sábado, 31 de março de 2012



01 de abril de 2012 | N° 17026
MARTHA MEDEIROS


O macacão branco

Quem de nós pode vestir um modelo decotado na frente e nas costas, colado ao corpo, sem antes passar por uma lipoescultura?

Sejamos honestas, colegas de trabalho: quem de nós pode vestir um macacão branco decotado na frente e nas costas, colado ao corpo, sem antes passar por uma lipoescultura, uma sessão de bronzeamento e ficar duas semanas sem comer? Resposta no final dessa coluna.

Não teria adjetivos suficientes para comentar o show que Maria Rita fez no Anfiteatro Pôr do sol , semana passada, cantando músicas da sua mãe, Elis Regina. O espetáculo foi perfeito do início ao fim, e São Pedro ainda deu uma canja, oferecendo um entardecer de cinema, com direito a uma lasca de lua, céu estrelado e brisa suave. Se Elis não fosse gaúcha, teria se naturalizado naquele instante, em algum cartório no céu.

Mas voltemos a Maria Rita. Toda de branco, ela entrou no palco com uma túnica diáfana que ia até os pés: praticamente um anjo de bons modos. Até que, quatro ou cinco músicas depois do início do show, ela retirou a túnica e ficou só de macacão branco decotado, com as costas de fora, colado no corpo. Pensei: é peituda essa mulher.

Peituda porque, além de peito, Maria Rita tem coxa, tem bunda, tem barriguinha, tem sustância, tem o corpo da brasileira típica, que passa longe das esquálidas das revistas, das ossudas das passarelas. A numeração de Maria Rita não é 36, mas vestiu aquele macacão branco como se fosse.

Quaquaraquáquá, quem riu? Quaquaraquáquá, foi ela. Cantando Vou Deitar e Rolar e outros tantos hits da sua talentosa progenitora, Maria Rita rebolou, sambou, jogou charme, braço pra cima, braço pro lado, ajeitadinha no cabelo, caras e bocas, dona e senhora do pedaço e com o namorado bonitão (Davi Moraes, na guitarra) ali na retaguarda, babando – se não estava, deveria.

Porque Maria Rita, além de cantar divinamente, mostrava 100% seu lado fêmea, segura e incomparável. Que nem as modelos de revista? Quaquaraquaquá. Muito melhor.

Fiquei pensando depois: como mulher se preocupa com besteira. Usa roupa preta pra afinar, veste bermudas compressoras pra chapar a barriga, manga pra esconder os braços roliços, e mais isso, e aquilo, quando o maior segredo de beleza consta do seguinte: sinta-se num palco, mesmo que nunca tenha chegado perto de um.

Imagine-se com 60 mil pessoas te aplaudindo, te admirando pelo que você faz, pelo que você é, imagine-se com o público na mão, pois você é competente e tem uma elegância natural (tem, né?).

Conscientize-se de que sua inteligência é superior às suas medidas, que ser magrinha não atrai amor instantâneo, que sua personalidade é um cartão de visitas, que a felicidade é a melhor maquiagem, que ser leve é que emagrece.

E dá-se a mágica.

Quem de nós pode vestir um macacão branco decotado na frente e nas costas, colado ao corpo, sem antes passar por uma lipoescultura, uma sessão de bronzeamento e ficar duas semanas sem comer? Qualquer uma de nós, ora.


01 de abril de 2012 | N° 17026
ARTIGOS - Sergio Sparta*


A dita dura brasileira

A esquerda é persistente em acusar o período de 1964 a 1985 de ditadura militar ou anos de chumbo. Será que foi? Que razões levaram os militares a assumir a direção da nação? São questionamentos que devem ser considerados, pois os fatos e principalmente os fatos políticos são reflexos do momento em que vivemos.

Era o período do marxismo-leninismo, a doutrina esquerdista “da moda” (que não deu certo em nenhum lugar do mundo), que não media consequências (promoveu o genocídio de mais de 100 milhões de pessoas, fora as prisões e trabalhos forçados) para conquistar e subordinar povos, à força, na intenção de internacionalizar a sua doutrina.

O Brasil, por suas características geográficas excepcionais, população considerável e fragilidade econômica e política, foi alvo da cobiça comunista/socialista. Aqui aportaram – na década de 1920 – e insuflaram pessoas a aderirem as suas ideias.

Subvertendo a ordem ao desrespeitar os poderes constituídos e as autoridades e praticar o terrorismo (atentados, sequestros, roubos, assassinatos...) como ação inibidora, criavam as condições para a implantação da sua ideologia, que se resume na direção centralizada através de um partido único – o Partido Comunista – na restrição das liberdades individuais e no controle da economia, da imprensa e das mentes.

A situação em 64 tornou-se crítica. As Forças Armadas foram chamadas e, como sempre, não se omitiram. Assumiram o poder, sem confrontos ou mortes e respaldadas pelo poder civil, para impedir a assunção da nefasta esquerda e preservar, dentro das circunstâncias, a tranquilidade nacional.

O período dos presidentes militares foi um período de regime político forte, que procurou restabelecer com o mínimo de sacrifício as melhores condições para a conscientização da cidadania e a plena liberdade democrática, objetivos permanentemente antagonizados pela esquerda.

Ao mesmo tempo criou a infraestrutura necessária ao progresso, o qual alcançou com ordem – passamos de 46ª para oitava economia do mundo. Gerou condições de acesso a benefícios sociais, sem populismo. Rompeu acordos, fomentou e criou empresas de interesse nacional.

Expandiu a soberania do mar territorial a 200 milhas. Implantou projetos como Itaipu, Tucuruí, Carajás, Transamazônica, Mobral, Embraer, Funrural, FGTS, INPS, PIS/Pasep, polos petroquímicos, Banco Central, BNH, Estatuto da Terra, Nuclebrás, Telebrás, Embratel, Metrôs, Ponte Rio-Niterói e promoveu a abertura política e a reconciliação.

E os “presidentes ditadores”? Ao término de seus mandatos, retiraram-se da vida política levando consigo apenas os bens que construí- ram ao longo da sua carreira profissional e a satisfação do dever cumprido. Verdadeiros cidadãos e estadistas.

*Coronel do Exército Brasileiro


01 de abril de 2012 | N° 17026
PAULO SANT’ANA


O pé da canastra

Foi divulgada a notícia de que o ex-presidente Lula ficou curado do câncer na laringe.

Junto com a divulgação, foi dito pelos médicos que não se pode falar em cura definitiva, só vindo a se conhecer isso num prazo de cinco anos.

A notícia, a par de ser auspiciosa, foi mais interessante para mim, que também vou ter de esperar cinco anos para saber se estou definitivamente curado.

Definitivamente não é bem o caso: eu e Lula, daqui a cinco anos, podemos não ter retornado ao câncer, mas dali em diante decorrerão mais cinco anos de possibilidade de volta da doença.

Esse prognóstico com prazo é meio fajuto: porque qualquer pessoa, por mais saudável que seja, pode vir a ter câncer dentro dos próximos cinco anos.

Eu sei o que os oncologistas querem dizer: que o Lula tem de esperar cinco anos para ver se não acontecerá uma recidiva: ou seja, se o mesmo câncer que teve não se manifestará novamente na laringe ou em outro qualquer lugar do organismo.

Mas não deixa de ser interessante que os cancerosos tenham um prazo de validade para a cura de seu câncer.

Depois de curados!

Melhor seria se o médico dissesse o seguinte: “Presidente Lula, o senhor não tem mais câncer. O senhor e mais uns 7 bilhões de pessoas que existem na Terra, com exceção dos que têm câncer, estão agora sem câncer. Mas o senhor e os outros 7 bilhões correm o risco de vir a ter câncer nos próximos cinco anos. Todos”.

Durante três anos, jogamos cartas eu, minha mulher e mais dois casais de amigos.

Vou contar como aconteceu o fim dessa reunião tão agradável.

Nós seis, as três mulheres, eu e os dois maridos, jogávamos canastra e no meio do jogo jantávamos.

Durante três anos, enquanto jogávamos cartas, o pé de alguém vinha sorrateiramente, por baixo da mesa e da toalha, fazer carinho na minha perna.

Durante todo esse tempo, torci secretamente para que aquele pé que coçava minha perna carinhosamente fosse o da nossa amiga mais bonita.

Aquele contato epidérmico entre o pé secreto e a minha perna era muito mais atraente para mim do que o próprio jogo de cartas.

Todos os sábados, eu aguardava ansiosamente que chegasse a hora de jogar cartas para receber aquelas carícias secretas por debaixo da mesa de jogo.

Até que um dia, num impulso, desci a mão pela minha perna e segurei fortemente o pé que me acariciava. Segurei forte, cravando a unha no pé intruso. Não sei por que eu queria identificá-lo daquela forma.

Um dos dois maridos que jogavam cartas conosco gritou veementemente:

– Larga do meu pé!


01 de abril de 2012 | N° 17026
VERISSIMO


Contículos

Uma porta bateu no fundo da casa, acordando a velha que cochilava na sua cadeira de balanço.

– Que foi isso? – perguntou a velha.

– Foi o vento, vovó.

A velha fechou os olhos outra vez e resmungou:

– Mal-educado.

O herói

Grande alvoroço em Tenente Abreu. Dera no jornal: filho da cidade ferido no Afeganistão. Tenenteabreusense atingido por uma bala no pé. Quem era e o que estava fazendo no Afeganistão? Ninguém sabia. Chegou uma equipe da Globo na cidade para entrevistar parentes e amigos, talvez antigas namoradas, do brasileiro ferido.

Não encontrou ninguém que se lembrasse dele. Não seria o filho do barbeiro, aquele que emigrara para os Estados Unidos? Ele talvez tivesse se alistado no exército americano. O próprio barbeiro negou.

Seu filho Jorge trabalhava numa pizzaria em Nova York e nunca chegaria perto do Afeganistão. Foram procurar no registro de nascimentos. Lá estavam o nome dele – Jorge Souza Alvarenga – e do pai, Pedro, e da mãe, Dulce.

Mas ninguém se lembrava nem do pai nem da mãe. Havia um Pedro Alvarenga na cidade mas este nunca se casara e suspeitava-se até que fosse um pouco gay. Começaram a surgir rumores. Jorge e sua família teriam saído de Tenente Abreu quando ele ainda era criança.

Jorge se ferira numa ação heroica e seria condecorado pelos americanos. Jorge era casado com uma americana, possivelmente uma modelo. Alguns já especulavam sobre como seriam a mulher e os filhos do herói, todos loiros.

O noticiário do Afeganistão não ajudava. Dava poucos detalhes sobre o ocorrido. Só dizia que Jorge perdera o pé, estava bem mas continuava hospitalizado. Nasceu um movimento na cidade: trazer Jorge para Tenente Abreu. Se não como uma volta à casa, como uma passagem triunfal pela sua cidade natal.

Um desfile em carro aberto pela Voluntários da Pátria, com a mulher e os filhos loiros, exibindo a sua medalha, seguido de uma recepção na prefeitura. Houve até quem sugerisse que se mudasse o nome da cidade, de Tenente Abreu para Jorge Alvarenga. Ou, se por uma feliz coincidência o grau militar fosse o mesmo, Tenente Alvarenga.

Foi quando o Jornal Nacional deu que Jorge fora ferido longe da frente de batalha, numa ação policial contra o trafico de drogas. Ele estava no Afeganistão comprando ópio e sairia do hospital direto para a prisão.

Grande frustração em Tenente Abreu. Mas nas rodas de conversa em frente ao Café Novo, o mais antigo da cidade, as opiniões se dividiam. Uma facção achava que as homenagens ao Jorge deveriam ser mantidas, mesmo sem a sua presença. Bem ou mal, ele botara o nome da cidade no noticiário internacional. Viera até a TV Globo!

– E afinal – disse um – alguém sabe quem foi o Tenente Abreu?

Ninguém sabia.

Salada de chuchu

Marília disse a João:

– Tô indo.

– Como, “tô indo”?

– Cansei, João. Entendeu? Cansei.

– Mas Marília, logo hoje, dia de rabada com nhoque?

– Para estas coisas não se escolhe dia.

– Marilhinha...

– Tem salada de chuchu na geladeira. Tchau.

Tenente Abreu nunca mais seria a mesma depois da chegada de Jorge à cidade.


31 de março de 2012 | N° 17025
NILSON SOUZA


O cérebro e as pernas

Fila de autógrafos é melhor do que de INSS. A faixa etária costuma ser mais ou menos a mesma, mas as pessoas têm outro astral, não falam só dos seus achaques – falam também dos achaques do autor, que amanhã certamente terá que se virar com uma tendinite, mas está lá firme, tentando recordar o nome do portador daquele sorriso indecifrável que o saúda com intimidante intimidade.

Mas no meio da fila também podem ocorrer situações embaraçosas. Outro dia fui cumprimentar o Verissimo, que esperava pacientemente pela assinatura da Celia Ribeiro no seu O Jornalista Farroupilha, e o sujeito que estava na frente dele me fuzilou com um risinho inquiridor:

– Não estás te lembrando de mim, né?

Olhei para o Verissimo, pedindo socorro, mas ele fez cara de paisagem. Tive que encarar novamente o homem e dizer:

– Acho que me lembro, sim... Você trabalhava na...

O desconhecido interrompeu as minhas reticências:

– Não! Não! Não! Nunca trabalhei contigo. Eu jogava bola contigo.

Bah, faz tempo que não entro em campo. Dei uma rápida revisada na minha adolescência, mas não encontrei o sujeito lá. Então ele me atalhou novamente.

– Nós jogamos juntos no Banespa.

Antes que eu fizesse “ah”, ele voltou-se para o Verissimo, testemunha atônita daquele diálogo surrealista, e exagerou sobre minha performance em campo:

– Ele era bom de bola, todo mundo queria jogar com ele.

Meio constrangido, olhei para o Verissimo e balbuciei em tom de desculpa:

– Eu já enganava naquela época...

Num esforço para se mostrar interessado, nosso cronista maior questionou o homem da fila:

– Mas ele era cerebral ou esforçado?

O meu comentarista acidental não se fez de rogado. Respondeu de bate-pronto:

– Cerebral, cerebral. Mas era ligeiro, tinha as pernas grossas, bem diferente do que é agora...

E me olhou de cima abaixo, como se eu fosse um frangalho. Ainda tentei estufar o peito, mas percebi que o ambiente não era adequado para manifestações atléticas e acedi conformado:

– Por isso que agora só escrevo.

Meu ex-companheiro de peladas se deu conta de que o papo estava derivando para o lado dos achaques e se corrigiu em tempo, ainda bajulador:

– E escreve bem. Continua cerebral.

Logo diante do Verissimo, o mais cerebral dos nossos colegas de ofício. Vi o Walter Galvani um pouco à frente, abanei para ele e aproveitei a deixa para me retirar, pisando o mais firme que podia com as pernas que tenho hoje.


31 de março de 2012 | N° 17025
PAULO SANT’ANA


A eternidade do crucifixo

Vou meter minha colher neste assunto da retirada dos crucifixos das salas judiciais.

Não consigo entender como possam os crucifixos aviltar, molestar, prejudicar as pessoas que vão ter aos pretórios e não são cristãs.

Jesus crucificado é o símbolo da maior injustiça que se cometeu na Terra. Por que não lembrar à Justiça a maior injustiça que os homens já cometeram?

Outra coisa, desta vez mais importante: o Brasil nasceu sob o signo da cruz. Quando chegaram aqui os portugueses, trouxeram junto com suas caravelas os sacerdotes católicos.

Em seguida ao Descobrimento, foi rezada a primeira missa, celebrizada, ao que me parece, na tela de Pedro Américo.

Compreensível, então, que alguém tivesse se lembrado de mandar colocar nas salas dos pretórios os crucifixos, tornando indelével que alguém que for julgar outrem tem de voltar a lembrança para o Nazareno que foi julgado de modo infame e pagou com a vida por ter pregado somente o bem na sua caminhada ao redor de Jerusalém.

Então quer negar-se ao Brasil que nós pertencemos por aqui a uma civilização cristã?

Pelo que ouvi, alguns não cristãos se sentiram incomodados porque ao recorrer à Justiça e seus préstimos viam nos recintos das audiências e dos julgamentos a imagem da cruz, na qual não acreditavam.

Mas e daí? Não somos, pelo menos simbolicamente, um país cristão e católico? É, queiram os pagãos, queiram os agnósticos, queiram os muçulmanos ou quaisquer outras crenças, não crenças e seitas.

Por que negar ao Brasil a sua origem notadamente cristã?

Além disso, se o crucifixo lembrasse o demônio ou qualquer outro agente do mal, seria compreensível que se quisesse exorcizá-lo dos ambientes judiciais.

Mas não é nada disso, Cristo é agente do bem, não pregou outra coisa na Terra que não fosse o amor, a caridade, a solidariedade, a fraternidade. E, principalmente, em todos os capítulos e versículos de seu livro, pregou a justiça.

É muita audácia querer expulsar o amor, a caridade, o bem dos tribunais.

Seria como expulsar a justiça dos tribunais.

Dizem que o Brasil é um Estado laico. Está bem. No entanto, este mesmo Estado laico, isto é, não religioso, acata e implanta inúmeros feriados religiosos que são respeitados, acatados e alguns até festejados até pelos ateus.

Não conheço nenhum feriado ateu. Não há sequer qualquer feriado pertinente aos evangélicos, religião que já fincou raízes no Brasil e vem tendo ultimamente em nosso país um crescimento notável.

Qual a razão dos feriados cristãos? É muito claro, na origem da história brasileira está muito marcante a cruz, não se pode apagar da origem brasileira a cruz, a veneração ao sacrifício de Jesus.

E, se o Brasil não é de todo cristão, no entanto no berço histórico da nação brasileira, do país brasileiro, do povo brasileiro, é eloquente e inapagável a tradição cristã.

Não podem ser retirados dos tribunais brasileiros, por todas essas razões, os crucifixos.

Seria como retirar a águia da simbologia norte-americana.


31 de março de 2012 | N° 17025
DAVID COIMBRA


Cervejas artesanais e banha de porco

Cervejas artesanais são a nova tendência. Cervejas caseiras, feitas com o carinho da mãe ao pé do fogão, algumas mais frutadas, outras de insinuância agridoce, como de insinuância agridoce são certas mulheres, a maioria densa, cremosa feito um sorvete belga, deliciosas, originais, quase exclusivas.

O meu amigo Marcelo Rech disse que existem 10 mil marcas de cervejas artesanais nos Estados Unidos. No Grande Irmão do Norte, você pode tomar três cervejas artesanais diferentes por dia, durante dez anos, sem repetir marca. Mas o que é que nós estamos fazendo, que não estamos nos Estados Unidos, avaliando com critério essas cervejas, me diga?

O fato é que cervejas artesanais me interessam, sim senhor. Tudo o que se refere a comida & bebida me interessa. A banha de porco, por exemplo. Temos que fazer algo para recuperar o prestígio da banha de porco. Nenhum feijão é tão saboroso quanto o que é preparado com banha de porco.

Ovo frito na banha de porco, as bordas da clara sequinhas e da cor do caramelo, o centro da clara duro e macio, a gema mole a se derramar sobre o monte de arroz, ovo frito desse quilate é de comer com lágrimas nos olhos, em sua genial simplicidade. Quando eu era guri e minha mãe passava por dificuldades financeiras, a manteiga virou proibitiva devido ao preço. Então, eu comia pão com banha e sal. E era ótimo!

Banha de porco. Precisamos tirar a banha de porco do ostracismo, eu e você. Sei que não será fácil nesse tempo em que as pessoas se recusam, entre outros absurdos, a comer torresmo. Para o meu avô, torresmo era uma iguaria. Comia-o com cerveja preta, como tira-gosto, e sorria ao comer. Mas alguém disse que torresmo faz mal por algum motivo, então as pessoas baniram o torresmo para sempre, como Adão e Eva foram banidos do Éden. E, no lugar do torresmo, o que elas colocaram?

Você não vai acreditar.

No lugar do torresmo, elas colocaram TOMATE SECO. Cristo, mas como é que um ser humano se compraz em comer tomate seco? E, repare, fala aqui um admirador incondicional do tomate, o “pomodoro” dos italianos. Mas aprecio o tomate em fatias, como complemento de saladas, ou transformado em molho, para temperar o espaguete.

Digo mais: considero o molho branco uma fraude. Molho, para mim, tem de ser vermelho, o tomate como base. Certo. Mas não posso admitir que alguém considere tomate seco comida digna de ser citada em em placas de restaurantes como um dos trunfos do cardápio. “Prove nossa salada de tomate seco”. Por favor! Mantenha-me longe desse lugar.

Felizmente, o tomate seco saiu de moda. Hoje, o tomate seco é como o Orkut, que caminha par ao olvido. O salmão também está perdendo espaço gradualmente, o que até acho injusto. O salmão fez por merecer tudo que conquistou a partir dos anos 90, e ainda hoje podemos ser felizes com uma salada de salmão como a que o Z Café dos meus amigos Carlo e Sandro serve, ali no Moinhos de Vento.

O importante é que saibamos diferenciar o essencial do passageiro. Há o que seja re-al-men-te importante, e há o perfunctório. O que é re-al-men-te importante na atuação de um juiz de futebol?

É a disciplina. É conduzir o jogo de forma segura. Quando as partidas terminam com jogadores com ossos quebrados, como estamos vendo atualmente, há algo errado com a arbitragem. Algo visceral, definitivo, conclusivo, algo que interessa de fato, como comida e bebida. Nada é mais importante do que comida e bebida. E segurança. Com comida, bebida e segurança podemos ser felizes. Sobretudo se a felicidade tiver o tempero da banha de porco.

O melhor

O melhor jogador que vi em ação foi Roberto Rivellino, mas, se pudesse escolher um jogador para escalar no meu time, tendo de ser um único dentre todos os que assisti em pessoa, no campo de jogo, esse jogador seria Zinedine Zidane. Porque era dono da habilidade congênita do craque, o que é essencial para o fora de série, sim, mas também porque tinha muito mais.

Zidane tinha o poder da conclusão fina que lhe mantinha frio nas sombras da floresta de zagueiros da grande área, tinha a violência certeira do disparo de longa distância, tinha a compreensão do jogo e, o principal, tinha personalidade.

Zidane ganhava um jogo sozinho, e essa é a marca do craque.

Personalidade, essa é a marca do craque. Nenhum grande time se faz sem jogadores de personalidade forte. O maior Inter de todos os tempos tinha Figueroa, Marinho, Claudio, Vacaria, Falcão, Carpegiani e Valdomiro, sete jogadores de personalidade. O Grêmio campeão do mundo tinha Mazaropi, Paulo Roberto, De León, Baideck, China, Mário Sérgio, Paulo César Caju e Renato, oito jogadores de personalidade.

Conte os jogadores de personalidade de um time. Se forem bons jogadores, o time está muito próximo de ser um time que faz história.


31 de março de 2012 | N° 17025
CLÁUDIA LAITANO


Famoso quem?

Quem é a pessoa mais famosa do mundo? Digite isso no Google, e as respostas serão tão insólitas quanto divertidas: “Jesus, Bento 16 e Britney Spears”, “Deus, Michael Jackson, Beatles e Madonna”, “Oprah, Obama e Lady Gaga”.

Famoso pra quem, cara-pálida?, seria a resposta mais adequada. A maior surpresa da cerimônia de entrega do Grammy, realizada em fevereiro, não foram os muitos prêmios de Adele (conhece?), mas a multidão de internautas que durante a festa perguntava nas redes sociais quem era, afinal, aquele coroa sorridente que estava sendo homenageado no palco.

Ter feito parte da maior banda de rock do mundo e estar na ativa há mais de 50 anos queria dizer abacate para os fãs de Rihanna e Lady Gaga: Paul McCartney levou um sonoro e virtual “famoso quem?”.

Esta semana, aconteceu um fenômeno parecido aqui no Brasil nas horas que se seguiram à morte de Millôr Fernandes. Enquanto boa parte dos adultos letrados lamentava a perda de um dos pensadores mais lúcidos do Brasil, uma multidão de inocentes perguntava-se quem, diabos, era aquele sujeito bom de trocadilhos que andavam citando tanto no Twitter.

A movimentação foi tamanha, que um gaiato decidiu criar o blog quememillorfernandes.tumblr.com, reunindo manifestações do tipo: “Vei... Eu nem sabia quem era Millôr Fernandes, daí essa pessoa morre e vira gênio do nada!”.

Nossa primeira reação diante da ignorância alheia (principalmente com relação aos nossos ídolos) é amaldiçoar a estupidez humana e a corrupção dos tempos. Menos. Atire a primeira lápide quem nunca foi surpreendido pela consternação em torno da morte de um “famoso quem?”.

Todo mundo tem buracos negros em sua cultura geral – e quem acha que não tem provavelmente está mal informado. (“Não é que com a idade você aprenda muitas coisas; mas você aprende a ocultar melhor o que ignora”, escreveu o próprio Millôr, mestre na arte de não se levar muito a sério.)

Diante de um fato que ilumina nossa vasta e espessa ignorância, temos duas atitudes possíveis: desprezar a nova informação (se eu não sei e os meus amigos não sabem, não faço muita questão de saber) ou procurar entender do que estão falando.

Na era da superabundância de informação, porém, eleger prioridades tem se tornado cada vez mais difícil: cultura pop e cultura erudita, diversão e notícias, presente e passado, muitas vozes disputam nosso tempo e nossa atenção.

O sujeito que se orgulha de nunca ter ouvido falar de Millôr ou Paul McCartney pode desprezar quem é leigo em Bruno Mars ou Angry Birds (“Em que mundo você vive, macróbio alienado?”).

Tanta informação disponível pode ser encarada com arrogância, por quem se convence de que já sabe tudo o que precisa saber, ou com angústia, por quem é permanentemente assolado pela sensação de que está perdendo alguma coisa.

Quem nunca ouviu falar de Millôr Fernandes pode ser digno tanto de pena quanto de inveja. Pena se perder a chance de dar-se ao trabalho (e ao prazer) de descobrir por que tanta gente gostava dele. Inveja porque só quem não o conhecia pode desfrutar o prazer irrepetível de ler Millôr pela primeira vez.

sexta-feira, 30 de março de 2012


Carlos Heitor Cony

O homem que vendeu a alma

'La Bohème' ficou, no consenso de puccinianos ou antipuccinianos, como a sua obra-prima

TUDO SE explica: Puccini vendeu a alma ao demônio. Foi essa -e não podia ser outra- a explicação de seus rivais e inimigos, roídos e moídos não pelo sucesso popular e financeiro das obras do compositor, mas pela beleza simples, humana, quase cafona, de suas partituras.

De Monteverdi a Menotti, todos os autores de ópera, incluindo Mozart, gostariam de ter escrito alguns dos momentos puccinianos que definem, justificam e eternizam o gênero lírico no que ele tem de mais autêntico.

Nem Verdi em todo o seu esplendor nem Wagner em sua empáfia conseguiram aqueles acordes que atingem não a arte pela arte (Puccini nunca foi disso), mas o belo pelo belo. E, dentro do seu universo, "La Bohème" ficou, no consenso de puccinianos ou antipuccinianos, como a sua obra-prima por excelência, pois é uma ópera intrinsecamente pucciniana.

Nem sempre solistas, coro, orquestra, "régie", cenário e vestuário mostram-se adrede para uma "La Bohème" a preceito. É ópera que requer clima e trabalho. Requer paixão.

Se o sucesso internacional e histórico da ópera, em si mesma, se deve ao gênio musical de Puccini, o triunfo de cada récita também pode ser creditado aos seus montadores famosos, entre outros, Luchino Visconti, Ingmar Bergman, Franco Zefirelli, e até mesmo Margarita Wallmann, com seus cabelos brancos, sua perna aleijada, sua visão da arte, do palco, da vida.

Já perguntei a vários cantores, aqui e no exterior, sobre a ópera que consideram a melhor, a mais próxima da sensibilidade de cada um. A resposta, geralmente, sai enrolada para um tipo de pergunta assim. Alguns complicam, fazem distinções sutis, escondem o jogo como podem.

Mas depois de um aperto, todos terminam admitindo: "Bem cantada, bem encenada, 'La Bohème' pode não ser a mais nobre das óperas, mas é a mais ópera de todas".

Afinal, o temperamento de cada um se identificará com a discutível e não demonstrada poesia de Rodolfo, a inacabada pintura de Marcello, a música não ouvida de Schaunard, a filosofia (essa sim, explicitada) de Colline, que não transcende a uma ária sentimental dedicada ao próprio capote. Conheço filósofos piores.

Cada vez mais, os divos e divas se recusam a cantar nos ensaios gerais, preferindo guardar a voz para o espetáculo. Não é nada, não é nada, esse vedetismo acaba prejudicando os grandes momentos líricos; dificilmente a orquestra tem condições de se entrosar com o canto e vice-versa. Lembro de anos atrás, quando Mario Del Monaco fazia três, quatro ensaios com a orquestra, mandando brasa na sua poderosa e brilhante voz. Na noite do espetáculo, a voz de Monaco não estava "stanca". Pelo contrário: ficava sempre melhor.

Muitos garantem que Puccini se apaixonava pelas mulheres que criava: Tosca, Butterfly, Manon, Mimi. Uma intérprete pucciniana sofre, geme e morre de amor, não por Mario Cavaradossi ("Tosca"), por Rodolfo ("La Bohème"), pelo tenente Benjamim Franklin Pinkerton ("Madama Butterfly") ou por Des Grieux ("Manon Lescaut"). A paixão delas, o "outro", que está invisível, mas presente em cena, é sempre Puccini.

Visitei diversas vezes a sua casa em Torre del Lago, não muito longe da sua Lucca natal, uma das cidades mais típicas da Toscana. Junto com suas armas de caça, estão as fotos de suas grandes intérpretes, com dedicatórias reveladoras de uma paixão nem sempre utópica.

Impressionou-me a da primeira soprano que cantou "Madama Butterfly", uma japonesa que transcreveu, em cima da foto, um dos versos que ela canta no dueto final do primeiro ato: "Rinnegata... e felice" -renegada... e feliz.

Realmente, o compositor era um "homme à femmes". Chegou a ter um problema com a polícia quando uma de suas empregadas suicidou-se por amor a ele. Outras também o fizeram, em Paris, Milão, Viena e Nova York.

Aliás, o sucesso de Puccini nos Estados Unidos foi enorme. Por ocasião de sua primeira visita, o "New York Times" comparou a sua recepção à de Charles Lindbergh, o primeiro aviador a atravessar só o Atlântico, pilotando o Spirit of St. Louis.

Thomas Edison, o maior inventor de seu tempo, deu a Puccini um de seus primeiros gramofones, com a enorme tuba em ouro, na qual mandou gravar: "Outros depois de mim farão inventos melhores, mas ninguém fará melodias mais belas do que Puccini".

Eliane Cantanhêde

Candidatos, tremei!

BRASÍLIA - Passada a Semana Santa, Lula entrará com tudo na política. Não cabe aí o verbo "voltar", porque não se volta para o lugar em que sempre esteve. Ele apenas emerge dos bastidores, onde vinha atuando apesar de radioterapia, quimioterapia, infecção pulmonar e internações, para reassumir os palcos.

Com sua já altíssima popularidade potencializada ainda mais pela doença, seu carisma inegável e sua liderança única não apenas no PT mas em toda a base aliada do governo, Lula desequilibra qualquer jogo político. Onde entra, é para ganhar.

Seus dois alvos são as suas duas maiores invenções: Fernando Haddad, que patinava nos 3% nas últimas pesquisas, e Dilma Rousseff, que demonstra não ter a menor paciência nem para a política nem para os políticos -sobretudo os aliados.

Para Haddad, Lula é fundamental e não terá o menor prurido de submeter o PT a derrotas e constrangimentos em outras ou até em todas as capitais e grandes cidades, desde que reúna o máximo de apoios e de tempo de TV em São Paulo.

O PSB é o melhor exemplo do que pode acontecer com os demais: a seção paulista até gostaria de ficar com Serra, mas o comandante Eduardo Campos acertou com Lula que o partido prefere ir com Haddad em troca do apoio do PT nos outros Estados.

Já para Dilma, Lula é uma faca de dois gumes. Fundamental como respaldo político, mas também um entrave para os rumos que ela quer e já vem dando a seu governo.

Dilma sabe muito bem o tanto de coisas que encontrou fora do eixo, mas pisa em ovos quando tem de desfazer, refazer ou dar guinadas no que encontrou, para não evidenciar erros nem parecer crítica ao ex-chefe, padrinho e antecessor.

De toda forma, os efeitos mais ostensivos da "volta" de Lula serão menos em Brasília, onde ele era e continua sendo consultor, e mais em São Paulo, onde tende a ser o principal fator da eleição de outubro.

José Serra e Gabriel Chalita, tremei!


Ruy Castro

Bares mortos

RIO DE JANEIRO - Você sente que o mundo mudou quando, ao voltar a seu bar favorito depois de longa folga, não reconhece ninguém ao redor. São outros os rostos, outra a cor dos drinques nas mesas, outra a música de fundo no ambiente, outros, até, os garçons.

E, definitivamente, outros os retalhos de conversa que saem das mesas vizinhas -falam de um mundo a que você não pertence mais. Esse novo bar e esse novo mundo parecem frios e hostis. Mas é possível mudar de bar -ou de mundo.

Quem quer que tenha tido um passado em bares conheceu essa experiência. F. Scott Fitzgerald viveu-a em 1931, quando voltou a Paris depois do crack da Bolsa de Nova York, em 1929.

Ao sentar-se ao balcão e ver os cacos de seu rosto no espelho, atrás das garrafas, nem ele se reconheceu. O mesmo já havia acontecido com seus antigos companheiros de farra na Paris dos anos loucos. Todos tinham pedido o chapéu antes dele, falindo ou morrendo.

Já Ernest Hemingway, antevendo essa possibilidade, nunca quis ter um pouso fixo. Dividia-se por bares de Nova York, Paris, Madri, Havana, às vezes dois em cada cidade -"Mi mojitos en La Bodeguita, mi daiquirís en La Floridita"-, e, com isso, tinha para onde correr se um bar o abandonasse.

Sempre se considerou maior que esses bares, razão pela qual todos que frequentou, e não foram poucos, sacralizaram a mesa a que um dia ele se sentou.

Em minha trajetória etílica, também frequentei bares, no Rio e em São Paulo, que, sem que percebêssemos, estavam se transformando ou morrendo sob nossos pés. É feio ser o último da turma a pedir a saideira ou a conta. Melhor tentar sair mais cedo, antes que emborquem as cadeiras nas mesas, e nós com elas.

Parei de beber em 1988, aos 40. Nem cedo nem tarde, acho. Sobrevivi a todos os lugares onde bebi, mas por um triz.


Confesso que entrei no Face, confesso que sou e sempre fui Amigo de Bento

Até umas semanas eu não entrava em rede social alguma. Aí meio por feliz acaso, entrei no Facebook para me conectar com alguns amigos e, principalmente, com o blog Amigos de Bento, criado pela querida, generosa e bonita Lu Fasolo, de minha terra natal, a irrepetível Bento Gonçalves.

Antes eu ficava com receio de me comunicar até demais via redes sociais. Sou boca-grande, meio barriga-fria e ficava com medo de falar demais, me envolver em confusões etc. Larguei a timidez de mão e entrei de cabeça no Face.

Até minha foto tive coragem de colocar lá. Centenas de amigos e conhecidos, entre eles, Leila Pasquetti, Ademir Bacca, Vera Maria Bertolini Comin, Paulo Roberto Dreher Nunes, Victor Moré, Julio Luiz Gehlen e Márcia Signor Rodrigues estão se comunicando.

O blog tem quase trezentos participantes. São centenas, milhares de fotos, lembranças e mensagens. Muitas emoções. Um grande, infinito álbum de fotografias e recordações de gerações e de uma cidade que sempre foram, são e serão orgulho para o Rio Grande, o Brasil e o mundo.

Não é pouca coisa. A galera pretende se encontrar em Bento, Porto Alegre, Praia do Rosa e, quem sabe, no Rio de Janeiro, em Paris, Nova Iorque e Punta del Este. Bento-gonçalvenses são universais, se espalharam pelo planeta.

Alguns até emprestam seu brilho para cidades médias e uma grande, que ficam perto de Bento. Cidades que formam, orgulhosamente, a Grande Bento. Caroline da Silva, nossa querida editora-assistente de cultura do JC, é guria de Bento e tem nossas melhores qualidades.

Os mais felizes bento-gonçalvenses ficaram em Bento. Mas todos têm o maior carinho e o maior orgulho por terem nascido lá. Uma cidade simpática, trabalhadora, acolhedora, culta, tecnológica e que, agora, tem um blog fantástico, onde o Bacca e muitos outros apresentam registros de ontem, hoje e sempre.

A gente pode até viver em outros lugares, sair de Bento. Bento, felizmente, nunca deixa a gente, nunca sai de nossas mentes e corações. Bento-gonçalvenses não precisam questionar o sentido da vida, a existência de Deus e fazer outras perguntonas.

Eles nasceram lá e isto já é razão imensa para estarem no mundo. O muito mais é alegria, vinho, galeto, amor, trabalho, família e amizade. Pois é, deu para notar que valeu ter entrado no Face.

Jaime Cimenti


Desconstruindo fábulas conhecidas

O livro das coisas perdidas, de John Connolly, mostra o universo e as qualidades do autor irlandês mais conhecido pelo mundo na atualidade e o primeiro autor não americano a receber o prestigiado prêmio US Shamus.

O livro é a estreia do autor na Editora Bertrand Brasil e, acima de tudo, é uma grande desconstrução de fábulas muito conhecidas como A branca de neve e os sete anões e João e Maria. Com muita imaginação e mistério, o livro indicado ao renomado prêmio Hughes & Hughes de melhor romance irlandês em 2007, quando lançado na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos fez enorme sucesso e virou mania em todas as idades.

A narrativa gira em torno de David, 12 anos, que depois de perder a mãe passa a maior parte do tempo em seu quarto, no sótão, tendo os livros como companhia. A mãe lhe disse que histórias ganham vida quando contadas e que existe um mundo paralelo ao nosso, de contos, fadas, mitos e lendas, onde tudo que é fantástico é real.

O pai de David casa outra vez e ele descobre que vai ganhar um irmãozinho, que ele odeia antes mesmo de o rival nascer. Sua vida fica muito difícil. Quando os livros começam a sussurrar palavras para o menino, realidade e imaginação vão se misturando até que, ao brincar no jardim, o menino entra em um reino encantado, onde encontra heróis, monstros e um rei fracassado que guarda seus segredos em um livro misterioso.

A apaixonante história do menino faz eco com todos os contos de fada que os leitores conhecem e mostra que ler pode transformar qualquer fantasia em realidade e que, na vida real, crescer pode fazer de um simples jovem um herói.

O romance será levado às telas em 2014 e é daqueles que mostra as dificuldades de lidar com as perdas e dores e os problemas para entrar na chamada vida adulta. O livro também é considerado uma alegoria sobre a vida e a morte, a paz e a guerra e outros aspectos da vida.

Enfim, a narrativa tem uma atmosfera arrepiante que mostra como o real e a fantasia podem ser encaixar. Inventivo, mágico, envolvente, diferente e peculiar são alguns dos adjetivos que os críticos literários de jornais ingleses e irlandeses utilizaram para definir o romance.

Os elogios não são exagerados e os leitores vão ter o prazer de ler sobre a jornada de David para encontrar o caminho da volta de uma viagem fantástica. Editora Bertrand Brasil, 364 páginas, R$ 43,00, mdireto@record.com.br


30 de março de 2012 | N° 17024
PAULO SANT’ANA


A minha covardia

Eu tenho de ter cuidado quando falo em determinadas categorias de pessoas, porque esta coluna encerra uma delicadeza: eu lido com um canhão de leitura. Sendo assim, firo muitas suscetibilidades.

Assim, quando manifesto, todo orgulhoso, compaixão pelos cegos, muitos cegos me lascam o pau dizendo que a cegueira não merece compaixão, eles são felizes e realizados em sua condição.

Outro dia, recebi um e-mail de um dentista que se sentiu ofendido porque eu escrevi que tenho medo de dentista. Insinuou que eu estaria por alguma forma jogando os dentistas contra seus clientes.

Ora, bolas! Se eu escrevesse numa dessas colunas que ninguém lê e que mesmo assim continuam a ser publicadas anos a fio, o problema seria menor ou não existiria, mas aqui, neste canhão de leitura, eu lido com muita flor de pele e fraturas expostas.

Que diabo, só o que escrevi é que sou covarde e tenho medo de dentista. Minha dentista só mexe em meus dentes, por exigência minha, com anestesia.

Ainda assim, além de lidar com as obturações e tratamentos de canais a que me exponho, minha dentista, Marisa Motta Martins, é obrigada a lidar com minha covardia.

Não deixo que ela cavouque nos meus dentes, que ela lime com a broca os meus dentes, sem importuná-la com as manifestações do meu medo covarde.

Interrompo a cada movimento dela a sua ação. Assim, ela leva o dobro de tempo para me atender do que levaria para atender outro cliente.

Quando minha dentista me garante de pés juntos que não vai me doer, eu brinco com ela: “Sua palavra não vale para mim um tostão furado”.

E o pior (ou melhor) é que não dói mesmo, nunca doeu. E, mesmo jamais tendo doído, ainda assim permanece meu terror.

Tratamento de canal para mim é equivalente àquela sensação que paira sobre Bagdá, Afeganistão e Síria, a de que a qualquer momento uma bomba vai explodir.

Esses dias, ouvi aflitamente de minha dentista ela pronunciar a palavra “implante”. Não sei o que é, mas ouvi dizer que colocam naquele osso que fica abaixo da gengiva um suporte de aço que vai sustentar um dente postiço.

Como é que é? Então um dia poderei ser obrigado a um implante no dente, meu osso sendo esburacado para que se coloque nele um pino que vai sustentar outro dente?

Conte outra, doutora. Isso a senhora só consegue de mim se for com anestesia geral.

Eu não sei como é que tenho permitido nos últimos anos que os otorrinos Luiz Lavinsky e Sady Selaimen façam limpeza de meus ouvidos. Limpeza com aspirador.

Eles são mestres nisso, mas a sensação que tenho é de que meu ouvido médio e meu nervo facial serão sugados pelo aspirador.

Bota covardia minha nisso.

E o interessante é que meu medo é só físico. Como é que não tenho medo de ser examinado por um psiquiatra?

Por sinal, quando vou a um psiquiatra e começo a conversar com ele durante as consultas, quem fica com medo de minha retórica é o psiquiatra.


30 de março de 2012 | N° 17024
DAVID COIMBRA


O que não ler

Delfim Netto tinha uma biblioteca com 250 mil livros. Doou-os, todos, à USP. Era o maior acervo particular do Brasil, quase só obras de economia, história, filosofia e geografia. Pouca coisa de literatura.

Óbvio, ninguém lê 250 mil livros. Se você ler um livro por dia, serão 365 por ano, 36.500 em cem anos. Delfim Netto está com 82 anos. Digamos que tenha se alfabetizado aos cinco. Não leria 250 mil livros nem se encarasse três por dia, um pela manhã, um à tarde, um à noite.

Certos livros não precisam ser lidos por inteiro, é claro, sobretudo se não são de literatura. Alguns são de consulta, uns valem só por causa de uma fatia do conteúdo, outros devem ser apenas percorridos, não lidos completamente. Mesmo assim, é possível que Delfim Netto tenha lido 10% da sua biblioteca. Ou seja: 25 mil livros. Um portento.

Minha pequena biblioteca tem cerca de 2% dos livros do Delfim Netto, que inveja dele. Quantos desses li? Mil? Dois mil? Não faço ideia, mas sei que, felizmente, minha capacidade de ler é bem inferior à quantidade de livros que me interessam. Por isso, não posso perder tempo. É preciso estabelecer critérios.

Os autores jovens, por exemplo. Só leio um autor jovem quando ele fica velho. Seria pouco inteligente perder tempo com um autor desconhecido, havendo tantos que são consagrados, mas que ainda não li. Agora, se avanço até, digamos, a centésima página de um livro e concluo que não gostei, fecho-o com estrépito e o ponho de lado para a eternidade. Antes não conseguia fazer isso, tinha de seguir aos bocejos até o ponto final. Hoje, não mais. O tempo urge.

Tempo, tempo, como vou gastar tempo estirando-me nas redes sociais, se ainda não li todos os 10 volumes da lavra de Churchill sobre a II Guerra, que estão a me desafiar em encadernação de couro tingido de vermelho, uma lindeza? Não posso trocar 50 páginas de Churchill por uma hora de Facebook, francamente.

Certos programas de TV também não valem um parágrafo de Ulisses, que tentei ler na adolescência e parei na frase vegetissombras flutuavam silentes na paz matinal. Aquele paralelepípedo de papel continua esperando pelo dia em que me torne mais inteligente e entenda o que James Joyce queria dizer com tudo aquilo. Suspeito que esse dia não chegará.

Há muita coisa para ler e, todos os dias, muita coisa é escrita e publicada, e assim mais aumenta a minha defasagem e a minha ignorância. Esta semana saiu uma pesquisa a respeito disso, do hábito de leitura dos brasileiros.

A cada ano que se vai dezembro abaixo diminui a quantidade de brasileiros que leem livros. O percentual bateu nos 28%, e esses leem, em média, quatro livros por ano. Um a cada três meses. Como será o iletrado brasileiro do futuro?

Outro dia, tive um vislumbre dele, desse novo brasileiro. O todo-poderoso da CBF, o ex-presidente do Corinthians, Andrés Sanchez disse numa entrevista que nunca lê, a não ser um único tipo de livro: sobre o Corinthians. Disse ter 132 livros sobre o Corinthians em casa.

Eis a diferença: Delfim Netto e seus 250 mil livros de não ficção; Andrés Sanchez e seus 132 livros sobre o Corinthians. Cada qual com seu acervo, cada qual com seus predicados. Delfim Netto, um homem do passado; Andrés Sanchez, o brasileiro do futuro. O Brasil tem tudo para vencer campeonatos de futebol.

quinta-feira, 29 de março de 2012



29 de março de 2012 | N° 17023
ARTIGOS - Nylza Osório Jorgens Bertoldi*


A hora da verdade

Considerando a calamidade em que vive a educação brasileira hoje, pela avalanche de reformas que caracterizou a última década do século passado e o início deste século, numa visão ameaçadora para o processo ensino-aprendizagem, cabe refletir sobre as futuras consequências provocadas por práticas didáticas que não conseguiram, até o presente momento, subtrair o analfabetismo no Brasil, mas multiplicar os analfabetos funcionais.

Sabemos que as escolas brasileiras foram incorporando, com naturalidade, a Pedagogia da Repetência, em especial nos ciclos básicos da escolaridade. Rotular uma criança por habilidades e competências não satisfatórias ao chegar à escola levou a educação fundamental a um estado de falência. Agora o cenário é outro e, para nossa angústia, muito pior.

A Pedagogia da Repetência cedeu lugar à Pedagogia da Aprovação. A escola não sabe efetivamente como agir, gerada por práticas inadequadas de gestão superior que subestima a capacidade do aluno.

Exemplo desta situação foram os malfadados testes de Lourenço Filho, que, depois de muitos estragos emocionais, foram tardiamente banidos da escola. Aí começava a discriminação às capacidades da criança. A solução é uma só: encarar a alfabetização como um processo a que todas as crianças são capazes de chegar em um ano letivo, ou menos, com larga margem de possibilidades.

Basta que o ponto de partida atenda às suas necessidades e expectativas em ações concretas de atividades criativas. A “progressão continuada ao longo dos três anos iniciais” não é novidade, pois sabemos por experiência profissional que o acompanhamento contínuo nas séries iniciais sempre existiu como imperiosa necessidade para o letramento fundamental.

Fazer acontecer um tempo novo na educação brasileira pressupõe a conjugação de dois fatores: o político e o pedagógico. Um não caminha sem o outro. Recursos materiais em laboratórios e bibliotecas; classes menos numerosas especialmente, no primeiro ano, pois alfabetizar é um processo artesanal pelas exigências de um tratamento individual à criança. Maior permanência na escola possibilitando atividades lúdicas, criando espaços para produzir socialização e conhecimento.

Capacitar e valorizar o professor, agente direto da aprendizagem são princípios referenciais de soluções responsáveis e consequentes. Falar em reprovação quando se pode ensinar para o sucesso é uma triste condição, tão lamentável quanto enganar uma criança com falsas ilusões. Ela conhece o que sabe e porque precisa recuperar conteúdos.

É preciso, sim, não permitir que aconteça a repetência, sentir-se-á insegura sempre, no convívio com os colegas.

Exercitar uma pedagogia crítica tão exemplificada por Piaget é assumir a responsabilidade inerente ao professor. Com educação não se brinca de “faz de conta” e se a vigência desta ridícula resolução de aprovar alunos em cascatas, estendendo o “benefício” até o Ensino Médio, como será o ingresso na universidade?

Por cotas de aprovação continuada? Pobre profissional do Brasil de amanhã. A vida os reprovará, com certeza.

*Educadora, escritora


29 de março de 2012 | N° 17023
LETICIA WIERZCHOWSKI


Algumas considerações

1 - Estou parada no sinal vermelho numa grande Avenida de Porto Alegre. Pedestres atravessam a rua na faixa de segurança, quando uma motocicleta passa correndo, após desrespeitar o sinal fechado, quase levando consigo uma moça loira que provavelmente voltava ao trabalho após o horário de almoço.

Os pedestres ficam atônitos por um instante, depois tratam de seguir a vida, vencendo a faixa de segurança até o lado oposto, antes que outro engraçadinho faça das suas.

2 - Deixo meu filho na pré-escola. Depois do beijo de boa-tarde, sigo para o meu carro e paro na faixa de segurança que fica em frente à escola. Do outro lado da calçada, uma mãe vem chegando com seu rebento. Olho-os por um instante, enquanto a mulher vai atravessar a rua.

Mas ela logo desiste porque, da esquina, surge um carro em alta velocidade, buzinando a sua pressa, avisando de antemão que não vai parar na faixa da escola. Do meu lugar, consigo ver bem a motorista em questão, e qual não é o meu espanto ao reconhecer uma antiga vizinha do meu prédio.

3 - Meu filho mais velho estuda num colégio maior. Um colégio bem grande cujo estacionamento, diariamente, é palco de uma confusão de carros. Pensei em colocar o menino numa van, desisti e suporto a confusão diária da saída escolar com a maior fleuma possível. Carros em vagas imaginárias, trancando a passagem dos outros, é coisa para lá de cotidiana.

4 - O filho de um dos nossos mais incensados milionários atropelou e matou, há alguns dias, um jovem pedreiro que vinha de bicicleta numa rodovia carioca, uns dizem que no acostamento, outros (como o próprio motorista e seu amigo) que o pedreiro tentava cruzar a estrada carregando a bicicleta no ombro. O jovem tinha 51 pontos na carteira, ou seja, a sua habilitação deveria estar cassada. Ele dirigia um Mercedes SLR McLaren, que faz, fácil, mais de 300 quilômetros por hora.

5 - As estatísticas do trânsito brasileiro mostram que somos todos verdadeiros bárbaros ao volante. Eu cá fico pensando quantos de nós estaríamos atropelando pedestres nas faixas de segurança das avenidas, em frente às escolas, colhendo ciclistas e batendo pelas estradas afora se a nossa tão venerável pressa e o nosso egoísmo cotidiano viessem assessorados por uma Mercedes SLR McLaren.

Em tempo: no aniversário de Porto Alegre, Gustavo Fogaça e o pessoal da produtora Black Maria colocaram na web o divertido projeto Porto Alegre 240 Graus, um mosaico de depoimentos sobre a nossa Capital. Vale conferir e postar o seu: www.poa240graus.com.


29 de março de 2012 | N° 17023
PAULO SANT’ANA

Millôr Fernandes

Morreu Millôr Fernandes, o maior de todos nós, jornalistas brasileiros.

Ensinou-nos que “imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”.

Ou seja, afirmava que o jornalismo tem o dever de ser oposição a qualquer governo.

Ele foi admirável nesse posicionamento porque foi o único que não aderiu nunca a qualquer governo, mesmo que simpatizasse com algum eventual governo e suas ideias.

Deixa por isso um vazio impreenchível, desde que há sempre alguém que vá aderir ao governo de sua preferência ideológica.

Dono de uma erudição invejável, não precisou trabalhar na Globo para se tornar muito popular. Seus fãs, como meu filho Jorge Antônio, tinham devoção por ele, cultuavam-no como a um deus.

Ninguém como ele falou mais sério exercendo o humor. Obrigava seus leitores a pensar.

Dizem que ele foi o mais eficiente tradutor de Shakespeare entre nós, o que por si já o define de certo modo, o bardo inglês foi mais abrangente que Freud ao vasculhar a alma humana.

Tenho algumas máximas de Millôr Fernandes decoradas: “O melhor do sexo antes do casamento é você não ter que casar”. “Chama-se de herói o cara que não teve tempo de fugir”. “Um rato não pode ser juiz na partilha de um queijo”. “Acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem ainda não chegou ao poder”.

São milhares as suas frases luminosas. Era dono de uma verve ilimitada, bastava descobrir no cotidiano ou na filosofia um fato ou uma evidência para adorná-lo com suas inteligentes e contraditórias observações.

Foi cronista semanal admirável. E conseguiu ser ótimo cronista diário. Trabalhou em revistas, jornais, criou peças de teatro com invejável talento. Tenho uma coletânea de pensamentos seus de 600 páginas e nunca me fatiguei em relê-la, como a uma Bíblia.

Nessa ânsia maniática que temos de organizar um ranking sobre o mérito das pessoas, fico tentado a dizer que ele foi o maior jornalista e maior humorista da história brasileira.

Morreu há tempos Nelson Rodrigues, morreu há pouco Chico Anysio e agora morre Millôr Fernandes.

Eles foram os pais de criação de sua geração. Tornaram-se exemplos e paradigmas inimitáveis, Millôr jogou sobre as multidões de leitores um jorro de luz e de beleza ofuscante.

Não o conheci, mas sempre me pareceu que era meu íntimo. Minha meta era ser apenas 10% do que ele fora, tão grande ele era e é.

Não tenho palavras para definir a falta que ele me fará, se é que me fará falta, porque sempre trarei na mesa ao lado de minha cama fragmentos de sua obra faiscante.

Ainda bem que, em vida, muitas vezes aqui nesta coluna elogiei-o como agora o estou elogiando por sua morte.

Ele foi meu profeta do humor e da inteligência.

Ele foi o meu farol.

E não precisou ser da Globo para se tornar um ícone nacional.

Millôr, gigante pela própria natureza!


29 de março de 2012 | N° 17023
L. F. VERISSIMO


A primeira pedra

E os fariseus trouxeram a Jesus uma mulher apanhada em adultério e perguntaram a Jesus se ela não deveria ser apedrejada até a morte, como mandava a lei de Moisés. E disse Jesus: aquele entre vós que estiver sem pecado, que atire a primeira pedra. E a vida da mulher foi poupada, pois nenhum dos seus acusadores era sem pecado. Assim está na Bíblia, Evangelho de São João 8, 1 a 11.

Mas imagine que a Bíblia não tenha contado toda a história. Tudo o que realmente aconteceu naquela manhã, no Monte das Oliveiras. Na versão completa do episódio, um dos fariseus, depois de ouvir a frase de Jesus, pega uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a mulher, dizendo: “Eu estou sem pecado!”.

– Pera lá – diz Jesus, segurando o seu braço. – Você é um adúltero conhecido. Larga a pedra.

– Ah. Pensei que adultério só fosse pecado para as mulheres – diz o fariseu, largando a pedra.

Outro fariseu junta uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a mulher, gritando: “Nunca cometi adultério, sou puro como um cordeiro recém-nascido!”.

– Falando em cordeiro – diz Jesus, segurando o seu braço também – e aquele rebanho que você foi encarregado de trazer para o templo, mas no caminho desviou 10% para o seu próprio rebanho?

– Nunca ficou provado nada! – protesta o fariseu.

– Mas eu sei – diz Jesus. – Larga a pedra.

Um terceiro fariseu pega uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a adúltera, dizendo: “Não só não sou corrupto como sempre combati a corrupção. Fui eu que denunciei o escândalo da propina paga mensalmente a sacerdotes para apoiar os senhores do templo”.

– Mas foste tu o primeiro a receber propina – diz Jesus, segurando seu braço.

– No meu caso foi para melhor combater a corrupção!

– Larga a pedra.

Um quarto fariseu junta uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a mulher, dizendo: “Não tenho pecados, nem da carne, nem de cupidez ou ganância!”.

– Ah, é? – diz Jesus, segurando o seu braço. – E aquela viúva que exploravas, tirando-lhe todo o dinheiro?

– Mas isto foi há muito tempo, e a mulher já morreu.

– Larga a pedra, vai.

E, quando os fariseus se afastam, um discípulo pergunta a Jesus:

– Mestre, que lição podemos tirar deste episódio?

– Evitem a hipocrisia e o moralismo relativo – diz Jesus.

E pensando um pouco mais adiante:

– E, se possível, a política partidária.

quarta-feira, 28 de março de 2012



28 de março de 2012 | N° 17022
MARTHA MEDEIROS


O humor que desmoraliza

A morte de Chico Anysio e as merecidas homenagens que ele tem recebido nos fazem pensar sobre a mudança por que o humor vem passando. Lembro com saudade do “Não garavo” (Alberto Roberto), “Ca-la-da!” (Nazareno), “Isso me ama” (Coronel Limoeiro) e outros bordões que povoaram minha infância (assim como “ô Cridê, do Golias, o “muy amigo”, criado pelo Jô, e “ô psit” do Renato Aragão), mas teve uma hora que cansou.

Era o momento de abraçar o espírito renovador da TV Pirata, do Casseta & Planeta, de Os Normais e do recente Tapas e Beijos, programas menos populares se comparados aos antecessores, mas igualmente criativos.

Humor bom é aquele que chama a atenção para nossos preconceitos fazendo graça. Chico Anysio criou um pai de santo homossexual, um político que assumia odiar os pobres, um marido que tratava mal a mulher por ela ser feia, um pastor evangélico que só se interessava em passar a sacolinha, um jogador perna de pau que pensava que era craque, e nada disso soava grosseiro, apenas divertido.

O que mudou da geração Chico City para a geração TV Pirata foi a espontaneidade das interpretações e um pouco de perda da inocência, mas só um pouco. Até que chegamos ao humor de agora, de inocência zero. Do que se ri hoje? Não do ridículo, e sim da ridicularização. Engraçado é você humilhar.

Fora do Brasil, a mesma coisa. Adeus ao surrealismo hilário de Monty Phyton: que venha o Borat, representante de um humor moderno que eu, particularmente, abomino. Não que ele seja irrelevante, mas essa comicidade que deprecia e constrange, típica das pegadinhas e dos trotes, confirma que a grosseria passou a ser reconhecida como um forte traço de caráter do ser humano.

Ninguém vai esperar que um humorista seja cerimonioso, mas há uma linha tênue que separa o burlesco do grotesco. Semana passada, assisti a um stand up em Porto Alegre (Desculpe, mas o Ator Americano Ficou Doente), que levou o público às gargalhadas com imitações, irreverências e piadas politicamente incorretas, tudo com o melhor dos respaldos: a inteligência. Não há como se sentir agredido pela inteligência – a não ser que você não a tenha.

Já fomos mais elegantes, inclusive para fazer rir. Por ora, o humor tem se valido do esculacho mais vil e miserável. O que explica essa nostalgia toda por Chico Anysio.

Você sabe o que é autismo? Poucos sabem. Domingo próximo, começarão diversas atividades que visam esclarecer sobre a doença e alertar sobre a importância do diagnóstico precoce.

Tudo começa com uma caminhada às 11h30min, com saída do Brique da Redenção. Vista uma camiseta azul e participe. Temos cerca de 2 milhões de crianças autistas no Brasil e quase nada de informação.


28 de março de 2012 | N° 17022
ARTIGOS - Claudio Lamachia*


Reféns das telefônicas

Campeãs em reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor, alvos de centenas de milhares de ações no Judiciário, as companhias de telefonia celular, fato conhecido de todos, deixam muito a desejar na prestação de serviços aos consumidores.

Há um abismo separando o serviço contratado pelo usuário daquele que é, efetivamente, oferecido pelas companhias. Falta de sinal, ligações interrompidas, baixa qualidade na conversação são comuns e, mais do que isso, onerosas ao cidadão que precisa, constantemente, refazer seus telefonemas.

Em 2011, a OAB/RS ajuizou uma Ação Cautelar de Produção Antecipada de Provas contra as empresas de telefonia celular que atuam no Rio Grande do Sul. Na inicial, defendemos que, na qualidade de consumidores, os advogados gaúchos tiveram, e estão tendo, seus direitos violados em razão da forma ineficiente como vêm sendo fornecidos os serviços públicos de telefonia móvel.

É claro que os prejuízos não são apenas dos advogados. Toda a sociedade é lesada. Também por isso, foi disponibilizado no site www.oabrs.org.br um formulário para que todos os consumidores apontem os locais em que o sinal dos aparelhos não atende plenamente sua necessidade.

O debate ganha novos contornos com o ajuizamento de novas ações ao redor do país, promovidas por outras OABs e, principalmente, pelo Conselho Federal da entidade, que abraçou a causa e vem questionando a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre a falta de solução para as evidentes deficiências do setor, que transformaram os consumidores em reféns dos péssimos serviços, uma vez que, apesar da concorrência, as telefônicas são incapazes de cumprir o que prometem.

As companhias argumentam que a legislação municipal, no caso de Porto Alegre, impõe uma série de restrições à ampliação da cobertura, criando um estrangulamento do sistema, que já estaria no limite.

Ora, se o problema é a falta de condições para atender de forma plena o que prometem, deveriam as companhias deixar imediatamente de colocar novas linhas no mercado.

Ou, quem sabe, revisar os custos e oferecer um desconto razoável aos usuários, reféns de um serviço de primeira necessidade que não será usufruído da maneira esperada.

O que não se pode, em respeito ao direito dos consumidores, é permitir que a eventual incapacidade técnica sirva de desculpa para a falta de compromisso das operadoras com seus clientes.

*Presidente da OAB/RS


28 de março de 2012 | N° 17022
DIANA CORSO


O fio da memória

Graças a sua coleção de fantoches, Policho era uma lenda na minha infância. Nas estantes de sua casa, dezenas de figuras caricaturais e mágicas ficavam longe do meu alcance, só os olhos podiam tocá-las. Não eram brinquedos, eram atores, apenas estavam repousando.

Seu dono era um “bonequeiro”, fazia teatro de fantoches: em suas mãos eles falavam, dançavam, brigavam muito e arrancavam gritos e risadas da plateia. Fantoches são exagerados.

Atrás do artista havia um homem politizado, ativista em tempos pouco propícios para isso no Uruguai, onde vivíamos. Por isso foi preso e barbaramente torturado. Entre seus crimes estava o fato de ser filho de um importante educador cubano e pai de dois jovens considerados perigosos, como se tornaram os jovens naquele então. Na cela após a jornada de suplícios, ocorreu-lhe uma avassaladora amnésia.

Na determinação de calar, já não lembrava quem era: saber-se era perigoso. Fruto do esforço de evocar, veio-lhe à mente o pedacinho de uma história que ele passou a contar a si mesmo. Infelizmente não sei qual era, se conto, lenda ou romance, e não há como lhe perguntar, ele já partiu.

Dia após dia, a trama crescia. Scherazade de si mesmo, foi atiçando a própria curiosidade e sobrevivendo à miséria da desesperança. Quando a narrativa se completou em sua cabeça foi como se tivesse atravessado um portal. Ela era a chave: toda sua memória voltou, com ela a identidade e a força para suportar a dor.

A evocação que o livrou da amnésia, podia ter sido de uma lembrança de infância, da família, uma música, o número da carteira de identidade ou endereço, elementos da realidade pessoal que ele procurava resgatar. Mas o que voltou foi uma história.

É o mesmo caminho traçado por Umberto Eco em seu livro A Misteriosa Chama da Rainha Loana, no qual um homem recupera a memória perdida visitando o porão da casa que fora do avô, onde ficara sua antiga coleção de gibis. Reencontrar-se com histórias de que gostava foi o método para encontrar a própria identidade porque nelas ficam guardados sonhos e desejos.

São nossas divagações fantasiosas, enfeixadas em histórias que lemos, assistimos ou nos contaram, que melhor nos traduzem e representam: ali está o tesouro da hipotética verdade de cada um.

Talvez, se algum dia precisar, eu possa recorrer às histórias que aqueles bonecos quietos na estante me cochicharam, encenadas no palco da imaginação infantil. Eles eram só fantoches, mas tinham um amo que certamente sabia que uma boa história é a chave de tudo o que somos.


28 de março de 2012 | N° 17022
PAULO SANT’ANA


Urgente fim para as desordens

Ontem, Porto Alegre teve seu trânsito paralisado em diversos pontos por passeatas de agricultores e vigilantes, o fato dominou o noticiário da Rádio Gaúcha durante todo o dia.

Horas e horas de engarrafamentos irritantes.

Quero dizer uma coisa. Essas passeatas que interrompem o trânsito são ilícitas. Porque revelam o que se chama de desordem. Ou seja, sabotagem.

Elas sabotam um serviço essencial da cidade: a sua circulação.

Se assim como explico bem, é uma desordem, então os manifestantes se constituem claramente em desordeiros.

São uns desordeiros.

Esses manifestantes costumam dizer que se manifestam nas ruas porque vivemos num regime democrático.

Justamente por vivermos numa democracia é que nenhum protesto público pode interromper o trânsito. Quando assim interrompem o trânsito, esses desordeiros ferem a liberdade de locomoção das pessoas.

Não se diga que paralisam somente os proprietários de carros, interrompem também o trânsito dos ônibus, dos lotações, dos táxis, ou seja, interrompem o trabalho das pessoas, atacam a coletividade.

São uns desordeiros.

Em primeira instância, a EPTC tem de reprimir essas passeatas. Em segunda instância, se tiver de usar de energia ou força, a Brigada Militar tem de reprimir essas passeatas, extirpá-las do mapa da cidade.

Chega de conviver pacificamente com essas passeatas que sabotam o trânsito.

Lugar de passeata é nas praças, sem incomodar ninguém. A praça é do povo, lá é que deveriam protestar contra tudo esses desordeiros.

A praça é do povo e o leito das ruas é dos veículos, que contêm povo.

Evidentemente que o propósito desses desordeiros é chamar a atenção para os seus protestos. Mas o que têm a ver com seus protestos as pessoas que estão dirigindo ou que estão nos ônibus, lotações e táxis? Dentro desses veículos vão pessoas trabalhadoras, vão idosos, vão crianças. E dentro das ambulâncias que os desordeiros transtornam vão doentes.

Vão ter de parar com esse absurdo aqui em Porto Alegre esses desordeiros.

Terão de ser reprimidos.

Esta coluna, por ser uma das mais lidas do Brasil, campeã absoluta de leitura no Top Of Mind da Revista Amanhã em 22 anos consecutivos de sua realização, tem por isso o dever conceitual, moral e profissional de descascar essas passeatas que interrompem o trânsito.

Ganhei o mandato para defender a coletividade contra esses vândalos quando recebi, 18 anos atrás, o maior galardão de minha vida de jornalista: o Prêmio de Direitos Humanos, o Human Rights.

Defender o direito de trânsito das pessoas é defender os direitos humanos.

É defender o direito das multidões de se locomoverem e não verem atrapalhadas e molestadas gravemente suas vidas por esses desordeiros, cujos protestos, no sentir desta coluna, se tornam vilipendiados pela interrupção do trânsito.

A maioria desses protestos é justa, só não é apropriada. Vão protestar nas praças, não no leito das ruas.

Não! Não! E não, senhores e senhoras desordeiras.

segunda-feira, 26 de março de 2012



26 de março de 2012 | N° 17020
NOSSOS FILHOS | VIVIAN EICHLER


Os “terríveis” dois anos

Editora de Mundo, 34 anos, mãe do Santiago, dois anos

Há exatos dois anos, o Santiago chegava para revolucionar as nossas vidas. Venho me preparando mentalmente para essa data. E tomando atitudes. Por exemplo, na semana passada, criamos coragem e cortamos os cachinhos desgrenhados, virgens, que conferiam ao nosso pequeno um visual de anjinho com um quê de centroavante argentino.

– Faz um corte bem com cara de guri – orientou o pai ao cabeleireiro.

Apesar da determinação, bastou o barulho daquela maquininha para nos emocionarmos vendo o visual do nosso bebê se transformando.

A casa também está mudando. A cadeirinha alta e cheia de apetrechos, que vinha servindo de cabide, saiu da sala. Em poucas semanas, uma cama ocupará o lugar do berço. Um roupeiro grande vai substituir a cômoda com trocador de fraldas. E o penico já está no banheiro – até agora tem servido mais de banquinho, mas permanece num cantinho, à espera do dono.

Olho aquele menino de bermudão, sem camisa, cabelo curto, suado de tanto correr, que come sozinho e toma no copo sem virar o suco e me questiono: onde está o meu bebê?

A cada dia, nossas conversas têm mais jeito de diálogo. Ele me pergunta o que estou fazendo, conta o que comeu, com quem brincou. Aponta na geladeira o que quer comer. Canta Atirei o Pau no Gato e Boi da Cara Preta inteiras, torce para o Relâmpago McQueen ganhar a corrida e nos diverte imitando o lobo mau.

Os dois anos são um marco de transformação do neném para alguém que tem vontade própria, testa limites, mas ainda, na prática, é um bebezão. A fase é chamada de “os terríveis dois anos”. É como resume a psicóloga Denise Scalamato Duarte, em um bom papo sobre as características dessa faixa etária. Pergunto o que virá pela frente. “Prepare-se”, avisa ela:

– De zero a cinco anos, a fase que gera mais conflito interno é a dos dois anos, porque a criança está aprendendo a lidar com o desejo e as pressões do ambiente.

Traduzindo: eu que me achava PhD em birra ainda não vi nada.

Posso esperar também que, nos próximos meses, o meu filhinho continue achando que tudo é dele, mas ao poucos descubra o que significa brincar com os amigos – até o momento, ele brinca “ao lado” dos amigos, não “em conjunto”, diz Denise. Os dois anos, enfim, são os primórdios da socialização, o boom da linguagem e marcam o amadurecimento.

Que venham, então, os dois anos, os três, os quatro e assim por diante. Um mais encantador que o outro.


26 de março de 2012 | N° 17020
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Bispo do Rosário

Não se trata de tema imediatamente religioso, como o título parece sugerir. Aqui se fala de um artista único na história brasileira: o sergipano Artur Bispo do Rosário (1909 – 1989). Internado num manicômio carioca por 50 anos, descendente de escravos, personagem patética e arrebatadora, dedicou-se de maneira recorrente a uma espécie de delírio artístico, trabalhando com materiais que tinha à mão: fios, panos, madeira, papel, papelão, metal. Suas criações são desconcertantes. Impossível não ser tocado pela força de produção, seja em quantidade, seja em densidade simbólica.

Apartado da comunidade “sadia”, vivendo entre “iguais”, dotado de uma imaginação transbordante, ele usava o cotidiano como inspiração.

Seus objetos recriam, numa fidelidade de escala e de proporções, aquele seu (pequeno) mundo feito de pequeninas coisas: um rolo de pintar paredes, um patinete, uma mangueira, um ponto de ônibus, uma tesoura, um capacete, um pandeiro, um regador, um cabideiro, um moedor de cana, peças de jogo de xadrez, uma pá de lixo, um rolo compressor, uma escada de parede, um machado – e mais uma centena de objetos que, recebendo a textura do pano e da linha, passam a adquirir novos significados. Isto é: aquilo é e não é, ao mesmo tempo.

Deixam de ser o que são: essa pá de lixo e esse machado não servem senão ao olhar. Não contente em criar esse gabinete de curiosidades, ele borda sobre a superfície de pano o nome “real” dos objetos e lhe atribui um número. Nomear e numerar eram sua maneira de apreender para si o objeto da criação. Podemos, assim, atribuir a esse artista uma qualidade demiúrgica, dotada de uma irracionalidade que, ao fim e ao cabo, faz sentido no universo particular do autor.

Isso, e muito mais, pode ser encontrado no Santander Cultural. Esse “muito mais” são obras-primas, como o célebre Manto da Apresentação, uma espécie de poncho com o qual ele se apresentaria perante Deus, crivado de frases sibilinas, ornamentos, colagens de patchwork, galões, fios trançados, penduricalhos – enfim, o que a fantasia mandava e ele obedecia.

Deus – eis uma preocupação constante de nosso artista. Deus, com as atribuições divinas clássicas, mas também um Deus compassivo e muito próximo do ser humano. Um Deus doméstico.

No final de tudo, o título – que é o nome do artista – não está tão longe de representar uma profunda religiosidade.

Vá ao Santander – você, ali, viverá uma das mais impressionantes experiências de sua vida.


26 de março de 2012 | N° 17020
PAULO SANT’ANA


Túmulos

Em 1973, quando vi, eu estava diante do túmulo de Napoleão, em Paris.

Dias antes, eu estivera no mausoléu de Lênin, em Moscou.

Não sei por que não fui ao túmulo de Joana D’Arc. Sempre tive a mania de visitar túmulos, tanto que tenho o remorso de não ter ido à Paraíba para visitar a sepultura de meu poeta, Augusto dos Anjos.

Onde há ciprestes, pode ficar certo de que eu ando rondando por ali.

Se eu pudesse ou tivesse imaginação, visitaria o meu próprio túmulo, isto é, compraria agora um terreno num cemitério, escreveria um epitáfio e visitaria a sepultura onde iria repousar quando morresse.

E quando um dia fores comovida,

Branca visão que entre os sepulcros

erra,

Visitar minha fúnebre guarida,

O coração, que todo em si te

encerra,

Sentindo-te chegar, mulher

querida,

Palpitará de amor dentro da terra.

Se me permitissem, gostaria de ser sepultado no Parque Farroupilha, local por cuja preservação lutei durante toda a vida, querendo cercá-lo para abri-lo, protegendo-o dos vândalos que o degeneram durante todas as noites.

É importante o local em que se vai repousar por toda a vida, o endereço da eternidade. Ainda assim, como se verifica nos cemitérios atuais, pode o cadáver ser despejado se seus familiares não lhe pagarem o aluguel funéreo. Isso chega a ser aterrorizante. Mesmo depois de morto, ainda há que se pagar tributos.

A ressurreição é responsável por não se ter hoje na Terra um túmulo de Jesus.

Se Jesus não tivesse ressuscitado e tivessem sido preservados seus restos mortais, imaginem as romarias que os cristãos fariam todos os anos, vindos de todas as partes do mundo para visitar o túmulo de Cristo. Se já no Santo Sepulcro, em Jerusalém, as romarias são intensas, embora ele não contenha os restos mortais de Jesus, se algum lugar os contivesse, seria mais sagrado (ou mais concorrido), talvez, que Meca para os muçulmanos.

Morreu Chico Anysio, notícia que me caiu como um grande pesar. Não só porque se tratava de um grande artista, mas também porque celebrei com ele uma amizade nas vezes em que vinha a Porto Alegre, participava do Jornal do Almoço e eu no meu carro trazia-o para o Sala de Redação.

Era dono de um grande talento e de um papo delicioso. Abriu-me sua intimidade e fiquei, assim, sabendo das relações que teve com as mulheres com quem se casou.

Pode não ter sido o maior humorista que tivemos, lembro-me que José Vasconcellos era pura gargalhada. Mas, em televisão, Chico Anysio foi o mais marcante ator.

Resistiu à velhice com bravura indômita, a Globo tratou sua velhice com dignidade, nunca negou espaço para ele, embora o tivesse reduzido.

Pode-se dizer também que era um literato, lançou diversos livros divertidíssimos.

Que pena, quando um artista assim de tanta abrangência morre, o povo por instantes largos fica triste.


26 de março de 2012 | N° 17020
L. F. VERISSIMO


Apessoados

Nossa língua tem mistérios nunca devidamente estudados – ou então já fartamente esclarecidos sem que nós, os comuns, ficássemos sabendo. Por exemplo: nunca entendi o que quer dizer “bem-apessoado”. Se existe “bem-apessoado”, deve existir “mal-apessoado” – significando exatamente o quê? Eu sei, eu sei, diz-se que alguém é “bem-apessoado” quando tem uma boa aparência.

O “bem-apessoado” é agradável aos olhos, sua companhia é sempre bem-vinda e seu visual melhora qualquer ambiente. Já o “mal-apessoado” deve ser alguém que não se completou como pessoa, que falhou na sua representação humana. Pode até ter um belo interior, mas não o exterioriza.

Desconfio que a expressão “bem-apessoado” surgiu como eufemismo. Quando não se podia dizer que alguém era bonito, dizia-se que era bem-apessoado. Como chamar uma mulher de vistosa quando não se pode chamá-la de linda. “Vistosa” é um adjetivo suficientemente vago – descreve montanhas tanto quanto mulheres – para não melindrar ninguém. Curiosamente, não se usa, que eu saiba, “bem-apessoada”. O termo só se aplica a homens. O que leva a outra conclusão: “bem-apessoado” seria uma maneira de um homem falar da beleza de outro homem sem, epa, mal-entendidos.

– Bem, você não acha o George Clooney maravilhoso?

– Bem-apessoado, bem-apessoado.

Outrossim, outro termo intrigante que raramente tive a oportunidade de usar é “outrossim”. Descobri que a palavra quer dizer exatamente o que parece, outro “sim”, ou um “sim” adicional, mas que nunca é usada neste sentido. “Outrossim” é como ponto e vírgula: poucos sabem como e onde empregá-lo corretamente.

Nas poucas vezes em que usei “outrossim” – e ponto e vírgula também – foi com uma certa trepidação, como quem invade a propriedade de alguém sem saber se vai ser corrido pelos cachorros, no caso os guardiões do vernáculo. Há quem sugira que só se possa usar o ponto e vírgula com autorização expressa da Academia Brasileira de Letras.

Outra palavra estranha é “amiúde”. Ninguém mais a usa, pelo menos não amiúde. Mas ela pode voltar, graças à música Geni que o Chico Buarque resgatou do seu musical Ópera do Malandro e é um dos pontos altos do seu show atual. A Geni vai com todo o mundo...

“E também vai amiúde

com os velhinhos sem saúde.”

Bendita Geni.

domingo, 25 de março de 2012



Sob o domínio das horas

Os sete métodos mais populares de gerenciamento de tempo

GTD
"Getting Things Done", ou fazendo as coisas acontecerem, não se baseia no conceito de priorização, mas de identificação das etapas a serem cumpridas. E diz que toda nova tarefa que possa ser executada em menos de dois minutos deve ser realizada imediatamente
www.davidco.com

Mapa mental
É uma ferramenta para organizar seus pensamentos. Seja para listar tarefas ou para gerenciar um projeto maior, o mapa mental tem como objetivo fazer com que você planeje, liste, entenda e visualize as etapas considerando sempre o todo, o global.
www.mindmeister.com

Técnica do Post-it
Sua listas de tarefas são enormes? Então nem adianta começar porque você certamente vai procrastinar. Para o inglês Mark McGuiness, as atividades de um dia têm de caber em um bloco de papel de 7,6 cm x 7,6 cm. A ideia é lembrar que o dia, assim como o quadrado de papel, é limitado

Neotriad
Baseia-se em um tripé que classifica as tarefas como importantes, urgentes e circunstanciais. A proposta é reduzir o tempo gasto com urgências e obrigações para investir nas importantes. O software do método ajuda a pôr em prática
www.neotriad.com

Zen Habits
A técnica defende que é preciso desacelerar para acelerar. Diminuir o estresse para conseguir focar no que realmente é importante. É um blog cujo criador dá dicas de bem-estar e de organização para aumentar a produtividade
www.timemanagementninja.com

POSEC
Sigla em inglês para priorizar, organizar, racionalizar, economizar e contribuir. O método defende que seus usuários agrupem as tarefas em blocos curtos e elenquem os objetivos por ordem de importância, obedecendo aos cinco critérios descritos acima

Pomodoro
É a técnica do tomate ("pomodoro" em italiano). O profissional deve fracionar seu dia concentrando-se em uma única atividade por 25 minutos, com uma pausa de 5 minutos. A segunda pausa será de 10 minutos, e a terceira, de 15
www.pomodorotechnique.com
Empresa cria programa para que seus funcionários emagreçam

Companhias privadas, hospitais e prefeituras têm mecanismos internos para perda de peso

Metodologia inclui reuniões em grupo com especialistas, apoio psicológico e aulas de ginástica em academias

Edson Silva/Folhapress



Funcionárias públicas de Franca, interior de São Paulo, fazem hidroginástica; prefeitura tem projeto para emagrecer servidores com sobrepeso
JULIANA COISSI - DE RIBEIRÃO PRETO

Cada reunião na sala da diretoria significava praticamente o início de uma maratona para o gerente de assistência técnica e serviços Marcel Teixeira da Rocha, 52.

"Como trabalho na fábrica, até alcançar o prédio administrativo eu chegava cansado, bufando", disse Rocha, que pesava 97 kg em fevereiro, o que configuraria obesidade por sua altura -1,67 m.

Foi a abordagem da direção da metalúrgica Renk Zanini, em Sertãozinho (a 333 km de São Paulo), para que perdesse peso que o fez passar por exames e engatar na academia. Hoje, com 90 kg, quer se livrar de mais dez.

Empresas privadas, hospitais e prefeituras estão criando programas próprios ou com assessoria para "emagrecer" seus funcionários obesos ou acima do peso.

Desde fevereiro, a Prefeitura de Franca, também no interior, criou grupos com servidores acima do peso.

O convite foi feito aos funcionários em uma revista interna no mês passado. A procura surpreendeu: hoje há dois grupos, de 20 pessoas cada, e 136 na fila de espera -praticamente só mulheres.

FISCALIZAÇÃO

Os funcionários participam de reuniões semanais com apoio de psicólogo, médico e educador físico. Além de aulas de ginástica, eles usam a piscina municipal para natação e pagam hidroginástica.

E os próprios colegas de trabalho são os fiscais de quem tenta emagrecer, disse a ajudante-geral Gislaine Cristina Salles, 37. "Uma anima a outra, diz que não pode comer dois pães no café."

Há também empresas que fazem parceria com grupos como o Vigilante do Peso. Há 15 anos, a organização criou programa para montar grupos dentro de companhias como Itaú-Unibanco e Vale.

Na CPFL Energia, a parceria funciona desde 2007. Há incentivo financeiro: para quem perde de 3 kg a 5 kg, a empresa paga 60% do valor. Acima de 5 kg, o subsídio sobe para 80%. A concessionária também oferece academia em algumas das unidades.

O casal Marcelo de Moraes, 46, e Cláudia Coimbra, 47, funcionários da empresa, participaram juntos do grupo, no ano passado. Cada um perdeu 7 kg, mas, como recuperaram outros três no fim do ano, voltaram para as reuniões do Vigilantes.

Também em 2011, no Santander, 176 funcionários perderam, juntos, 550 kg.

FERREIRA GULLAR

Da fala ao grunhido

De que adianta escrever o que escrevo aqui se a televisão continuará a difundir a fala errada?

DESCONFIO QUE, depois de desfrutar durante quase toda a vida da fama de rebelde, estou sendo tido, por certa gente, como conservador e reacionário. Não ligo para isso e até me divirto, lembrando a célebre frase de Millôr Fernandes, segundo o qual "todo mundo começa Rimbaud e acaba Olegário Mariano".

Divirto-me porque sei que a coisa é mais complicada do que parece e, fiel ao que sempre fui, não aceito nada sem antes pesar e examinar. Hoje é comum ser a favor de tudo o que, ontem, era contestado. Por exemplo, quando ser de esquerda dava cadeia, só alguns poucos assumiam essa posição; já agora, quando dá até emprego, todo mundo se diz de esquerda.

De minha parte, pouco se me dá se o que afirmo merece essa ou aquela qualificação, pois o que me importa é se é correto e verdadeiro. Posso estar errado ou certo, claro, mas não por conveniência. Está, portanto, implícito que não me considero dono da verdade, que nem sempre tenho razão porque há questões complexas demais para meu entendimento. Por isso, às vezes, se não concordo, fico em dúvida, a me perguntar se estou certo ou não.

Cito um exemplo. Outro dia, ouvi um professor de português afirmar que, em matéria de idioma, não existe certo nem errado, ou seja, tudo está certo. Tanto faz dizer "nós vamos" como "nós vai".

Ouço isso e penso: que sujeito bacana, tão modesto que é capaz de sugerir que seu saber de nada vale. Mas logo me indago: será que ele pensa isso mesmo ou está posando de bacana, de avançadinho?

E se faço essa pergunta é porque me parece incongruente alguém cuja profissão é ensinar o idioma afirmar que não há erros. Se está certo dizer "dois mais dois é cinco", então a regra gramatical, que determina a concordância do verbo com o sujeito, não vale. E, se não vale essa nem nenhuma outra -uma vez que tudo está certo-, não há por que ensinar a língua.

A conclusão inevitável é que o professor deveria mudar de profissão porque, se acredita que as regras não valem, não há o que ensinar.

Mas esse vale-tudo é só no campo do idioma, não se adota nos demais campos do conhecimento. Não vejo um professor de medicina afirmando que a tuberculose não é doença, mas um modo diferente de saúde, e que o melhor para o pulmão é fumar charutos.

É verdade que ninguém morre por falar errado, mas, certamente, dizendo "nós vai" e desconhecendo as normas da língua, nunca entrará para a universidade, como entrou o nosso professor.

Devo concluir que gente pobre tem mesmo que falar errado, não estudar, não conhecer ciência e literatura? Ou isso é uma espécie de democratismo que confunde opinião crítica com preconceito?

As minorias, que eram injustamente discriminadas no passado, agora estão acima do bem e do mal. Discordar disso é preconceituoso e reacionário.

E, assim como para essa gente avançada não existe certo nem errado, não posso estranhar que a locutora da televisão diga "as milhares de pessoas" ou "estudou sobre as questões" ou "debateu sobre as alternativas" em vez de "os milhares de pessoas", " estudou as questões" e "debateu as alternativas".

A palavra "sobre" virou uma mania dos locutores de televisão, que a usam como regência de todos os verbos e em todas as ocasiões imagináveis.

Sei muito bem que a língua muda com o passar do tempo e que, por isso mesmo, o português de hoje não é igual ao de Camões e nem mesmo ao de Machado de Assis, bem mais próximo de nós.

Uma coisa, porém, é usar certas palavras com significados diferentes, construir frases de outro modo ou mudar a regência de certos verbos. Coisa muito distinta é falar contra a lógica natural do idioma ou simplesmente cometer erros gramaticais primários.

Mas a impressão que tenho é de que estou malhando em ferro frio. De que adianta escrever essas coisas que escrevo aqui se a televisão continuará a difundir a fala errada cem vezes por hora para milhões de telespectadores?

Pode o leitor alegar que a época é outra, mais dinâmica, e que a globalização tende a misturar as línguas como nunca ocorreu antes. Isso de falar correto é coisa velha, e o que importa é que as pessoas se entendam, ainda que apenas grunhindo.

DANUZA LEÃO

Perigo anunciado

Se já tem tanta violência, imagine uma briga por um impedimento mal marcado, com os torcedores bebendo

AFINAL, OS torcedores vão poder beber sua cervejinha nos estádios durante a Copa, sim ou não?

O problema entre a base aliada e a oposição, Código Florestal etc., é uma coisa, mas vamos falar de outra: o compromisso que o governo assinou com a Fifa, liberando a venda de bebida alcoólica nos estádios durante a Copa.

Se já acontece tanta violência entre as torcidas em tempos normais, imagine uma briga por um impedimento mal marcado, com os torcedores bebendo. Mas os dirigentes da Fifa e da cervejaria patrocinadora não estão nem aí, é apenas um problema de $$$, e a responsabilidade sobre qualquer tumulto será totalmente do governo.

O Brasil tem que honrar o compromisso que assinou? Tem. Mas foi certo ter concordado com a liberação da bebida? No meu entender, não. E por que então assinou? Porque a Fifa quis, porque a cervejaria que patrocina quis, e as autoridades brasileiras não tiveram coragem de dizer não. O Brasil quis posar de bacana, sediar a Copa e a Olimpíada mostraria ao mundo como somos importantes etc. etc. Que herança, hein, presidente Dilma?

Os que são a favor da medida argumentam dizendo que até o Qatar, país onde é proibida a bebida alcoólica e que será sede da Copa de 2022 -a escolha aconteceu em meio a escândalos de suborno, propinas etc.-, aceitou que o álcool role durante os jogos; pois fez muito mal o Qatar.

Por duas vezes a Fifa foi deselegante com o Brasil -para não dizer moleque. A primeira quando Valcke, seu secretário-geral, disse que o Brasil precisava levar um chute no traseiro para agilizar as obras e garantir a aprovação da Lei Geral da Copa; ele até tem razão, mas escolheu mal as palavras. Dilma não gostou, o ministro Aldo Rebelo declarou que não aceitaria mais Valcke como interlocutor e até pediu que ele fosse trocado. Valcke se defendeu dizendo que foi erro de tradução.

A segunda foi quando, dias depois de ter sido recebido por Dilma, Blatter confirmou que Valcke continua não só como secretário-geral do evento, mas como responsável pela organização da Copa -é o homem forte do Mundial.

Aguarda-se agora a próxima visita de Valcke ao Brasil, considerado persona non grata pelo ministro do Esporte, Aldo Rebelo.

No nosso país a corrupção nas licitações é normal; quando uma obra atrasa -e as obras da Copa estão atrasadíssimas-, tem que ser feita em caráter emergencial, e esse é o caminho mais curto para roubalheiras escandalosas, o que saberemos pela imprensa, claro.

Vamos nos preparar para ouvir que nunca se roubou tanto nesse país, e só quero ver o que vão achar os torcedores quando souberem o quanto vão ter que pagar para verem um jogo em outra cidade; a passagem aérea no Brasil é a mais cara do mundo, uma Rio/SP/Rio custa em volta de R$ 1.000.

Torcida de futebol com álcool liberado é uma dobradinha que não pode dar certo. Não ter enfrentado a Fifa e dizer um solene NÃO, quanto à liberação das bebidas, foi fruto de nosso complexo de vira-lata. E ninguém sabe o que mais foi combinado -e assinado- entre o Brasil e a Fifa, que se acha a dona do mundo.

O Carnaval hoje é totalmente dominado pelas cervejarias; agora elas começam a mandar também no futebol.

danuza.leao@uol.com.br

CARLOS HEITOR CONY

A Copa e os leões africanos

RIO DE JANEIRO - Faltam ainda dois anos para a Copa de 2014 e, de minha parte, declaro que já estou de saco cheio de tudo o que está sendo discutido, prometido, negado e negociado a respeito dela.

Em 1950, na Copa daquele ano que marcou a inauguração do estádio Mário Filho, houve mais trabalho do que conversa para enxugar gelo. Lembro o violento debate na Câmara Municipal entre os vereadores Carlos Lacerda, que desejava o estádio em Jacarepaguá, e Ary Barroso, que lutou e venceu pelo Maracanã.

Mas o assunto foi resolvido a tempo e a hora sem encher a paciência de ninguém. Daqui a pouco, antes mesmo da Copa, todo mundo estará tão farto dela que acreditará no absurdo: mesmo sem ter sido realizada, ela já aconteceu, todos falarão em antes e depois da Copa, no gol de Neymar contra a Argentina e na expulsão de Ronaldinho Gaúcho.

Coisas muito anunciadas não precisam acontecer. Há o caso de Tartarin, personagem de Alphonse Daudet, presidente de um clube de caça em Tarascon, sul da França. Ele avisou que iria caçar leões na África, passava as noites com os sócios do clube, explicava as dificuldades, os perigos, a fúria dos animais que se recusavam a serem caçados.

Passaram-se exatos dois anos em que Tartarin, todas as noites, vinha com novidades, os preparativos, as armas, as tendas a serem montadas nas vastidões africanas.

Até que um dia, sem qualquer combinação prévia, toda a Tarascon acreditou que Tartarin já tinha ido caçar leões e já voltara, coberto de glória e troféus.

No início, o próprio Tartarin ficou meio desconfiado, mas acabou aceitando como fato consumado sua heroica façanha. Todas as noites, no clube de caça, os tarasconeses se reuniam para ouvir as fantásticas aventuras de Tartarin contra os leões.