sexta-feira, 31 de maio de 2013

Jaime Cimenti

Direita, centro e esquerda, volver?

Esse negócio de esquerda, centro, direita, centro-direita, centro-esquerda, liberal de esquerda, tá difícil. Na real, nunca foi muito fácil. No tempo da Revolução Francesa, na Assembleia Nacional, a coisa era mais clara.

O cara sentava do lado esquerdo ou direito e estava pelada a coruja. Agora a coisa está complicada. Parece futebol e conversa de técnico: não há mais ponteiros avançados, os caras do centro andam para a frente, para trás, para esquerda e para a direita, os jogadores dos setores de esquerda e direita por vezes circulam pelo centro ou pelas áreas opostas do gramado e por aí vai.

Os times têm um projeto, estão em progresso permanente, não estão preocupados com as derrotas recentes e estão sempre buscando metas futuras e, quando necessário, dão a cara para o torcedor dar umas batidinhas. Jogamos bem, mas o adversário jogou melhor.

Perder, ganhar ou competir é relativo - como diria Einstein -, mas desde que com os pilas na conta no início, meio e fim do mês. É meio tipo assim na política. Tem uma mensagem brincalhona na internet que fala de direita e esquerda. Diz que os de direita são mais pragmáticos, não mudam tanto as coisas, resolvem por si os problemas e que os de esquerda gostam mais de mudanças e de se meter em tudo, ou quase tudo, até na vida dos outros.

Os políticos de hoje, espertos como sempre, fogem de definições e rótulos, dizem que gostam de ir pra frente, sem falar em direita ou esquerda. Ainda bem que no trânsito, nos mapas, nas bússolas e no GPS ainda temos algumas direções mais ou menos claras. Ao menos por enquanto. Pode alguém daqui a pouco dizer que tem o direito de transitar por onde bem entende, que não pode ter sua liberdade tolhida e tal, que pretende matar e morrer.

Alguém pode dizer que estas convenções, sinais e regras são de direita (ou de esquerda) e que precisam de alteração. Hoje em dia nunca se sabe. Antigamente também não se sabia, vá lá. Não há o que não haja, como diz o outro.

Tudo o que é sólido desmancha no ar, disse o professor aquele. Essa indefinição tipo assim pós-moderna esquerda-direita nos deixa muitas vezes à deriva. Coca-cola é esquerda ou direita? Há uns 40 anos perguntaram para o Lula se ele era comunista. “Sou metalúrgico”, ele respondeu.

Pois é, se me perguntarem se sou de direita, esquerda, centro, centro-esquerda, liberal de esquerda ou direita, volante, atacante, goleiro, ala ou comunista, vou responder que sou apenas um modesto cronista latino-americano, mas, modéstia à pqp, colorado, que as pessoas e o mundo têm de andar pra frente, acho.

Jaime Cimenti

Domitila e o nascimento do Brasil político

Depois do extraordinário sucesso de seu livro de estreia, Titília e o Demonão; cartas inéditas de D. Pedro I à marquesa de Santos, o historiador Paulo Rezzutti presenteia o público amante de história e de boas histórias com a sua muito aguarda biografia de Domitila de Castro (1797-1867), a incomparável Marquesa de Santos, amante do primeiro imperador do Brasil e uma das mulheres mais notáveis e influentes da América Latina, que, segundo o escritor Paulo Setúbal, “encheu um império com o ruído do seu nome e o escândalo do seu amor”.

Domitila - A verdadeira história da marquesa de Santos tem prefácio da historiadora Mary Del Priore e se insere nas pesquisas e estudos sobre nosso passado e traz dados inéditos sobre dona Leopoldina, mulher de D. Pedro I. Esses dados inocentam de vez o imperador e a marquesa de terem provocado a morte da primeira imperatriz do Brasil.

Os dados foram obtidos da exumação de D. Pedro I, Dona Leopoldina e Dona Amélia, ocorrida em 2012, e da qual participou o autor Paulo Rezzutti como consultor. Através de uma escrita eficaz, viva, sem desagradáveis efeitos de retórica, que se lê com prazer, emoção e curiosidade, esta biografia, produto de anos de pesquisa em arquivos diversos e centenas de documentos, mostra o nascimento da bela Domitila na pequena e provinciana São Paulo. Mostra depois seu casamento desastroso e o início de seu romance com D. Pedro I, justamente no primeiro ano do Império Brasileiro.

São absolutamente inéditos os capítulos sobre o retorno de Domitila ao seu torrão natal, o seu reerguimento, o matrimônio com o homem mais influente da província e sua mudança, ao olhos do povo, de amásia em mulher emancipada, de alpinista social em matrona protetora dos estudantes, de parasita venal em promotora de caridade, de destruidora de lares em matriarca de uma grande família, de prostituta em santa. Com seu semissorriso no célebre retrato, comparável ao de Mona Lisa, e com seus mistérios, Domitila resume uma época, diz o autor.


“Que mistério nos esconde Domitila?, pergunta ele, que responde: “todos e, ao mesmo tempo, nenhum”. Rezzutti desconstruiu o mito e apresenta a história de Domitila, que tem como pano de fundo as transformações políticas, sociais e econômicas do Império do Brasil. Sem dúvida uma obra importante para quem pretende saber de onde nascemos politicamente. Geração Editorial, 352 páginas, www.geracaoeditorial.com.br.

31 de maio de 2013 | N° 17449PÁGINA 10 |
ROSANE DE OLIVEIRA

Antes e depois dos pedágios

De hoje até a eleição, o fim dos pedágios privados será cantado em prosa e verso pelo PT, que capitalizou a rejeição ao modelo adotado no governo de Antônio Britto e transformou sua extinção numa questão de honra.

As imagens que serão produzidas no ato que marcará o fim da praça de Farroupilha, hoje, valem por mil promessas na campanha de 2014. O governador Tarso Genro poderá exibi-las como prova de que cumpriu a promessa feita em 2010, de não prorrogar os pedágios privados. O tempo conspira a seu favor.

Os contratos estão terminando no melhor momento para o governo: nem tão longe da eleição que possam ser esquecidos, nem tão perto que não dê tempo de explorar o fato em todas as plataformas. O desafio de Tarso será garantir a conservação das estradas, para que os eleitores empolgados de hoje não venham a reclamar de buracos, sinalização apagada e capoeira no acostamento.

Com exceção do pedágio de Farroupilha, que será extinto, as demais praças situadas em estradas estaduais vão continuar, administradas pela EGR, com uma ou outra obra cosmética. A arrecadação da estatal com o pedágio em rodovias de pouco movimento e com a tarifa reduzida para R$ 5,20 será insuficiente para fazer duplicações e obras de vulto.

Menos mal que não são essas as estradas que precisam de duplicação. O governo já disse que, se as comunidades quiserem obras, terão de concordar com a cobrança de tarifa maior.

Os trechos que mais preocupam são as federais, que ficarão sem pedágio algum, e as estaduais que dependem exclusivamente do Daer. A buraqueira das rodovias estaduais sem pedágio e a memória do estado em que se encontravam quando foi criado o programa de concessões dão motivo para apreensão. Embora se diga que não falta dinheiro para a conservação das rodovias federais, sabe-se que na prática a situação é diferente.

Em outros Estados, a presidente Dilma Rousseff está tentando transferir a conservação de estradas para o setor privado e não consegue porque as empresas não aceitam assumir a tarefa pelo preço que o governo previu nos editais.

Royalties no caminho

Na sabatina a que será submetido no Senado, o advogado Luís Roberto Barroso, indicado para o Supremo Tribunal Federal, não escapará de responder a perguntas sobre suas ligações com o governador do Rio, Sérgio Cabral. Barroso também poderá ficar numa saia justa se for questionado sobre a divisão dos royalties do petróleo, um tema que será julgado pelo Supremo.

Barroso elaborou, a pedido de Cabral, uma ação direta de inconstitucionalidade contra a lei que modificou a distribuição dos royalties.

No blog, críticas à mudança

No dia 17 de março, Luís Roberto Barroso postou em seu blog uma nota dizendo que elaborou a ação de inconstitucionalidade a pedido de Sérgio Cabral.

O candidato a ministro do Supremo defende a manutenção das regras atuais e diz que “os royalties são devidos aos Estados produtores”.

ALIÁS

Espera-se que hoje, em Caxias, Tarso anuncie um projeto para acabar com a “curva da morte”, na ERS-122, e marque data para a tantas vezes prometida restauração das rodovias da região.

CARGA PESADA PARA O VICE

Pela quantidade de problemas que teve para resolver nas duas semanas de interinidade na prefeitura, o vice-prefeito Sebastião Melo precisaria de uma folga no retorno de José Fortunati dos Estados Unidos. Melo nem pensa nisso, mas foram tantos os abacaxis que teve de descascar, que a caminhada na procissão de Corpus Christi não pesou.

Na primeira semana da viagem de Fortunati, Melo foi surpreendido por uma greve de motoristas e cobradores da Carris, encerrada com o aviso de que cortaria o ponto de quem não voltasse a trabalhar. Coube a ele dar posse ao novo secretário do Meio Ambiente, Claudio Dilda, numa vaga que o PMDB demorou para preencher por falta de opções.

Os últimos dias foram os mais tensos. Enquanto Fortunati circulava por empresas de alta tecnologia no Vale do Silício, Melo acompanhava a crise provocada pela revelação de irregularidades de toda ordem na Procempa.

Na noite de terça para quarta-feira, não dormiu, acompanhando a operação de derrubada das árvores para a continuação da obra de duplicação da Beira-Rio. Graças ao planejamento e ao entrosamento com a Brigada Militar, a operação terminou sem feridos.

Restou ao vice apenas o desgaste físico e político pela derrubada das árvores, que ele defendeu com convicção na ausência do titular.

Desconto no salário dos secretários

O prefeito de Passo Fundo, Luciano Azevedo (PPS), determinou aos seus secretários: quem se ausentar do trabalho terá desconto no salário. Um dos motivos para a medida é o perfil do secretariado, composto por muitos profissionais liberais.

– Alguns precisam se ausentar por conta de viagens, então, determinei que haja esse desconto – resume.

PSB namora possíveis dissidentes


Na iminência de deixar o PPS, que será transformado em Mobilização Democrática (MD) após fusão com o PMN, Luciano Azevedo deve migrar para o PSB. Ele negocia a adesão com o deputado Beto Albuquerque, que também é natural de Passo Fundo. Além de Luciano, a MD deve perder todos os prefeitos do PPS e até um terço dos vereadores, a maioria para o PSB.

31 de maio de 2013 | N° 17449
PAULO SANT’ANA

Cada um na sua

Vejo pessoas empenhadas em promover a Copa das Confederações e a Copa do Mundo no Brasil, enquanto eu tristemente estou empenhado em clamar para que os poderes públicos melhorem a assustadora situação das filas em consultas e cirurgias do SUS.

Também gosto de futebol, por sinal a minha origem no jornalismo. Mas a gente tem de ter prioridades, a minha é a situação da saúde pública brasileira.

Não tenho nada contra os que aplaudem a iniciativa do governo brasileiro de gastar bilhões de reais para realizar as duas Copas. Mas me recuso a ser puxa-saco de governo que gasta fortunas colossais com as duas Copas e continua miseravelmente abandonando a saúde pública, jogando os pacientes nacionais à dor, à mutilação e à morte.

Cada gol que for marcado nas duas Copas corresponderá a milhares de pacientes abandonados à própria sorte, a milhares de pessoas não atendidas nas emergências dos hospitais, a milhares que morrem sem cirurgias e sem consultas.

Golaços! Infelizmente não poderei aplaudi-los.

Cada um na sua: de um lado, os cantores e elogiadores das duas Copas, eu prefiro ser cantor do réquiem dos doentes abandonados.

No meu delírio sanitarista, chego a imaginar todos os jogos de futebol das duas Copas sendo arbitrados não por juízes de vestes coloridas, mas por médicos e enfermeiros vestidos de preto, os juízes e os bandeirinhas em luto pela saúde brasileira.

Dia haverá em que o Brasil sediará a Copa do Mundo da Saúde!

Dizem os aduladores das duas Copas que, se elas não fossem realizadas, a saúde pública continuaria abandonada no Brasil. Só que então nosso país seria mais coerente: manteria abandonados e à porta da morte os pacientes mas não se daria ao luxo, ao mesmo tempo, de gastar bilhões e mais bilhões de reais com o entretenimento de torcedores que daqui a pouco, ali adiante, serão recusados pelos hospitais, apodrecerão nas filas do SUS e morrerão à míngua, sem assistência médica.

Hoje, lotando os estádios construídos pelos contribuintes, amanhã perecendo como pacientes recusados pelo sistema sinistro.

Melhor seria não sediar as duas Copas, isso em nada melhoraria a saúde pública.

Mas manter a saúde pública abandonada e sediar as duas Copas bilionárias é um acinte, um escárnio, um desaforo nacional que retumbará na repercussão por todo o mundo.

Por sinal, os estrangeiros, ao ver o fausto dos estádios e de todas as outras obras em torno das duas Copas, imaginarão que quem faz duas festas faustosas dessas com certeza atende bem os seus doentes.

Ledo engano! O futebol estará em alta, os doentes em baixa, doentes que não recebem alta porque nunca conseguiram dar baixa nos hospitais.

Mas eu preciso manter-me assim, ridículo mas digno. Vou ver as duas Copas pela televisão, mas sem esquecer-me das crianças, dos idosos, dos adultos desprezados pelas estruturas assassinas do fingimento de atendimento da saúde.

Se eu saudasse, neste contexto, a realização das duas Copas, estaria também fingindo orgulho. Quando o que sinto é vergonha.

31 de maio de 2013 | N° 17449
DAVID COIMBRA

O rei das empregadas domésticas

As pessoas não compreenderam o significado do que disse o Amado Batista. O Amado Batista é um cantor que, há uns 20 ou 30 anos, era chamado de “rei das empregadas domésticas”, num óbvio preconceito contra as empregadas domésticas e numa óbvia sacanagem ao Amado Batista. Um de seus sucessos estrepitosos narrava que, no hospital, na sala de cirurgia, pela vidraça ele via a sua amada “sofrendo a sorrir”. E o sorriso aos poucos foi se desfazendo, então ele a viu morrendo, sem poder se despedir.

Isso, claro, porque naquele hospital as pessoas assistiam a cirurgias através de vidraças, o que é bem raro hoje em dia.

Pois agora, em entrevista a Marília Gabriela, Amado Batista contou que foi torturado durante a repressão. Permaneceu dois meses preso e saiu tão traumatizado, que chegou a pensar em tornar-se andarilho, mendigo, algo que o valha. Hoje, no entanto, acredita que os torturadores ESTAVAM CERTOS, porque ele apoiava gente que queria transformar o Brasil numa Cuba e por isso merecia um corretivo, tal qual uma mãe aplica num filho desobediente, aquela história.

Marília Gabriela ficou espantada. Os defensores da ditadura festejaram, afirmando que até alguns torturados compreenderam que estavam errados. A maioria dos brasileiros o censurou dizendo que Amado Batista não passa de um ingênuo que nem sabia o que fazia naquele momento difícil do país.

Não é nada disso. O que acontece é que Amado Batista PRECISA achar que os torturadores tinham razão. É fundamental, para ele, acreditar nisso. É a forma que tem de manter íntegra a sua estrutura psicológica. Porque, se Amado Batista reconhecer que foi seviciado barbaramente POR NADA, que o Estado foi capaz de prendê-lo, espancá-lo e humilhá-lo sem razão alguma, se Amado Batista compreender que foi vítima de um crime monstruoso praticado pelas autoridades do país, em que irá acreditar?

Como é que homens podem cometer tais atrocidades com outros homens? Isso tem que ter alguma razão. Não pode ser só injustiça crua. Não, não, se isso pode acontecer, onde estão a Lei e o Estado? Onde está Deus?

Amado Batista não é um idealista. Ele é um homem que canta a dor de ver sua amada morrendo na sala de cirurgia. É um artista popular. Ou seja: também não tem a ideologia a sustentá-lo. Não poderia se consolar cevando-se no ódio ao inimigo, jamais acharia que lutava do lado do Bem contra as forças do Mal.

Então, como explicar tamanha crueldade, tamanha injustiça? Se esse absurdo fosse possível, Amado Batista não seria possível. Não haveria o rei das domésticas. Haveria só o vagabundo anônimo, louco pelas ruas, como tantos outros.


A tortura é tão vil por isso. Porque não machuca apenas o corpo do torturado. Porque lhe mutila a alma até convencê-lo de que, se está sofrendo, é porque merece.

Concessionária levanta cancelas em Farroupilha e frustra ato simbólico do governo estadual

Além da ERS-122, outras oito praças suspenderam cobrança na manhã desta sexta-feira

Concessionária levanta cancelas em Farroupilha e frustra ato simbólico do governo estadual Guilherme Pulita/Rádio Gaúcha Serra
Fuincionários da concessionária de Farroupilha desocuparam praça de pedágio durante a madrugadaFoto: Guilherme Pulita / Rádio Gaúcha Serra
Às 4h45min desta sexta-feira, foram erguidas as cancelas na praça de pedágio na ERS-122, em Farroupilha. A cobrança foi realizada normalmente durante a madrugada. A expectativa inicial era que a passagem fosse liberada e não houvesse mais a cobrança de pedágio no local somente às 9h, em ato com participação do governador Tarso Genro.

Conforme a Univias — consórcio que engloba as concessionárias Convias e Sulvias —, nove praças de pedágio (quatro do polo de Caxias do Sul e cinco do polo de Lajeado) também interromperam a cobrança já no início da manhã desta sexta.

Entenda como será a distribuição das praças de pedágio

Cumprindo uma promessa de campanha, Tarso promoveria o ato político no local para marcar o levantamento das cancelas da praça, a única instalada em estrada estadualque terá a cobrança de tarifa extinta. Na quinta-feira, ao reunir o secretariado e deputados em Canela, Tarso convocou aliados para comparecerem à cerimônia. 

Apesar da liberação antecipada das cancelas, o governo garante a manutenção do evento. A intenção é fazer um "grande barulho" para promover a "conquista", base para o discurso do Piratini na campanha de reeleição em 2014.

As concessionárias contestam. Afirmam que a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), proferida na quarta-feira, não estipulou data de encerramento do contrato, limitando-se a negar um pedido das empresas de extensão da concessão enquanto não fosse paga pelo Estado uma suposta dívida.

O ato acabou derrubando liminares que as autorizavam a permanecer até dezembro. O fato levou o Piratini a anunciar a retomada. As concessionárias devem ingressar nas primeiras horas da manhã com recursos no TRF4 ou no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Justiça Federal de Porto Alegre já foi acionada.

As quatro praças em rodovias estaduais que serão repassadas à Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) deverão retomar a cobrança de pedágio na quarta-feira. Até lá, o Daer terá de fazer um inventário do patrimônio rodoviário. E a EGR terá de assinar um contrato emergencial para contratar empresas de recolhimento, guarda e transporte de valores.

quinta-feira, 30 de maio de 2013


Atuação de Hereda e Tereza desagrada Dilma

Por Caio Junqueira e Bruno Peres | De Brasília
Entre segunda e terça-feira, a presidente Dilma Rousseff convocou três vezes ao Palácio do Planalto, o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda, a quem pediu providências contra a desestabilização do sistema de pagamento do programa Bolsa Família causada, em parte, por erro da CEF.
Hereda foi também aconselhado por amigos e políticos do PT a demitir um de seus vice-presidentes, José Urbano, apontado como responsável pela trapalhada que resultou na boataria que correu 13 Estados, notadamente do Nordeste, sobre o fim do Bolsa Família, um dia depois de ser alterado pela CEF o sistema de pagamento.
O presidente da Caixa ainda resiste à recomendação de fazer demissões. O PT garante Hereda no cargo e confia que ele permanecerá apesar da irritação da presidente com a atuação da Caixa. O clima no banco, ontem, foi de grande tensão, à espera de uma definição do destino do seu presidente.
O mesmo ocorreu no Ministério do Desenvolvimento, executor do programa. Segundo avaliações feitas ontem no Palácio do Planalto, a ministra Tereza Campello sofreu críticas nos gabinetes da Presidência por ter passado uns dias em férias durante a pane administrativa do programa.
Fontes avaliam que a situação de Hereda e Tereza estaria "muito ruim" por causa do episódio. Dilma teria orientado ambos a se recolher neste momento, permanecendo longe dos holofotes.
Também contribuiu para as especulações de que os dois estariam sob ameaça o cancelamento da viagem de Dilma para Foz do Iguaçu, nesta quarta-feira. A presidente acompanharia operações das Forças Armadas contra o contrabando e o tráfico de drogas nas fronteiras do país, mas cancelou o programa sem detalhar as razões.
Na segunda-feira, Jorge Hereda admitiu publicamente erros de informação da Caixa sobre os boatos que levaram mais de 900 mil pessoas às agências do banco, nos dias 18 e 19 de maio, resultando em saques de R$ R$ 152 milhões.
Hereda confirmou que o banco permitiu intencionalmente que beneficiários retirassem recursos antecipadamente no último dia 17, véspera dos boatos sobre o fim do programa - ou seja, não se tratou de medida emergencial para conter a onda de saques, como divulgado anteriormente pela Caixa.
Hereda pediu desculpas pelo engano e disse que só foi informado da liberação dos saques antecipados depois que o tumulto já tinha ocorrido. Quanto à demora de uma semana para esclarecer as informações ao público, ele justificou que precisava de tempo para juntar os dados e entender claramente a situação.
Em outra frente, a Polícia Federal interroga esta semana os primeiros beneficiários que fizeram saques do programa no sábado, dia 18. A PF recebeu da Caixa uma lista de mais de 200 pessoas que retiraram dinheiro nessa data e serão ouvidas. Os relatos de mensagens telefônicas gravadas, dando conta do fim do Bolsa Família, que teriam sido enviadas pouco antes dos primeiros saques, levaram à suspeita de uso de uma empresa de telemarketing. (Colaborou Maíra Magro).

Musica Mais Triste do Mundo

Muitos pais não têm esta paciência

Grupo Disfarce - Onde a Felicidade Está


JESSÉ - PARAISO DAS HIENAS
CONTARDO CALLIGARIS

Somos muitos ou somos poucos?

Vamos desaparecer por crescermos demais ou por extinção, como pandas que se reproduzem pouco?

Na sexta passada, imobilizado na av. Nove de Julho enquanto se aproximava a hora da sessão de cinema para qual tinha adquirido meu ingresso, eu pensava que, decididamente, somos muitos. Em compensação, sozinho, à noite, numa fazenda na região do Urucuia, em Minas Gerais, ou numa ilha de Angra, já me aconteceu de pensar que somos muito poucos.

No fim de semana, li o novo livro de Dan Brown, "Inferno" (editora Arqueiro). O romance me divertiu menos do que "O Código Da Vinci" e "Anjos e Demônios" (ambos da editora Sextante); mesmo assim, terminei em dois dias.

O tema da vez é o crescimento demográfico. O vilão da história acha que o mundo tem um único problema sério: a humanidade está crescendo de tal forma que, em breve, sua subsistência se tornará impossível.

Todas as inquietações ecológicas (a perspectiva da falta de água potável ou de alimentos, o aquecimento global etc.) seriam, de fato, consequências do crescimento enlouquecido de nossa espécie --fadada a desaparecer por seu próprio sucesso.

Quantos humanos nasceram na Terra desde a aparição do homem? Há estimativas para todos os gostos. Segundo uma delas, mencionada no livro, foram 9 bilhões desde o começo, e 7 desses 9 estão vivos hoje.

A boa notícia é que, se o Juízo Final fosse hoje e todos os mortos voltassem, haveria sem problema espaço para todos ficarmos sentados durante o julgamento divino. Mas o cálculo não deixa de ser inquietante.

Mesmo sem acreditar na estimativa que acabo de mencionar, é certo que o crescimento populacional se acelerou de uma maneira bizarra. Éramos 1 bilhão em 1804, levamos 150 anos para chegarmos a 3 bilhões (nos anos 60), e passamos dos 7 bilhões em 2011. Em 2050 poderíamos ser 10 bilhões.

Obviamente, num primeiro momento, nem todos sofreriam de forma igual --afinal, desde que viajo em classe executiva, nunca encontrei um problema de "overbooking". Mas, no fim, será que vai caber todo mundo? Não seria honesto desejar grandes epidemias purificadoras?

Ora, enquanto Dan Brown me convencia de que somos muitos, a "Veja" de sábado passado publicou uma matéria de capa sobre as mulheres que decidem não ter filhos. O olho anunciava: "o número de famílias brasileiras sem filhos cresce três vezes mais do que o daquelas com crianças".

Em geral, quanto mais um povo se desenvolve cultural e economicamente (ou seja, quanto mais um povo se parece com o Ocidente moderno e desenvolvido), tanto menor é o número médio de filhos por família.

A explicação desse fenômeno (quase uma regra sem exceções) é que, na cultura ocidental moderna, os filhos são criados e amados na esperança de que realizem os sonhos frustrados dos pais.

E, se essa for nossa expectativa, melhor ter um ou, no máximo, dois filhos, para podermos concentrar nossos esforços na hora de fazê-los felizes. Isso sem contar o número (crescente em nossa cultura) de homens e mulheres que decidem não ter filhos e se concentrar em sua própria felicidade.

Enfim, para que a espécie não encolha, é preciso que, em média, haja 2,1 filhos para cada dois adultos --ou seja, se todos casarem, nove em dez casais devem ter dois filhos e um deve ter três. Uma boa metade da população da Terra (incluindo o Brasil) não está fazendo o necessário para repor seus mortos.

Temporariamente, haverá (já está havendo) deslocamento de populações dos lugares menos modernizados e mais pobres (onde a população ainda cresce) para os lugares mais ricos, onde ela diminui. Mas, e depois disso, se todos se "modernizarem"?

Em conclusão, quem tem razão, "Veja" ou Dan Brown? Vamos desaparecer porque estamos crescendo demais? Ou vamos desaparecer por extinção, como os pandas, que deixaram de se reproduzir como deveriam?

Não sei. Poderíamos sumir numa catástrofe ecológica antes de ter diminuído o suficiente para que a Terra nos aguente --ou antes de ter inventado uma nova maneira de viver, que a Terra aguente melhor. Ou, inversamente, poderíamos minguar até sumir.

De todo modo, a ideia do fim de nossa espécie é fascinante --um alívio, por tornar nossa morte individual menos relevante, e um horror radical, por nos condenar a morrer de novo e para sempre, no esquecimento.

Para meditar sobre nosso sumiço futuro, confira o "O Mundo sem Ninguém", no History Channel (www.migre.me/eLEu2) ou o original "Life After People" (no YouTube), com seu aplicativo para celular.

ccalligari@uol.com.br


ELIANE CANTANHÊDE

Brasil, uma onda

BRASÍLIA - Este filme a gente já viu. No começo do ano, o ministro Guido Mantega estufa o peito e promete um pibão. No meio do ano, o mesmo Mantega diz que não é bem assim e revisa para baixo. No fim do ano, o mesmíssimo Mantega se conforma com um pibinho de dar dó.

O PIB deste ano seria de 4,5%, caiu para 3,5% e a nova previsão será abaixo disso, depois do banho de água fria de ontem, quando foi anunciado um crescimento de apenas 0,6% no primeiro trimestre em relação ao último trimestre de 2012. Planalto e mercado esperavam 0,9%.

Quem está segurando o crescimento positivo é justamente a agricultura, que aumentou 9,7% e compensou mais uma queda da indústria e o recuo no ritmo do consumo das famílias, muito provavelmente por causa da inflação. Preços mais altos, menos compras, certo?

É assim que a tão badalada economia brasileira vai perdendo o encanto, com PIB baixo, inflação no teto, juros em alta (apesar de toda a propaganda) e, agora, o dólar disparando, a balança comercial dando uma má notícia atrás da outra e nada de respostas na área fiscal.

Aquela onda de Brasil grande parece ir morrendo na praia, enquanto a imprensa internacional vê o país sob Dilma Rousseff como imprevisível, sem rumo, movido com um viés intervencionista. E continua sem avançar nas reformas estruturais.

Pode-se acrescentar a isso uma novidade de 2013: a toda hora o Planalto bate de frente com o Congresso, onde tem uma base aliada gigantesca, mas, pelo visto, nada fiel.

Aprovar a MP dos Portos já foi um inferno. Agora, o jeito foi incluir um "caco" na MP da Cesta Básica para cumprir a promessa de baixar a conta de luz. Uma promessa, lembre-se, feita em rede nacional de TV, com requinte de campanha eleitoral.

No caso do PIB, a culpa é do Mantega. No das MPs, da Ideli. No do Bolsa Família, da Caixa. Mas todos eles têm chefe. Ou seria "chefa"?


elianec@uol.com.br
PASQUALE CIPRO NETO

(N)O mundo dos amados batistas

É bom que se diga que não é preciso ser cristão para ter nojo da tortura, venha ela de onde vier

Corriam os tristes anos 70, quase 80. Em seu memorável LP "Nos Dias de Hoje", Ivan Lins incluiu a canção "Aos Nossos Filhos" (melodia dele; letra de Vítor Martins).

A gravação de Ivan é linda, mas a de Elis Regina é mais do que antológica. Encarnando cada palavra da pungente letra do ituveravense Vítor Martins, Elis chora e faz chorar qualquer ser humano minimamente sensível. Se você nunca ouviu a canção na voz de Elis, ouça-a. E tente saber do que tratam os versos de Vítor.

Eis a letra: "Perdoem a cara amarrada / Perdoem a falta de abraço / Perdoem a falta de espaço / Os dias eram assim / Perdoem por tantos perigos / Perdoem a falta de abrigo / Perdoem a falta de amigos / Os dias eram assim / Perdoem a falta de folhas / Perdoem a falta de ar / Perdoem a falta de escolha / Os dias eram assim / E quando passarem a limpo /

E quando cortarem os laços / E quando soltarem os cintos / Façam a festa por mim / Quando lavarem a mágoa / Quando lavarem a alma / Quando lavarem a água / Lavem os olhos por mim / Quando brotarem as flores / Quando crescerem as matas / Quando colherem os frutos / Digam o gosto pra mim".

O tempo passou, as coisas mudaram (um pouco só, creio) etc., e, diferentemente do que ocorria naquela época, hoje o brasileiro pode dizer o que bem entender (ou quase isso).

E aí vem um cantor e compositor popular --bem popular-- e concede uma entrevista em que declara que mereceu o "castigo" que lhe foi dado, já que ele "estava errado" e recebeu de quem representava o poder estabelecido o mesmo castigo que pais e mães podem dar a seus filhos a título de correção de comportamento, de conduta etc. O "artista" disse que seu "erro" foi ter usado de suas prerrogativas de funcionário de uma livraria para ceder a algumas pessoas livros considerados "subversivos".

O cantor disse que foi preso e torturado, física e psicologicamente, mas não acha que seus torturadores erraram, embora ele não recuse os mil e tantos reais que recebe mensalmente por ter sido vítima dessa tortura.

Como sempre digo neste espaço, é preciso saber ler as linhas e, sobretudo, as entrelinhas do que se diz ou se escreve. Em outras palavras, o tal "artista" disse que pais e mães podem torturar, se o objetivo é "corrigir". Enfim, quem faz coisa errada tem mesmo é que apanhar, ou, numa outra versão, menino levado tem mesmo é de ir para o pau de arara.

É incrível como nessas horas sempre se esquece um princípio básico da Constituição, segundo o qual o Estado é responsável pela integridade dos que estão sob sua custódia. É mais do que incrível ler nas tais "redes sociais" baboseiras mil, de gente que não consegue de jeito nenhum ater-se à essência da coisa. Haja!

Nisso tudo há uma grande ironia, que está no significado do nome e do sobrenome do autor da pérola: o termo "amado" dispensa explicações; "batista" é aquele que administra o batismo. Como se sabe, o batismo é o primeiro sacramento do cristianismo, cujos princípios dispensam explicações e teorias, mormente em pleno feriado de Corpus Christi. Definitivamente, não é nem um pouco cristão defender a tortura, seja lá qual for a razão de sua prática. E, é bom que se diga, não é preciso ser cristão para ter nojo da tortura, venha de onde vier.


É, meu caro Vítor, o tempo passou, mas, para muita gente escura e sombria, os teus nobres versos ainda não se materializaram. Muita gente ainda não cortou os laços, ainda não soltou os cintos. A alma ainda não foi de todo lavada. A água também não foi lavada; continua suja, muito suja, talvez mais suja do que era quando lavraste os versos de "Aos Nossos Filhos". E os frutos, se é que foram colhidos, são ácidos, meu caro, e têm um gosto ruim, muito ruim. É isso.
Porto Alegre de Brinquedo

Porto Alegre de Brinquedo - Versão correta

Desabafo


Musica Mais Triste do Mundo

30 de maio de 2013 | N° 17448
EDITORIAIS ZH

ALERTA NA LARGADA

Sob qualquer ângulo que seja examinada, a expansão de apenas 0,6% no Produto Interno Bruto (PIB) de janeiro a março deste ano, em relação ao último trimestre de 2012, só pode ser vista como decepcionante. É que, mesmo com a expansão excepcional da agropecuária, de 9,7% no período, o desempenho da largada do ano, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ficou longe do percentual próximo a até 1% aguardado nos meios oficiais.

E torna ainda mais difícil a perspectiva de o conjunto de bens e serviços produzidos no país registrar uma expansão de até 2,9%, bem abaixo da estimada inicialmente, de 3,5%. Com exceção do desempenho do setor primário, único com potencial de virar o jogo até dezembro, e de uma retomada consistente dos investimentos, que precisa ser reforçada para ajudar a dissipar o pessimismo, os demais números são decepcionantes e exigem providências por parte do poder público.

Só agora, como admitiu ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a equipe econômica começa a se dar conta de que não bastam apenas medidas pontuais para estimular o crescimento. Mais preocupado em manter a inflação em níveis próximos à meta fixada para o ano, de 6,5%, o governo prefere apostar neste momento numa retomada efetiva dos investimentos como o principal combustível da economia neste ano.

Os investimentos, que, depois de um forte crescimento em 2010, despencaram até atingir taxas negativas, registraram de fato um crescimento importante de janeiro a março, tanto em relação ao primeiro quanto ao último trimestre do ano passado. Precisam, por isso, ser devidamente estimulados para que possam favorecer uma resposta à altura das necessidades do país.

O frustrante desempenho da atividade econômica, mesmo com os excepcionais resultados da safra, serve de alerta para o quanto o país precisa atacar gargalos como os da infraestrutura. O incentivo ao crédito é fundamental e os resultados começam a aparecer. Ainda assim, é preciso assegurar mais produtividade, sobretudo para a agropecuária, que enfrenta problemas sérios para escoar a produção. A estimativa é de que 19,23% do PIB equivale ao gasto apenas com custo logístico brasileiro. No agronegócio, o percentual oscila entre 8,5% e 9% do PIB. Em ambos os casos, o custo é insuportável.


Assim como as reformas estruturais, sempre postergadas, ações na área de infraestrutura exigem um período mais longo para dar resultados. Por isso, o país precisa agir logo para evitar que o crescimento econômico continue sendo adiado indefinidamente.

30 de maio de 2013 | N° 17448
FÁBIO PRIKLADNICKI

Música para se indignar

De vez em quando, surge um desses discos com vocação para trilha sonora de uma geração. É o caso do terceiro trabalho da banda Apanhador Só (o segundo de inéditas), intitulado Antes que Tu Conte Outra, disponível para download gratuito no site da banda (apanhadorso.com) desde a semana passada.

A Apanhador Só lançou um excelente disco homônimo em 2010. Um ano depois, veio a fita cassete (?) Acústico-Sucateiro. Antes que Tu Conte Outra é mais nervoso e bem menos bonitinho. O recurso de utilizar sons diversos e ruídos para compor a atmosfera das músicas agora assume o primeiro plano e disputa atenção com os instrumentos.

Chega a incomodar, mas acho que essa é a intenção. Uma vez que você esteja acostumado, a beleza – sim, a beleza – das composições se sobressai, e os rapazes se revelam excelentes melodistas. Daqui a pouco, as músicas não saem da sua cabeça.

A Apanhador Só tem o que falta a muitos jovens envolvidos com a arte da criação: ideias. E política. Não me entenda mal: política no sentido de posicionamento, de valores. É o som de um pessoal que talvez não saiba exatamente o que quer, mas sabe o que não quer. Ainda está vivo na memória o protesto que colocou abaixo o tatu inflável da Copa, em outubro de 2012, em Porto Alegre.

Entre os motivos da manifestação, estava a luta contra a privatização do espeço público – o mascote literalmente vestia a camiseta de uma marca de refrigerante. Pois, em uma das músicas do mais recente disco, a Apanhador Só ironiza um certo líquido preto “que é uma delícia / te deixa gorda/ ninguém sabe a fórmula / mas tem muito sódio”. Não sugiro que a manifestação tenha motivado a música, mas as coincidências também fazem parte do espírito do tempo.

Mais de uma composição do álbum chama o interlocutor para um acerto de contas. Mordido diz assim: “Negócio aí não é nada mais do que nã nã e meter no nosso”. Por Trás questiona: “Qual é, afinal, o peixe que tu tá vendendo?” Pense nas manifestações que pediram – e conseguiram – a revogação do aumento do preço das passagens de ônibus na Capital, entre março e abril.


Pense em qualquer outro protesto – por exemplo, contra o corte de árvores. A Apanhador Só tem a trilha para a sua indignação. Não é sempre que se vê jovens talentosos respondendo aos anseios de seus pares com tanto barulho e, ao mesmo tempo, tanta melodia.

30 de maio de 2013 | N° 17448
PAULO SANT’ANA

Terrível distância

Até hoje não sei por que tu me deixaste ou eu te deixei.

O que sei é que desde então a vida passou a ser para mim uma canção desesperada.

É mais do que evidente que a vida mostrou-nos que fomos feitos um para o outro, mas uma trama da própria vida acabou por separar-nos.

Ainda, desde então, sofro com o dilema patético de ver que metade de mim não está mais junto a mim.

E que a vida, assim, se tornou um passatempo maçante: é triste a gente saber que existe alguém no mundo que é talhada para nós e no entanto não a usufruímos.

Há distâncias que nos unem, mas a distância de ti tem-nos separado desesperadamente.

O que sei é que a vida para mim, desde que tu te foste, passou a ser um amargo percurso.

Tenho tentado, o que sei que também fazes inutilmente, nos reaproximar.

A vida teima em manter-nos separados como que a nos ensinar que temos de sofrer.

De alguma forma, tenho amaldiçoado o dia em que te conheci, por mais incrível que pareça que uma pessoa possa amaldiçoar ter conhecido sua amada.

É que, se eu não tivesse te conhecido, poderia ter encontrado outra mulher que viesse a ser dona do meu coração.

Mas, assim martirizado pela tua recordação, tornei-me estéril para o amor, não acho graça em ninguém novo e inédito, desconfio seriamente de que não haja ninguém que possa vir a te igualar, quanto mais te superar.

E assim vai andando a vida, inócua, insossa, os dias vão passando e com eles o profundo lamento das coisas.

Um gigantesco desperdício.

Esses dias chovia muito e te vi passar na calçada em frente, debaixo de uma sombrinha, e tive vontade de te chamar. Mas não tive coragem.

Como diz o bolero que o Altemar Dutra cantava, por que chamar agora quem nunca soube voltar?

E segui pela rua no rumo do abismo que me espera.

Perdoem-me os leitores que eu lhes conte uma piada quase obscena, mas é que ela é espetacular.

A cena se passa num lar em que são casados dois gays masculinos, que têm um filho adotivo com sete anos de idade.

O filho pergunta ao pai se pode tomar banho com ele, o pai concorda, e no banheiro o filho diz: “Mas pai, como tu tens o pinto grande!”.

E o pai: “Isso não é nada filho, precisas ver o da tua mãe”.


Leiam novamente e vejam como é maravilhosamente bem enredada e insistentemente atual essa piada, ainda mais que ontem foi celebrado oficialmente o primeiro casamento entre dois humanos masculinos na França.

30 de maio de 2013 | N° 17448
L.F. VERISSIMO

No bambual

O Ibsen Pinheiro, grande frasista, diz que no futebol uma defesa se organiza e um ataque se inspira. Perfeito. O posicionamento e a mecânica de uma defesa – quem cobre quem, quem dá combate e quem fica na sobra etc. – podem ser sistematizados, diagramados e ensinados.

Já um ataque vive de oportunidades fortuitas, de explorar as eventuais falhas de organização da defesa – enfim, das brechas que aparecerem e da inspiração do momento.

Você pode instruir o ataque a ir por um lado ou pelo outro e, quando não dá, levantar a bola na área (o último recurso tão repetido) e confiar no entrevero. No confronto entre a organização e a inspiração, o que faz a diferença é a habilidade do atacante e sua vitória pessoal sobre o defensor.

E, apesar de estar provado que a jogada mais letal de um ataque é a que vem pelas pontas, atacantes insistem em tramar pelo meio, onde o trânsito é mais difícil e onde a concentração de defensores parece uma floresta de bambus.

Imagine jogar bola num bambual. Impossível, ou só possível a quem tem habilidade fora do comum. O sucesso do Messi se deve em grande parte à sua capacidade de sobreviver no bambual. De proteger a bola enquanto se esquiva de bambu atrás de bambu até chegar numa clareira e chutar a gol.

O Neymar tem a mesma capacidade, embora ela não tenha aparecido muito ultimamente, principalmente na Seleção. Se o Neymar for para o Barcelona, é possível que ele e o Messi recuperem uma arte perdida do futebol, a da tabelinha. Já houve tabelinhas famosas. No Internacional dos anos 50, Larri e Bodinho faziam uma mortal, tramando pelo meio até um dos dois fazer o gol. E o protótipo de tabelinha pelo meio, claro, foi a de Pelé e Coutinho, no Santos. Mas naquele tempo o bambual ainda não tinha crescido tanto.

A dificuldade em atacar pelo meio teve duas consequências. Uma foi a prevalência, hoje, da bola alçada na pequena área para que uma cabeça providencial consiga o que não se conseguiu pelo chão. A outra foi transformar quem acompanha o futebol há tempo em irrecuperáveis nostálgicos.


Temos saudade dos ataques com passes que desconcertavam, ou desorganizavam, as defesas. Havia mais espaço para as tramas e a inspiração. E, acima de tudo, menos bambus na entrada da grande área.