sábado, 30 de junho de 2012



01 de julho de 2012 | N° 17117
MARTHA MEDEIROS

Afogando-se num pires

A vida não é bolinho, quem não sabe? Mas é impressionante a quantidade de pessoas que conseguem complicá-la ainda mais. Acreditam que só erros enormes geram consequências, sem perceber que as pequenas bobeadas é que desgastam. Nem se dão conta da quantidade de facilitações que poderiam aplicar no dia a dia, tornando a vida bem mais producente.

Exemplos, exemplos.

Ligar-se minimamente num troço chamado relógio, pra começar. Se você tem hora marcada para uma consulta, hora marcada para fazer uma prova, hora marcada para pegar um avião, qual é a dificuldade de planejar o tempo que vai levar até lá? Chega de colocar a culpa no trânsito.

É claro que você pode prever se vai levar meia-hora ou 50 minutos para deslocar-se – o pior que pode acontecer é chegar antes, e aí nada como ter um livrinho à mão enquanto aguarda (já dizia Gabriel García Márquez: se cada um levasse um livro dentro da mochila, o mundo seria bem melhor).

“As pessoas se afogam num pires”, costuma sentenciar uma psicanalista amiga minha, confirmando que a maior parte das pessoas poderia simplificar suas vidas, mas são especialistas em se atrapalhar, e o pior: transformam essas pequenas atrapalhações em crises existenciais. Ó, nada dá certo pra mim.

Se alguém tem que ir até um endereço que não conhece, é tão fácil consultar o Google Maps antes de sair. No caso de gamar por uma blusa na vitrine, seria prudente saber se o saldo no banco comporta essa compra extra. Se a última garrafa d´água da casa foi aberta, não custa passar num mercadinho e renovar o estoque pra não ser surpreendida por uma sede absurda no meio da noite.

Se vai ter um big festão na sexta, não convém chegar ao cabeleireiro sem hora marcada. Se ofendeu um amigo, melhor pedir desculpas antes que se transforme numa mágoa séria. Se o filho tem dificuldades na escola, não esperar o último mês do ano letivo para tomar providências. Planejou uma viagem ao exterior?

Confira o prazo de validade do passaporte (não no dia do embarque, gênio). Se o seu santo não cruza com o de um fulano, para que sentar à mesma mesa que ele? Se agendou uma entrevista de emprego, confira antes se a camisa está limpa e passada. Marcou um compromisso para as 16h, não marque outro para as 17h no outro lado da cidade.

Se está em guerra com a balança, ok, é difícil perder peso, mas continuar comendo uma caixa de Bis por noite não vai operar milagres. É claro que sua cunhada vai se chatear se você expor na sala as fotos do seu irmão com a ex-mulher dele. Pô.

Você deve ter lembrado de mais uns 200 exemplos da série “se posso complicar, por que facilitar?”. São essas pequenas besteirinhas do cotidiano que, mal administradas, fazem com que nosso dia seja mais encrencado que o dos demais, mas quem vai se dignar a planejar um dia satisfatório se a ordem é deixar rolar?

E lá vai você rolando para dentro do pires, se afogando numa pocinha de nada.



01 de julho de 2012 | N° 17117
CELIA RIBEIRO

Tons terrosos nos buquês

Muitos casamentos são realizados em julho, aproveitando o período de férias de inverno. Acompanhando a moda atual, surgem buquês de flores coloridas naturais, típicas da estação, salientando o traje branco da noiva. A cor das flores pode combinar com a dos sapatos, outra tendência chique, válida também para os raminhos das damas de honra.

Muriel Dalla Vecchia (www.floradesigneflores.com.br, tel. 8423.0201) tem criado buquês invernosos de efeito, em linhas minimalistas, que agradam às noivas modernas e àquelas que estão comemorando aniversário de casamento.

Duas tendências podem ser seguidas: flores em tons quentes e terrosos como contraponto às baixas temperaturas, ou flores em branco, que remetem à neve e às geadas. Callas, flores muito parecidas aos copos de leite, um clássico do estilo Art déco, compõem buquês da estação, em tons terrosos, amarelo e vinho.

As orquídeas, nas cores mais variadas, são harmonizadas com buquês em pot -pourri ou miscelânea de verdes e flores multicoloridas. Pode-se, ainda, contar com a plena floração das peônias em vermelho e violeta. Outro recurso para usar o branco tradicional nas flores de um buquê ou arranjo floral é a mistura com galhos verde-escuros. Na opinião de Muriel, o buquê não precisa estar inserido no estilo da decoração ambiental, mas pode repetir uma flor ou verde aquecendo o ambiente.

- Acenos entre as sorridentes presidentes Cristina Kirchner e Dilma Rousseff no momento em que tiravam a foto oficial dos dirigentes de países estrangeiros que compareceram à Rio+20, com três estadistas entre elas de pé na primeira fila, mostram que as duas sul-americanas, que comandam respectivamente Argentina e Brasil, ainda não se imbuíram da parte formal de sua funções. Na foto, que percorreu o mundo, o presidente Hollande, da França, olha para Kirchner com um sorriso de ironia.

- É a segunda vez que elogio o manual de etiqueta urbana do Trensurb, um meio de educação de seus usuários, seguindo o preceito “não faças aos outros o que não queres que façam a ti”.

A recomendação de andar sempre pela direita, especialmente nos cruzamentos de pedestres, ainda é pouco seguida, inclusive pelos motoristas. Um exemplo é a saída do estacionamento do Supermercado Nacional, na Rua Carazinho, onde os carros entram pela esquerda, à frente de quem se posiciona para sair pela direita.

Coxinhas do Segundo Império

Comíamos uma coxinha de galinha, Marha Fortuna e eu, quando ela me contou a história deste petisco tão brasileiro, cuja origem está na cozinha da família imperial. O filho mais velho de D. Isabel e do Conde D’Eu, Pedro Augusto, era um menino nervoso e inapetente, que adorava as coxinhas de galinha preparadas pela cozinheira da Fazenda Monte Azul, em Limeira, São Paulo.

Um dia, faltaram coxinhas, e a cozinheira resolveu moer todas as carnes da ave e apresentar uma nova coxinha de galinha. Em 1883, D. Pedro II foi à fazenda visitar a filha e os netos e ficou encantado com a tal coxinha macia e crocante, pedindo a D. Teresa Cristina que anotasse a receita para ser entregue ao cozinheiro da cozinha imperial, no Rio de Janeiro. Essa historinha verídica é contada pela pesquisadora Nadir Cavazim no livro Histórias e Receitas.

Pitigrilli, romancista italiano, autor de A Loira Dolicocéfala, escreveu com irreverência um livro fundamentado em regras de boas maneiras: Não se Come Frango com as Mãos. Ele diz que quem não tem coragem de enfrentar garfo e faca nesta difícil missão segura a asa com um guardanapo descartável.

As coxas de galinha comem-se facilmente com garfo e faca, respeitando o recheio cremoso com queijo Catupiry. Sua mais feliz combinação é com salada verde e cerveja gelada – cozinha de boteco.

Convite cerimonioso

“Fui convidada para uma festa de aniversário de uma pessoa nada íntima e vou telefonar agradecendo com uma desculpa por não comparecer. Preciso mandar presente?” RUTH

– Às vezes, um convite feito pela primeira vez por alguém pouco conhecido dá ensejo de encontrar pessoas interessantes e abrir o leque de relacionamento também com esse anfitrião. Pense nisso. Se comparecer à festa, mande flores. Caso contrário, basta telefonar ou enviar um cartão antes se desculpando.

Mochila no trem

“Sigo as recomendações do guia de etiqueta do Trensurb, mas não consigo passar a mochila que carrego às costas para levar como bolsa de mão.” RENAN

– Uma questão de hábito. Você já levou um encontrão pelas costas de alguém com mochila? Então sabe que pode machucar. Procure usar primeiro a mochila a tiracolo, mantendo-a sob controle junto ao corpo, como uma bolsa grande.

Sapatos no inverno

“Chegou a fazer 29°C no início de junho e usei sandálias de tirinha. Deve-se seguir a pauta da estação fria, mesmo com calor?” URSULA

– A temperatura age, sim, sobre o conforto dos pés, e uma sandália não nos choca se estamos no inverno, mas a temperatura é de verão.

Teresa Gureghian, gaúcha radicada no Rio de Janeiro que se consagrou nos anos 80 com a marca Teresa Gureg de calçados, marcou presença na Rio+20, voltando ao mercado com uma amostra da sua coleção de sapatos sustentáveis, feitos em fibra de milho e soja. Certamente motivará também o comércio exterior nos calçados de verão.


01 de julho de 2012 | N° 17117
PAULO SANT’ANA

Victor vendido???!!!

Para tudo na vida, é necessária a camaradagem.

A camaradagem – imaginem – tem de existir até na vida entre os casais.

Não há sucesso em nenhuma relação humana em que não sobressaia a camaradagem.

A camaradagem é o procedimento ou atitude própria de amigo ou camarada.

Camaradagem, portanto, é parceria e amizade.

Camaradagem, não sei por que, implica também amizade.

Não há nada que me comova mais que a camaradagem que se instala entre mim e outras pessoas.

Meu camarada, meu cúmplice, irei contigo trilhando as mesmas ruas. Eu para felicidade tua, tu para felicidade minha.

Meu camarada, eu fui feito para amenizar as dores tuas, tu foste plasmado e talhado para amenizar as minhas dores.

E também foste feito, como eu, para compartilharmos a alegria de viver.

É preciso ter, acima de tudo, alegria em viver.

Nada mais buscamos em nossas vidas do que a alegria de viver.

Vejo só agora, ao escrever estas linhas, que encontrei finalmente o significado desta palavra maravilhosa que é “felicidade”: felicidade nada mais é do que a alegria de viver.

Não é feliz, portanto, quem está sem alegria de viver.

E a camaradagem revela essa euforia em que estamos ao nos pormos ao lado de outrem, juntos, unidos, para o que der e vier.

Parece até um pacto, amigo, o que estamos traçando: por onde fores, estarei ao teu lado, perfilado contigo, na direção da nossa causa. É claro que isso acarretará combate, dura lida da vida, luta, mas o nosso objetivo será sempre a vitória.

E, se o fracasso rondar os nossos passos, ele acabará servindo necessariamente para o nosso triunfo, ali ou lá adiante.

Queridos leitores e leitoras. Enquanto escrevo esta coluna que por motivos técnicos e industriais tem de ser terminada na sexta-feira, da qual agora são exatamente 20h40min, recebo uma notícia estarrecedora: o Grêmio vendeu para o Atlético Mineiro, exatamente o seu adversário de hoje no Olímpico, o goleiro Victor.

Esta notícia tem de ser investigada, minuciosamente esclarecida, porque chegando a mim nesta hora, véspera de enfrentar Ronaldinho Gaúcho no Olímpico, soa-me, como a todo mundo, surreal.

Não pode ser, não acredito. Para que os leitores tenham uma ideia do impacto desta notícia que estou recebendo neste instante, os três amigos para quem telefonei, assim que a notícia da venda de Victor para o Atlético bateu aqui na Redação, os três amigos meus se mostraram estupefatos.

Não pode ser! Esta notícia precisa ser desmentida.

Não pode ser! É o fim...


01 de julho de 2012 | N° 17117
VERISSIMO

Caneleiras

O futebolzinho dos sábados no sítio dos Limeira tinha começado como apenas um pretexto para reunir os amigos. Como um prelúdio para banhos de piscina e depois um churrasquinho. Nunca mais do que 12 amigos com mulheres e filhos. Enquanto as mulheres conversavam e os filhos brincavam, os homens jogavam futebol. Valendo nada, valendo apenas boas risadas e algumas escoriações antes das primeiras caipirinhas.

Com o tempo a coisa começou a mudar. O grupo de convidados aumentou, e os times também. Os homens passaram a levar o jogo a sério. O futebolzinho para abrir o apetite virou futebol mesmo, muitas vezes – nos casos de prorrogação e decisão por pênaltis, por exemplo – atrasando o almoço, sob protestos das mulheres.

A transformação culminou no dia em que o dono do sítio, o Neco Limeira, entrou em campo de chuteira e caneleira. A caneleira foi uma espécie de sinal: dali em diante não era mais divertimento. Com caneleiras não eram mais amigos, eram adversários. No sábado seguinte quase todos apareceram com caneleiras.

Julinha Limeira, a mulher do Neco, não gostou da transformação. Num sábado ela chegou a ver 33 homens no gramado da sua casa, o bastante para formarem três times e fazerem um torneio, com turno e returno, que só terminou ao anoitecer.

Nem todos os homens traziam mulher e filhos, mas mesmo assim Julinha se viu obrigada a conversar com pessoas estranhas a tarde toda, ao mesmo tempo cuidando para as crianças não enlamearem a piscina e o churrasco não queimar. Numa noite de sábado, exausta, Julinha perguntou ao Neco quem era uma loira com grandes peitos que tinha acabado a tarde embaixo da mesa do alpendre, depois de exagerar na caipirinha.

– É a mulher do Valtão – disse o Neco..

– E quem é o Valtão?

– É o zagueirão do nosso time. Você não viu ele em campo? Zagueirão.

Com o Valtão na zaga, o time do Neco não perderia mais nenhuma.

O Valtão passou a frequentar o sítio todos os fins de semana. Sua mulher, Carol, sempre terminava a tarde embaixo da mesa do alpendre, inconsciente. E o Valtão e a Carol um dia trouxeram os filhos. Três terroristas que em pouco tempo tinham derrubado uma cristaleira, acabado com a salada de batata e provocado uma crise nervosa no cachorro.

– Eu não quero mais essa gente na minha casa – declarou Julinha.

– Ué – disse Neco. – Preconceito social, agora? – Você nem conhecia esse tal de Valtão, Neco. Aliás, metade das pessoas que tem aparecido aqui eu não conheço mais.

Neco não respondeu. Era sábado de manhã e ele estava se preparando para o futebol. Colocando as caneleiras.

– Eu não aguento, Neco – continuou Julinha. – Você tem que escolher. Ou o Valtão, ou eu!

Neco continuou em silêncio. Talvez porque soubesse que a irritação da Julinha era passageira e ela acabaria aceitando o Valtão. Ou talvez estivesse ponderando: uma mulher que, afinal, não era uma má companheira, ou um bom zagueiro de área, que não se encontra em toda parte? A Julinha precisava entender. Agora não era mais só futebolzinho. Agora o jogo era com caneleiras.


01 de julho de 2012 | N° 17117
DEDINHOS NO TABLET

Conectados desde o berço

A tela mágica de um tablet ou smartphone, que responde a qualquer toque, faz com que crianças tenham experiência com a tecnologia digital nos primeiros meses de vida
Júlia tem um ano e cinco meses e já tem um jogo preferido no tablet: Pierre, o papagaio falante. A ave virtual reage contente ao receber um carinho e se movimenta quando a criança pressiona certos comandos na tela.

Quando Júlia tinha apenas alguns meses, observava o pai usar o aparelho. Depois que a menina começou a falar as primeiras palavras, o tablet passou a compor o arsenal de brinquedos. – Ela brinca com uns quatro ou cinco jogos, sempre sob supervisão. A família não estranhou quando ela começou a interagir com o tablet. Na verdade, achamos uma graça – orgulha-se o pai, Maurício Lewkowicz.

O exemplo de Júlia demonstra como, cada vez mais cedo, as crianças passam a usar a tecnologia. A mágica, no entanto, não está nas crianças. Os aparelhos estão mais intuitivos. – A criança não precisa ser alfabetizada, como no computador, que exige uso de teclado.

O bebê se interessa pelo tablet porque é simples, o toque na tela gera reação imediata. As crianças são atraídas pelo movimento, pela imagem. Todo aparelho que tiver isso gera fascínio – avalia Helena Sporleder Côrtes, professora da Faculdade de Educação da PUCRS.

Pedro começou a descobrir os aplicativos aos dois anos, quando o pai, Tiago Becker, comprou um iPhone. Hoje, com a irmã Júlia, sete anos, divide o tempo no tablet sem abandonar o aparelho menor, que tem mais jogos instalados. O pai é cuidadoso. Sabe que largar um aparelho com acesso à internet com uma criança tão pequena pode trazer prejuízos que vão desde quebra até o download de aplicativos pagos.

– O uso é sob supervisão. Às vezes ativo o filtro, assim eles não podem desinstalar os meus aplicativos, que uso para o trabalho, nem instalar nada sem permissão. Eles sabem que se querem algo, é preciso pedir primeiro – afirma Becker.

Já existem aplicativos para bebês, que se propõem a ensinar cores e formas, usando sons e figuras de animais. Uma distração para consultas no pediatra e em viagens.

marina.goulart@zerohora.com.br


30 de junho de 2012 | N° 17116
NILSON SOUZA

Aos quietos

A batalha final (Scliar sempre me socorre na largada das crônicas difíceis) talvez seja entre os extrovertidos e os introvertidos. Tenho lado nessa, evidentemente, pois dou uma boiada para não falar em público e meu lazer preferido é um bom livro. O Poder dos Quietos, da americana Susan Cain, pode ser classificado nesta categoria, não apenas por liderar listas de mais vendidos, mas também, e principalmente, por tocar numa ferida da sociedade moderna: a extroversão compulsória.

Ai de quem não curte festas, não tem boa oratória ou não mostra propensão para trabalhar em grupo. Logo será rotulado de antissocial e condenado à terceira suplência no time dos pretendentes à liderança. A autora do livro denuncia o preconceito coletivo contra as pessoas reservadas e o culto exagerado aos carismáticos num mundo em que se convencionou que só os ousados são bem-sucedidos e só os sociáveis são felizes.

Na solidão da madrugada, que é onde se refugiam os introvertidos, acompanhei dia desses uma palestra da escritora no sistema TED (Tecnologia, Entretenimento, Design), fundação cultural que divulga “ideias que merecem ser disseminadas”. Pois dona Susan entrou no palco com uma maleta fechada e falou durante 20 minutos antes de abri-la.

Só no final, depois de defender respeito aos quietos e de afirmar que líderes introspectivos tendem a ouvir mais seus liderados e a aproveitar melhor suas sugestões, ela abriu a mala para mostrar o que carregava. Eram livros que pertenceram ao seu avô e que representam para ela o momento mais gratificante de sua infância, quando podia ler em silêncio na companhia do homem que a ensinou a valorizar quietude.

Escolas, escritórios e outros ambientes de trabalho privilegiam obsessivamente o coletivo e a convivência, quando algumas pessoas – um grande número delas, na verdade – se tornam mais criativas na solidão e no silêncio. Claro que é preciso considerar os dois lados: extrovertidos também podem ser produtivos e criativos. Aliás, a própria autora da tese lembra que todas as pessoas são as duas coisas, com maior ou menor predominância numa das características. E há ainda os ambivertidos, com metade e metade.

Antes de encerrar sua instigante conferência, a escritora norte-americana deu três conselhos ao público: 1) Parem com a loucura de só trabalho em grupo; 2) Busquem a natureza e a contemplação de vez em quando; 3) Abram suas próprias malas e, seja qual for o conteúdo, mostrem-nos e assumam seu gosto por elas.

Faz sentido. Certamente vamos perder a batalha, pois o mundo multimídia favorece os alegres, os expansivos e os festeiros.

Mas é um consolo saber que não estamos sozinhos na nossa introspecção.


30 de junho de 2012 | N° 17116
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Homo fictus

Tem aquela superstição da estatística: se a gente colocar um macaco por tempo suficiente diante de um teclado de computador, em algum momento ele será capaz de escrever, palavra por palavra, o Hamlet, de Shakespeare.

Alguns limites dessa hipótese já são conhecidos, especialmente o fato de macacos serem mortais, e portanto não disporem de tempo suficiente – mil anos? Um milhão? – para a tarefa. É sério: tem gente que já testou essa especulação. O resultado não foi muito animador: saíam linhas como sssssssssssssssssstssssssssm,,m, ou algo assim.

O caso é que a concepção e a redação do Hamlet são mais do que acerto casual. Há algo de muito profundo na prática de conceber e contar histórias. Mais profundo do que o abismo das implicações psicológicas e sociais, para indivíduos e grupos.

É bem possível que contar e ouvir histórias, viver de ficção, seja resultado de um processo adaptativo: em algum momento-chave de nossa trajetória sobre as duas patas traseiras, os ancestrais contadores de história e seus ouvintes atentos devem ter levado vantagem sobre os sem-imaginação. E eis-nos aqui, vivendo intensamente o mundo da ficção, no romance ou na telenovela, na canção ou na propaganda de margarina.

O autor desse argumento é Johnathan Gottschall, norte-americano, professor de literatura. Li a notícia na edição de fim de semana do jornal Valor Econômico e me fui atrás da conversa dele, no site com seu nome. Ali, se pode ler de e sobre seu livro The Storytelling Animal – How Story Make us Human, ou seja: O Animal Contador de Histórias – Como a Ficção nos Torna Humanos. (Ele usa story, e não ficção, que adotei porque sou inimigo pessoal do termo estória.)

Diz um trecho da apresentação (em tradução rápida): “Este livro é sobre o primata Homo fictus (Homem Ficcionalizador), o grande símio com mente contadora de histórias. Você pode não perceber, mas você é uma criatura do imaginário reino chamado Terra do Nunca. Ela é sua casa, e antes de morrer você vai passar décadas lá. Se você não se deu conta antes, não se desespere: ficção é para os humanos como água para os peixes – totalmente envolvente e não muito perceptível. Enquanto seu corpo está sempre fixado em um ponto particular do espaço-tempo, sua mente é sempre livre para circular por terras de faz de conta. E consegue”.

Isso tudo reforça a convicção de que vale a pena insistir com a literatura. Tanto que esbocei mais uma lista de argumentos a favor dela, lista nascida de uma conversa pública na Feira do Livro de Canoas, em que estive ao lado do amigo Sergius Gonzaga.

Seis teses

1. PROFUNDIDADE. A literatura faz parte da nossa vida de modo essencial. Gottschall fala da narrativa, termo que engloba romance, conto, teatro, memória etc., mas creio que podemos incluir o território da poesia, que não tem compromisso necessário com o relato de histórias. Poesia tem outra têmpera essencial: o poeta (no poema mesmo, ou em qualquer texto em que possa expressar-se a índole poética) não passa correndo sobre a linguagem-ponte de modo a alcançar logo a outra margem, mas pelo contrário, fica pisando e repisando sobre a linguagem-ponte, fazendo-a balançar.

E o que a literatura nos dá, em primeiríssimo lugar? Profundidade, experiência vertical da vida. Nos dá notícia de que somos muito mais do que sabemos ser, porque somos capazes de entender dramas, tragédias, comédias, percursos os mais variados, isso tudo sem viver diretamente nenhuma das histórias lidas. Aliás, Gottschall nos diz que o provável motivo de ter havido este processo adaptativo foi a vantagem de experimentar situações fortes (participar de uma guerra, conquistar a mulher de um homem poderoso etc.), sem precisar vivê-las diretamente.

2. AGILIDADE. Quem lê tem agilidade mental; quem lê literatura tem ainda mais presteza, velocidade, capacidade de estabelecer relações de todo tipo. Aí está um valor indiscutível da leitura e da literatura. A prova desse ganho pode ser feita em negativo: converse com quem não lê e confira. Bem, há exceções; há pessoas interessantíssimas que não leram, talvez nem soubessem ler, ou mal e mal dominassem a técnica básica. Mas no mundo de hoje essas figuras são cada vez mais raras.

E se for o caso de estabelecer uma regra geral, é certo que a regra desejável será a de ensinar a ler e a escrever, como caminho mínimo para o acesso ao aprendizado, à novidade. Ensinar a ler todo tipo de texto, do mais singelo como uma notícia ao mais complexo como um poema, passando pela bula de remédio, pelo panfleto político, por qualquer modalidade de texto. De todos os ambientes letrados possíveis, porém, o mais relevante é o da literatura, porque ele concentra as várias modalidades de uso da linguagem utilizadas intensamente e carrega a vantagem da longa tradição, que permite ao leitor exercitar uma verdadeira aeróbica mental. Enfim, mas não por último, a leitura tona-nos mais hábeis no manejo da língua, que medeia todas as relações sociais, afetivas e políticas.

3. VARIEDADE. A literatura tem o extraordinário mérito de acolher qualquer experiência humana, em qualquer parte, época e situação. Faça o teste: na literatura, não há o que não haja. Vidas de santos e canalhas, nobres e plebeus, reacionários e revolucionários, remediados e sem-remédio, ricos e pobres, todas cabem na literatura.

A melhor literatura brasileira foi concebida na luta contra a trivialidade, a indiferença, a exclusão. Pense Simões Lopes Neto, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa botando o “sertão” nas primeiras filas da qualidade. Ou Vieira e Machado, escritores classicizantes. A crônica, que não respeita limites; a canção, forma semiliterária (e semimusical) que não tem como ser mais acolhedora das variedades dialetais.

Quer dizer: já foi cumprido na literatura aquele ideal que os sociolinguistas postulam para o ensino de língua, de que a escola acolha todas as variedades dialetais da vida diária, sem exclusão, como forma de acolher os falantes delas, muitas vezes gente que não conheceu jamais formação letrada. Se os alunos forem expostos a ela, terão como se encontrar e poderão então ver que maravilhas os grandes artistas já fizeram com este patrimônio compartilhado por todos, a língua portuguesa.

4. CONCENTRAÇÃO. A leitura de textos de qualidade impõe exigências, e uma delas é a concentração. Não basta sentar por poucos minutos para vencer o desafio de um texto profundo, e isso costuma ser obstáculo duro para os leitores inexperientes. Essa característica se salienta mais ainda em nossos tempos, tão pródigos em diversões com satisfação imediata.

Mas ocorre que essa imediatez é diretamente proporcional à profundidade: quanto mais rápida a satisfação, mais raso é o prazer estético e o proveito intelectual. O romance exige muito tempo de leitura, mas a intensidade da satisfação nem se compara. O preço para ler bem é a concentração, poderíamos dizer “o foco”, como está na moda. E é bem isso: quem lê boa literatura aprende a ter foco, aprendizado que pode ser repassado para as outras áreas da vida, com ganhos objetivos, da preparação para uma prova à dedicação a objetivos de longo prazo na vida.

5. IMAGINAÇÃO. Um dos dois valores mais importantes para a leitura é a imaginação. Ocorre sempre essa verdade geral aos que fazem comparação entre um romance lido e a adaptação desse romance para o cinema ou a tevê: a transposição para meios audiovisuais costuma decepcionar os leitores do livro original porque na leitura o poder daquela história foi muito superior, devido exatamente ao fato de que a leitura exige imaginação.

Nada contra as adaptações, em todos os sentidos e para todas as linguagens: elas são uma porta de acesso que deve ser incentivada. Mas o caso é que o original faz nossa mente funcionar com mais vigor: ali onde o escritor sugere um castelo ou uma praça, nossa imaginação entra em funcionamento para realizar tais lugares, ao passo que no audiovisual nós já vemos o castelo e a praça que o diretor imaginou, restando pendurar a nossa leitura na dele, o que é sempre menos do que poderia ser.

E qual o valor da imaginação? Incalculável, sem dúvida. Imaginamos novas formas de organização social, tanto quanto novos usos e tecnologias, para nem dizer as novas formas de sermos nós mesmos.

6. LIBERDADE. Talvez o mais potente valor da literatura seja o de proporcionar o exercício da liberdade. Quem lê passeia por rotas desconhecidas que no entanto estão dentro de cada um, bastando ativá-las. São incontáveis os exemplos de leitura proveitosa feita em condições precárias, até mesmo quando faltam as liberdades elementares.

Com crianças, nem se fala: compare o antes e o depois dos livros. Pergunta Michèle Petit: as crianças se exprimem mais do que antes, ou não? Estão mais à vontade para falar delas mesmas? A relação delas com os outros se transforma? Parece haver pouca dúvida das respostas.

Se entendermos liberdade como a infindável conquista da autonomia, então a leitura de literatura pode ser qualificada como o caminho talvez mais significativo que a família, a escola, as instituições públicas de cultura devem proporcionar.

QUATRO LEITURAS SOBRE LEITURA

Lições dos Mestres, de George Steiner. Rio de Janeiro: Record, 2005.

 A Arte de Ler, ou Como Resistir à Adversidade, de Michèle Petit. São Paulo: Ed. 34, 2009.

A Espécie Fabuladora – Um Breve Estudo sobre a Humanidade, de Nancy Huston. Porto Alegre: L&PM, 2010.

Voltar a Ler – Propostas para Ser uma Nação de Leitores, de Mempo Giardinelli. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 2010.


30 de junho de 2012 | N° 17116
PAULO SANT’ANA

Na contramão do clamor

Muita gente me diz que no dia em que eu parasse de fumar, pela visibilidade que ostento, esse meu gesto levaria muita gente a parar de fumar no Rio Grande do Sul.

Deve ser verdadeiro isso, porque o leitor Idel Menda (idel1950@gmail.com) parou de fumar e escreveu um texto, creio que na internet, que foi lido por duas pessoas, entre elas um jovem, tendo ambos parado de fumar imediatamente.

O texto é uma carta de amor que ele escreve para o cigarro, despedindo-se definitivamente dele. Como o texto fez sucesso, inclusive entre os não fumantes, quanto mais entre os que fumam, vou transcrevê-lo abaixo na esperança de que faça muitas pessoas deixarem de fumar:

“CARTA DE A(FU)MANTE PARA SEU AMOR PROIBIDO.

Meu amor:

Por 40 anos você me deu o prazer de sua companhia. Fez, por várias vezes meu coração palpitar, bater forte. Por muitas vezes, ao colocar minha boca em ti, perdi a respiração, cheguei a perder o ar, quase não conseguia respirar direito por tua causa, mas tudo está terminado entre nós.

Sei que vais querer voltar, exigir de mim fidelidade, me seduzir novamente, mas não adianta meu ‘futuro ex-amor’. Queimei, nesse tempo em que estivemos juntos, toda e qualquer paixão. Nosso relacionamento estava virando cinzas ao vento, já começava a me sentir pisando na sujeira.

Me desculpa querida, mesmo que tu tenhas me dado momentos de prazer (e algum prejuízo também), não pretendo (espero) voltar a te tocar, colocar meus lábios em ti. Teu aspecto já não está mais sedutor, o teu cheiro começou a me fazer mal. Senti que nosso relacionamento não estava cheirando bem, muita fumaça no ar. Nossa coexistência estava incomodando as outras pessoas.

Sei que vou sofrer nos primeiros dias de separação mas, em nome da minha autoestima, minha integridade, minha aparência (as pessoas comentavam quando me viam contigo), meus futuros netos, adeus.

Estou guardando o último maço de recordações que me resta, não pretendo queimar. E não adianta querer que eu coloque meus lábios em ti novamente sem que os outros vejam, estarei traindo a mim mesmo se assim o fizer. Por favor não me responda com sinais de fumaça. Adeus”.

E apareceu uma leitora, Dilsea Kostylew (dkostylew@terra.com.br) que rema completamente contra o curso de reclamações que chegam de todos os lados. Olhem só o pasmo dela: “Interessante, quando ligo para a NET, sou prontamente atendida, tendo meus problemas imediatamente resolvidos. E fiquei viúva no final de março passado, no mês seguinte já estava recebendo a pensão de meu marido. Por que será que tudo é tão difícil para alguns? Um abraço”.

Eu diria: como pode ser tudo tão fácil para alguns?

Chega neste instante, 20h40min de sexta-feira, a notícia de que o Grêmio vendeu o goleiro Victor para o Atlético Mineiro, com quem joga amanhã.

Terei oportunidade na coluna de domingo de me ocupar desta catástrofe.


30 de junho de 2012 | N° 17116
CLÁUDIA LAITANO

Mulheres que sabem rir

Nora Ephron não terá sido a primeira mulher a tirar proveito de um orgasmo fingido, mas provavelmente foi a primeira a ficar famosa por causa de um. A clássica cena do filme Harry & Sally – Feitos um para o Outro (1989), em que Meg Ryan prova para Billy Cristal que nem tudo que reluz é ouro, foi o passaporte para o reconhecimento mundial da escritora, roteirista e diretora americana – que morreu esta semana, aos 71 anos, de leucemia.

Para quem tem tanto pavor de comédias românticas quanto eu de debates sobre futebol, o nome de Nora Ephron costuma ser associado à excruciante experiência de assistir a tramas açucaradas estreladas pelos astros da vez de Hollywood – o que talvez não seja justo com sua longa e produtiva trajetória como humorista e ensaísta com raro senso de observação.

Mais do que a grande dama das comédias românticas, Ephron foi uma escritora capaz de rir de si mesma e dos outros – nem sempre nessa ordem. Em 1972, com um ensaio intitulado Algumas Palavras sobre os meus Seios, tornou-se conhecida nos Estados Unidos imaginando como teria sido sua vida, e sua personalidade, se tivesse nascido com uma comissão de frente mais exuberante (quem nunca...). Não era um texto cômico, no sentido pastelão do termo, mas um artigo que fazia rir e pensar desde uma outra perspectiva – a feminina – em uma época em que isso ainda não era tão comum.

Dez anos depois, com o romance Heartburn, em que narra o fim do casamento com Carl “Watergate” Bernstein, transformou outra pequena grande desgraça feminina – ser traída pelo marido, com a melhor amiga, quando estava grávida do segundo filho – em uma história divertida e emocionante, com a qual mulheres de várias gerações se identificaram.

Nora Ephron ajudou a abrir caminhos para escritoras e jornalistas mais jovens que, inspiradas por ela, exploraram uma nova forma de expressão do universo feminino:

se as mulheres queriam dividir responsabilidades com os homens em casa e no trabalho não podiam levar-se tão a sério o tempo todo. Sim, o mundo (ambos os gêneros aqui incluídos) precisa de escritoras como Virginia Woolf e Clarice Lispector, de pensadoras como Simone de Beauvoir ou Hannah Arendt e de contadoras de histórias como Agatha Christie ou J.K. Rowling, mas igualmente indispensáveis são as escritoras capazes de ver o lado cômico de situações e circunstâncias que nenhum homem, por mais atento ao sexo oposto que seja, teria condições de descrever. “Minha mãe sempre nos ensinou que aquilo que é tragédia num dia pode se tornar piada no outro”, dizia a escritora.

Nos seus dois últimos livros, Meu Pescoço é um Horror (2006) e Eu não Lembro Nada (2010), Nora Ephron tentou provar que é possível rir até mesmo do que não parece ter graça nenhuma, como a decadência física e a finitude humana. Em Eu não Lembro Nada, escrito quando ela já sabia que estava doente, Nora fez duas pequenas listas: uma das coisas de que sentiria falta e outra das que não. Não sentiria falta: de barulho de aspirador e de debates sobre A Mulher no Cinema. Sentiria falta: dos filhos, de Nick (o último marido), de tomar banho, de cruzar a ponte em direção a Manhattan e de comer torta.

Nós, leitores e fãs, vamos sentir muita falta dela.

sexta-feira, 29 de junho de 2012


Jaime Cimenti

Domingo de noite, assuntos e falta de assunto

Os meus sete leitores e pouco (um deles tem 1,10m) lerão estas linhas na sexta, dia 29. Escrevo agora, domingo, 24, 20h39min. Ainda bem que o Inter ganhou de dois a zero do Sport. Acho que o Dorival garantiu o emprego dele e eu garanti um bom fim de domingo e umas linhas aqui. Poucos minutos atrás, ouvi uns estrondos. Pensei que era tiroteio.

Felizmente não era. Eram fogos de artifício e, pela localização, acho que não eram daqueles que avisam a galera que a droga está na mão. Melhor assim. Fiquei feliz em constatar que alguém estava estourando fogos no final do domingo, em geral o momento mais baixo-astral da semana. Beleza! Estava pensando que as palavras são de prata e que o silêncio é de ouro, como se dizia antigamente, quando ainda existia silêncio.

Alguém deve ter roubado o silêncio e o ouro junto. Estou por aqui e acho meio difícil escrever uma crônica silenciosa. Melhor não inventar de deixar a página em branco, tipo o cara que tinha que escrever uma redação sobre preguiça e deixou o papel em branco. Melhor não, pode dar problema com o meu competente e simpático editor Cristiano Vieira e não estou a fim de me rebelar contra as normas da diagramação. Sem stress. 

O negócio é ir moldando, com carinho, o “nariz de cera”, ir enrolando um pouco e seguir explicando para os leitores que é preciso procurar e encontrar o “gancho” para um bom texto.  Fiquei pensando em falar do dr. Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakai, verbete do livro O bê-á-bá de Brasília, do Marcelo Torres. Dizem que ele, advogado de vinte senadores, é o Resolvedor Geral da República.

No livro está escrito que, em Brasília, quando a casa cai, o negócio é chamar o Kakai. Melhor deixar o homem trabalhar em paz e não dar palpite furado. Eu poderia falar de economia global e de crise europeia e dizer que, se filosofia funcionasse, a Grécia não estaria daquele jeito.  Poderia escrever uma bela crônica sobre a falta de assunto, mas esse lance está fora de moda.

O Rubem Braga era ótimo quando escrevia sobre a falta de assunto. Ele olhava pela janela, ficava falando de passarinho, do tempo e tal. Era legal. O problema é que hoje em dia está sobrando assunto. Todo mundo falando tudo, toda hora, em todo lugar e escrevendo e postando tudo em tudo quanto é canto. Os cronistas estão soterrados com tanto assunto.

Tá todo mundo virado em seu próprio editor, como disse no século passado o Marshall McLuhan. Pois é, meus dois mil e quinhentos caracteres terminaram. Deu para a minha bolinha!  Fui! Até sexta que vem! Com muitos, vibrantes assuntos. Abraço!
Jaime Cimenti


Jaime Cimenti

Epopeia às avessas num clássico de Lobo Antunes

António Lobo Antunes sempre rivalizou, e ainda rivaliza,  com José Saramago na cena da literatura de língua portuguesa. Quem é o maior, o melhor? Saramago levou o Prêmio Nobel de Literatura de 1998 e Lobo Antunes segue forte candidato. Ele nasceu em 1942 em Lisboa e é formado em Medicina com especialização em Psiquiatria.

Serviu como médico do Exército português em Angola nos últimos anos da guerra naquele país, entre 1970 e 1973. Autor de obra extensa, de repercussão mundial, Lobo Antunes já recebeu prêmios literários importantíssimos, como o Camões, em 2007, e o Juan Rulfo, em 2008.

Os cus de Judas; Memória de Elefante e O meu nome é Legião são algumas de suas obras mais conhecidas e editadas no Brasil pela Objetiva/Alfaguara, mesma casa editorial que editou no Brasil o romance As naus, que vem sendo considerado um clássico na obra de Lobo Antunes e um dos livros mais originais da ficção contemporânea.

Na narrativa magistral, o autor subverte as formas narrativas tradicionais, sobrepõe tempos e figuras históricas para narrar o retorno dos heróis e navegadores portugueses a Lisboa (denominada Lixboa na narrativa).

Em plenos anos 1970, desiludidos com o fim da malfadada colonização africana, Pedro Álvares Cabral, Luis de Camões, Diogo Cão, Vasco da Gama e até Miguel de Cervantes retornam a Portugal na forma de pessoas comuns, com seus vícios e fraquezas, numa espécie de epopeia às avessas.

O escritor literalmente vira a História de cabeça para baixo e mostra uma visão inédita sobre a colonização e a descolonização. Antunes reconta as vidas dos heróis na África, com enfoques diferentes em todos os sentidos das versões consagradas, e os coloca, ao longo da vigorosa narrativa, como jogadores de cartas, beberrões e aproveitadores.

Passado e presente no consciente português, conflitos e dilemas da sociedade portuguesa, colonização e descolonização e outras questões estão na ficção elaborada de Lobo Antunes. As desventuras trágicas, por vezes burlescas, dos “heróis” narradas de modo inovador, como foi feito por Lobo Antunes, revelam a imensa originalidade da obra e mostram que As naus realmente merece lugar de destaque na obra do escritor que ganhou, há muito, justo reconhecimento mundial.

O domínio narrativo e a criatividade de linguagem do autor são atributos que todos conhecem e que exemplificam a força da literatura de Portugal das últimas décadas. Alfaguara, 182 páginas.


29 de junho de 2012 | N° 17115
ARTIGOS - Sergio Lewin*

Helicópteros

O momento era de crise. Então, o líder propôs a inovadora ideia: por que não contratar helicópteros que do alto jogariam dinheiro sobre as principais capitais do país? Com os recursos, as pessoas fariam compras, movimentariam o comércio e a indústria, criando novos empregos e mais tributos.

O ciclo virtuoso geraria prosperidade e de quebra eles ganhariam as próximas eleições. O conselheiro mais velho discordou. A medida teria efeitos de curta duração, os problemas eram estruturais e precisavam ser atacados na raiz. Seus argumentos foram desprezados. A euforia causada pelos generosos helicópteros que sobrevoavam as cidades e os estádios lotados em dias de jogos importantes, aliada a um súbito aumento do consumo, garantiu-lhes a eleição.

Contudo, às vésperas do novo pleito eleitoral, poucos anos depois, a situação do país voltou a se agravar. O conselheiro então lembrou que sua posição, tão criticada quatro anos antes, agora se evidenciava correta. “Ao contrário”, disse o líder. “Nosso erro foi ter contratado um número pequeno de helicópteros. Desta vez será o dobro. E mais: reduziremos os juros, criaremos milhares de novos cargos públicos, injetaremos recursos nas empresas e ficaremos sócios das mais importantes.

Vamos mexer no câmbio e mostrar que na nossa moeda mandamos nós. Não pouparemos um centavo com o social.” O conselheiro ainda tentou argumentar que os helicópteros estavam jogando dinheiro fora, que necessário era melhorar a educação, a infraestrutura, o ambiente para fazer negócios.

Foi vencido novamente. Então, após 20 anos de um batalhão de helicópteros cobrindo o país de Norte a Sul com notas de um dinheiro cada vez mais desvalorizado, após a deterioração da educação, da indústria, do agravamento do desemprego, da falta de investimentos em pesquisa e tecnologia, o conselheiro sentiu que sua hora havia chegado.

Eles agora admitiam estar errados ou as coisas precisavam piorar ainda mais? “Errados, nós?!”, riu-se o líder. “Estamos há 20 anos no poder, nossos homens estão no comando dos ministérios, órgãos públicos, nos postos-chave do Judiciário, fundos de pensão, empresas públicas e privadas e ainda achas que estamos errados?”

Foi então que o conselheiro, já ancião, se deu conta de que seus pares nunca foram ingênuos ou despreparados, como chegara a supor. Estes dois atributos se aplicavam bem mais a ele próprio.

*ADVOGADO



29 de junho de 2012 | N° 17115
PAULO SANT’ANA

O calvário do INSS

Tenho visto na televisão, à noite, em vários canais, muitos filmes que deveriam ser proibidos para menores de 80 anos.

Confesso que estou ligeiramente nervoso pela aproximação veloz do próximo dia 3 de julho.

Encontrei anteontem uma mulher jovem na saída do elevador. Tive vontade de falar com ela, em face de sua exuberante beleza.

E encontrei o pretexto: “Linda a tatuagem no seu pé”, exclamei.

Pois não é que a jovem saiu-se com esta: “Isto é porque o senhor não viu a outra tatuagem que tenho”.

E eu: “Nem poderia vê-la, você está de calça comprida e blusa”.

A moça era mesmo desembaraçada: “Podemos marcar um lugar para que eu me descubra e lhe mostre a minha outra tatuagem”.

Eu, então, fui definitivo: “Não vou aceitar o desafio porque ando muito à flor da pele e posso ter um infarto se vislumbrar tal fantástica visão. Prefiro ficar imaginando, não a outra tatuagem, e sim os derredores dela”.

Estava eu na sala em conversa com um grande amigo, quando chegou a bela moça Any Ortiz, candidata a vereadora (impressionante como depois da Manuela, e inspiradas nela, se candidatam belas senhoritas).

Foi quando, em meio à tertúlia, eu disse a Any que sou um gênio.

Interveio depressa o meu amigo: “Não chama a ti mesmo de gênio, já te disse. Centenas de milhares de gaúchos já sabem que és um gênio. Esses dias, em nossa confraria, até o Ibsen Pinheiro o reconheceu. É desnecessário que tu próprio te apelides de gênio. Assim te classificando a ti mesmo de gênio, tu acabas empalidecendo a tua genialidade”.

Uma reclamação comovente: Maria de Lourdes Pacheco, com 84 anos, viúva há três meses, manda dizer a esta coluna, por sua filha, que, há exatamente 90 dias, tenta finalizar os papéis para receber sua pensão respectiva no posto do INSS da Avenida Erico Verissimo e não consegue.

Segundo a filha da eventual pensionista, os atendentes do posto a tratam de modo soberbo e poderoso. Além disso, sempre exigem novo documento para a pobre anciã, que depois desse calvário de 90 dias irá receber “míseros” R$ 800 mensais.

A cada vez que vão ao posto do INSS, uma nova, insuportável e cansativa exigência.


29 de junho de 2012 | N° 17115
DAVID COIMBRA

Enriquecer é glorioso

Depois que Mao morreu, no fim dos anos 70, seu sucessor, Deng Xiaoping, pronunciou uma frase que mudaria o mundo:

“Enriquecer é glorioso”.

Essa sentença foi mais do que a liberação dos chineses para o capitalismo. Trata-se de um conceito comportamental. Uma filosofia. Uma ideia próxima da lógica calvinista, que prega que o rico é rico porque merece, porque recebeu as bênçãos do Senhor devido à sua bondade. No caso chinês, o Senhor é substituído pelo Estado, e o melhor: um Estado comunista.

Se enriquecer é glorioso, não existe culpa no enriquecimento. Exatamente o contrário do que se pensa aqui, do lado de baixo do Equador. Para a América católica em peso, enriquecer é quase vergonhoso. Em vez do princípio calvinista, exalta-se a advertência de Jesus de que “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus”.

O rico, para a América católica, é sempre suspeito de algum ilícito. Porque a civilização de origem ideológica judaico-cristã, ao contrário da chinesa, ceva-se na culpa. O que leva ao Reino dos Céus é o jejum, o sacrifício e a dor, nunca a alegria e a fortuna. O homem sofre agora para obter a recompensa mais tarde, no Além.

Assim, as soluções da América católica para atenuar o padecimento deste mundo em geral são de subtração, não de soma. Os culpados pela vida precária dos que não têm, obviamente, são os que têm. Lugo caiu, no Paraguai, porque queria tirar dos brasiguaios o que eles têm. Lugo identificou nos brasiguaios as razões dos males dos paraguaios.

Estive no Paraguai, em algumas coberturas jornalísticas. Conheci alguns desses brasiguaios. São pessoas que foram para o Paraguai há décadas, que lá tiveram filhos, que lá moram, trabalham e consomem. Não são estrangeiros usurpadores.

Não sei se a derrubada de Lugo será boa ou ruim para o Paraguai, não tenho certeza de ter sido legítima, mas sei que sua verdadeira causa, o assaque aos brasiguaios, vem precisamente desse conceito latino-americano de que existe culpa na fortuna. Onde está o Mal? Está nos grandes, nos poderosos, nos ricos. A solução, portanto, está em tirar deles. Você não cria riqueza, você divide a riqueza.

Para o governante da América católica, o que há é o que existe. Está posto. Pronto. É impossível fazer algo maior a partir do que já foi realizado. A riqueza das nações não pode ser aumentada. Muito menos a dos indivíduos. Afinal, tornar as pessoas ricas seria uma demasia. Seria suspeito, e jamais, jamais!, glorioso.

quinta-feira, 28 de junho de 2012


CONTARDO CALLIGARIS

Sorria!

Pesquisas mostram que valorizar a felicidade produz insatisfação e mesmo depressão

Na frente da câmara fotográfica, ninguém precisa nos dizer "Sorria!"; espontaneamente, simulamos grandes alegrias, sorrindo de boca aberta. Em regra, hoje, os retratos são propaganda de pasta de dentes -se você não acredita, passeie pelo Facebook, onde muitos compartilham seus álbuns, rivalizando para ver quem parece melhor aproveitar a vida.

O hábito de sorrir nos retratos é muito recente. Angus Trumble, autor de "A Brief History of the Smile" (uma breve história do sorriso, Basic Books), assinala que esse costume não poderia ter se formado antes que os dentistas tornassem nossos dentes apresentáveis.

Além disso, os retratos pintados pediam poses longas e repetidas, para as quais era mais fácil adotar uma expressão "natural". O mesmo vale para os daguerreótipos e as primeiras fotos: os tempos de exposição eram longos demais. Já pensou manter um sorriso por minutos?

Outra explicação é que o retrato, até a terceira década do século 20, era uma ocasião rara e, por isso, um pouco solene.

Mas resta que nossos antepassados recentes, na hora de serem imortalizados, queriam deixar à posteridade uma imagem de seriedade e compostura; enquanto nós, na mesma hora, sentimos a necessidade de sorrir -e nada do sorriso enigmático do Buda ou de Mona Lisa: sorrimos escancaradamente.

Certo, o hábito de sorrir na foto se estabeleceu quando as câmaras fotográficas portáteis banalizaram o retrato. Mas é duvidoso que nossos sorrisos tenham sido inventados para essas câmaras. É mais provável que as câmaras tenham surgido para satisfazer a dupla necessidade de registrar (e mostrar aos outros) nossa suposta "felicidade" em duas circunstâncias que eram novas ou quase: a vida da família nuclear e o tempo de férias.

De fato, o álbum de fotos das crianças e o das férias são os grandes repertórios do sorriso. No primeiro, ao risco de parecerem idiotas de tanto sorrir, as crianças devem mostrar a nós e ao mundo que elas preenchem sua missão: a de realizar (ou parecer realizar) nossos sonhos frustrados de felicidade. Nas fotos das férias, trata-se de provar que nós também (além das crianças) sabemos ser "felizes".

Em suma, estampado na cara das crianças ou na nossa, o sorriso é, hoje, o grande sinal exterior da capacidade de aproveitar a vida. É ele que deveria nos valer a admiração (e a inveja) dos outros.

De uma longa época em que nossa maneira e talvez nossa capacidade de enfrentar a vida eram resumidas por uma espécie de seriedade intensa, passamos a uma época em que saber viver coincidiria com saber sorrir e rir. Nessa passagem, não há só uma mudança de expressão: o passado parece valorizar uma atenção focada e reflexiva, enquanto nós parecemos valorizar a diversão. Ou seja, no passado, saber viver era focar na vida; hoje, saber viver é se distrair dela.

Ao longo do século 19, antes que o sorriso deturpasse os retratos, a "felicidade" e a alegria excessivas eram, aliás, sinais de que o retratado estava dilapidando seu tempo, incapaz de encarar a complexidade e a finitude da vida.

Alguém dirá que tudo isso seria uma nostalgia sem relevância, se, valorizando o sorriso e o riso, conseguíssemos tornar a dita felicidade prioritária em nossas vidas. Se o bom humor da diversão afastasse as dores do dia a dia, quem se queixaria disso?

Pois é, acabo de ler uma pesquisa de Iris Mauss e outros, "Can Seeking Happiness Make People Happy? Paradoxical Effects of Valuing Happiness", em Emotion on-line, em abril de 2011 (http://migre.me/9CT8e).

Em tese, a valorização ajuda a alcançar o que é valorizado -por exemplo, se valorizo as boas notas, estudo mais etc. Mas eis que duas experiências complementares mostram que, no caso da felicidade (mesmo que ninguém saiba o que ela é exatamente -ou talvez por isso), acontece o contrário: valorizar a felicidade produz insatisfação e mesmo depressão. De que se trata? Decepção? Sentimento de inadequação?

Um pouco disso tudo e, mais radicalmente, trata-se da sensação de que a gente não tem competência para viver -apenas para se divertir ou, pior ainda, para fazer de conta. Como chegamos a isso?

Pouco tempo atrás, na minha frente, uma mãe conversava pelo telefone com o filho (que a preocupa um pouco pelo excesso de atividade e pela dispersão). O menino estava passando um dia agitado, brincando com amigos; a mãe quis saber se estava tudo bem e perguntou: "Filho, está se divertindo bem?".

ccalligari@uol.com.br