira (e a gaúcha em particular), assim como todos eles, sem exceção, tinham excelente fluência no trato com a melhor literatura do país – Moog e Faoro são autores de estudos decisivos sobre Machado de Assis, de quem Ramiro e Erico (e Décio) eram leitores. Ah, sim, Machado também se filia a esse grupo imaginário.


Para perceber isso que acabo de dizer, porém, não basta ser um liberal no sentido norte-americano do termo.

29 de março de 2015 | N° 18116
ANTONIO PRATA

O desodorante venceu

Lá pelos 11 anos, quando as glândulas sudoríparas resolveram anunciar ao mundo minha entrada na puberdade, tive, como todo garoto, que escolher um desodorante. Entre as figuras masculinas mais próximas havia duas opções.

Meu pai usava Avanço, uma marca barata que existe até hoje, na mesma bisnaga acobreada e com o mesmo logo simplão, enquanto meu avô e meus tios maternos usavam uma marca mais metida a besta, com um brasão todo rebuscado no frasco e um nome longo e pomposo: English Lavender de Atkinson. Mesmo naquela idade eu conseguia perceber que eram duas propostas antagônicas de masculinidade: de um lado uma coisa mais Jesse Valadão, mais beque de fazenda; do outro, um troço mais camisa polo, mais “retrogosto de frutas vermelhas”.

Confesso, não exatamente orgulhoso, que a minha pré adolescência de escola particular, shopping e Take my Breath Away em salão de festas do prédio me qualificava mais pra camisa polo do que pra Jesse Valadão. Fosse na faculdade, já meio intelectual, meio de esquerda, bebendo cerveja em mesas bambas e cantarolando versos do cancioneiro popular, certeza que teria adotado o Avanço. Aos 11, contudo, metido numa calça semibag da M. Officer e com um Reebok Pump nos pés, acabei fechando com o English Lavender.

Não por muito tempo, porém, pois lá pelo meio da adolescência, sem consultar a mim, ao meu avô e aos meus tios maternos, pararam de fabricar nosso desodorante. Senti que era uma traição à família, mas não tinha jeito: mudei pra marca usada pela maioria dos meus colegas de escola: After Sport de Atkinsons. (Quem – ou o quê – era – ou eram – o – ou os – Atkinsons, não sei até hoje, mas sem dúvida fazia – ou faziam – bastante sucesso entre os anos 80 e 90 do século passado.)

Por meia década, fui fiel ao tal After Sport, até que, pela segunda vez na minha curta vida, as mãos invisíveis do mercado (ou suas axilas?) resolveram acabar com meu desodorante. Nesta altura, terminada a faculdade, adotar o Avanço me parecia, com o perdão da piada fácil, um retrocesso.

Já via com certa ironia aquelas mesas bambas e aqueles sambas do morro saindo desta boca branquela – se não me identificava com brasões ingleses, tampouco acalentava esperanças de passar num teste pra figurante numa montagem de Orfeu Negro, de modo que optei por um Nivea azulzinho, discreto, sem metafísica ou grandes extrapolações socioculturais. E veja só você, cheiroso leitor, que mais uma vez o capitalismo global parece ter resolvido imiscuir-se em meus sovacos. O azulzinho sem metafísica, de uns tempos pra cá, vem sumindo das prateleiras.

É claro que o problema deve ser meu, não do capitalismo global. Imagino que os Cegos da Procter & Gamble e da Gessy Lever e da Nivea e da Johnsons (e mesmo o sumido senhor Atkinsons – caso fosse um senhor e não, sei lá, uma cidade ou uma erva bretã) tenham as narinas mais conectadas às tendências odoríficas mundiais do que este equivocado escriba, que só aposta em fragrâncias obsoletas, prestes a serem levadas pela brisa da história. É, deve ser isso: sou um antiquado. Talvez seja o caso de desencanar dos desodorantes e mudar, de uma vez por todas, pra naftalina.


Será que ainda vendem naftalina?

29 de março de 2015 | N° 18116
MOISÉS MENDES

O ladrão egoísta

Se me colocassem diante dos delatores que roubavam na Petrobras e dos presos que ainda negam que estivessem roubando, eu desprezaria uma conversa com o Cerveró, o Costa, o Fernando Baiano, o Duque e os empreiteiros.

Nem os empreiteiros me interessam muito. Todos, pagadores e recebedores de propinas, são medíocres demais como personagens. Os empreiteiros são medíocres como mafiosos, e os funcionários da Petrobras que estavam a serviço deles são óbvios como ladrões. O tamanho do dinheiro roubado não tem correspondência nas figuras que roubavam.

Falta complexidade aos delinquentes da Petrobras. Nenhum deles seria um dos gângsteres da novela Babilônia. Que ator gostaria de interpretá-los?

Mas eu queria ficar diante do único personagem intrigante disso tudo. O ladrão avulso Pedro Barusco, que diz ter roubado sozinho US$ 97 milhões em propinas. O gerentinho de Serviços é o único com algum charme nisso tudo.

Barusco, o chalaça da Petrobras, era um subalterno do quinto escalão a quem poucos davam valor. Foi subindo até chegar ao estágio que lhe permitia ser corrompido.

Já confessou que começou a ser pago em 1997 ou 1998. Disse, modestamente, que era um ladrão de carreira. Agiu assim como avulso até 2003, quando se iniciou o governo Lula e suas articulações passaram a ter alguma efetividade (efetividade é uma palavra bastante repetida, para a mesma época, também pelos empreiteiros).

Foram pelo menos cinco anos como avulso, sem muita efetividade, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sentado na sua mesinha, o gerente foi angariando simpatia e dinheiro, até chegar aos US$ 97 milhões guardados na Suíça.

No depoimento de quinta-feira à CPI, a ex-presidente da Petrobras Graça Foster disse que se envergonha do que aconteceu na empresa. E admitiu que ninguém entende como Barusco, um gerente, era capaz de receber tantos mimos dos empreiteiros. Esse é o grande personagem da Operação Lava-Jato, e não os outros mandaletes.

Barusco, o avulso que cuidava, lá no começo, apenas de óleo queimado, trabalhava para quem? Quem o habilitava a receber propinas? De quem era o dinheiro que levou para a Suíça? Quem acredita que toda a mala era dele? Quantas outras contas estão escondidas em outros lugares em nome do ladrão avulso?

O jornalismo, a PF, o Ministério Público e a Justiça nos devem as respostas. Graça Foster admitiu ter sido incompetente para encontrá-las. Mas alguém terá de dizer, para que o mistério não se perpetue, quem esquentava as costas de Barusco.

Se o jornalismo, a polícia e o MP falharem, ficará valendo a versão de que Barusco, o egoísta, agia sozinho porque os empreiteiros se afeiçoaram por ele. E estaremos condenados a acreditar que as investigações no Brasil, em algum momento, ficam pela metade.

Os investigadores são desafiados a descobrir a conexão de Barusco com a montagem, no final dos anos 90, da máfia dos empreiteiros, já confessada por um empresário. Se não descobrirem, terão comido pela mão do delator, até o limite do que lhe interessava informar. E isso – um calouro da academia de polícia sabe – não é investigação.


Barusco é o personagem que pode nos levar ao ovo, ao começo disso tudo, ao entendimento de como as grandes empreiteiras chocaram a corrupção, não só na Petrobras, mas em todo o setor público.

29 de março de 2015 | N° 18116
L.F.VERÍSSIMO

50 tons de roxo

– Entre, entre. Me dê o seu casaco.

– Obrigada.

– Se quiser tirar mais alguma coisa...

– Não, estou bem assim.

– Talvez mais tarde.

– Talvez. Lindo o seu apartamento...

– Eu sei. Além de ser rico e bonito, eu tenho muito bom gosto.

– Esse moço pendurado na parede...

– É um sobrinho do Picasso. Comprei em Paris. De hora em hora, ele desce daí para descansar, fazer xixi ou se alimentar. Depois volta para a parede.

– Que luxo.

– Você ainda não viu nada. Vamos passar para a outra sala. A que eu chamo de meu laboratório lúbrico. É onde faço minhas experiências.

– Meu Deus, quantos objetos sexuais!

– Tenho um fornecedor que me manda todas as novidades. Algumas eu ainda nem descobri para que servem. Esse tubo de borracha com a ponta serrilhada, por exemplo. Por enquanto, eu uso para coçar o pé.

– Posso me sentar nesta cadeira?

– Pode. Só cuidado porque...

– Ui!

– Eu ia lhe avisar. Ela é uma Cadeira de Afrodite. Quando menos se espera, sobe um pênis rotativo.

– Eu senti. Você diz que é aqui que faz experiências?

– Sim. Por exemplo: estou no meio de uma pesquisa sobre os efeitos do chicote na pele feminina. Cada pele fica um tom de roxo diferente. Não existem dois hematomas iguais.

– Que coleção de instrumentos!

– Sim, há de tudo. Bolotas japonesas. Garrote francês. Arreios.

– Estas algemas... Eu gostaria de experimentar.

– Fique à vontade. Mas é melhor tirar a roupa primeiro.

– Certo. Posso lhe fazer uma pergunta?

– Claro.

– De todas aquelas mulheres na fila para ver o filme, por que você me escolheu?

– Na verdade, faço a proposta para várias. Digo “venha comigo e terá experiências muito mais excitantes do que as do livro, e do que as do filme, então, nem se fala. E será ao vivo!”. A primeira que aceitar, vem. Desta vez foi você.

– Será que eu vou me arrepender?

– Até agora nenhuma se queixou. Vamos começar com quê? Faça a sua escolha.


– Hmmm... Eu ouvi você falar em arreios?
RUTH DE AQUINO
27/03/2015 20h33

Apertem os cintos: o piloto do Brasil sumiu

A situação é de descontrole na cabine de comando do planalto, com queda abrupta em todos os níveis

Não há antídoto contra a loucura de quem pilota um avião ou um país. Podemos submeter um piloto de Airbus ou o presidente de uma nação a avaliações psicológicas e físicas periódicas, para tentar assegurar um certo equilíbrio e coerência nas decisões tomadas na cabine de comando. Mas nada é 100% garantido. Crises de depressão ou egocentrismo são especialmente perigosas para quem controla a vida de centenas de passageiros ou milhões de habitantes.

Vivemos uma situação de descontrole total na cabine de comando do Planalto. A queda do país é abrupta em todos os níveis – e já era esperada por quem não se deixou iludir em 2014. Está claro que a recessão começou no ano das mentiras. Desemprego sobe, renda tem a maior queda em dez anos, preços aumentam 7,9%. Trabalhadores são assaltados nos metrôs, nos pontos de ônibus, nas vias expressas congestionadas, nos túneis. Os Estados estão quebrados, os aliados voam como baratas tontas e moscas azuis, a “comandanta” é chamada de agiota por prefeitos muy amigos. 

Só não sabemos ainda quem são hoje o piloto e o copiloto do Brasil – e qual deles é mais propenso a ataques de pânico ou de autoritarismo. Temos apenas duas certezas: uma é que tem gente demais empoleirada no comando, posando de bonzinho, mas querendo derrubar o Brasil de encontro às montanhas, estilhaçar qualquer possibilidade de ajuste de expectativas. A outra certeza é que nós somos os trancados do lado de fora, reféns de um bando de loucos mal-intencionados.

Quem são o piloto e os copilotos hoje responsáveis por nossa vida e a de nossos filhos e netos? Está difícil enxergar Dilma Rousseff sentada na poltrona de quem aperta os botões e define a direção e a velocidade do jumbo Brasil. Se traçarmos um paralelo com a tragédia do Airbus que provocou luto e estupor no mundo, Dilma hoje se parece mais com aquele que foi ao banheiro em hora imprópria, de aterrissagem, e não conseguiu retornar.

Ninguém escuta mais as broncas de Dilma, que estão virando sussurros. Ela pegou o machado para decepar a lei de novembro passado, que aliviava as dívidas dos prefeitos. O machado voltou como bumerangue. Não importa mais o partido político na hora em que o bolso aperta. Pode ser Eduardo Paes (PMDB-RJ) ou Fernando Haddad (PT-SP). Paes já entrou com ação contra Dilma. Haddad já disse que não vai deixar barato. Os calotes se ampliam nos Estados. A irresponsabilidade fiscal compromete o ajuste fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Trocando em miúdos, os únicos que precisam pagar as contas em dia somos nós, os contribuintes.

Ao enfrentar um clima adverso, nuvens negras e trovoadas, o pior conselheiro é a solidão – por isso, é tão crucial ter “alguém” com experiência, honestidade e credibilidade ao lado do comandante. Quem será?

O jumbo Brasil precisa do tecnocrata Levy como copiloto. Mas lhe faltam experiência e autoridade políticas para lidar com os abutres ou aplacar disputas. Quem teria de enfrentar as rebeliões dos aliados seria a “presidenta”. Não foi ela quem ganhou nas urnas? Só que Dilma foi ao banheiro e não conseguiu voltar, não abrem a porta para ela, não há mais cavalheiros, só cavaleiros do apocalipse, até em seu próprio partido, o PT.

O que parecia inacreditável aconteceu. Quem apoia hoje medidas de austeridade da presidente, quem é contra o impeachment, quem é a favor da governabilidade para não espatifar o Brasil no Planalto Central é uma das instituições mais criticadas por Lula, Dilma e sua turma: a imprensa.

O jumbo Brasil está sem rumo. E quem está aboletado na cabine de comando são os amotinados do PMDB, a dupla caipira Renan Calheiros e Eduardo Cunha, um alagoa­no e um carioca com milhares de fios de cabelos implantados e muitos delírios de Poder na cabeça. Ambos odeiam um tripulante da nave Brasil com fama de oportunista, Gilberto Kassab. A manobra de Kassab para criar mais um partido, o PL, é chamada por Renan de “molecagem” e por Cunha de “alopragem”.

Sob a pressão de moleques, aloprados e loucos, Dilma é a primeira refém da armadilha que Lulalá e ela criaram. Já não lhe compete demitir ou nomear. Dilma hoje é torpedeada até quando tenta acertar. Mas é impossível ter pena. Se a hora é de arrocho, Dilma, dê o exemplo, ceda à jogada do novo PMDB e comece a cortar seus 39 ministérios e seus 22 mil cargos de confiança. Porque é imoral o tamanho dessa máquina e das boquinhas públicas.

Confiança se ganha devagar e se perde muito rápido. Poucos de seus eleitores embarcariam hoje num avião pilotado pela senhora. Os maiores reféns somos nós. Apertem os cintos.