sábado, 23 de fevereiro de 2013



23 de fevereiro de 2013 | N° 17352
CELSO GUTFREIND

A favor da insônia

Precisamos dormir. Privar-se de sono é tortura. Dormindo, as crianças crescem. Os adultos se recuperam. Todos são a favor do sono, inclusive a medicina, com seu arsenal. Remédios para dormir representam uma fatia enorme do mercado. A ciência a ampara, o repouso agradece. Sonhar é fundamental. Só não sou contra a insônia. Tentei encontrar aliados e achei um. O Chico Buarque. Ele canta: Preciso não dormir/ Até se consumar/ O tempo da gente.

Tentei convencer alguns insones, mas não fui muito feliz. Cheguei a cantarolar a segunda estrofe: Preciso conduzir,/ Um tempo de te amar,/ Te amando devagar e urgentemente. Desafinei, vai ver foi isso. Mas o corpo é sábio. Ao inventar diarreia ou vômito, precisa devolver o que lhe fez mal. Ao doer, sinaliza as providências necessárias. Com a insônia, também.

Todas as histórias são de amor, disse o Mario Quintana. Ele estava acordado. Eu o parodio sem sonolência: todas as insônias são de amor. Se o corpo não dorme, é porque a alma espera descobrir por quê. Pode ser o sentimento por alguém. Ou por uma causa cuja consequência ultrapassou os limites da tolerância. Na vigília, a insônia solicita medidas. O Chico concorda: Pretendo descobrir/ No último momento/ Um tempo que refaz o que desfez,/ Que recolhe todo sentimento/ E bota no corpo outra vez.

Entregar-se ao sono forçado pelo sonífero pode, no último momento, não descobrir o que desfez. Um corpo não dorme. A alma, sim. Como devolver a alma ao corpo? Como refazer? Neste caso, sou contra o sono. E a favor da insônia. Só não insisto. Insistir, radicalmente, pode não ser uma boa. O radicalismo nunca é bom, mas dizer “nunca” pode, às vezes, ser radical. O Chico sabe disso: Prometo te querer/ Até o amor cair/ Doente, doente.../ Prefiro, então, partir/ A tempo de poder/ A gente se desvencilhar da gente.

Não se pode exigir demais do corpo. Ele fica enfermo. Melhor, então, dormir, nem que à base de medicação. O diabo é que a droga remenda furo, tapa buraco, não resolve. Por isso, recomendo: corpo e alma sabem o que fazem ao fazer a insônia. Ela veio para refazer o afeto. Se puder ser enfrentada, oferece a chance verdadeira e única de restabelecê-lo. De esquecer. Lembrar. Renovar. Sejamos claros com as noites em claro. Estamos falando de amor, ou seja, achar, perder, guardar. O Chico, desperto, concorda: Depois de te perder/ Te encontro com certeza,/ Talvez num tempo da delicadeza,/ Onde não diremos nada;/ Nada aconteceu.

Nada aconteceu, além da insônia. Com sua pacienciosa abertura de espaço para descobrir onde o amor tropeçou. Para reerguer a parte mais preciosa da canção e, afinado com ela, apenas seguir como encantado ao lado teu.

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