segunda-feira, 30 de abril de 2012



30 de abril de 2012 | N° 17055
SALÁRIO POLÊMICO

Por que o piso gera discórdia

Cerca de 80% dos professores estaduais têm os salários mais altos, o que dificulta os reajustes

Mais numerosa categoria do funcionalismo estadual, os professores têm sua carreira estratificada em uma pirâmide invertida, isto é, há mais docentes com salários mais altos – cerca de 80% dos funcionários – na comparação com os de menor rendimento. É esse panorama que torna cada reajuste um pesadelo para o governo do Estado.

Asituação faz o governo lançar mão de estratagemas como o da última quinta-feira, quando anunciou o pagamento de uma parcela a quem ganha menos para chegar aos R$ 1.451 – o piso nacional atual –, deixando de fora os maiores vencimentos e sem incidir também sobre gratificações e outras vantagens.

O Piratini argumenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) validou o piso nacional estabelecendo que nenhum professor deve receber como vencimento básico um valor inferior ao fixado na lei. Com essa diretriz, o governo do Estado anunciou a parcela complementar e defende ter beneficiado 35,6 mil professores e zelado pelo erário.

Esse entendimento deverá prevalecer enquanto não houver a definição dos aspectos jurídicos ainda em discussão no âmbito do STF. O mais importante deles é o índice usado para calcular o reajuste. Hoje, é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), mas o governo defende o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), um percentual historicamente menor.

Cpers definirá medida em assembleia na sexta-feira

Na quinta-feira, o Cpers-Sindicato analisará a questão. No dia seguinte, uma assembleia geral definirá medidas a serem tomadas. Presidente da entidade, Rejane de Oliveira critica a estratégia do governo. Ela ressalta que mesmo os salários mais altos são muito baixos:

– O que o governo está fazendo não é beneficiar a quem ganha menos, e sim um mecanismo para não implementar a lei do piso.

A secretária adjunta da Educação, Maria Eulalia Nascimento salienta que a defasagem histórica do salário básico e o grande número de servidores da Educação tornam complexa a questão salarial. A solução, frisa, seria mexer no plano de carreira, possibilitando um achatamento da pirâmide.

andre.mags@zerohora.com.br


30 de abril de 2012 | N° 17055 KLEDIR RAMIL
Diário de bordo – 2ª parte

SEGUNDA-FEIRA, as coordenadas de sempre: só Deus sabe

Cheguei à conclusão que, além de perdido em alto-mar, não sei exatamente que dia é hoje. Quando acordei, a sensação era de uma segunda-feira, mas quem me garante? Minha posição no tempo, eu não sei, mas, no espaço, eu tenho certeza, estou no meio do Oceano Atlântico. Ou seria o Pacífico?

SÁBADO, dois dias atrás,

supostamente

De volta ao passado. Quando chegamos na marina para pegar a lancha, o marinheiro comentou, com meu cunhado, que havia consertado o rádio transmissor. Que ótima lembrança, agora é só ligar o rádio e gritar “SOS”, como se viu no filme do Titanic. Só espero que o resgate seja mais rápido.

SEGUNDA-FEIRA, ou melhor,

dia de hoje, que, eu imagino,

seja uma 2ª feira

Tentei ligar o rádio, mas não consegui fazer funcionar. Resolvi pedir ajuda aos universitários, neste caso, o pagodeiro embriagado que virou meu companheiro de aventura. “Deixa comigo! Parada de rádio é comigo mesmo, merrmão!!!”. Pegou o microfone e saiu gritando para uma plateia imaginária: “Olha a Mangueira aí gente!!! Bora tamborim! Bora cavaquinho!”.

Uma onda mais agitada balançou a lancha. O puxador de samba engraçadinho tentou brincar de mestre-sala. Improvisou um passo sobre o chão instável, perdeu o equilíbrio, se enredou nas próprias pernas e arrancou o cabo do microfone do radio transmissor. Minha paciência se esgotou. Peguei o pandeiro e enfiei na testa do bebum. O cara cambaleou, deu dois passos pra trás, tropeçou no isopor vazio e caiu de costas no mar.

DOMINGO, acho eu

Meu cunhado me pediu pra ajudar a recolher a âncora e comentou que aquela corda é importante para a navegação, pois, além de sua função normal, pode ser útil em caso de emergência.

HOJE, dia da semana desconhecido

Tentei jogar a corda para salvar o afogado. A porcaria enroscou nas minhas pernas, e fomos todos juntos pro fundo do mar: eu, a âncora, o bebum e o microfone.

(continua)


30 de abril de 2012 | N° 17055

PAULO SANT’ANA

Violência x poesia

Os taxistas são os grandes propagadores de notícias da cidade.

Se os pauteiros de redações de jornais, rádios e televisões conversassem com permanência com os taxistas, teriam muito mais enriquecidas suas pautas para reportagens.

Foi então que, esses dias, um taxista me contou que instalaram no Chapéu do Sol, um bairro quase rural próximo de Belém Novo, um posto público de atendimento de saúde, notável bem-vinda providência da Saúde municipal.

No entanto, segundo o taxista, as fichas para consultas no posto de saúde do Chapéu do Sol começam a ser distribuídas às três horas da madrugada.

Ocorre, no entanto, que o Chapéu do Sol, ainda segundo o taxista que me contou o fato, é um ninho de traficantes e drogados. E que os tiroteios se sucedem entre os traficantes na madrugada.

Como, então, a população do Chapéu do Sol e arredores poderá se dirigir às três horas da madrugada para entrar na fila e retirar fichas de consultas?

Se isso for verdade, erra lamentavelmente a administração ao fixar como horário para inscrição de consultas às três da madrugada.

Basta marcar para as oito horas da manhã a retirada de fichas de consultas, mesmo que os inscritos tenham de ser atendidos no dia seguinte, e o problema estará resolvido.

São pontuais os casos de populações de bairros porto-alegrenses que não podem sair à noite em seus arrabaldes, em face dos assaltos e dos tiroteios.

E dizer que, quando eu era criança, a cena mais comum na cidade eram milhares de famílias levando cadeiras para as calçadas, tomando chimarrão e conversando até altas horas da noite, no verão e na primavera.

E dizer que era comum a cena dos meninos e rapazes soltando pandorgas em toda a cidade, até mesmo à noite.

E dizer que as crianças brincavam de roda à noite em toda a cidade, no tempo em que eu era criança:

Se esta rua, se esta rua fosse minha,

Eu mandava, eu mandava ladrilhar

Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante

Para quando meu amor fosse passar.

De certa forma, a violência e os assaltos, a roubalheira, acabaram com a poesia na cidade.

Não existem mais as fogueiras de São João porque são à noite e torna-se perigoso juntar pessoas à noite, mesmo para se entregar a festejos.

Um dia desses, um leitor me reclamou que foi assaltado quando participava da procissão de Navegantes. Não respeitaram nem a santinha.

Do modo como vamos no Brasil, assaltam igrejas, mas também assaltam hospitais. Assaltam quermesses, escolas, creches, asilos, não respeitam nem os velhos, nem os doentes para assaltar.

Há casos, raros mas reais, em que são assaltados policiais, viaturas policiais. E muitas vezes já assaltaram até quartéis.

Não respeitam nada nem ninguém. No tempo em que eu era criança, os templos religiosos eram respeitados com veneração. Hoje, o que mais dá é roubarem imagens sacras das igrejas.

Há várias igrejas gaúchas que, incrivelmente, foram cercadas por seus párocos.

Um dos grandes males que a violência enseja é que ela acabou com a poesia, o pitoresco e o encanto das cidades.


30 de abril de 2012 | N° 17055
L. F. VERISSIMO

Redimidos

Quando o grampo telefônico e a minicâmera escondida ainda não eram instrumentos de denúncia e moralização, o político corrupto podia contar com uma certa tolerância tácita dos seus pares e do público. Mesmo quando não havia dúvidas quanto a sua corrupção, havia a disposição de perdoá-lo, até de folclorizá-lo – e o político que roubava mas fazia tinha o privilégio do artista, de ser um canalha em particular se sua obra o redimisse.

Uma única gravura do Picasso absolve uma vida de mau caráter. A obra do Marquês de Sade é estudada com a mesma isenção moral dedicada à obra de Santo Agostinho – que nem sempre foi santo – e ninguém quer saber se o escritor engana o fisco ou bate na mãe se seus livros são bons. Ou querer saber, queremos, mas só pelo valor de fuxico.

A absolvição custa um pouco mais quando o pecado do artista é o da ideologia errada. Pois se se admitia no político a perversão privada do artista, a única inconveniência intolerável no artista era a incorreção política. Assim um Louis-Ferdinand Céline e um Wilson Simonal tiveram que esperar a remissão que o tempo acabou dando a Kipling, Claudel, Nelson Rodrigues, Jean Genet etc. Mas a receberam.

O político que declaradamente roubava mas se redimia fazendo tinha um pouco desta imunidade de artista. Sua obra justificava seus pecados, quando não era uma decorrência deles. Todo o sistema de conveniências e deixa-pra-laísmo que domina o Congresso brasileiro e que está sendo testado agora presume a mesma desconexão entre moral privada e moral aparente. A cultura do clientelismo, onde o suposto proveito político substitui a ética, está baseada nela.

O que causou a atual revolta contra a roubalheira e a tolerância com a corrupção no Brasil, além das modernas técnicas de averiguação, é a constatação crescente de que aqui não se tem nem a ética, nem o proveito, rouba-se para poucos e não se faz para a maioria. Em cleptocracias mais avançadas, a obra dos artistas do desenvolvimento, todos bandidos, redimiu-os.

Empresários corruptores e políticos corruptos fizeram dos Estados Unidos, por exemplo, o que eles são hoje. O capitalismo selvagem americano domou a si mesmo depois de construir um país, ou controlou-se razoavelmente, mas nos seus tempos desinibidos escandalizaria até o Cachoeira. Aqui tem-se o crime mas ainda não se tem o país.

Palavras avulsas

O “rude e doloroso” idioma de Bilac é falado por mais gente do que fala francês, mas temos razões para nos queixar da sua relativa obscuridade. Ao contrário da Espanha, que perdeu seu império americano mas deixou um imenso mercado para o García Márquez e o Vargas Llosa, Portugal não foi muito pródigo com a sua língua.

Seus navegadores, catequizadores e comerciantes apenas largaram palavras avulsas pelos caminhos da sua exploração do mundo, como pepitas raras. Até hoje na Costa Ocidental da África usam a palavra “dash” para gorjeta. Vem do português “deixar”, como em “Vou deixar uns trocados para você, ó mameluco!”

No Japão, o prato de camarão com legumes fritos chamado “tempura” tem este nome por causa dos portugueses que só comiam peixe durante os “Quattuor Tempora”, ou Quatro Tempos, de cinzas e contrição, do ano litúrgico. O “mandarim” chinês vem de “mandar” mesmo, combinada com o sânscrito “mantrin”, ou conselheiro.

Algumas palavras portuguesas andaram pelo mundo e voltaram com seu sentido mudado. “Casta”, substantivo, camada social, vem do português “casta” adjetivo. “Fetishe” começou a vida como feitiço. E o “joss” do chinês pidgin, significando ídolo, é uma corruptela do “Deus” chiado dos portugueses.

Enfim, não é muito, mas é nosso.

domingo, 29 de abril de 2012



Blue Spring -  Richard Abel -  piano

Richard Abel - Automn Butterflies

La vida Reflexion

JOSÉ SIMÃO

Formula Indy! Galvão Free!

Na Marginal, só se usam quatro marchas: parado, paralisado, ponto morto e puto da vida!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta: "Ônibus do Vasco é campeão em multas". Finalmente o Vasco é campeão! Levou 50 multas por excesso de velocidade e uma por avançar o sinal. Ou seja, tudo o que o Vasco não faz em campo, o ônibus faz na rua! E outra piada pronta de basquete: "Jogador que mudou de nome para Paz Mundial dá cotovelada e é expulso da NBA". A paz mundial não se comportou! Rarará!

E a manchete do Sensacionalista: "Sarney recebe alta, mas não sai do cargo. A vaga é do PMDB!".

E hoje é Fórmula Indy. Com o nosso Rubinho, o INDYABRADO! Fórmula 1, Fórmula Indy e não tem fórmula pra fazer o Galvão desaparecer? Rarará! O bom da Indy é que é GALVÃO FREE! A Indy é o sonho de todo paulista: poder correr na Marginal. Porque na Marginal só se usam quatro marchas: parado, paralisado, ponto morto e puto da vida!

E não adianta os corredores reclamarem de ondulação na pista. Não é ondulação. Foi o Kassab que mandou instalar umas lombadas pra evitar acidente! Na próxima, ele bota uns quebra-molas! Rarará! E com vista para o rio Tietê. O Tietê parece instalação da Bienal: colchão mofado, pneu velho e pet!

E eu já sei quem vai ganhar: um motoboy! O único que tem condições de correr em São Paulo! O mensageiro do caos! E ganha quem cair num buraco! O vencedor vai ser engolido por um buraco!

E diz que tem três mulheres na Indy. Espero que uma delas não seja aquela minha vizinha que bate no meu carro. E depois fala: "Ih, eu não vi". Mas eu buzinei: "Ih, não ouvi!".

E três regras para os pilotos da Indy: não pode passar dos 90 km/h, senão o radar te multa. Pra estacionar nos boxes, tem que dar "déizão" pros flanelinhas, senão eles riscam o carro. E, quando passar pelo Sambódromo, tem que descer do carro e dar uma sambadinha. Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

E a CPI do Cachoeira está aberta! GLUB, GLUB, GLUB! Traje: escafandro! E o Cachoeira só fala em "trem". Tudo pra ele é "trem". A CPI do Trem! E o Collor é o maquinista! CPIIUUIIIII! E um cara escreveu no meu Twitter: "Demóstenes contrata Júlio César e Deola para a defesa".

Então não vai terminar em pizza, vai terminar em frango! Rarará! Demóstre-mes com quem andas, e a PF te dirás quem és! E rápido, porque estou atrasado pra praia! Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br


FERREIRA GULLAR

O velho no novo

Não estava ausente do projeto de Brasília a promessa utópica de uma cidade justa

Não me canso de me surpreender com o óbvio. Desta vez foi a comemoração do 52º aniversário de Brasília. Foi um susto constatar que faz 51 anos que morei ali, quando a cidade completava seu primeiro aninho de vida, e que eu não só morei como fui um dos responsáveis pela festa de comemoração.

É que eu era presidente da Fundação Cultural de Brasília, o primeiro, porque a instituição ainda não existia, era apenas um estatuto publicado no "Diário Oficial". Tive então que inventá-la.

Certo ou errado, entendi que Brasília era o produto do que havia de mais moderno no Brasil -a arquitetura de Oscar Niemeyer- e do que havia de mais arcaico -a mão de obra do homem sertanejo, que veio trabalhar na construção dos edifícios e palácios.

E daí concluí que a fundação devia voltar-se para a arte de vanguarda e para o artesanato. Assim, logo promovemos uma exposição de obras do Museu de Arte de São Paulo, um espetáculo do Teatro de Arena, criamos o Museu de Arte Popular e levamos, para a festa de aniversário da cidade, a escola de samba Mangueira.

Contratamos gente para sair país afora comprando arte popular e artesanato. Esses objetos causaram sensação no gabinete do prefeito Paulo de Tarso, que não pôde resistir ao assédio de altos funcionários e amigos do Planalto: levaram tudo. Meu projeto era criar, junto ao aeroporto, uma loja para vender essa produção artística do interior do país. Não deu em nada, mesmo porque o aeroporto mudaria de lugar.

Não era fácil viver naquela Brasília recém-nascida. A cidade ainda estava em obras, a maior parte das ruas não tinha calçamento e, com a secura do clima, vivíamos todos cobertos de um talco vermelho. Nossa diversão, ali, era ir para o aeroporto ver avião descer e levantar voo.

A certa altura, comecei a me perguntar se Brasília deveria ter sido traçada daquele jeito mesmo, se o Plano Piloto estava certo. Isso me ocorreu certa noite, à janela do apartamento de Betinho, quando me lembrei que, àquela hora, a Esplanada dos Ministérios estava totalmente deserta, já que de noite era hora de morar, e morar era ali onde eu estava.

Naquele momento, na parte residencial, estavam todos morando. Noutro ponto da cidade, havia o local para fazer compras, e noutro, o setor de diversões. Isso tornava difícil viver ali.

Mas é que planejar uma cidade a partir do zero é muito difícil. O urbanista começa de algum modo, e depois a vida corrige o plano. Foi o que aconteceu em Brasília.

Já naquela época, começaram a surgir lojas comerciais onde não estava previsto. E assim, pouco a pouco, a necessidade corrigiu o planejamento, até humanizá-lo. Hoje, os moradores de Brasília enfrentam muitos problemas, mas são outros, nascidos do próprio crescimento de sua população e das cidades-satélites em redor.

Nada que Lúcio Costa pudesse prever. Isso sem falar nos problemas decorrentes da política, por ter Brasília se tornado uma espécie de sede imperial, ocupada em boa parte por uma elite que usufrui de privilégios impensáveis quando a nova capital foi concebida. Muito pelo contrário, não estava ausente do projeto de Brasília a promessa utópica de uma cidade justa, organizada de modo a superar as desigualdades sociais.

Na visão de Lúcio e de Oscar, pelo menos ali haveria igualdade entre os cidadãos. Mal sabiam eles o que iria acontecer. Ao contrário disso, o nível de desigualdade entre pobres e ricos só tem aumentado, num movimento inverso ao que ocorre no resto do país.

Não obstante, sua renda domiciliar per capita é mais do que o dobro da média brasileira, embora Brasília quase nada produza, já que é sustentada pelo dinheiro público. Eu, de minha parte, por linhas tortas, acertei num ponto, pois Brasília iria tornar-se a expressão do que há de mais arcaico no Brasil: a apropriação da coisa pública pelos políticos corruptos.

E causa estranheza, sendo ela a sede dos Três Poderes da República, que tenha se tornado uma cidade provinciana, dominada por políticos medíocres. A esperança é que, no dia de seu aniversário, muitos cidadãos foram à praça dos Três Poderes protestar contra a corrupção.

VINICIUS TORRES FREIRE

O mundo e a bola murcha na Espanha

Espanhóis amargam novo pico do desemprego já brutal e onda de desconfiança sobre os seus bancos

O BARCELONA perdeu, o Real Madrid perdeu, e o assunto da semana na finança internacional foi a bola murcha dos bancos espanhóis. Um país europeu depois do outro reconhece a recessão. Os americanos pararam de melhorar. O mundo não vai dar uma força para o crescimento da economia da primeira metade do governo de Dilma Rousseff.

O que temos a ver com as finanças da Espanha? Quase nada, assim como a Grécia até 2009 era só um lugar lindo para as férias, até que quebrou, emperrou o sistema bancário europeu, arrastou outros países e ameaçou derrubar uma série de dominós financeiros pelo mundo.

O tumulto que começou na pequena Grécia tira pontos do crescimento mundial desde 2010.

Os empréstimos ruins dos bancos espanhóis levaram o país para o buraco. Emprestaram demais para especulação imobiliária, como se sabe. O governo fez dívida brutal para cobrir os rombos, que em parte ainda estão lá. Ou voltaram a aparecer, pois a Espanha está em crise faz quatro anos, o que provoca deterioração ainda maior do balanço dos bancos.

Por fim, mesmo as instituições remediadas ou saudáveis têm dificuldades para captar dinheiro. Os bancos espanhóis pegaram dinheiro com o governo, pegaram dinheiro com o Banco Central Europeu e mesmo assim estão na pindaíba.

A conversa desta semana de bola murcha no futebol e na finança, porém, é mais feia. Discute-se quem vai colocar dinheiro nos bancos meio quebrados ou descapitalizados do país.

A Alemanha diz que a Europa e suas instituições não vão dar um tostão. O governo da Espanha mal consegue arrecadar o bastante para cumprir sua meta fiscal (de redução de dívida), dada a recessão ainda pior do que a prevista.

Recessão, receita de impostos problemática e risco de gastos na salvação da banca fizeram os donos do dinheiro grosso levantar suspeitas sobre a Espanha. Na prática, isso significa cobrar mais para emprestar ao Estado espanhol ou para manter títulos da dívida espanhola em carteira. Já sobrecarregada de dívidas, a Espanha tem de pagar mais para rolar o papagaio.

Sim, a Espanha não é a Grécia. Para o bem ou para o mal, ressalte-se. A Espanha tem finanças muito mais ordenadas e não deve ser abandonada à própria sorte, pois é "grande demais para quebrar". Ser "grande demais" é também um problema. Mesmo uma balançada feia da Espanha pode causar estrago.

O novo problema espanhol começou a fermentar agora. O governo de lá diz que não haverá rolo nos bancos. Mas o "mercado" não tem acreditado. Se continuar descrente e piorar a recessão de crescimento e de receitas de impostos, a Espanha terá cada vez menos crédito. Quando se vai saber o que vai dar? Trata-se de um jogo marcado lá para o meio do ano.

Um ano, aliás, que já seria apenas medíocre, de recessão suave na Europa, de crescimento que já desanima (mas nada grave) nos EUA, de China mais devagar. Tudo isso deixa cinzento o cenário para a nossa indústria, que ainda padece de câmbio ruim e falta de crédito para o consumidor, que, de resto, comprou demais nos últimos anos e está numa ressaca de despesas grandes.

Não é um desastre. Mas vai ser enjoado.

vinit@uol.com.br

DANUZA LEÃO

Entendendo o outro

Nada melhor do que não ter nenhuma responsabilidade pessoal e ter a quem culpar por tudo que ocorre de ruim

Depois que a psicanálise ficou ao alcance de todos, os filhos deitaram e rolaram nos divãs para falar mal do pai e da mãe; sempre com razão, aliás, e sem o menor resultado, aliás também.

Quem são os culpados dos sucessivos casamentos que não deram certo? Os pais, é claro. Ou porque não tiveram a coragem de se separar, mesmo vivendo mal, ou porque se separaram, o que pode ter sido visto como modelo a ser seguido.

Se a mãe foi uma mulher resignada, dominada pelo marido, que não lutou por sua independência nem procurou o seu caminho, a filha pode se tornar uma adulta igual ou virar o oposto: uma vadia que troca de homem como se troca de camisa.

Se essas filhas tiveram um pai que era um marido exemplar, podem passar a vida perseguindo a imagem paterna ou, ao contrário, um grande cafajeste, para serem diferentes da mãe. Culpa de quem? Nem é preciso dizer.

Já se o pai foi um derrotado que passou a vida infeliz no mesmo emprego medíocre para dar segurança à família, os filhos podem no futuro ser ou exatamente iguais ou fazer qualquer coisa para ganhar um dinheiro fácil, e terminar até na cadeia. Em qualquer dos casos a culpa foi, é e será, sempre, dos pais.

Já virou clichê o filho que passa a vida se lamuriando porque a mãe não contava histórias na hora de dormir, e cujo pai nunca perguntava pelas notas do colégio quando chegava do trabalho, e ai daqueles que saíam para uma festa quando os filhos tinham uma febrinha.

Esses passam a vida sofrendo, e sem razão, pois nada melhor do que não ter nenhuma responsabilidade pessoal e ter a quem culpar por tudo que acontece de ruim. Mas nunca nenhum deles parou para pensar como foi a vida desses pais quando crianças. Como foi a infância deles? Feliz, traumática, triste, infeliz? Terão eles recebido carinho dos seus próprios pais? Os analistas não costumam abordar o assunto.

Houve um tempo -algumas gerações atrás- em que as crianças, quando faziam uma coisa errada, apanhavam. Quando pequenas levavam palmadas; já maiores, surra de cinto. Hoje, ai dos pais que perdem a cabeça e cobram boas notas do colégio ou levantam a voz.

O caminho é só um: arranjar um psicólogo que as crianças frequentarão três vezes por semana, além da reunião de família semanal, com o pai, a mãe, a atual mulher do pai e o atual marido da mãe. Reuniões desse tipo não costumam acabar bem, claro.

As crianças modernas não estão interessadas em entender as razões que levaram suas mães e seus pais a serem menos amorosos ou carinhosos; elas nunca pensaram que a mãe, com 30 anos, mesmo adorando os filhos, às vezes sufocava quando via um homem atraente, e que quando assistia a um filme romântico voltava para casa querendo mandar tudo para o espaço e ir para algum lugar no mundo onde encontrasse um homem que a olhasse como uma mulher ainda desejada.

Essa mãe não conseguia nem ao menos entender o que se passava dentro dela; ficava tudo muito confuso, e naqueles tempos não havia analistas para explicar o que estava acontecendo (e se já existissem e explicassem, também não resolveria). E qual o pai que um dia, mesmo amando apaixonadamente seus filhos, não pensou que talvez ainda fosse muito jovem para tantas responsabilidades, e que teria sido melhor se tivesse se casado um pouco mais tarde?

Ninguém quer compreender as razões do outro, e ninguém está interessado em saber se seus pais tiveram, dos seus pais e mães, o que gostariam de ter tido.

Porque os pais e mães de nossos pais e mães também tiveram as suas razões, e o mundo foi, é e será assim para todo o sempre -e amém.

danuza.leao@uol.com.br


A felicidade interna do rei do Butão

Se o seu país tem o 141º IDH, crie um índice para disfarçar. Culpe a economia pelos males do mundo, como se desse para buscar bem-estar na pobreza

Não há nada mais falsamente reconfortante do que o autoengano. Se a vida está ruim, por que melhorá-la se é possível adotar novos padrões para demonstrar que, na verdade, o péssimo é bom?

Já não é de hoje que se promove o tal indicador de Felicidade Interna Bruta (FIB), segundo o qual a medição do progresso de uma comunidade ou nação não deve ficar restrita ao desenvolvimento econômico, mas deve avaliar o bem-estar psicológico, a saúde, o uso equilibrado do tempo, a vitalidade comunitária, educação, cultura, resiliência ecológica, governança e padrão de vida.

Acredito que pouca gente seja contra a sociedade perseguir individualmente tais objetivos, mas há dois perigosos elementos do discurso pelo FIB: (1) a prosperidade econômica é uma imposição maléfica que deve ser "sanada" e (2) é necessário promover uma mudança social em prol do bem-estar coletivo em parceria, também, com o governo.

Isso reforça o mito de que a economia é um corpo estranho e danoso para a sociedade. E que o mercado é formado por um grupo pequeno de grandes empresas que controlam tudo e a todos, e não por cada de um de nós, do pipoqueiro ao consumidor até os grandes empresários. O mercado somos nós.

O segundo ponto talvez seja mais grave por reforçar uma certa agenda política que faz uso da palavra coringa "social" com o objetivo de legitimar suas finalidades.

Como, no Brasil, movimento social é algo que está (ou quer estar) intimamente ligado ao governo, de preferência financiado pelo nosso dinheiro, temo que seus defensores virem mais um braço do partido no poder a defender o modelo estatista, que está na origem do horror contra o mercado e a iniciativa privada.

Talvez soe bonito acusar o crescimento econômico pelos males do mundo e pelos problemas que inviabilizam ou destroem aqueles nove pontos descritos pelo indicador.

Mas pergunte a cada uma das pessoas que vivem nas diversas escalas da pobreza para saber se elas conseguem perseguir tais objetivos sem, antes, prosperar economicamente.

Atribuir ao Estado responsabilidades que são individuais faz com que a elite política no poder acredite realmente estar cumprindo uma nobre missão em nome de bem-comum, do coletivo, nem que para isso seja preciso esmagar a sociedade. Não se engane: a tutela estatal é uma espada de Dâmocles.

Se levarmos em conta o que acontece quando o governo desenvolve novas funções a partir da expropriação das riquezas que produzimos (no Brasil, trabalhamos de janeiro a maio só para pagar tributos), certamente a Felicidade Interna Bruta terá que alterar seu nome para outro bem menos alegre.

Por uma dessas ironias da história, a FIB foi criada em 1972 por Jigme Singya Wangchuck, rei daquele pequeno país chamado Butão.

Essa nação aparece no 141º lugar (de 187) do Índice de Desenvolvimento Humano 2011 da ONU, em 142º lugar (de 183 países) na lista do Doing Business de 2012, que mede a facilidade de fazer negócios, e em 111º lugar (de 179 países) na lista do Índice de Liberdade Econômica 2012 da Heritage Foundation (qualificado como país não livre, como o Brasil).

Certamente, a Felicidade Interna Bruta do rei de Butão era mais elevada do que a dos seus súditos.

BRUNO GARSCHAGEN, 36, mestre em ciência política e relações internacionais pela Universidade Católica de Portugal, é especialista do Instituto Millenium

ELIANE CANTANHÊDE

Bonde andando

BRASÍLIA - CPIs investigam, interrogam, produzem provas, usam e abusam da imprensa para divulgar os tesouros descobertos e, no final, entregam a arca cheia para o Ministério Público, sob animada expectativa de punições.

Pois a CPI do Cachoeira pegou o bonde andando e faz o percurso inverso. A Polícia Federal fez o grosso do trabalho, o MP e o Supremo já estão a bordo e a imprensa tem publicado torrentes de nomes, diálogos, fatos e evidências.

As próprias punições, policiais e políticas, já começaram antes mesmo da instalação da CPI. O pivô Carlinhos Cachoeira está preso desde fevereiro, o senador Demóstenes Torres perdeu o partido e está para perder o mandato, o empresário Fernando Cavendish abandonou a presidência da construtora Delta, que perde, um a um, grandes contratos.

O foco, neste momento, está nos governadores Marconi Perillo, de Goiás, e Agnelo Queiroz, do DF, com a feliz (ou infeliz) coincidência de que um é do PSDB e outro, do PT.

A base das investigações, assim, caiu pronta e detalhada no colo dos integrantes da CPI: o inquérito da PF que está na Procuradoria-Geral da República e no Supremo Tribunal Federal e que liquida o discurso ético e a carreira política de Demóstenes.

Essa, porém, é só a base para os trabalhos da CPI. Um início, um roteiro. Se é para valer, a CPI precisa identificar conexões, fazer cruzamentos, ir fundo num esquema que, ao contrário do que querem fazer crer, não se limita a Goiás e ao DF.

Por isso, surpreende que as bancadas do PT na Câmara e no Senado defendam uma CPI "com foco" e "rápida", para o bonde não sair dos trilhos e não perder o rumo. E quem manda na CPI, sob coordenação do Planalto, é justamente o PT.

E a orientação de Lula para abrir o foco e não medir esforços para apurar tudo, "doa a quem doer"? Era bravata, ou caiu a ficha de que pode doer em mais gente do que o esperado?

elianec@uol.com.br


CARLOS HEITOR CONY

Um centenário

RIO DE JANEIRO - Cientista político, sociólogo de fama, palestrante disputado pelas faculdades, professor emérito de duas universidades, Ph.D em história e economia, somente ele poderia ser convidado para falar sobre Nelson Rodrigues, cujo centenário estamos comemorando.

Com sua potente voz, sua pronúncia maravilhosa de qualquer idioma asiático, assumiu a tribuna e começou:"Serei breve. Nelson Falcão Rodrigues nasceu em 1912, dez anos antes da Semana de Arte Moderna e da fundação do Partido Comunista Brasileiro.

Dois anos depois, o estudante Gravilo Princip mataria a tiros o arquiduque da Áustria, em Sarajevo, provocando uma guerra mundial que só terminaria quatro anos depois, gerando o Tratado de Versalhes, que irritou a Alemanha com o peso das indenizações que criaria os elementos principais para o surgimento do nazismo, com suas atrocidades que culminariam no Holocausto do povo judeu.

Foi também o ano do naufrágio do Titanic, que levou para os abismos do Atlântico Norte centenas de vítimas que confiavam no navio mais seguro produzido pela tecnologia da época. Dezoito anos após, tivemos a Revolução de 30, que desalojou do poder a Velha República.

Nem se passaram dois anos e tivemos a revolução paulista, que exigia uma Constituição, a qual, cinco anos mais tarde, seria rasgada por um ditador que criaria um Estado Novo, que só acabaria em 1945,

com o fim de mais uma guerra mundial, marcada pelo início da era nuclear, com a explosão da bomba atômica em Hiroshima.

Foi neste contexto histórico, núcleo inamovível do século 20, o século da penicilina, do assassinato de Kennedy, do Concílio Vaticano 2º e da bossa nova, que nasceu o nosso homenageado de hoje".

Palmas. O orador é efusivamente cumprimentado.

sábado, 28 de abril de 2012


Martha Medeiros

Os expulsos

“Entre o eu e a vida abriu-se um hiato, que faz daquela não mais a sua vida, mas um território onde ele não consegue penetrar e se inserir, um lugar estranho que não lhe pertence e ao qual não se sente pertencer, uma contínua fuga de algo que nunca possuiu e que portanto não é seu, mas do qual sente nostalgia como se o tivesse perdido”

(prólogo do livro Niels Lyhne, do escandinavo Jens Peter Jacobsen, publicado em 1880)

É uma sensação esquisita. É Está tudo bem, nada de grave aconteceu, mas você não está legal. Não aguenta mais o trânsito, palco das maiores grosserias, e o que é pior: flagra a si mesmo praguejando na hora do rush, quando sabe que é preciso ter paciência e sair mais cedo de casa, pois os trajetos estão tomando mais tempo.

Está todo mundo nervoso por razões que não necessariamente o fato de você ter cruzado à frente – você que também vive numa pressa danada. Ainda assim, mesmo com toda a compreensão sobre o assunto, que desânimo.

Lê nos jornais que o metrô está longe de sair do papel e suspira. Tampouco se sente seguro para andar de bicicleta em meio ao caos urbano. E não se atreve a dizer em voz alta (é politicamente incorreto), mas até os pedestres estão abusando da soberania que possuem.

Atiram-se na frente dos carros, longe das faixas, com a empáfia de donos da lei, como se não houvesse leis para eles também.Você já não suporta dar e ouvir tanta opinião, e se choca com os desaforos anônimos que inundam as redes sociais.

Quanto mais se enaltece o bom humor, mais aumenta o número de pobres de espírito , pessoas com uma nuvem negra sobre a cabeça, inquisidores a apontar falhas, criticar, debochar. Todos se julgam aptos a dar lições quase não há mais humildade em aprender. Você sabe que não é melhor do que ninguém, porém gostaria de ser melhor doq eu você esmo, mas como?

São tantos avanços tecnológicos, atualizações de vocabulário, acontecimentos, modismos, tendências, como absorver? O dia de ontem torna-se obsoleto a cada nascer do sol, e essa renovação constante não lhe excita, ao contrário, dá preguiça. Você queria mesmo era se refugiar numa casa de campo ao melhor estilo Zé Rodrix, com seus amigos, seus discos, seus livros e nada mais.

Mas você não faz o tipo ermitão a quem bastaria uma hora para sobreviver. Você gosta de ir ao cinema, viajar, conversar, ainda tem curiosidade sobre o mundo. Só que curiosidade moderada não é suficiente. Não basta ter um interesse médio. É preciso acompanhar tudo. Já nem tento. Será assim mesmo que a velhice anuncia que está chegando?

Preferia pensar que é a sabedoria batendo à porta. Não precisar de tanta gente em volta (“Não sofrer de solidão, e sim de multidão” – Nietzsche), não se cobrar modernidade não se envergonhar de usar ferramentas antigas. Mas nada disso é sábio, dizem os outros. É desistência. Talvez você se sinta como eu. Prestes a ser expulsa da própria vida.


29 de abril de 2012 | N° 17054
ARTIGOS - Claudia Costin*

É possível transformar a educação pública?

Num recente estudo da egípcia Mona Morshed, da McKinsey, a pesquisadora evidencia que diferentes redes de escolas públicas têm sucesso quando adotam medidas compatíveis com o estágio de avanço de seus sistemas escolares. Em outros termos: o receituário atual da Finlândia ou da Coreia não é o indicado para o Brasil.

O Brasil investiu pouco e tardiamente em Educação Básica. Em 1930, enquanto a Argentina tinha 62% das suas crianças nas escolas e o Chile chegava a 73%, nosso país contava com apenas 21,5%. Apenas em 1997 conseguimos universalizar o acesso das crianças de sete a 14 anos ao Ensino Fundamental.

Mas, logo em seguida, um sério problema de qualidade colocou-se no processo de ensino. Finalmente haviam entrado nas escolas os filhos dos não letrados ou de pais com baixa escolaridade. Naércio Menezes, da Insper-SP, mostrou, em artigos recentes, que o sucesso escolar depende, em grande medida, da escolaridade dos pais.

Este é o grande desafio da educação brasileira: como ensinar crianças cujos familiares, em muitos casos, não concluíram as séries iniciais do Ensino Fundamental. Certamente não é copiando fórmulas da Finlândia, país em que boa parte da população tem formação universitária.

Os dados educacionais brasileiros são reveladores: na última aplicação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) com resultados divulgados, constataram-se avanços importantes em relação aos exames anteriores, mas, entre os alunos do 5º ano, apenas 34,2% aprenderam o que deveriam em língua portuguesa e 32,6%, em matemática.

No 9º ano, em língua portuguesa, a situação é pior: 26,3% dos alunos aprenderam o que deveriam e, em matemática, só 14,8%. No Ensino Médio, 28,9% dos estudantes dominam os conhecimentos em português. Em matemática, o pior resultado: 11%.

No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), teste organizado pela OCDE que permite avaliar a qualidade da educação oferecida aos jovens de 15 anos, o Brasil também tem mostrado avanços, desde sua primeira participação em 2000 até a mais recente, em 2009, quando fomos o terceiro país que mais avançou. Mas, mesmo assim, estamos apenas em 53º lugar, abaixo da Romênia e do México.

Quais são as nossas tarefas nesse contexto desafiador? Em primeiro lugar, estabelecer um currículo nacional claro, que deve ser adotado em todo o país e complementado com conteúdos regionais. Alfabetizar as crianças aos seis anos, como fazem as boas escolas privadas e, nos três primeiros anos, concentrar-se em ensino da língua e de matemática. Investir no professor, valorizando-o, capacitando-o e dando-lhe instrumentos para o processo de ensino.

Manter um bom sistema de reforço escolar, voltado às crianças com mais dificuldade em aprender. Adequar a educação a cada fase do desenvolvimento da criança e do adolescente e evitar excesso de disciplinas com carga horária diminuta, fenômeno que assola o Ensino Médio.

Mais do que tudo, é fundamental termos persistência estratégica nos caminhos a serem seguidos para transformar a educação. Esta é uma área que apresenta resultados no médio e no longo prazo. Mas, para obtê-los, é fundamental afastar o fisiologismo vigente na máquina em muitos Estados e municípios e manter continuidade e consistência técnica nas políticas educacionais. É possível!

*SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO DO RIO DE JANEIRO


29 de abril de 2012 | N° 17054
VIDA CRUEL

Cinderela moderninha

Atriz Isabelle Drummond dá vida a uma gata borralheira em “Cheias de Charme”
Ela faz todo o serviço doméstico, é maltratada pela madrasta e tem duas irmãs invejosas. Esse é o perfil de Maria Aparecida, a personagem de Isabelle Drummond na nova novela das sete, Cheias de Charme.

– Cida tem esse lado Gata Borralheira. É delicadinha, ingênua, trabalha muito e sonha encontrar um príncipe – conta Isabelle, que completou 18 anos neste mês.

Na trama, Cida mora com a família Sarmento, que a adotou depois da morte de sua mãe, empregada doméstica da família. A mocinha ajuda a cuidar da casa e acaba virando arrumadeira deles.

Como numa adaptação moderna da história de Cinderela, a vida de Cida passa agora por uma reviravolta. Desde que conheceu Penha (Taís Araújo) e Rosário (Leandra Leal), a empregada se une às duas em um projeto ambicioso: alcançar a fama com o trio musical As Empreguetes.

– Ela sai da abóbora, ganha dinheiro e tem várias decepções com a família e com os homens.

E se a Cinderela da história infantil tem um belo príncipe encantado, Cida não fica para trás: ela começou namorando Rodinei (Jayme Matarazzo), beijou Elano (Humberto Carrão) e agora está apaixonada por Conrado (Jonatas Faro). Acreditando que a empregada é filha dos Sarmento, o interesseiro playboy acredita que terá a vida que sempre quis se ficar com a moça. Ela, porém, esconde sua real ocupação.

Em capítulo que vai ao ar esta semana, Maria Aparecida irá revelar que sua mãe, Dolores, era empregada dos Sarmento. Conrado acha ruim, mas finge não ligar. Enquanto isso, Ernani (Tato Gabus Mendes) e Sônia (Alexandra Richter), os patrões de Cida, estão falidos e pensam que podem aproveitar o namoro para ganhar uma grana.


29 de abril de 2012 | N° 17054
VERISSIMO

Catastrofismo

Lembra o bug do milênio? Era apenas uma das catástrofes que nos esperavam no começo do século 21, quando muita gente se convenceu de que o mundo ia acabar. Não aconteceu nada do previsto, o que não impediu a volta do catastrofismo. Agora estão dizendo que 2012 será o último ano da Terra. Estaria no calendário dos Maias, que viram nosso destino nas estrelas.

A aproximação do milênio, que levou tantos ao desespero ou ao misticismo, me levou a ler sobre o tempo e sua história, o que não deixou de ser uma forma organizada de pânico. O resultado é que estou pronto para voltar ao assunto, nem que seja para não desperdiçar a erudição acumulada.

Desde que começou a fazer calendários, o homem precisou sincronizar os ciclos lunares com os anos solares e organizar o resultado num método razoavelmente uniforme de medir o tempo. O tempo natural e o tempo padronizado nunca coincidiam, os números nunca fechavam. A solução era abandonar qualquer pretensão a um calendário fixo e simétrico e tirar ou botar dias arbitrariamente, para diminuir os desencontros entre o tempo real e sua aferição humana.

Muitas fórmulas foram tentadas, mas no ano 150 A.C. os romanos inventaram um mês de 22 ou 23 dias, chamado Mercedonius, que deveria ser inserido depois do dia 23 de fevereiro em anos intercalados – ou sempre que fosse preciso. No velho calendário romano, 23 de fevereiro era último dia do ano e dia do Festival da Terminalia, quando se faziam sacrifícios a Terminus, deus dos limites.

Quem determinava se era preciso ou não acrescentar o Mercedonius no calendário e tornar o ano um mês mais longo eram os pontífices, os romanos encarregados de administrar os cultos do estado. E passou a ser comum os pontífices só alongarem os anos em que seus amigos estavam no poder.

Com um ou mais Mercedonius, estendiam o mandato de seus preferidos sem necessidade de emendas de reeleição ou compra de votos. O que só mostra como é antigo o hábito do patriciado de proteger os seus. Quem acabou com o costume foi, surpreendentemente, Cesar, quando fez suas própria reforma do calendário romano. Mas o Cesar daquele tempo era Julio, o original.

Tudo isto para mostrar como é complicado saber ou prever qualquer coisa baseada em calendários e na disposição dos astros já que tanto os calendários quanto os mapa astrais foram arbitrariamente modificados, pelo homem, através da história.

Mas se a humanidade ainda não absorveu bem o que a teoria heliocêntrica de Copérnico significou para a astrologia, não será o simples bom senso que irá acalmá-la.


29 de abril de 2012 | N° 17054
PAULO SANT’ANA

A próxima vítima

Os pitbulls estão mansinhos esta semana. Até a próxima vítima.

As vítimas dos pitbulls são escolhidas pelo destino, embora a maioria delas seja de idosos e de crianças.

Li que não são os pitbulls os cães que mais atacam os humanos. Há outros que mordem mais as pessoas. Mas os pitbulls levam a fama porque a força das suas mordidas e a extensão dos estragos que elas produzem são muito mais desastrosas.

Se isso quer dizer que há cães que mordem mais pessoas humanas do que os pitbulls o fazem, então essas mordidas são menos dolorosas e causam menores danos.

Já o pitbull é fatal. Se ele trinca os dentes no pescoço, na perna ou na cabeça de uma pessoa, já quase nada mais resta do atingido.

Li que o pitbull tem um mandamento genético: uma vez que ele trinca os dentes sobre um objeto, no caso a carne ou o osso humano, nada o faz abrir as mandíbulas, a vítima vai sangrando e desfalecendo.

O pitbull é mansinho, mas mata. Nada mais dói que uma mordida de pitbull, nem a cólica renal, nem a dor do parto.

Tenho fotografias aqui na minha mesa em que os pitbulls mordem braços de pessoas fortes. E essas vítimas erguem os braços, e os pitbulls continuam dependurados no ar por suas presas fincadas no braços das vítimas. Nada há que faça o pitbull destrancar os dentes das carnes que ele conseguiu trincar.

A obsessão do pitbull é estraçalhar pela mordida a pessoa que ele conseguiu atingir.

Não há força humana capaz de desfazer a mordida de um pitbull, há casos em que chamaram os bombeiros, depois de uma mordida de pitbull sobre uma pessoa estar durando mais de 20 minutos, mas os bombeiros não conseguiram desmanchar a mordida da fera. Tiveram que matá-la. Só assim o pitbull abriu as mandíbulas e deixou de morder a vítima. Só que quase sempre a vítima já não tinha resistido e também morrera.

O elefante tem sua força na tromba. O pitbull tem seu poder máximo na bocarra e nas presas afiadas e perfurantes.

Eu tenho certeza de que numa rinha entre um pitbull e um rottweiler, vence o pitbull, mesmo que seja muito menos pesado que o rottweiler.

Eu tenho certeza de que se houver uma luta entre um leão e quatro pitbulls, vencem os cachorros.

O pitbull é uma força maligna da natureza, mas todos os donos de pitbulls sempre afirmam que seus cães são mansinhos.

Eu nunca ouvi um dono de pitbull, depois que seu cão matou ou morreu, afirmar que seu cachorro era feroz.


28 de abril de 2012 | N° 17053

NILSON SOUZA

Preleção

    Outro dia, um amigo que trabalha com esportes me pediu um texto motivador para mexer com os brios de sua equipe antes de um jogo importante. Perguntei-lhe se queria alguma coisa suave ou forte, pois é preciso conhecer a personalidade de cada indivíduo para saber quais as palavras que melhor lhe tocarão na alma.

    No terreno esportivo, o repertório vai da oração ao grito de guerra, embora às vezes os dois gêneros se confundam. Jogadores de futebol, por exemplo, costumam rezar o pai-nosso aos gritos, terminando a oração quase num acesso de fúria. Em matéria de estímulo à guerra, há coisa ainda mais assustadora.

Dia desses, vi um jogo do campeonato argentino em que o preparador físico de uma das equipes esperava seus jogadores na saída do túnel e desferia-lhes um forte tapa no rosto quando estavam para entrar em campo. Os caras entravam querendo matar o adversário.

    Mas as palavras também podem provocar um efeito estimulante, principalmente quando acompanhadas do componente afetivo. Tem técnico que manda gravar mensagens dos familiares dos atletas e apresenta o vídeo no vestiário. Só que isso virou um recurso tão rotineiro, que já nem faz mais o efeito desejado.

    Meu amigo queria um texto épico, do tipo vitória ou morte. Sugeri-lhe, então, adaptar às suas necessidades o célebre discurso feito pelo explorador espanhol Hernán Cortés a seus soldados antes da grande batalha de conquista do império asteca. Lá vai:

    “Soldados de Espanha! Antes de tudo há de lutar! As caravelas, mandei-as afundar, para não terdes qualquer veleidade de voltar. Há que lutar com as armas que tendes à mão. E se vo-las romperem em violento combate, então há que brigar a socos e pontapés. E se vos quebrarem os braços e as pernas, não olvidei os dentes.

E se, havendo feito isso, a morte chegar, mesmo assim não tereis dado a última medida de sua devoção, não! É preciso que o mau cheiro de vossos cadáveres empeste o ar e torne impossível a respiração dos inimigos de Espanha. Avante, por Deus e por Santiago!”.

    O gesto de Cortés, que mandou mesmo queimar os navios para não dar chance a seus homens de sequer pensar em recuo, não só deu o resultado esperado como também virou senha para expressar o chamado beco sem saída. Quando alguém “queima os navios”, não deixa margem para negociações. Vai para o tudo ou nada.

    Meu amigo leu a minha sugestão, pensou bem e, sensatamente, resolveu usar seu próprio vocabulário na preleção. No tempo de Cortés, não tinha cartão vermelho.