segunda-feira, 30 de novembro de 2009


RUY CASTRO

Cego e a qualquer custo

RIO DE JANEIRO - Certa noite, há dois ou três anos, em Paraty, faltou luz em plena Flip. Por alguns segundos, ninguém enxergava ninguém na rua. Mas a literatura está habituada a se virar nas trevas, e o pessoal não se apertou. Milhares acenderam seus celulares e, para quem via de longe a cena, pareciam chusmas de vaga-lumes no breu.

Além disso, nesses românticos burgos, meio praianos, meio rurais, o brilho das estrelas dispensa a luz da Light, ainda mais em julho. Namoros e sabe-se lá quantos flertes brotaram daquela noite.

No Rio, com os apagões à luz do dia, em horário comercial e a 35 graus de temperatura, as chances de romantismo são poucas. Os donos dos botequins descabelam-se ao perder seus estoques, as sorveterias precisam liquidar o sorvete antes que ele derreta e os quiosques são obrigados a vender coco quente. Um cabeleireiro teve de terminar na calçada a barba de seu cliente e meu dentista foi interrompido com a broca dentro do canal de uma antiga super-estrela da TV.

O modelo econômico implantado há alguns anos no país permite que qualquer família, mesmo com salário, habitação, saúde, transporte e educação nota 3, tenha em casa micro-ondas, laptop, TV a cabo, ar condicionado, freezer, amplificador, sub-woofer, caixas de som, enceradeira, liquidificador, batedeira de bolo etc. Isso é ótimo, e eu também me beneficio. Mas tem um custo.

O custo é a energia que, para acompanhar essa avalanche consumista, precisa ser produzida em escala cada vez maior. Estará sendo? Algo parecido se dá com a indústria automobilística: com tanta facilidade para se comprar um carro, a frota nas ruas duplicou sem que nossas pobres cidades estivessem preparadas para absorvê-la.
Pelo visto, voltamos aos tempos do "desenvolvimento" cego e a qualquer custo.

Uma linda segunda-feira.... uma gostosa semana pra você.


30 de novembro de 2009 | N° 16171
KLEDIR RAMIL


Homenagens

Acho que estou ficando velho, comecei a receber homenagens.

No próximo dia 10 de dezembro, Kleiton e eu vamos receber o título de cidadãos porto-alegrenses, na Câmara de Vereadores.

Deve ser por essa mania de escancarar pelo Brasil afora o amor que temos por nossa Capital. Apesar de morar há anos no Rio de Janeiro, muita gente pensa que eu vivo em Porto Alegre. Vai ver é isso mesmo, eles têm razão. O corpo foi embora, mas a alma ficou por aqui.

Dia 6 de dezembro, em pleno Beira-Rio, como preliminar do jogo final do Brasileirão, vou entrar em campo para receber o título de Cônsul Cultural do Sport Club Internacional. Por via das dúvidas, vou uniformizado. Se ninguém me segurar, assumo a posição de centroavante e garanto, pelo menos, a classificação para a Libertadores.

Em fevereiro de 2010, seremos tema do enredo da Academia do Samba, no carnaval de Pelotas, nossa terra natal. Depois de termos sido homenageados pela Caprichosos de Pilares, no Rio de Janeiro, e desfilar de carro alegórico pelo Sambódromo, não poderia haver nada melhor.

Há pouco tempo, alguns fãs mais exaltados resolveram lançar o “Dia de Kleiton & Kledir”. Ganhei 1/2 dia só pra mim. Sim, porque o Kleiton fica com a outra metade. Minha sugestão foi que ele ficasse com a parte da manhã, já que eu acordo mais tarde.

Como abriram uma votação para escolher o tal “Dia de K&K”, sugeri 27 de setembro, dia de Cosme e Damião. Que eu saiba, é a única dupla de santos que existe.

Mas fui voto vencido, talvez pela heresia da comparação. Só pra deixar registrado, tenho tido um comportamento exemplar durante toda a vida, o que, acredito, me credencia à beatificação. Mas não vou insistir nesse assunto, pois não posso colocar minha mão no fogo pelo outro K.

Por fim, a data escolhida foi 22 de novembro, para celebrar os 30 anos da primeira apresentação oficial de Kleiton & Kledir como dupla, cantando Maria Fumaça no Festival da Tupi.

Para festejar a data, os tais admiradores – um grupo de ativistas radicais autointitulado KosKas – promoveram uma festa num bar virtual, na internet, para que pudessem estar presentes fãs e amigos de todo Brasil.

Como ando emocionado com tantas homenagens, perdi o controle. Depois do terceiro ou quarto copo, tirei a camisa, subi na mesa e dancei a chula. Calma, calma! Foi tudo virtual. Tudo virtual.


30 de novembro de 2009 | N° 16171
PAULO SANT’ANA


Cadeira Vazia

O Programa do Jô, quando dá para ser bom, sai da frente.

Foi assim na semana passada quando ele entrevistou o cômico Marcos Veras, ótimo ator e excelente imitador, que sacudiu o público durante dois segmentos do programa com suas tiradas e extraordinário humor picante.

E foi assim, ainda melhor, também na semana passada, quando foi entrevistada Mariza, grande fadista, cantadeira portuguesa.

Jovem e bela, produziria na entrevista com o Jô um dos mais instigantes momentos da música popular.

Em primeiro lugar, trata-se de uma grande cantora. Além disso, possui uma vivacidade ímpar, cantou maravilhosamente um fado e disse que conhecia muito da música brasileira.

Eu e todos os telespectadores ficamos torcendo para que o Jô Soares pedisse a ela para cantar uma página brasileira. E dali a pouco o Jô nos atendeu, solicitando que ela cantasse algo da nossa música.

Amigos, foi um momento alto da arte popular. Sem anunciar o que iria cantar, Mariza saiu dando de um modo tão alto, tão sensível, tão envolvente que a plateia e os telespectadores ficaram abismados que uma cantora estrangeira pudesse suplantar os intérpretes nacionais com aquela afinação e dicção divinas. E a canção foi escorrendo límpida, luminosa, para delícia total de quem a ouvia:

Entra, meu amor, fica à vontade

E diz com sinceridade

O que desejas de mim

Entra, pode entrar a casa é sua

Já te cansaste de viver na rua

E teus sonhos chegaram ao fim

Eu sofri demais quando partiste

Passei tantas horas triste

Que não posso lembrar este dia

Mas de um a coisa podes ter certeza

O teu lugar aqui na minha mesa

Tua cadeira ainda está vazia...

E foi até o fim encantando a todos. O Cadeira Vazia, de Lupicínio Rodrigues, ganhava uma feição que ainda não tivera nos lábios de tantos cantores e cantoras brasileiros. Mariza cantou com sotaque integralmente brasileiro, mas nem Elis Regina, que se não me engano gravou esta música, atingiu os píncaros de beleza de Mariza.

Ela massacrou, entusiasmou, divinizou o Cadeira Vazia, chamou a atenção de todos como nunca ninguém o fizera, para a beleza desta canção eterna, que é muito conhecida pelos amantes de Lupicínio , mas que passou a ser encarada ainda mais bela do que já se a considerava.

Foi um instante de perturbadora delícia, pouca vezes vibra-se tanto quando alguém canta como aconteceu desta vez.

Assim vale a pena ficar-se até o romper da madrugada à espera do Jô Soares.

E esta cantora Mariza já é afirmada em Portugal, mas tenho a certeza que se tornará em uma das mais destacadas intérpretes de fados e outras canções europeias.

Ela é simplesmente espetacular.

Quem puder, tente escutá-la para ver.


30 de novembro de 2009 | N° 16171
L. F. VERISSIMO


Sou

Sou contra qualquer tipo de intolerância. Acho que os intolerantes deveriam ser presos, condenados sem julgamento e esquartejados.

Sou tão careta que ainda uso o termo “careta”.

Sou devoto de São Esdras, como o saudoso Ciro Monteiro, segundo o saudoso Borjalo. Ciro Monteiro rezava para São Esdras porque era um santo desconhecido e, ao contrário de santos muito requisitados como Antonio, Judas Tadeu, etc., todos sobrecarregados de pedidos e trabalho, tinha tempo ocioso para atendê-lo, ficava radiante por ser lembrado e se esforçava para mostrar serviço.

Ciro Monteiro estava certo. Tenho apelado para São Esdras e até agora não posso me queixar. O grande teste vai ser este final de campeonato. Minha única preocupação é, se o Internacional ganhar, descobrirem que foi obra de São Esdras, ele ficar famoso como milagreiro e aí adeus atendimento personalizado.

Sou contra essas moças que andam em lugares públicos com saias pelos joelhos ou calças folgadas e blusas sem decote. Elas precisam pensar no exemplo que estão dando!

Sou a favor de nova tecnologia para ajudar os juízes no futebol. Como um dispositivo que, em caso de mão como a do Thierry Henry ou pênaltis o juiz leve à boca, assopre e... Mas espera aí, isso já existe.

Sou contra mudanças em geral. Se dependesse de mim, telefone ainda teria manivela. Seria um incômodo, certo, mas pense no lado positivo: não existiria o celular.

Sou a favor da reforma ortográfica, só fiquei com um certo remorso por nunca ter usado o trema. Não era implicância ou preconceito, era apenas um lapso, como o de nunca ter usado a palavra “outrossim” num texto. Outrossim (finalmente!) , gostei da eliminação do circunflexo, um ridículo chapeuzinho tão fora de moda quanto o turbante.

Mas nunca ter usado o trema , aquela mordidinha de vampiro em cima de certos “us”, foi imperdoável. Agora é tarde.

Sou contra o aquecimento global , a favor do aleitamento materno, contra a hipocrisia e a prepotência, a favor da paz entre as nações e, não me perguntem por que, contra água na Lua.

Campeonato

Definição do Fabricio Carpinejar para o atual campeonato brasileiro: não é um campeonato de futebol, é um balde de caranguejos. Perfeito.

domingo, 29 de novembro de 2009


FERREIRA GULLAR

Tema polêmico

Alguém acredita que Fernandinho Beira-Mar, com a descriminação de drogas, vai pagar ICMS?

AO DISCUTIR os problemas que dizem respeito a todos nós, não o faço por arrogância, mas para tentar entendê-los, suscitar a discussão ampla, já que os discuto comigo mesmo.

Um desses problemas são as drogas, que, a cada dia, se torna mais agudo, provocando debates e tentativas de solução os mais diversos e polêmica.

Vejo com apreensão pessoas e instituições responsáveis defenderem a descriminação dessas drogas, de todas ou das chamadas drogas leves, como a maconha. A experiência que tenho -eu e muita gente- indica que a droga leve é, quase sempre, a etapa inicial que conduz às drogas pesadas.

Os defensores da descriminação usam de um argumento que considero sofismático: alegam que defendem o fim da repressão ao tráfico de drogas porque a experiência demonstrou sua inoperância, isto é, a repressão não impediu o crescimento do tráfico e o aumento do consumo de drogas.

Veja bem: o aparelho judicial e a polícia foram criados para reprimir o crime e defender a sociedade; não obstante, após séculos de existência, não conseguiram acabar com a criminalidade que, pelo contrário, cresceu.

Devemos, por isso, não mais prender e punir os criminosos? Claro que não. Não há como extinguir definitivamente a criminalidade, mas deixar de combatê-la é a pior das opções. Ninguém, em sã consciência, defenderá essa tese.

Do mesmo modo, acabar com a repressão ao tráfico e ao consumo de drogas seria render-se aos criminosos e entregar as pessoas (particularmente os jovens) a consequências desastrosas. Basta pensar: que autoridade teria um pai de família para aconselhar o filho a não consumir drogas, se o próprio governo as legalizar e as permitir?

Quando, pela primeira vez, ouvi falar da necessidade de descriminar as drogas, lembrei-me de que a cocaína não é produzida aqui, vem de países vizinhos, onde seu uso é proibido. Como vender legalmente uma mercadoria que entrou ilegalmente no país? A opção inevitável será, sem dúvida, o plantio, no Brasil, da coca, em larga escala. Deixaríamos de plantar feijão e arroz para cultivar um produto bem mais lucrativo.

Talvez por isso, passou-se a falar na legalização mundial das drogas. Essa gente delira, mesmo sem cheirar cocaína. Alguém acredita que Fernandinho Beira-Mar, que ganha milhões de reais com a venda ilegal de drogas, vai passar a pagar Imposto de Renda e ICMS? Ignoram que alguns dos maiores contrabandos que existem no Brasil são de pedras preciosas e de cigarros, que não têm sua comercialização proibida.

Mas há outro ponto também discutível, que é legalizar o consumo de drogas. Acreditam que o consumidor é um doente, que deve ser tratado e não castigado.
Será verdade que todo consumidor de drogas é um doente? Aposto que não. Os maiores consumidores de cocaína e drogas sintéticas não são viciados patológicos e, sim, consumidores que utilizam as drogas socialmente.

Não há o cara que bebe socialmente e não é alcoólatra? Assim como a maioria dos que consumem bebidas alcoólicas não é constituída de alcoólatras, há muita gente que ganha bem, goza de prestígio social como empresário ou artista, e consome maconha, cocaína, ecstasy, promove festas para, divertidamente, drogar-se, ele e sua patota. Compra drogas de vendedores qualificados, que não precisam subir o morro.

Alguém acredita que os milhões de reais que as drogas rendem ao tráfico saem do bolso dos favelados ou do garotão viciado, filhinho de papai, que paga o traficante roubando da família?

A legalização do consumo de drogas só servirá para estimular um número maior de pessoas, socialmente bem situadas, a se tornarem alegres consumidores delas. Oferecer tratamento ao viciado está certo, mas como, se a nova política de saúde -a tal "psiquiatria democrática"- não possibilita internações?

E pense nisto: o tráfico sobreviveria se, de repente, ninguém mais usasse drogas? Um exemplo hipotético: se as pessoas deixassem de consumir carne, a produção e o comércio de carne sobreviveriam? Todos sabemos que nenhuma mercadoria subsiste sem comprador.

É um contrassenso, portanto, pretender acabar com o tráfico de drogas liberando o consumo. Essa liberação, sem dúvida alguma, multiplicaria por milhões o número de consumidores e fortaleceria ainda mais o tráfico.

Telefono para o setor de apoio técnico da Dell e, embora a lei obrigue que tais atendimentos não demorem mais do que um minuto, a telefonista informa que demorará dez. Espero 31 minutos e não sou atendido.

DANUZA LEÃO

O maior dos poderes

Dependendo do humor daquele dia, esse presidente pode, justa ou injustamente, acabar com a sua vida

EU BEM QUE tentei entender o caso de Cesare Battisti, mas não consegui.

O Supremo decidiu pela extradição do terrorista? Decidiu. Então ele vai ser extraditado, é isso? É mais ou menos isso. Mas o Supremo não é o Supremo, a última das instâncias a que alguém pode recorrer? É. Então?

É, mas nesse caso, quem vai decidir é Lula. E quem decidiu que quem vai decidir não é o Supremo e sim Lula? Bem, isto não está perfeitamente claro, mas é o que ficou decidido. Ah, então agora entendi que não entendi mesmo.

Existem países -os Estados Unidos, por exemplo- em que, quando um criminoso é condenado à morte, o governador do Estado tem o direito de poupá-lo da pena máxima, exercendo seu direito de clemência.

Mas não é bem isso que está acontecendo; se eu ouvi bem, o presidente declarou que vai ler os votos dos ministros, estudar (naquele juridiquês facílimo), refletir e decidir se Battisti deve ou não ser extraditado. A decisão será baseada na interpretação das leis, na certeza de que o indivíduo em questão ou é um refugiado político, ou um criminoso comum, nada a ver com um possível gesto humanitário.

Ao que me consta, é a primeira vez que isso acontece, e assim abre-se um perigoso precedente. Quando José Dirceu perdeu seu direitos políticos, se o Supremo tivesse passado a bola para Lula decidir se o seu então ministro era culpado do que o acusavam, talvez o atual candidato à Presidência pelo PT fosse outro.

E no futuro? Se você, que está lendo esta coluna, for acusado de um crime e chegar a ser julgado pelo Supremo, este poderá decidir por sua condenação ou absolvição, e depois disso transferir o abacaxi para o presidente -seja ele quem for.

Dependendo das circunstâncias ou do humor daquele dia, esse presidente poderá, justa ou injustamente, acabar com sua vida ou deixar você ir para a praia tomar sol e uma água de coco, numa boa.

Nas mais sangrentas ditaduras, sempre houve um tribunal, mesmo que seus membros tivessem sido escolhidos a dedo pelo ditador, para simular a existência de uma Justiça.

Mas como, segundo o ministro Tarso Genro, se Cesare Battisti for extraditado estará sujeito à tortura ou à própria morte -já que, segundo o ministro, a Itália vive uma onda fascista-, está nas mãos de Lula a vida de Battisti.

Seja qual for a decisão, vai ficar mal para todo mundo. Para o Supremo já está, por ter aceito, sem espernear, que suas decisões não sejam acatadas sem discussão.

Se o presidente confirma a extradição, pode ser tachado de não ter vontade própria, que apenas baixa a cabeça e obedece. Se for contra a extradição e preferir um gesto humanitário, Battisti vai para a rua, lindo e louro, e Lula vai ter que se ver com o governo da Itália. De qualquer maneira, só um ventilador vai ser pouco para o que vai voar por aí.

E o pior: estamos chegando a um ponto extremamente perigoso, que é o julgamento de um homem, um só homem, ter mais peso do que o do Supremo Tribunal Federal.
Quem tem esse poder é quase um Deus.

danuza.leao@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Menino do MEP

BRASÍLIA - César Benjamin abriu uma guerra de muita paixão e pouca objetividade entre o seu texto na Folha, "Os Filhos do Brasil", e o filme "O Filho do Brasil". Com narrativa serena, mas conteúdo dramático e chocante, Benjamin desvia o foco da corrupção para uma seara muito mais pantanosa da política: o caráter dos governantes.
O que interessa aqui não é acatar ou rejeitar Benjamin e o que ele relata, mas analisar os efeitos no debate político.

O confronto entre filme e texto, que remete a uma suposta tentativa de Lula de subjugar sexualmente um jovem ("o menino do MEP") na cadeia, acirra ao máximo o maniqueísmo do endeusamento ou da demonização de Lula.

Intelectuais refratários ao atual regime e a oposição vão tentar aprofundar aquela vaga sensação de que Lula, sob o manto da humildade, é na verdade um megalomaníaco que se sente predestinado: "Eu quero, eu posso, eu devo".

Já Planalto e marqueteiros e aliados vão carregar numa fórmula que tem sido infalível quando falta argumento objetivo para defender Lula: o da vitimização. O operário rejeitado pelas elites, o líder que é alvo de ex-aliados ressentidos.

O debate político, portanto, entra numa nova fase de embate, abstrato, difuso, permeado por sentimentos e emoções. No centro, as personalidades, ou, como diz o próprio Benjamin, "a complexidade da condição humana". Ganha, no grito, quem tem mais meios e mais marketing. Lula tem sido imbatível nisso.

Recomeço: Ao se recusar a reconhecer as eleições de hoje em Honduras, o Brasil aposta no recrudescimento da crise interna e testa forças com os EUA. Duplo erro.

Fim: com seu único governador na lama, o prefeito de São Paulo multiplicando o IPTU e as secretarias, e o partido atirando no seu candidato à Presidência, o DEM ameaça sumir do mapa.

elianec@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

O olhar externo sobre 2010

LISBOA - No Foro Eurolatinoamericano de Jornalismo, que foi o que me trouxe a Lisboa, em conversas com personalidades ibero-americanas, em mesa redonda na TV portuguesa sobre a Cúpula ibero-americana que começa hoje -em toda a parte, a sensação que se respira são duas: uma, a de que o Brasil é o país da moda hoje.

A outra é a de que o resultado da eleição de 2010 não vai mudar grande coisa no país.

A mais contundente afirmação nesse sentido veio de Felipe González, ex-presidente do governo espanhol (1982-1996), um dos mais brilhantes políticos do quarto final do século passado.

Para ele, há, no Brasil, uma "linha de continuidade entre o presente e o futuro", do que decorre a visão de que, "qualquer que seja o vencedor [em 2010], o Brasil não vai mudar sua estratégia básica".

De certa forma, é uma elaboração mais sofisticada da tese do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que não haverá "trogloditas" na iminente disputa eleitoral.

Tendo a concordar com essa avaliação, embora definir quem é ou não "troglodita" seja uma questão subjetiva. Lula era "troglodita" para, por exemplo, uma parte considerável do empresariado, os mesmos que hoje babam na gravata diante do presidente.

A única dúvida sobre as duas sensações citadas no início surgiu em conversa informal com uma das mais experientes personalidades do mundo ibero-americano, um analista excepcional.

Ele pergunta a si próprio se a projeção internacional do Brasil é do Brasil ou de Lula. Acho que é de ambos, mais do Brasil (pelo tamanho, população, economia etc). Mas Lula também pesa.

A dúvida é pertinente: quanto pesará o/a ganhador/a? Como será a primeira eleição em que a política externa tende a ter presença, a resposta dirá se a "estratégia básica" muda ou não.

crossi@uol.com.br

sábado, 28 de novembro de 2009



29 de novembro de 2009 | N° 16170
MARTHA MEDEIROS


Só estou dando uma olhadinha

"Posso ajudá-la em alguma coisa?” A vendedora faz seu contato educadamente, e eu já tenho a resposta na ponta da língua: “Obrigada, só estou dando uma olhadinha”. Assim deixo claro que não sei se quero comprar algo, ainda não me decidi, vai depender do preço e da gamação que alguma peça me provocar, e enquanto eu não me decido, prefiro ficar sozinha, sem ninguém atrás de mim dando explicações.

A vendedora compreende e me deixa dar quantas olhadinhas eu quiser. Se eu perguntar o preço de algo, ela me responderá e seguirá a alguns metros de distância, de forma discreta. Eu então poderei chamá-la se resolver efetivar a compra ou sair sem levar nada, e nenhuma gota de sangue será derramada. É uma relação cortês e normal.

Só que o normal diverge, dependendo do país e de seus costumes.

Eu já havia estado em Istambul há uns oito anos, e portanto sabia onde estava me metendo quando fui ao Marrocos, mas não poderia deixar de percorrer as ruas da medina de Marrakesh. Como não se infiltrar em meio a lojinhas multicoloridas que vendem castiçais, tapetes, porcelanas, garrafinhas, caixinhas, panos e incensos? Você não vai pra Marrakesh para fazer compras na Zara.

Se você está de passagem marcada para algum país de cultura árabe e pretende trazer lembrancinhas, prepare-se. Os comerciantes partem pra cima dos turistas feito gaviões. Se você tem cabelos loiros e olhos claros, estará ferrado. Se tiver o mesmo aspecto muçulmano que tenho, estará ferrado igual: basta que leve uma mochila nas costas. Eu levava.

Eles vão seguir você pela rua. Perguntar de onde você é. Mesmo que você responda que é de Júpiter, eles vão encontrar algum assunto relativo ao seu lugar de origem, vão ser simpáticos ao extremo e tentarão arrastá-lo até a loja deles.

Estando lá, basta que você olhe com um leve ar de cobiça para o que estiver exposto e, pronto, danou-se. Você vai perguntar o preço e, sem saber, terá dado o pontapé inicial para o hábito que mais dá prazer aos residentes do país: pechinchar.

Pechinchar pode ser lucrativo e pode ser estafante. É lucrativo quando você sabe que o vendedor está pedindo demais e ele sabe que você está oferecendo de menos, e conseguem (depois de 20 minutos de prosa) chegar num valor de bom tamanho para ambas as partes.

E é estafante quando você está apenas dando uma olhadinha, sem tempo para trelelé, e o vendedor está desesperado para vender. Aí, escolham as armas.

Eu não tenho a menor paciência para esse jogo de cartas marcadas, em que um pede um valor absurdo, o outro oferece um valor humilhante, até atingir um empate conciliatório. Prefiro a paz de um preço fixo.

Fazer compras em terra de mercadores me deixou tão pirada que teve um dia em que um cara me disse que não me venderia um castiçal por menos de 80 dirham, que é a moeda local. Entrei no jogo: “O quê? 80 dirham? De jeito nenhum, só pago 100!”.

O Natal está aí de novo e já está todo mundo dando uma olhadinha, afinal, é uma data religiosa: a religião do consumismo.

Menos mal que aqui os vendedores não lhe seguem pelos corredores do shopping nem cultuam o teatro da pechincha, mas, ainda assim, cuide-se: ninguém está livre de pirar.

Um lindo domingo para você.


29 de novembro de 2009 | N° 16170
MOACYR SCLIAR


Homens, mulheres & banheiros

Esses dias entrei no banheiro do aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Estava ali, no mictório, quando reparei no rapaz a meu lado, que não perdia tempo: enquanto urinava, estava mandando um torpedo pelo celular. E o fazia com absoluta desenvoltura, compatibilizando com a maior facilidade as duas tarefas.

Tenho certeza de que, se os machistas deste mundo (felizmente em número cada vez menor) resolvessem desafiar as mulheres para uma batalha final, destinada a decidir quem, afinal, manda em quem, certamente escolheriam o banheiro como território de confronto. Porque é um lugar em que o homem certamente leva vantagem, uma vantagem que lhe é garantida pela disposição anatômica e pelos hábitos culturais.

Duvidam? Vão a um cinema como o GNC Moinhos, frequentado por pessoas de classe média e de idade madura. Sobretudo por causa da idade madura, ao término da sessão muita gente vai ao banheiro. No setor masculino, o pessoal entra e sai com a maior facilidade. No banheiro feminino (e isso acontece em vários lugares) frequentemente formam-se filas. As mulheres pagam o preço da complicação que nelas envolve o ato de urinar.

O que aliás é coisa bem conhecida. Nos aviões da Gol há uma toalete exclusiva para mulheres. À porta da qual presenciei uma interessante discussão entre um passageiro e a aeromoça. A toalete estava vazia, e ele queria entrar, mas ela ponderava que tal não era permitido.

“Mas eu tenho um lado feminino muito forte”, argumentava o homem, já em desespero (homem também fica apertado). Não adiantou: ele e seu lado feminino tiveram de esperar que a outra toalete ficasse livre.

Em compensação, homens têm uma enorme facilidade para fazer xixi. Se necessário, qualquer muro, qualquer árvore, quebram o galho. A operação é rápida, e foi muito facilitada com a introdução do fecho com zíper. Na época em que a braguilha era operada com botões, demorava um pouco. Agora não. Agora é o legítimo vapt-vupt. Coisa que para as mulheres é uma impossibilidade.

Mas, a partir de uma certa idade, os homens também começam a ter problemas. E a causa destes é aquela glândula que a natureza colocou bem no trajeto do aparelho urinário: a próstata. A próstata cresce.

E o crescimento da próstata, ao contrário do que acontece com os rendimentos de ações ou de fundos, não é bem recebido pelo homem. A partir de certa idade, a próstata impõe sua presença. E aí, pobre do jato urinário. A próstata grande, comprimindo a uretra, transforma-o num melancólico gotejar.

Mas isso não é por acaso, garantirá o nosso machista imaginário (e paranoico). Ele imediatamente nos fará notar que pênis é substantivo masculino, que testículo é substantivo masculino, mas que próstata é substantivo feminino. E concluirá: a próstata é uma espiã do sexo oposto.

Conclusão: os machistas certamente perderão a batalha final. Ou qualquer outra batalha.


29 de novembro de 2009 | N° 16170
PAULO SANT’ANA


O relógio e o espelho

Até o máximo possível e permitido, nunca se deve dar relógio de presente para crianças. O primeiro passo para a aflição do homem é o relógio. A criança é feliz porque não tem noção das horas, do compromisso, do dever com hora marcada.

Nunca vi em minha vida uma criança acordar-se e ver que horas são. Este é o reflexo imediato de qualquer adulto. Depois do sono reparador, do desligamento da vida, retornamos às nossas preocupações.

O sono é o céu do vazio, do nirvana, o relógio traz-nos de volta ao inferno das obrigações.

Consulte seu passado, o tempo mais feliz de sua vida foi aquele em que não usava relógio, indiscutivelmente.

O relógio é o instrumento que mede a vida e dá-nos a consciência da morte, a pior desgraça dos humanos. Os animais são felizes porque não sabem que terão de pagar o preço da morte. O homem começa a ter noção de que sua vida terá um fim quando põe pela primeira vez um relógio no pulso, ignorando que aquela é a algema que o amarra ao tempo, portanto à finitude.

Eu nunca daria de presente um relógio a uma criança. Gostaria que ela permanecesse indiferente e imune aos prazos, solta, que não tivesse nem noção do dia e da noite, apenas fosse dormir e despertasse quando tivesse sono ou dele se saciasse.

Ter hora para dormir, para acordar-se, para trabalhar, para comparecer à audiência ou ao encontro, estas horas fatais todas é que vão destruindo as pessoas e aproximando-as da morte, senão pelo fato, mas pela perspectiva.

O paraíso de Adão e Eva dá-se exatamente porque não havia lá um relógio, nem o casal primevo conhecia quem o antecedera, o que significaria a morte.

Os tempos da infância e da juventude são os mais felizes pela inconsciência da morte. Até quando fiz 40 anos, eu pensava que era imortal. E essa é a sensação de todos os jovens.

O jovem sabe que vai morrer, mas está tão distante da morte, que consegue ignorá-la, ela não passa de uma utopia diante da vida estuante que se oferece à sua frente. Tem mais é que pensar na vida, o prazo da morte desaparece em meio à delícia existencial.

Não há instante mais crucial da vida que aquele em que o homem se olha no espelho e vê que não é mais aquele. O primeiro inimigo do homem é o relógio, o segundo é o espelho.

Reparem que as crianças nunca se olham no espelho, a não ser quando cobiçam idiotamente tornarem-se adultas. Já o adulto olha-se no espelho sempre com um pé atrás, sabendo que seu aspecto só pode retroceder.

O homem que olha para o relógio ou para o espelho está sendo aos poucos aniquilado pela maior adversária do homem, que é a pressa.

Não conheço pessoa madura que não seja escrava prestativa do relógio ou do espelho, instrumentos da sua agonia.

Nunca dê um relógio ou um espelho para uma criança. Ela só é feliz porque estes dois objetos são-lhe absolutamente dispensáveis.


29 de novembro de 2009 | N° 16170
DAVID COIMBRA


Cuidado com o Calvo Adúltero

Depois de oito anos de exitosa guerra contra os gauleses, Júlio César decidiu retornar a Roma. Pôs-se em marcha com seus legionários, que cantavam, rútilos de orgulho:

– Maridos, escondam suas mulheres: aí vem o Calvo Adúltero!

O Calvo Adúltero! Chamavam-no assim porque Júlio César era careca. E porque adorava assediar uma casada. Há homens com esse vício, acredite. Eu mesmo conheço um que é especialista em mulheres casadas. Ele sempre as aborda da mesma forma. É infalível. Ele chega e...

Mas estou tergiversando. Além disso, muitas esposas jovens e incautas, belas e frescas, esposinhas inocentes, enfim, poderiam ser facilmente seduzidas, se divulgasse aqui a fórmula do meu amigo. Abalaria matrimônios, dissolveria famílias, seria horrível. Melhor calar. Melhor voltar à senda reta do Calvo Adúltero.

Então: não era só por casadas que Júlio César tinha preferência. Aliás, ele não tinha exatamente preferências. Nem preconceitos. Diziam que JC era “marido de todas as mulheres e mulher de todos os homens”. Se bem que esses boatos podiam ser apenas aleivosias lançadas pelos senadores. Não duvido.

Muitos senadores odiavam Júlio César. Espalhavam, por exemplo, que ele era a mulherzinha do rei da Bitínia, uma província romana que ficava mais ou menos onde hoje é a Turquia. Não sei... Ainda que o rei da Bitínia fosse bonitão, não me parece que este fosse o perfil do conquistador Júlio César.

De qualquer maneira, o fato é que Júlio César gostava da coisa. Era um pândego. Os pândegos são pessoas mais tolerantes, acredite. São pessoas melhores. O próprio JC cultivava o hábito de perdoar seus mais acérrimos inimigos, algo incomum naqueles tempos de galés e crucificações. E que terminou não lhe sendo exatamente saudável: foram seus inimigos outrora perdoados que o assassinaram nos idos de março de 44 a.C. com 23 facadas traiçoeiras nas escadarias do Senado.

Maldito Senado.

Gosto de Júlio César como personagem histórico exatamente por esse seu traço de humanidade. Plutarco foi muito feliz ao relacioná-lo com Alexandre em seu “Vidas Comparadas”. Alexandre também era um ser humano complexo, às vezes contraditório, um apaixonado pela vida e pelas pessoas. Contava-se de Alexandre que ele “jamais rejeitava o amor”, e isso diz muito acerca do caráter de um homem.

Eram, Alexandre e César, homens que choravam e riam, se apaixonavam e sabiam-se objeto de paixão, ambos erravam e voltavam atrás ao constatar o erro, ou teimavam e seguiam em frente. Ou seja: homens.

Mas também heróis.

Por isso, concordei com Eric Cantona quando ele destacou Maradona como um personagem mais interessante do que Pelé, em entrevista publicada por ZH, sexta passada. Maradona é mesmo mais desregrado, mais engraçado, mais apaixonado e mais apaixonante. Mais humano, afinal. Pelé jogou mais, ganhou mais, fez mais gols. Foi melhor do que Maradona. Mas Maradona é muito mais divertido.

Palpite e seleção

Não vou deixar o campeonato terminar sem dar o meu palpite e a minha seleção. Palpite: o Flamengo tem os adversários mais tradicionais e, em teoria, os mais duros, Corinthians e Grêmio, mas, exatamente pelo desinteresse desses adversários, vencerá ambos. E será campeão.

A seleção?

Victor; Leonardo Moura, Miranda, Réver e Júlio César; Sandro, Hernanes, Petkovic e Diego Souza; Adriano e Fred.

Podem reclamar


Tempestade no deserto

Estouro da bolha imobiliária faz o governo de Dubai anunciar a moratória no pagamento de suas dívidas. Mas a crise não deverá minar a transformação do emirado na meca do turismo no Oriente Médio

Giuliano Guandalini - Bjoen Goettlicher/TCS/ Zuma Press

FALTOU DINHEIRO



Pregão na bolsa de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos: dívida de 80 bilhões de dólares

Partiu do Oriente Médio, na semana passada, a lembrança de que a economia mundial ainda não se recuperou por completo de sua mais acerba crise financeira em oito décadas.

O governo de Dubai anunciou a seus credores a intenção de suspender, por ao menos seis meses, o pagamento da dívida da Dubai World, a gigantesca estatal do emirado que está por trás de alguns dos mais arrojados projetos imobiliários do planeta – entre eles as Palm Islands, um complexo faraônico de três ilhas artificiais no Golfo Pérsico onde estão sendo construídos milhares de mansões, além de uma centena de hotéis, parques de diversões e shoppings.

Um eventual calote de Dubai teria consequências sentidas em todo o mundo financeiro. Isso porque bancos europeus já combalidos, principalmente os ingleses, aparecem entre os principais credores do emirado e teriam de registrar novas e expressivas perdas. Daí a queda nas bolsas de valores na semana passada.

A moratória, se confirmada, ocorrerá em um momento em que os países do Golfo Pérsico davam sinais de recuperação, depois de terem sentido os efeitos da desvalorização do petróleo. Dubai, no entanto, sofreu com o estouro de sua própria bolha (o preço dos imóveis caiu pela metade desde o início do ano) e passou a ter dificuldades para encontrar quem bancasse o seu ritmo delirante de investimentos.

Ao contrário de seus vizinhos, Dubai não é rico em petróleo (a exploração desse recurso mineral representa apenas 2% de seu PIB). Por isso o emirado, um dos sete que compõem os Emirados Árabes Unidos, procurou diversificar sua economia. Primeiro, deu incentivos fiscais ao comércio e à instalação de empresas em parques industriais. Mais recentemente, lançou-se como o principal centro financeiro da região, ao mesmo tempo em que buscou se transformar na meca do turismo nas Arábias.

A estratégia deu certo, e o emirado passou a crescer velozmente. O salto veio depois de 2002, quando o governo, controlado hoje pelo xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum (veja o texto ao lado), concedeu autorização para que estrangeiros fossem proprietários de imóveis no emirado.

Dubai, no entanto, contraiu empréstimos em excesso para erguer obras mirabolantes. Suas dívidas alcançam 80 bilhões de dólares, soma equivalente ao tamanho de seu PIB. Desse total, a maior parte (60 bilhões de dólares) pertence à Dubai World, que, além dos investimentos imobiliários no próprio emirado, controla as operações do lucrativo porto no golfo e participa de projetos no exterior – é sócia da CityCenter, em Las Vegas (veja mais).

O grande temor dos investidores internacionais é que Dubai protagonize um calote à moda argentina. Até sexta-feira, imperava a absoluta incerteza a respeito de como se daria a reestruturação da dívida.

A expectativa é de que o resgate financeiro saia dos cofres de Abu Dhabi, emirado rico em petróleo e dono do maior fundo soberano do mundo, com uma carteira de investimentos que soma mais de 600 bilhões de dólares, parte deles em Dubai. Mas os xeques de Abu Dhabi relutam em bancar mais uma vez a prodigalidade de seus vizinhos. Será a ruína de Dubai?

Provavelmente não. O emirado é mais liberal que outros países da região e se localiza em uma faixa menos conturbada do Oriente Médio. Além disso, boa parte de seus empreendimentos já foi vendida e está concluída. Tão logo corrija seus excessos, deverá continuar a representar um oásis para investidores e turistas às margens do explosivo Golfo Pérsico.

O xeque e sua bolha
Reuters

O PRIMO PRÓDIGO

Xeque Mohammed Al Maktoum: duas esposas, dezenove filhos e 16 bilhões de dólares

O esplendor de Dubai deve-se em grande parte a um único homem. Fã de corridas de camelos, o xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum, de 60 anos, antes mesmo de ascender ao trono, em 2006, havia concentrado esforços em transformar o emirado numa espécie de Nova York do Oriente Médio, mas com arquitetura ao estilo de Las Vegas e marinas que emulam Mônaco.

O monarca, que descende da linhagem que domina a região desde 1833, possui hoje um patrimônio pessoal estimado em 16 bilhões de dólares. O xeque tem duas esposas, dezenove filhos – e mais de 100 000 seguidores no Facebook e no Twitter.

Em uma região onde o poder secular se mistura com o religioso, governa Dubai como uma autocracia que se pretende democrática. Prova disso é que, apesar da faceta progressista, seu governo ameaçou com pesadas multas quem fizesse menção às consequências negativas da crise para o emirado.

Em reunião recente com investidores, o monarca foi questionado sobre a saúde das finanças de Dubai e a suposta deterioração das relações com o primo rico, Abu Dhabi. A resposta do xeque foi um sonoro "Calem a boca".

Lya Luft

A praga moderna


"O que somos mesmo, neste período pós-moderno de que algumas pessoas tanto se orgulham, é estressados"

Nossas pestes – que também as temos – podem ser menos tenebrosas do que as medievais, que nos faziam apodrecer em vida. Mas, mesmo mais higiênicas, destroem. E se multiplicam, na medida em que se multiplica o nosso stress. Ou melhor: o stress é uma das modernas pragas.

Quanto mais naturebas estamos, mais longe da mãe natureza, que por sua vez reclama e esperneia: tsunamis, tempestades, derretimento de geleiras, clima destrambelhado. Ser natural passou a não ser natural. Ser natural está em grave crise.

O bom mesmo é ser virtual – mas isso é assunto para outra coluna, ou várias. Porque, se de um lado somos cada vez mais cibernéticos e virtuais, de outro cultivamos amores vampirescos, paixões por lobisomens, e somos fãs de simpáticos bruxos em revoadas de vassouras. Mudaram, os nossos ídolos. Não sei se para pior, mas certamente para bem interessantes. Pois nosso lado contraditório é que nos torna interessantes, em consultórios de psiquiatras, em textos de ficcionistas.

Também na vida cotidiana aquela velhíssima voz do instinto, voz das nossas entranhas, deixou de funcionar. Ou funciona mal. Desafina, resmunga, rosna. A gente não escuta muita coisa quando, por acaso ou num esforço heroico, consegue parar, calar a boca, as aflições e a barulheira ao redor.

O que somos mesmo, neste período pós-moderno de que algumas pessoas tanto se orgulham, é estressados. Não tem doença em que algum médico ou psiquiatra não sentencie, depois de recitar os enigmáticos termos médicos: "E tem também o stress". Para alguns, ele é, aliás, a raiz de todos os males.

Eu digo que é filho da nossa agitação obsessivo-compulsiva. Quanto mais compromissados, mais estressados: é inevitável, pois as duas coisas andam juntas, gêmeas siamesas da desgraça. Porque a gente trabalha demais, se cobra demais e nos cobram demais, porque a gente não tem hora, não tem tempo, não tem graça. Outro dia alguém me disse: "Dona, eu não tenho nem o tempo de uma risada". Aquilo ficou em mim, faquinha cravada no peito.

Um dos nossos mais detestáveis clichês é: "Não tenho tempo". O que antes era coisa de maridos e de pais mortos de cansaço e sem cabeça nem para lembrar data de aniversário dos filhos (ou da mãe deles), agora também é privilégio de mulher. De eficientes faxineiras a competentíssimas executivas, passamos de nervosas a estressadas, stress daqueles de fazer cair cabelo aos tufos.

Não sei se calvície feminina vai ser um dos preços dessa nossa entrada a todo o vapor no mercado de trabalho – pois ainda temos a casa, o marido, os filhos, a creche, o pediatra, o ortodontista, a aula de dança ou de judô dos meninos, de inglês ou de mandarim (que acho o máximo, "meu filhinho de 6 anos estuda mandarim") –, mas a verdade é que o stress nos domina. É nosso novo amante, novo rival da família e da curtição de todas as boas coisas da vida.

Que pena. Houve uma época em que a gente resolvia, meio às escondidas, dar uma descansadinha: 4 da tarde, a gente deitada no sofá por dez minutos, pernas pra cima... e eis que, no umbral da porta, mãos na cintura ou dedo em riste, lá apareciam nossa mãe, avós, tias, dizendo com olhos arregalados: "Como??? Quatro da tarde e você aí, de pernas pra cima, sem fazer nada?".

Era preciso alguma energia para espantar os tais fantasmas. Neste momento, porém, eles nem precisam agir: todos nós, homens e mulheres, botamos nos ombros cruzes de vários tamanhos, com prego ou sem prego, com ou sem coroa de espinhos.

São tantos os monstros, deveres, trânsito, supermercado, dívidas e pressões, que – loucura das loucuras – começamos a esquecer nossos bebês no carro.

Saímos para trabalhar e, quando voltamos, horas depois, lá está a tragédia das tragédias, o fim da nossa vida: a criança, vítima não do calor, dos vidros fechados, mas do nosso stress.

Começo a ficar com medo, não do destino, eterno culpado, não da vida nem dos deuses, mas disso que, robotizados, estamos fazendo a nós mesmos.


Nas asas da autoajuda

O gênero que se propõe a auxiliar e confortar as pessoas nas questões espinhosas da vida é um fenômeno editorial que só faz aumentar: nunca tantos escreveram para
orientar, e nunca tantos leram em busca de orientação

Isabela Boscov e Silvia Rogar - Montagem com fotos de Pedro Rubens

"Nenhum homem é uma ilha", escreveu o inglês John Donne em 1624, em uma frase que atravessaria os séculos como um dos lugares-comuns mais citados de todos os tempos. Todo lugar-comum, porém, tem um alicerce na realidade ou nos sentimentos humanos - e esse não é exceção.

Donne foi um dos poetas extraordinários de seu idioma, conhecido sobretudo pelos versos sugestivamente eróticos. Mas, quando distinguiu os homens, dependentes uns dos outros por natureza, das ilhas, isoladas por definição, em sua Meditação XVII, estava em outra etapa de sua trajetória. Aferrara-se ao anglicanismo e virara pregador. Procurava, com essa estrofe célebre, expressar um tipo diverso de amor: o sentido de conexão que quase todos experimentamos com nossos semelhantes.

"Cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; (...) a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano", prosseguia sua Meditação. Durante toda a história da espécie, a biologia e a cultura conspiraram juntas para que a vida humana adquirisse exatamente esse contorno, o de um continente, um relevo que se espraia, abraça e se interliga.

A vida moderna, porém, alterou-o de maneira drástica. Em certos aspectos, partiu o continente humano em um arquipélago tão fragmentado que uma pessoa pode se sentir totalmente separada das demais. Vencer tal distância e se reunir aos outros, entretanto, é um dos nossos instintos básicos.

E é a ele que atende um setor do mercado editorial que cresce a saltos largos: o da autoajuda, e em particular de uma autoajuda que se pode descrever como espiritual. Não porque tenha necessariamente tonalidades religiosas (embora elas, às vezes, sejam nítidas), mas porque se dirige àquelas questões de alma que, desde que o tempo é tempo, atormentam os homens.

Como a perda de uma pessoa querida, a rejeição ou o abandono, a dificuldade de conviver com os próprios defeitos e os alheios, o medo da velhice e da morte, conflitos com os pais e os filhos, a frustração com as aspirações que não se realizaram, a perplexidade diante do fim e a dúvida sobre o propósito da existência.

Questões que, como séculos de filosofia já explicitaram, nem sempre têm solução clara - mas que são suportáveis quando se tem com quem dividir seu peso, e esmagadoras quando se está só.
Ernani d’Almeida


CATIVADA PELA LEITURA

A ex-modelo Luiza Brunet, que há mais de vinte anos lê todos os dias, para si mesma ou para os filhos, algum trecho de O Pequeno Príncipe: mensagens de "bondade e simplicidade"

Uma olhada na lista dos livros mais vendidos de VEJA revela que aqueles que os leitores entendem como fonte de inspiração para uma vida mais harmônica estão espalhados por todas as categorias - a ficção, como no caso de A Cabana, a não ficção, como Comer, Rezar, Amar, e a auto-ajuda propriamente dita, como em O Monge e o Executivo (veja quadros nesta página). O gênero, de fato, é herdeiro de todas as formas de escrita conhecidas. O alento, o esclarecimento e a orientação espirituais podem vir de memórias e biografias.

Podem estar na poesia, cujas nuances captam tão bem os estados de ânimo mais indefiníveis, e na prosa, que nos irmana para além do tempo e das circunstâncias. Podem estar na Bíblia ou em outros textos sagrados, é claro, e na filosofia, que afinal de contas existe para refletir sobre a condição humana. Podem estar até nos quadrinhos - por exemplo, no minucioso estudo da frustração que é a tirinha Charlie Brown, ou na compreensão da angústia adolescente demonstrada em Homem-Aranha.

É, enfim, um propósito a que escritores e pensadores de todas as tendências e dimensões vêm se dedicando desde os primórdios da palavra escrita, porque a solidão e a perplexidade são inevitáveis à condição humana (veja frases). O que hoje torna o gênero específico um fenômeno é o seu ímpeto multiplicado: nunca tantos escreveram com o intuito de orientar, e nunca tantos leram em busca precisamente de orientação.

As mudanças que conduziram a isso não são poucas nem sutis: na sua segunda metade, em particular, o século XX foi pródigo em abalos de natureza social que reconfiguraram o modo como vivemos. O campo, com suas relações próximas, foi trocado em massa pelas cidades, onde vigora o anonimato. As mulheres saíram de casa para o trabalho, e a instituição da "comadre" virtualmente desapareceu.

Desmanchou-se também a ligação quase compulsória que se tinha com a religião, e que dava ao padre, ao pastor ou ao rabino o posto de conselheiros de todas as horas. As famílias encolheram drasticamente, não só no número de filhos, mas na sua extensão. Em lugar daqueles ajuntamentos ruidosos, que reuniam dezenas de tios, primos, avós e agregados de parentesco vago, mas firme, tem-se agora pequenos núcleos - pai, mãe e um filho ou, vá lá, dois. Nem esses núcleos resistem como antes.

Nos Estados Unidos, a pátria da autoajuda enquanto gênero próprio, quase metade dos casamentos acaba em divórcio. No Brasil, onde até 1977 havia no máximo desquite, e ele era um escândalo, a taxa anda pelos 25%. A vida profissional, ainda, se tornou terrivelmente competitiva, o que acrescenta ansiedade e reduz as chances de fazer amizades verdadeiras no local de trabalho.

Também o celular e o computador fazem sua parte, aumentando o número de contatos que se desfruta, mas reduzindo sua profundidade e qualidade. Com um grãozinho de misantropia, pode-se concluir que, bem, isso significa muito menos gente dando palpites indesejáveis.

Não deixa de ser verdade; mas, maior do que esse ganho, é a perda daquela vasta rede de segurança que, desde que a humanidade começou a se organizar em agrupamentos codependentes, mantinha cada um de nós ancorado.

Uma rede que, é certo, originava fofoca e intromissão, mas também implicava conselhos e experiência, amparo e solidariedade, valores sólidos e afeição desprendida, que não aumenta nem diminui em função do sucesso ou da beleza.

Essa é a lacuna da vida moderna que a autoajuda espiritual vem se propondo a preencher: esse sentido de desconexão que faz com que, em certas ocasiões, cada um de nós se sinta como uma ilha desgarrada do continente e sem meios de se reunir novamente a ele.


Alongar quanto, e para quê?

Ser muito flexível não significa ser mais saudável
Francine Lima

Uma vez fui experimentar uma nova aula de ioga e acabei arrumando uma briga com o professor. Eu era novata ali, mas não exatamente inexperiente na modalidade. Já estava razoavelmente acostumada a seguir as cuidadosas instruções dos professores, quase sempre suaves e tranquilos, e por isso estranhei quando ele mandou sentar com as pernas posicionadas de um jeito estranho (estranho para mim, pelo menos) e encostar o ombro no joelho.

“Professor, não entendi. Qual é o objetivo desse movimento? Não estou sentindo alongar nada.” Por algum motivo, ele não gostou da pergunta, se indispôs comigo e acabou não me tirando a dúvida. A briga depois foi resolvida e perdoada, mas a explicação do movimento eu nunca recebi.

Fazer exercício de alongamento sem saber o que precisa ser alongado não faz sentido. A coisa mais importante nesse tipo de atividade é justamente a atenção que se deve dar a cada parte do corpo. Se o objetivo de um movimento é, por exemplo, alongar a musculatura posterior da coxa, por que o professor diria que o aluno deve procurar encostar os dedos das mãos na ponta dos pés?

Por que focar nas mãos e nos pés se a intenção é trabalhar a coxa? Essa forma de aula era comum há alguns anos, mas hoje os profissionais mais atualizados ensinam alongamento de outro jeito.

Para começar, o meu alongamento não deve ser igual ao seu. O meu corpo tem um tamanho, um formato e uma organização articular únicos, frutos do meu histórico esportivo, da minha postura no dia a dia, da minha genética e sabe-se lá do que mais.

Minha musculatura tem um certo tônus, resultante da musculação e das minhas tensões. Tenho boa flexibilidade nos braços e nas pernas, mas meu pescoço às vezes precisa de cuidados especiais. Meu joelho direito ainda dói e o médico mandou alongar o trato iliotibial, o que eu achei bem difícil.

Quero manter minha coluna flexível, com facilidade para torções, mas não tenho a menor pretensão de virar contorcionista. É tudo isso e mais um pouco que a minha rotina de alongamento deve levar em consideração.

Segundo a professora Adriana Ramos Schierz, ou Drika, que é fisioterapeuta e dá aulas de alongamento postural na Competition, eu não preciso necessariamente encostar as mãos nos pés para conseguir a flexibilidade de que eu preciso na parte posterior das coxas.

O importante naquele movimento, diz ela, é sentar em cima dos ísquios (os ossos da parte baixa do quadril), espichar a coluna inteira (até o pescoço), abrir o peito (afastar os ombros das orelhas e um do outro) e buscar uma aproximação do peito com a parte de cima da coxa.

Buscar. Com essa postura, eu sentirei o músculo certo esticando. Pouco importa se eu não deitei o tronco em cima das pernas e se pareceu aos olhos alheios que nem me mexi.

O objetivo de alongar aquela parte da coxa terá sido cumprido. O que não tem o menor propósito é sentar com a coluna curvada e o pescoço torto, encostar as mãos nos pés com os joelhos flexionados, sentir dor na lombar e gerar tensões desnecessárias. Alongar errado é errado justamente porque, em vez de relaxar, tensiona.


28 de novembro de 2009 | N° 16169
NILSON SOUZA


Pássaros virtuais

Li outro dia a carta de um leitor indignado com o canto dos sabiás, que andam excitadíssimos nesta época do ano e não o deixam mais dormir aquele sono bom da manhã. Os bichinhos começam cedo mesmo a sua sinfonia: lá pelas bandas da Zona Sul desta capital arborizada onde moro, eles abrem o bico por volta das quatro da matina e não fecham mais.

Às vezes acordo, outras vezes já estou acordado, mas na maioria das vezes incorporo a cantoria em algum sonho retardatário e nem me dou conta de que a passarada madrugou. Nunca me incomodam.

Tem até um casal que se instalou no meu jardim. Nunca sei qual é o macho e qual é a fêmea, pois se vestem com as mesmas penugens, mas suponho que a senhora Sabiá seja a que passa a maior parte do tempo no ninho, estrategicamente construído nos galhos internos de um pingo-de-ouro.

Fica bem em frente à janela do meu escritório. Quando trabalho em casa pela manhã, procuro abri-la bem devagar para não assustar os hóspedes. Pelo que li a respeito deles, a estada será curta. Logo os filhotes estarão alçando voo para cantar em outra freguesia.

Enquanto isso não ocorrer, porém, podem ficar por lá o tempo que bem lhes aprouver. Não vou espantá-los, mesmo correndo o risco de ser denunciado por infrigir a Lei do Silêncio que vigora nesta cidade desde 1983 e que prevê em seu artigo 8º: “É proibido possuir ou alojar animais que frequente ou continuamente emitam sons que causem distúrbio sonoro”.

Por uma dessas coincidências do destino, o homem que assinou esse decreto, então no exercício do cargo de prefeito municipal, me mandou esta semana uma mensagem com pássaros virtuais.

Trata-se de um desses engenhosos programas de computador em que basta clicar na imagem de um dos pássaros retratados para se ouvir o seu canto. São bonitos, mas não se comparam à bela ladainha dos nossos sabiás, que, aliás, não estão contemplados no referido catálogo ornitológico.

Brinquei um pouco com os efeitos sonoros das aves de fantasia, mas logo me cansei. Prefiro ouvir o cântico espontâneo dos pássaros madrugadores do meu jardim. Seus gorjeios de amor e fome invariavelmente se transformam nas vozes dos personagens dos meus últimos sonhos e me ajudam a lembrá-los quando já estou desperto.

Tomara que o missivista mal-humorado não me leia.


28 de novembro de 2009 | N° 16169
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


*
Galpão Crioulo em grande gala

O conhecido programa gauchesco da RBS TV vai completar 28 anos em grande gala, prestigiado pelos maiores artistas do gauchismo e por um público impressionante. Por exemplo: em Horizontina, terra do Rui Biriva e do Luizinho Kur (e da Gisele Bündchen...) são cinco mil habitantes. Quando gravamos o programa compareceram... oito mil pessoas, quer dizer, veio muita gente das cidades vizinhas.

Neste ano já gravamos nosso programa em Bento Gonçalves (por duas vezes), Santo Ângelo, Pelotas, Campo Bom, Tramandaí, Arroio do Sal, Chapecó (SC), Caxias do Sul, São Borja, Esteio, Morro Reuter, Canoas, Santa Cruz e Ilópolis. Agora, ainda devemos gravar em Bagé (se a chuva deixar), Farroupilha, Frederico Westphalen e Saldanha Marinho. Mas queremos fazer um programa especial, mesmo, no dia 7 de dezembro, em Porto Alegre, na Usina do Gasômetro, toda enfeitada para o Natal.

Quando viajamos para gravar o programa no Interior ou fora do Estado, somos cerca de 60 pessoas entre técnicos, equipe de produção, os dois apresentadores e, claro, os artistas visitantes. E é impressionante a amizade que nos une e a alegria que isso nos traz.

Uma viagem dessas, sempre em ônibus especial, é um bochincho só, com o Neto Fagundes a contar piadas, com a turma às gargalhadas. Os melhores técnicos da RBS TV gostam de fazer parte da equipe do Galpão Crioulo.

O câmera Jorginho, por exemplo, não para um minuto. O Maguila, que nós chamamos de Bomba, é um guri grande, adorado por todos – não apenas pelo fato de ser um grande cozinheiro e assador. A Rô (Rosana Orlandi, a diretora) é séria e concentrada, e o Fernando Alencastro só reclama, brabo: “Que inferno!”. Nas viagens o Gino Basso, com aquela cara de diabo louro, cuida muito de mim.

É impressionante como ao longo de quase 28 anos, nunca tenha havido uma briga, um desacerto na equipe do Galpão Crioulo. Quem já trabalhou nela não esquece. Quem trabalha não quer sair.

E é impressionante a maneira como o público nos recebe. É sempre assim: vai começar o programa. A cortina está fechada. O Neto e eu tomamos posição no meio do cenário. Ali, em silencio, beijamos a mão um do outro.

Então abre-se a cortina, e refletores nos batem na cara como sóis, banhando nós dois de ouro. Eu levanto os braços como os antigos gladiadores, e a multidão prorrompe uma salva de palmas e de gritos que nos atordoa agradavelmente.

Na primeira fila, o prefeito, a primeira-dama, o patrão do CTG, a patroa, a primeira prenda. E as crianças. Ah, as crianças! Umas prendinhas que parecem bonecas recém-saídas da loja e uns piazinhos pilchados que são a miniatura dos grandes gaúchos que fizeram a nossa história.

Então o Neto e eu avançamos com tudo. E é para eles, para as crianças, para os gaúchos e para as gaúchas de todas as querências, que fazemos o programa. Com amor, de todo o coração.


28 de novembro de 2009 | N° 16169
PAULO SANT’ANA


A sina do homem

É preciso largar o cigarro. É preciso largar o açúcar. É preciso largar ou moderar os carboidratos, essa montanha de massas, pães, biscoitos que ingiro, que ingerimos. Eu não bebo, mas quem bebe tem de largar a bebida etc.

E ficar com o quê?

A vida, primeiro, é uma aceitação dos prazeres ou até uma adaptação consumista às necessidades. Lá mais adiante, nos submetem à imperiosidade da renúncia.

No início, é preciso fisgar essa mulher, atraí-la, enchê-la de afeto, satisfazê-la na lascívia, é uma mão de obra descomunal a conquista.

Mais tarde, é preciso largar esta mulher (ou este homem). Ela não era quem eu pensava ou simplesmente me cansou. Mas como largar esta mulher agora que os laços econômicos, sociais, existenciais se estreitaram tanto?

Como largar o cigarro se ele já se incorporou ao meu metabolismo de tal sorte que não suporto a ideia de viver sem ele?

Como largar o arroz de leite, o quindim, os ovos-moles, o pudim de laranja que se esparramam todos diante dos meus olhos na carta de sobremesas?

Mas, então, no meio ou no fim da minha vida, terei de me privar de todos os prazeres a que estou acostumado?

Terei de criar outras delícias, aprender a comer peixe cru como os japoneses? Mas peixe cru não desliza mais pela garganta e pelas glândulas salivares da minha formação alimentar e hedônica. O que desliza redondo em mim, tornando meu dia prazeroso e minha vida feliz, é o sagu com creme de leite.

Então, a vida é um pega e larga constante. Pega o sal, larga o sal, mas só larga o sal depois que estiver bem acostumado com o sal. Com a mulher também. Com os doces, com as massas.

Depois que gostou do sexo, viciou-se no sexo, tem agora de usar a camisinha. O doce é maravilhoso, mas engorda ou eleva perigosamente a taxa glicêmica. Vê se passa para o alimento dietético, mas o alimento dietético e a camisinha são umas porcarias.

A vida é um incessante pegar e largar. Pega o namorado, larga o namorado. Pega o emprego, larga o emprego e mergulha no desespero do desemprego.

Pegar é bom, largar é um inferno. Casar é bom, tanto que todos se casam, mas descasar, que teria também de ser bom, vira um inferno.

Então tem-se de ser muito forte para viver. O homem é um animal muito forte, o mais forte de todos os animais. Porque ele está sempre tendo de iniciar alguma coisa e logo em seguida é obrigado a interromper o processo. E recomeçar tudo de novo.

Não há mente nem corpo que resistam. Se o homem fosse como o camelo ou a capivara, que sempre bebem e comem a mesma coisa, que fazem sexo sem divórcio e não cuidam da saúde nem têm sequer ideia nem medo da morte e do futuro, só então poderia ser feliz.


28 de novembro de 2009 | N° 16169
CLÁUDIA LAITANO


O corpo é meu

A queda do Muro de Berlim levou a fama, mas o tiro de misericórdia na Guerra Fria e nos ideais de esquerda dos anos 60 veio mesmo em 2002, quando uma grife brasileira lançou uma coleção de biquínis estampando a imagem de Che Guevara.

Há casos em que o símbolo é mais eloquente do que os fatos – e nada poderia traduzir melhor a transformação do herói revolucionário em ícone “assimilado pelo sistema” do que ver o homem que sonhou em derrubar o capitalismo desfilando pelas revistas de moda do mundo inteiro no formato sutiã-cortininha.

Minha primeira reação ao ver as fotos da passeata pela liberação do bronzeamento artificial (depois de rir muito da coisa toda, evidentemente) foi pensar que aquelas moças defendendo seu direito à pele torrada estavam fazendo com o movimento feminista mais ou menos a mesma esculhambação que o biquíni fez com o Che Guevara. Ocorre que em meio à coleção de frases bizarras estampadas nas placas levantadas pelas manifestantes (“e o álcool?”, “eu amo bronzeamento”) aparecia um cartazinho com um dos slogans mais caros ao movimento feminista e às passeatas pró-aborto: “Sou dona do meu corpo”. Originalmente, a frase era uma reivindicação libertária.

Foi usada no mundo todo para defender o direito das mulheres de decidir se uma gravidez deveria ou não continuar e apoiar as conquistas da revolução sexual. No centro de Porto Alegre, o slogan virou um inusitado apelo pelo direito de ganhar dinheiro expondo o corpo (alheio, bem entendido) ao risco do câncer de pele, usando a liberdade individual como falso pretexto. Isso é o que eu chamo de guinada ideológica.

Por coincidência, o mesmo slogan havia voltado aos jornais brasileiros fazia pouco mais de duas semanas, mas em um contexto bem diferente. Estudantes da UnB (aqueles mesmos que, no ano passado, conseguiram derrubar um reitor corrupto) fizeram um protesto ousado e bem-humorado: tiraram a roupa para exigir que a reitoria da universidade tomasse uma posição institucional em relação à Uniban e à forma como a universidade paulista tratou o episódio Geisy. Algumas das meninas exibiam a frase “o corpo é meu” pintada abaixo dos seios nus.

Contra a maré da apatia política e a falta de prestígio do movimento estudantil, o velho slogan feminista voltou à cena recuperando, e atualizando, seu sentido original: a defesa do direito das mulheres de escolherem suas roupas (e a maneira como conduzem sua vida sexual) sem medo do apedrejamento moral.

Mais do que a causa em si, o bacana da manifestação da UnB foi ver como o episódio da renúncia do reitor deu força a essa garotada para reivindicar o lugar dos estudantes na arena pública de debates – e não apenas para levantar as bandeiras políticas tradicionais, mas também para colocar em discussão questões de moral (ou falsa moral) como as que o caso da Uniban trouxe à tona.

Um olhar mais atento sobre as jovens manifestantes de Brasília, no entanto, revelaria uma raridade maior ainda, hoje em dia, do que as passeatas de estudantes: peitos de todas as formas, tamanhos e modelos.

Tímidos, exuberantes, assimétricos, naturalmente imperfeitos, aqueles seios de fora foram um manifesto silencioso pela variedade estética. O corpo é delas. Mesmo.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009


JOSÉ SIMÃO

Motel! Temos suítes para pedestres!

O bispo Lugo no começo da carreira eclesiástica não era seminarista, era inseminarista!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! "Homem preso por agredir namorada com peru congelado." O Natal começou quente! E a placa num motel de Santo André: "Temos suítes para pedestres!". Mas eu quero a minha suíte para pedestre sem IPI. Pedestre sem IPI!

E tem também aquele motel em Fortaleza: "Aceitam-se casais a pé". E adorei o novo programa de prêmios da Record: "Acerte o Preço Certo". Pensei que era pra acertar o preço errado!

E o Dalcio revela o que um puxa-saco falou do filme do Lula: "Gostei de três cenas: aquela em que o senhor voa, aquela em que o senhor anda sobre as águas e aquela em que luta contra os vilões".

E o meu amigo Ciro Botelho falou que o presidente do Irã veio pro Brasil ver duas coisas: o jogo do Náutico e a "Playboy" da Fernanda Young. Rarará! Duas bombas.

Só falta agora a "Playboy" chamar a Geisy e reeditar a Hortência. Trio Derruba Pingolim: Fernanda Young, Geisy da Uniban e Hortência. A sem graça, a desgraça e a nem de graça. Rarará!

E uma amiga me falou: "Eu não quero ver a Geisy pelada, eu quero ver o boletim da Geisy. Isso ninguém mostra". Rarará!

E a piada pronta da chamada do UOL: "Leilão de velharias no Senado". Então não precisa mais cassar ninguém. Acabou o Senado. Estão leiloando "bens usados e velhos, considerados desnecessários": Sarney, Temer, Arthur Virgílio.

E aquele belga que todo mundo pensava que estava em coma mas não estava. Passou 23 anos ouvindo e vendo tudo, mas sem poder falar. "Eu sei o que é isso, fiquei casado por um período igual", disse o meu vizinho. Rarará!

E PAIRAGUAI Urgente! A volta do bispo Lugo. Tá sofrendo processo pela quarta paternidade. Bispo Papão. No Paraguai ele já tá sendo chamado de LUGO MAU. Come até a vovozinha! Tá melhor que o Zé Mayer!

O bispo Lugo no começo da carreira eclesiástica não era seminarista, era INSEMINARISTA! E sabe como se chama dar uma rapidinha no Paraguai? LUGO LUGO!

Vou dar um lugo lugo! E volto lugo. Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heroica e mesopotâmica campanha Morte ao Tucanês.

Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que em Vitória da Conquista, Bahia, tem um motel chamado Deus Dará! Ueba! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês! Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Colombiano": companheiro que só usa terno da Colombo!

simao@uol.com.br

FERNANDO GABEIRA

Clima e fim de ano

RIO DE JANEIRO - Parto esta semana para um debate norte-sul, na Europa. Há quem veja contradição entre norte e sul. São os mesmos que veem a contradição como o motor da história. Vejo apenas diferenças. Creio mesmo que, pela primeira vez, dadas a natureza e a gravidade do problema, a humanidade pode viver a história como uma aventura comum.

Diante dos países e suas metas, não me sinto como numa mesa de jogo, onde cada um abre suas cartas. Por trás da magia dos números há processos concretos, mudanças no modo de produzir e de consumir. Tudo demanda cooperação.

No Protocolo de Kyoto, havia tentativas, uma delas o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Há outras sobre a mesa, como a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação. Sem contar a transferência de tecnologias, uma certa flexibilidade nas patentes.

Quando se trata de comércio, os ricos dependem também dos pobres. No caso do aquecimento, todos dependem de todos, mas de uma forma que pode levar à crueldade. A China é rica para comprar usinas solares dos Estados Unidos e todas as novas técnicas disponíveis. A Somália e o Haiti não. Esses, por sua vez, não causam impacto negativo ao ambiente.

Por que ajudá-los? Certamente não para conter emissões. O caso dos países de baixo impacto ambiental porque produzem pouco é apenas um deles. Mais urgente é o dos países pequenos que podem desaparecer. Na verdade, tudo parece urgente. E, felizmente, nem tudo depende dos líderes mundiais. Há um mundo de iniciativas em curso.

Quando voltar da Europa, nova vida. Vou me concentrar no estudo do oceano, embora o verão sempre coloque as enchentes na agenda. E vou deixar de escrever na Folha. Agradeço a todos os que me seguiram até aqui. Prossigo na internet. Adiós.

ELIANE CANTANHÊDE

Vexame

MANAUS - Lula tinha arquitetado dois palanques ontem em Manaus: um, interno, para inaugurar um gasoduto que ainda não serve para nada; outro, internacional, para liderar os presidentes dos oito países amazônicos em Copenhague. Seis deles não deram as caras.

Uribe, Morales, Rafael, Alan Garcia, o arroz de festa Hugo Chávez e até o presidente do pequeno Suriname ficaram de fora. Conclusão: Lula levou o seu troféu para a ocasião, o presidente francês Nicolas Sarkozy, para almoçar com o presidente da Guiana Inglesa e um punhado de ministros e assessores.

Dilma, evidentemente, marcou presença nos dois palanques. Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia ficaram no internacional, deitando falação para tentar explicar a complexa relação Brasil-EUA.

Garcia, que já admitira "decepção" com os rumos das coisas nos EUA, tenta explicar: "Decepção e desilusão a gente tem nas relações amorosas". Com os EUA "são divergências". Mas não são poucas.

Uma delas é que o Brasil se uniu à França -ou melhor, Lula se uniu a Sarkozy- para tomar a dianteira também em Copenhague, enquanto Obama falou, falou, falou, mas ficou limitado por forças econômicas americanas. Só sob pressão externa decidiu ir e apresentar proposta de corte de CO2.

É por isso que Amorim, ontem, depois de uma hora de conversa com Hillary Clinton, disse que ela "reconheceu que a proposta brasileira serviu de inspiração para outros países". Os próprios EUA. O fato é que Lula pensa alto, talvez alto demais. Quer liderar a América do Sul, chegar com a tropa amazônica para a conferência do clima e confrontar, dia sim e outro também, a maior potência.

Audácia é bom, e o eleitorado até gosta. Mas, quando passa do ponto, pode afugentar. Foi isso que ocorreu ontem em Manaus: Chávez, Uribe, a turma toda fugiu da mania de Lula de querer ser o líder de tudo. Soou assim: "Tou fora!"

elianec@uol.com.br

Jaime Cimenti

Saudades dos tempos do Zezinho

Lá pelo meio dos anos 1980, eu tinha escritório de advocacia no Edifício Itapiru, na Andrade Neves, onde, diziam, tinha mais advogado que gente. Brincadeira, claro.

Depois do almoço, uma ou duas vezes por semana, antes de voltar ao batente, eu entrava no Salão Itapiru, no térreo, me estarrava na cadeira de barbeiro do Zezinho e ele me colocava aquela imaculada toalha branca, afiava a navalha na tira de couro pendurada na cadeira, passava no assentador, me colocava umas compressas quentes no rosto para abrir os poros e, depois, um montão de espuma branca que me tornava um papai-noel.

Sem pressa, deixava a espuma agir e então, passava, lento, cuidadoso, a navalha a pelo e contrapelo, barbeando-me com apuro, escanhoando-me. Naquele tempo de Diretas Já! o Lula e o Fernando Henrique estavam no mesmo palanque e não tinha esse negócio psicanalítico de amor e ódio, rivalidade de pai e filho ou disputa de irmãos entre os dois. Espreguiçado na gostosa cadeira de barbeiro, eu tinha trinta e poucos anos e o Zezinho deveria ter uns cinquenta. Éramos jovens.

Os apagões da CEEE, que uns chamavam de Companhia Encarregada de Escurecer o Estado, eram bem explicados e não como esse apagão cheio de versões e mistérios que anda por aí. Era um tempo de conversas menos complicadas e de menos versões. Tempo de papos cordiais e educados de barbearia, sobre o tempo, o futebol, a política, os crimes, as mulheres e demais assuntos palpitantes do dia.

Eu só não sesteava na cadeira por que, senão, poderia provocar algum acidente com a navalha. Era relaxante e civilizado aquele ritual, com momentos de meditação, silêncio e sem necessidade de lâminas descartáveis. O Maneca, do salão Nova Era, da Andrade Neves 18, me informou que o Zezinho está em Tramandaí, em atividade. Hora dessas vou lá.

Depois do barbear, Zezinho me lavava o rosto com água morna, secava com uma toalhinha e me passava no rosto, com tapinhas meio carinhosos, Ácqua Velva, talco, álcool ou coisa assim. Em caso de algum pequeno sangramento, usava pedra-pomes.

Sei, vocês podem achar que estou saudosista, ficando velho, com saudades dos meus trinta e poucos e daqueles tempos mais pacíficos e menos velozes, mas em alguns lugares ainda existem barbearias e barbeiros parecidos.

Em São Paulo inauguraram uma barbearia no velho estilo, só para homens, com móveis e clima antigos e tal. Sempre é tempo de inaugurar ou reinaugurar pensamentos e momentos bons. Aguarda-me aí em Tramanda, Zezinho! Lâmina descartável, chope e casquinha de siri. Abraço!

Uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana pra você.

Jaime Cimenti

A esperança vencendo a adversidade

Feia - A história real de uma infância sem amor é o pungente relato da vida da inglesa Constance Briscoe, advogada e, desde 1996, juíza. Foi uma das primeiras mulheres negras a presidir a sessão de um tribunal no Reino Unido.

Atualmente, Constance vive em Clapham com seu marido, Tony Arlidge, e os filhos Martin e Francesca e é membro do Conselho da Rainha. Em sua autobiografia a autora conta como sobreviveu a doze anos de maus tratos de uma mãe absurdamente cruel, que lhe chamava de feia, muito feia e a acusava de ser um “horrível desperdício de espaço”.

De simples puxões de cabelo e xingamentos a chutes na barriga, socos na cara e queimaduras com ponta de cigarro e ferro quente, a autora, que só soube de seu verdadeiro nome, Clare, ao formar-se no colégio, aguentou por mais de uma década a convivência com a perturbada mãe, que, ainda por cima, tratava bem os outros filhos.

Clare sofria de enurese noturna (distúrbio em que a criança faz xixi durante a noite) e teve de fazer uma cirurgia nos seios para retirar caroços que surgiram em decorrência dos espancamentos. No fim, ela ficou abandonada em uma casa antiga, sem luz, água e comida.

O relato mostra a força incrível de uma mulher que se tornou uma das pessoas mais respeitadas de seu país, apesar dos maus tratos a que foi submetida nos anos de sua infância.

As humilhações, a fome, a solidão, os espancamentos diários, a ausência do pai e a omissão das irmãs não conseguiram impedir que Clare-Constance trabalhasse desde os doze anos, cursasse a faculdade e se tornasse uma das juízas mais importantes do Reino Unido. Sua história de vida e de fenomenal superação vendeu, não por acaso, mais de meio milhão de exemplares em todo mundo.

Carmen, a mãe tirana de Constance, processou a filha por difamação. O júri, todavia, reconheceu a veracidade do relato de Constance, comprovado por cicatrizes, testemunhos e relatos médicos.

Durante o julgamento Constance disse que decidira escrever a sua história como exemplo de superação das adversidades e porque sua mãe não merecia o seu silêncio.

A obra é um belo e emocionante testemunho da profunda esperança vencendo grandes adversidades. É um depoimento profundamente angustiante, perturbador, mas, no final das contas, muito inspirador.

É o que importa - e é muito. 364 páginas, R$ 43,00, tradução de Caetano Waldrigues Galindo, Editora Bertrand Brasil, telefone 21-2585-2070.


27 de novembro de 2009 | N° 16168
PAULO SANT’ANA


Pobres flagelados!

Todos os dias, a televisão e os jornais dão conta dos flagelados das chuvas e das tempestades.

Parece que há uma revolução na natureza. As pessoas são expulsas das suas casas aos milhares, metade vai para a casa de parentes, a outra metade é amparada pelos abrigos conseguidos pelas prefeituras.

E todos os dias se sucedem as inundações, os dramas vão se multiplicando na beira dos rios, famílias inteiras se tornam desabrigadas e passa pelo nosso pensamento que não serão socorridas a contento pelo poder público.

É fácil desconhecer a tragédia que atravessa as vidas dessas pessoas. Banalizam-se insistentemente os flagelos das enchentes.

Nada posso fazer por essas pessoas. Mas cumpro o dever apenas de voltar minha lembrança para elas e me apiedar de sua situação.

A tempestades e a alta dos rios se sucedem com frequência assustadora em todo o país. E, nos últimos dias, mais se tornou grave a condição desses flagelados.

Antigamente, a queda de uma descarga elétrica era um acontecimento raro, tanto que passaram a integrar o folclore os relatos das pessoas que eram atingidas pelos raios.

Agora é diferente: todos os dias aparecem vítimas fatais de raios no noticiário dos jornais.

Mas o que está havendo? Será que é mesmo real que o homem está destruindo a natureza e esses desequilíbrios meteorológicos são fruto da devastação das florestas e do efeito estufa, que já preocupa os dirigentes das mais importantes nações?

Anteontem, foi noticiado com ênfase o temporal que caiu sobre o distrito de Progresso, município de Três de Maio.

Os ventos atingiram as casas, os galpões, a escola, a igreja, um enorme ginásio e o centro comunitário.

A fotografia do ginásio destruído pelos ventos é impressionante. Sua estrutura desabou pelo chão.

Da mesma forma, o prédio onde ficava o setor administrativo da escola de Progresso teve suas telhas inteiramente arrancadas pelos ventos.

Os 30 alunos que se encontravam na biblioteca foram apanhados de surpresa pela tempestade e tiveram de se refugiar debaixo das classes. Felizmente não houve vítimas fatais.

No ginásio, as suas paredes e a sua cobertura foram inteiramente demolidos pelos ventos. E, na volta, os galpões de alvenaria desmoronaram.

Que fúria é essa dos elementos que dias atrás destelhou 11,5 mil casas somente no Litoral?

Será que de repente os ventos foram tomados de uma ira incontrolável e alcançam velocidades nunca antes conseguidas?

A Defesa Civil e os bombeiros se entregam a atividades estafantes. À medida do possível, os governos auxiliam os flagelados, mas permanece a impressão de que eles tiveram suas vidas arruinadas.

Por que tantos raios? Nunca se viu antes tantas descargas elétricas e tamanhas tempestades destruindo as pontes e levando os telhados por diante.

As estradas pioram, afundam-se no barro. As linhas elétricas se deterioram.

E a nós, aqui nas cidades grandes, imunes às tragédias, só nos resta levantar as mãos para os céus por não termos sido atingidos por essas tragédias e voltar o pensamento para os flagelados, cujas vidas nunca mais serão marcadas pela normalidade de outrora.

É o que estou fazendo nesta coluna, tentando estimular os governantes a liberarem mais verbas para as vítimas dos flagelos, inspirar a todos que socorram seus semelhantes atingidos pelas cheias e de alguma forma voltar a nossa solidariedade, ainda que abstrata, para os nossos irmãos das cheias.

Cheias que cada vez mais se agudizam, sabe-se lá por que fenômeno de zanga da natureza contra o homem.


27 de novembro de 2009 | N° 16168
DAVID COIMBRA


Odeio o lúdico

Garanto que o Lula nunca falou lúdico. Ponto a favor do Lula. Se tem palavra desprezível, é lúdico. Porque ela é o oposto do que significa. Quando alguém diz lúdico, e esse alguém em geral são os caras de teatro ou os que escrevem nos suplementos de cultura, eles, quando dizem lúdico, nunca estão sendo engraçados ou divertidos, nem estão fazendo uma brincadeira. Estão sendo afetados. Lúdico é uma palavra afetada. Palavrinha que se acha.

Lúdico não é como manemolente, que soa exatamente como seu sentido. Manemolente é mole, é a própria pachorra. Aliás, a pachorra é bem pachorrenta. Se você diz pachorra, você sente pachorra. Você não se confunde nem com a semelhança de vocábulos. Nenhum funkeiro ia cantar:

– Só as pachorras! As preparadas!

É importante que as palavras pareçam com o que querem dizer. Tanto que, apesar das 228.500 unidades léxicas à disposição na língua portuguesa, as pessoas volta e meia criam novas palavras mais adequadas, mais sonoras, menos esnobes, que melhor representam o que o falante pretende expressar. As palavras podem nem constar no Houaiss, mas todo mundo entende se alguém diz:

– Que ingresilha! Desta vez o Wianey extradulou. Ficou todo algariado quando deu um xiribitz no computador dele, mandou uma bangornada na tela e estrunchou a máquina todinha.

O Lula se expressaria assim. E todos os brasileiros compreenderiam. É o trunfo dele. Seu discurso é genuíno, e não vai aí nenhum trocadilho com aliados polêmicos.

Agora: não concordo com quem diz ser o Lula um gênio da comunicação. Ouço isso desde seus tempos de presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Descreviam-no como um orador envolvente, um carismático de olhos brilhantes que falava diretamente ao coração do povo, munido da linguagem do povo.

Será que era mesmo? Decidi prestar atenção.

Tive várias chances de constatar este suposto poder de Lula. Venho participando de entrevistas com ele desde 1989, quando da primeira eleição direta para presidente depois da Redentora, observando-o a dois metros de distância, procurando em seu olho a tal luz que hipnotiza as massas. Além disso, cada vez que Lula se põe a discursar, apuro os tímpanos. O que identifiquei de tão especial?

Nada.

As imagens que Lula emprega são rasteiras, o raciocínio que o embala é óbvio. Como explicar seu sucesso? Também por isso. Oscar Wilde dizia que, para ser popular, é indispensável ser medíocre. E é. Mas a popularidade de Lula não advém só de sua mediocridade; advém da sua autenticidade. Ele fala o que lhe vem à cabeça, como lhe vem à cabeça. Assim, jamais falaria lúdico. Lúdico é sempre premeditado, ninguém pensa em lúdico sem um naco de reflexão.

Só que o discurso de Lula é autêntico e impensado apenas na forma. No conteúdo é repisado, planejado e, não raro, dissimulado, porque as ações de Lula são assim. São pensadas. São produto de cálculo.

Por saber disso, fico a questionar: por que Lula se aliou tão amorosamente a Ahmadinejad? Por que ridicularizou os protestos pela democracia no Irã? Por que se esforça para legitimar um governo considerado espúrio em todo o Ocidente? Há algo de suspeito por trás disso. Algo que, suponho, não tenha nada de lúdico.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009



26 de novembro de 2009 | N° 16167
LETICIA WIERZCHOWSKI


O pensamento desligado da mão

Semana passada, outro bebê foi esquecido dentro de um carro, dessa vez pela própria mãe. A mulher saía de casa diariamente com as duas filhas: deixava na creche a pequena, de cinco meses, depois levava a filha de seis anos para outra creche; então ia para o trabalho.

Naquele dia, essa rotina se inverteu: a mãe deixou primeiro a filha de seis anos. No caminho para a creche da bebê, confundiu-se e rumou para o próprio serviço, esquecendo no carro a filhinha mais nova, que morreu devido a uma hipertermia.

Lamentei por essa infeliz mãe (mãe que sou, não posso imaginar dor maior do que a perda de um filho). Especialistas dizem que a rotina pesada dos dias atuais é a culpada por esses lapsos, e que a mãe em questão, provavelmente sobrecarregada com o trabalho, o trânsito paulista, mais a função familiar, agia de maneira automática a fim de cumprir suas múltiplas tarefas.

Casos como esse não acontecem somente aqui: nos EUA, morrem 37 crianças a cada ano por hipertermia dentro de carros familiares. Uma dessas crianças era filha de um funcionário da Nasa, e depois disso a empresa desenvolveu um dispositivo para evitar esquecimentos: um sensor de peso que dispara quando o carro é trancado com algo que não deveria estar lá.

Depender de um alarme para avisar os pais da presença do próprio filho num espaço tão exíguo como um carro me parece coisa de filme. Esquecer da existência física de uma criança pressupõe que esquecimentos anteriores (e bem mais sutis) já se cristalizaram.

A rotina estressante que alguns pais vivem há muito que expulsou os próprios filhos da sua agenda e, talvez, das suas mentes: filhos que são criados por outros, terceirizados em seus cuidados básicos – alimentação, higiene e amor – e que para alguns pais passam a ser apenas isso: pessoinhas que são carregadas numa sequência lógica de um ponto a outro da cidade, da casa para a creche, da creche para a casa.

Talvez fosse bom a Nasa criar um alarme que soe na hora em que um casal decide ter um filho, avisando-os da maravilhosa bagunça que eles fazem nas nossas vidas. Aliás, uma bagunça ruidosa demais para que seja crível esquecê-los silenciosamente no banco traseiro de um carro.

Enfim, onde a lógica não alcança, deixo a poesia: “A civilização em que estamos é tão errada que nela o pensamento se desligou da mão. Ulisses, rei de Ítaca, carpinteirou seu barco. E gabava-se de também saber conduzir num campo a direito o sulco do arado.” (Sophia de Mello Breyner)

Ainda que com chuva e previsão de ventos outra vez, que tenhamos todos uma excelente quinta-feira


26 de novembro de 2009 | N° 16167
PLANO DIRETOR


Aprovada nova altura de prédios

Em votação realizada ontem, limite proposto para áreas centrais de Porto Alegre foi relaxado

Uma emenda ao projeto de revisão do Plano Diretor da Capital, aprovada na madrugada de ontem, flexibiliza os limites de altura mais rigorosos impostos pela proposta do Executivo às regiões centrais da cidade.

Na prática, a medida prevê a aquisição de solo criado por empreendedores, o que permitiria superar em até 10 metros os padrões sugeridos no projeto da prefeitura.

Desde a semana passada, a Câmara se encontra em uma maratona de votação de 154 emendas ao projeto original que foram aprovadas ou rejeitadas pela Comissão Especial do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA), mas receberam pedido de destaque – solicitação para nova apreciação em plenário.

Mudança sugerida por Ervino Besson (PDT), abre a possibilidade de compra de solo criado para superar as alturas previstas pela prefeitura para áreas da Macrozona 1 (que engloba os bairros da região central até a Terceira Perimetral, como Centro, Menino Deus, Petrópolis e Moinhos de Vento).

Conforme o secretário municipal do Planejamento, Márcio Bins Ely, a prefeitura propôs a redução da altura máxima dos edifícios na maior parte dessa área de 52 para 42 metros junto a grandes avenidas. No interior dos bairros, esse limite vai caindo.

– Mantivemos os 52 metros no 4º Distrito (região da Capital), por necessitar de maiores investimentos. O projeto não chegou a sofrer prejuízo, embora crie um dispositivo que permita a compra de solo criado para recuperar altura – avalia o secretário.


26 de novembro de 2009 | N° 16167
PAULO SANT’ANA


A morte piedosa

Chamou-me a máxima atenção o caso do belga Rom Houben, que todos acreditavam passar por estado vegetativo, em coma que durou 23 anos, mas agora se comunicou com os médicos e declarou que esteve consciente durante esse tempo todo, sem contato nenhum com o mundo externo que não fossem seus ouvidos.

O caso é realmente fantástico. O cérebro do jovem belga esteve raciocinando durante 23 anos, mas ele não podia cometer qualquer movimento que pudesse acusar seu estado consciente para suscitar providências médicas respectivas.

Acho até que não posso usar esta expressão, mas esse heroico cidadão belga esteve em coma consciente por 23 anos.

Como disse Zero Hora anteontem, Rom foi prisioneiro do próprio corpo por 23 longos anos. Não tinha como sair de si e ter contato com o mundo externo.

Imagine-se o sofrimento desse homem. Nem sei como não enlouqueceu. Ele ouvia tudo o que diziam em torno de si os médicos e seus familiares, devia munir-se de intensa e crucial agonia, querendo transmitir sua consciência mas não podendo mover nenhuma parte de seu corpo, nem as pálpebras, impotente, desanimado, exangue, inerte, um morto-vivo mergulhado nas trevas do coma.

Foram 23 anos de cativeiro. Sabe-se lá de que mecanismos mentais teve de se valer para manter intactas as faculdades mentais, ele raciocinava como qualquer pessoa.

É impressionante este caso. Esse homem tem de ser entrevistado para que se saiba por que não se lhe desfaleceram as forças e ele resistiu até não deixar de raciocinar nunca.

Se para um paciente recolhido por meses a um hospital, podendo mexer-se e comunicar-se com todos os que entram no quarto, já é um suplício este internamento, imaginem um corpo preso a si próprio durante 23 anos, com o cérebro funcionando, em plena consciência, como há de ter sobrevivido esse homem?

E como seu desespero não virou loucura?

Este caso, se por um lado revela ao mundo que há vidas estuantes atrás dos muros do estado comatoso, há de remeter mais ainda para o debate sobre a eutanásia.

Dirão os humanistas que, enquanto houver vida, ninguém pode extingui-la. Ninguém tem o direito, argumentarão, de interromper uma vida, por mais inútil e sofrida que seja.

E eu não me envergonho de declarar que mais ainda me torno adepto da eutanásia depois de conhecer o caso de Rom Houben, o belga que mergulhou nas trevas do estado comatoso, sem perder a consciência, isto é, em últimas palavras, entregue miseravelmente a um sofrimento atroz e permanente.

Neste caso e em tantos outros, creio firmemente que se aplica a morte piedosa.

A ciência não tem o direito, a meu ver, de prolongar indefinidamente esse gigantesco sofrimento. Quando a um homem que sofre assim tão eloquentemente é negado o direito de pôr fim à sua vida, o ambiente externo tem de assisti-lo e socorrê-lo no caminho da morte.

Por entre as reportagens em torno desse caso, está faltando um só dado: se em meio ao monumental tormento de que foi e é vítima, o belga infeliz pensava em sobreviver ou acalentava o sonho da morte, desejando-a para colocar um fim na sua cruz.

Tenho certeza de que ele sonhava que alguma mão compassiva e inteligente pusesse fim à sua vida.


26 de novembro de 2009 | N° 16167
L. F. VERISSIMO


Bom comportamento

O governo Lula pode parafrasear o Chico Buarque e cantar para a Oposição “Você não gosta de mim, mas The Economist gosta”. Há no reconhecimento da revista um desagravo retroativo ao PT recém-eleito, que assustava com a promessa implícita de mudar tudo na economia, correr com o neoliberalismo, desprivatizar o que tinha sido privatizado e confiscar a prataria.

Os 800 mil empresários que, segundo uma previsão da época, fugiriam deste caos hoje devem estar se congratulando por terem esperado um pouquinho. O monstro não era um monstro, afinal. O monstro tinha a cara do Palocci e era social-democrata como todo o mundo. O Brasil não só não afundou, como, segundo a imprensa internacional, foi quem melhor soube boiar, na crise.

Mas aprovação da Economist é, um pouco, como abraço do Ahmadinejad.

Pode ser conveniente e bom para a reputação ou constrangedor e estigmatizante, dependendo dos círculos em que se anda. Você tanto pode achar formidável um governo do PT ser elogiado como um exemplo de conservadorismo responsável quanto achar estranho um governo do PT, logo do PT, ser chamado por uma das principais publicações do capitalismo mundial de exemplo de conservadorismo responsável.

Em certos círculos do PT, a pergunta que está sendo feita deve ser: o que foi que nós fizemos de errado para merecer tamanha honra? É como receber um 10 por bom comportamento quando a reputação que se quer é a de bagunceiro. Imagino que tenha gente pensando em processar The Economist pela reportagem difamante.

Na capa da Economist com o título “Brazil takes off” (o Brasil decola), o Cristo Redentor aparece subindo como um foguete para alturas ainda incalculáveis, um símbolo da nova realidade no país.

No filme 2012, o Cristo aparece desmoronando, no fim do mundo. De acordo com o filme e com as profecias, o Brasil só terá dois anos para aproveitar sua boa fortuna. Ao menos um alento para a oposição.

PS

Post-scriptum. Nunca se soube muito bem quem era o pai que não gostava do Chico, mas a filha gostava. O próprio Chico negou que fosse o presidente Geisel, cuja filha era fã do cantor.

Segundo outra história, ao ser preso durante a ditadura, o Chico teve que distribuir autógrafos para as filhas dos agentes que o acompanhavam – ainda no elevador.