segunda-feira, 31 de agosto de 2009


LUIZ FELIPE PONDÉ

Entre Deus e o Diabo

Os problemas do mundo advêm da praga que é todo mundo querer ter uma concepção de vida

O HABITAT natural da alma é viver entre Deus e o Diabo. Sem esse combate, a alma se dissolve em pequenas manias diárias e fica pequena.

Uma das faces da miséria humana é a vaidade, e a vaidade quer agradar. Como diz a escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís, hoje todo mundo quer agradar, o professor, o artista, o metafísico.

Sua tese é que no fundo deste desejo de agradar está o trauma infantil do desamparo que nos afeta a todos. Ao tentar agradar, buscamos fugir do medo do desamparo. Quando o intelectual é afetado por este desejo, ele se transforma numa máquina de repetição de unanimidades a fim de agradar a opinião pública.

Também morro de medo, como não? Ainda mais hoje, quando agradar é um conceito cientifico na sociedade de mercado. Quando atingida pela unanimidade, a opinião pública torna o ar irrespirável. Segundo a ciência da opinião pública, discordar dela é suicídio.
A partir de sua pequena janela, em seu pequeno apartamento de classe média, onde a televisão reproduz um desses programas alegres de domingo, nossa heroína, a opinião pública, contempla sua criação. Com uma lupa, vasculha o mundo, em busca de um vírus que justifique cientificamente seu medo.

Até o Diabo fica pálido diante dessa moradora de apartamento de classe média, que vasculha o mundo com sua lupa. O Diabo se esconde, sentindo-se finalmente derrotado, com as faces vermelhas de pudor.

Há medos e medos. Há medos que nos engrandecem e medos que nos humilham. O medo de Hamlet nos engrandece: afinal, seria eu, no fundo, uma caveira vazia? Ou seria eu uma alma cega, que, mesmo sendo, no fundo, uma caveira vazia, pressente a presença de seu criador e o persegue arrastando-se pelo chão?

O medo de quem grita nas farmácias em busca de álcool gel nos humilha. Os olhos de um chimpanzé dentro de sua cela no zoológico são mais humanos do que a obsessão de quem lava as mãos a cada segundo.

Tanto o professor, quanto o artista, o metafísico, são obrigados a seguir o roteiro da concepção de vida medíocre da classe média em que só pode ser dito o que "agrega valor à vida". Cuidado! Os olhos da moradora do apartamento enxergam tudo o que se move em sua criação. E nela, todos devem ter seus orçamentos equilibrados.

O professor deve ver diante de si alguém que, por definição, nunca erra, e se preocupar com sua autoestima, o artista deve pintar o rosto do pequeno deus miserável que sonhamos ter dentro de nós, o metafísico, este coitado, vira escravo de um universo que deve estar a nossa disposição a cada segundo resolvendo até nossos crediários.

Confesso: eu não tenho uma concepção de vida, sou um coitado. Vejo a vida como Pepi, a faxineira do romance de Kafka "O Castelo". Pelo buraco de uma fechadura, vejo a vida e seus muitos vultos aos pedaços, arrastando-se pelas paredes. A duras penas pressinto suas formas. Muitas vezes estremeço quando as pressinto mais agudamente.

Já tentei ter uma concepção de vida, mas desisti e hoje, como diz o filósofo romeno Cioran (século 20), eu acho que grande parte dos problemas do mundo advém da praga que é todo mundo querer ter uma concepção de vida.

Quando estou diante de alguém que tem uma concepção de vida, recuo assim como quem recua de um predador. A certeza acerca do que seja uma vida plena me apavora. Antigamente apenas alguns poucos eram tomados por esta febre, mas hoje, como vivemos no mundo das grandes quantidades, todos se acham no direito de ter concepções de vida.

A indiferença faria do mundo, talvez, um lugar melhor. Mas sei que isso é difícil de ser compreendido por quem se vê como um agente do bem, a partir de seu pequeno apartamento de classe média, ao som de seu programa alegre de domingo. Quem assim se vê normalmente não tem qualquer piedade.

Nessas horas, sinto saudades de Deus e daquele tipo de santo que vivia o dilaceramento de quem se vê tragado, de um lado, pela graça de Deus, e, do outro, por sua natureza orgulhosa, que se revolta contra os elementos naturais, apenas porque eles lhe são indiferentes.

Há uma luta entre Deus e o Diabo e seu palco é o coração humano, nos diz Dimitri Karamazov, um dos heróis de Dostoiévski. O habitat natural da alma é viver entre Deus e o Diabo. Como Deus é piedoso, dele aprendo a humildade, como o Diabo é infeliz, dele aprendo a vaidade. Ambos são improváveis, por isso merecem nossa fé.

ponde.folha@uol.com.br

RICARDO MELO

Reserva para o ladrão

SÃO PAULO - Na manhã de sexta-feira passada, um bando roubou a residência de um secretário estadual de SP. Quem já foi assaltado em casa (como eu próprio e outros tantos milhões de brasileiros) sabe o tamanho da angústia de ficar sob a mira de revólveres enquanto criminosos fazem ameaças, invadem sua privacidade e vasculham seus pertences. Felizmente a autoridade em questão e sua família saíram ilesas.

O episódio ganhou notoriedade não só pelo fato de ter alcançado um secretário de governo em região nobre da capital. Ao descrever a perda com o incidente, a vítima listou relógios, joias e dinheiro vivo, "aquela reserva que a gente já guarda em casa para o ladrão". O relato vale quase como uma aula de (in)segurança pública para os dias atuais.
Notícias indicam que crimes como sequestros, arrastões e assaltos de residências estão em alta no Estado. Chama a atenção o fato de as ações se mostrarem cada vez mais planejadas, cometidas por bandos e não por criminosos isolados.

Boletins de ocorrência informam que ladrões conheciam detalhes da rotina das famílias e do funcionamento de prédios e residências. Tudo parece dar razão aos que creditam a escalada da violência contra o patrimônio ao aumento da influência de facções organizadas.

As mesmas estatísticas que apontam algum recuo em homicídios destacam, no entanto, a disparada de latrocínios (roubo seguido de morte): no primeiro semestre do ano, eles avançaram 79,3% na capital na comparação com 2008.

Na opinião de um sociólogo entrevistado pela Folha, "o latrocínio é um roubo malsucedido". Traduzindo para a linguagem dos Jardins, algo como uma ocorrência em que não havia a "reserva para o ladrão".

O que mais preocupa é perceber a reação dos responsáveis pelo combate à criminalidade no Estado.

E aí se ouve o próprio secretário da Segurança Pública de SP reclamar da "absoluta inépcia e letargia da Polícia Civil". Para o bom contribuinte, meia palavra basta.

ricardo.melo@grupofolha.com.br

MOACYR SCLIAR

O Senhor dos Anéis

Já deveria ter mandado arrumar a aliança. Mas sempre fora assim, um homem displicente

O neozelandês Aleki Taumoepeau tornou-se o verdadeiro "Senhor dos Anéis" após recuperar o anel de casamento do fundo do mar, no porto de Wellington (Nova Zelândia). Aleki, que estava casado havia apenas três meses, prometeu à mulher, Rachel, que recuperaria a aliança.

Marcou o lugar com uma âncora, anotou as coordenadas do GPS, e, com uma persistência que faz jus ao sobrenome ("Guerreiro das Ondas", no idioma local), voltou ao local três meses depois. Falhou nas primeiras tentativas, mas depois conseguiu seu objetivo. Folha Online

A PERDA da aliança poderia ter sido considerada um acidente, como tantos que acontecem. Estava um pouco folgada e várias vezes já tinha caído do anular dele. Mas a jovem mulher pensava de outra maneira.

Acidentes não existem, disse, amargurada; atrás de cada acidente, de cada descuido, existe uma intenção oculta, mesmo que inconsciente. Em outras palavras, achava que o marido estava querendo se separar e que estava sinalizando neste sentido.

Ele se sentiu terrivelmente mal com aquela acusação, mesmo porque no fundo considerava-se culpado -de relaxamento, no mínimo.

Já deveria ter mandado arrumar a aliança.

Mas sempre fora assim, um homem displicente, ainda que cuca fresca; ia adiando as coisas que precisava fazer até que algum problema acontecia. E o problema agora era sério.

Decidiu se reabilitar: encontraria a aliança. Tarefa muito difícil, comparada com a qual encontrar uma agulha no palheiro era brincadeira de criança. Mas não desistiria.

Tinha marcado o local com uma âncora; além disso, a profundidade não era tão grande, três metros, a água ali era relativamente límpida. Mais que isso, era bom mergulhador, e, se fosse o caso, poderia usar equipamento especial para ficar bastante tempo explorando o fundo.

Comunicou à mulher a decisão.

Ela nada disse, mas ele sentiu que o resultado do empreendimento (porque era de fato um empreendimento) condicionaria o destino de ambos. E assim, no dia seguinte começou a busca, mergulhando no local em que estava a âncora.

Era muito mais difícil do que pensava. O anel provavelmente estava coberto pela areia, e isso significava que teria de explorar uma área de vários metros quadrados. Foi o que fez.

De vez em quando, seus dedos tocavam um objeto metálico, o que fazia seu coração bater mais forte; mas não, não era o anel, era uma chave, era uma moeda. E assim ele voltava, dia após dia. Finalmente, três meses depois de iniciada a busca, ele -com enorme emoção- encontrou a aliança.

Alegre, triunfante, correu para casa. Entrou, fez uma reverência diante da mulher e disse: -Senhora princesa, aqui está a nossa aliança.

Ela pegou o anel, examinou-o e disse, mal contendo a mágoa: -Não. Esse anel nada tem a ver conosco.

De fato: como a aliança perdida, aquela tinha um nome gravado, o nome de uma mulher. Mas não era o nome da mulher dele. Era de uma outra, uma tal de Liza. Por incrível que pudesse parecer, ele encontrara outra aliança. Continuam casados, mas já não é a mesma coisa. Porque ele mudou.

Volta e meia fica olhando o anel. E sabe que um dia, movido por um irresistível impulso, irá procurar uma moça chamada Lisa, cujo nome está num anel que o destino colocou no fundo do mar.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha. moacyr.scliar@uol.com.br

Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana para você.


31 de agosto de 2009
N° 16080 - LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Dois olhares

Os olhares dos fotógrafos operam de duas formas: iluminando o mundo em que vivemos, e levando-nos a ver de maneira diversa aquilo a que o olhar se acostumara. Duas exposições podem ilustrar a assertiva.

A primeira, por ordem alfabética, é a de Gilberto Perin, no CCCEV, denominada Conexões Infinitas. Seu olhar é refinadíssimo. Trabalhando com os melhores meios digitais contemporâneos, Perin vai-nos mostrando cidades e espaços comuns, até triviais; digamos: na aparência são fotos de um flâneur que visita o Oriente, a Europa, Porto Alegre, Nova York. Mas isto só à primeira vista.

Quando paramos sem pressa frente aos painéis, as fotos vão revelando pormenores, circunstâncias que provocam pequenas epifanias, nas quais está presente um saudável toque de humor e de sabedoria. Há uma foto,

Os Frades, realizada em Roma, que vale por um tratado teológico; três sorridentes e jovens religiosos divertem-se com a câmera na praça de São Pedro, Roma, enquanto repartem um lanche, composto de bolachinhas industrializadas e sucos de supermercado.

Há outra que, pelo insólito, nos conquista: um homem desce por uma rua da Alfama. A verticalidade dos prédios faz um pendant com a figura longilínea do homem. Uma bênção visual.

O outro fotógrafo é Roberto Schmitt-Prym, cuja exposição virtual já é disponível em www.e-design.com.br/fotografia (inaugurará em 2010 a exposição “real” na Aliança Francesa), intitulada Cenários da Memória.

Liga-se ao trabalho de Perin pelo fato gerador das fotos: o tema da visita e do flâneur. Só que, aqui, em Schmitt-Prym acontece, no material primário, uma intervenção profunda, obsessiva. As imagens sobrepõem-se, e são várias, dezenas para cada foto.

A partir daí, há interferência da cor, quase sempre única. O resultado é perturbador: sabemos que o cenário existe, podemos localizá-lo em nossas lembranças, mas já não é o mesmo.

Poder-se-ia destacar, como exemplo, a fachada principal de Notre-Dame de Paris. Multiplicam-se as portas, os santos do pórtico, a dizer que são inúmeros. O mesmo se pode dizer do Castel Sant’Angelo, luzindo ao sol de Roma.

Eis, em resumo, algo do talento do Perin e Schmitt-Prym. Na obra de ambos os fotógrafos instaura-se aquilo que é o propósito da arte: tornar estranho o que é quotidiano. Depois desses olhares, é impossível ver o mundo da mesma forma.


31 de agosto de 2009
N° 16080 - PAULO SANT’ANA


Fernandão amigo

O melhor negócio que o Internacional fez foi não trazer Fernandão.

Assim, ficando em Goiás, junto da sua fazenda, cuidando de perto seus bois, Fernandão pôde teoricamente dar o título deste Brasileirão para o Internacional ontem no Beira-Rio.

Bastou ser expulso e colaborar com o seu querido Internacional na conquista do Brasileirão, ontem.

E, se alguém duvidar do que estou escrevendo, desafio-o a me responder o seguinte: quando o Goiás jogar contra o Grêmio neste segundo turno, Fernandão será também expulso?

Claro que não será expulso. E mais: deve marcar, segundo deduzo, dois gols contra o Grêmio lá no Serra Dourada.

Assim não dá para torcer no futebol. É desigual.

Mais útil do que foi ao Internacional não poderia ser Fernandão. Nem que viesse de volta para Porto Alegre, em vez de ir para Goiás.

E o cúmulo da ironia é que Fernandão prestou ontem este grande serviço ao Internacional no Beira-Rio, palco onde ele se consagrou, erguendo taças, algumas conquistadas longe daqui.

Ele delicadamente prestou ao clube do seu coração, o Internacional, este gigantesco serviço aqui no Sul. Não foi lá em Goiás, foi aqui.

Lá para Goiás, Fernandão está preparando um requinte para seu amantíssimo coração colorado, conjugado com o ódio que tem do Grêmio: lá em Goiânia, Fernandão marcará dois gols contra o Grêmio.

Só faltará que o terceiro gol do Goiás seja marcado por... Iarlei.

Não adianta quererem justificar a goleada de ontem no Beira-Rio, como o fez a totalidade dos analistas, pelas grande atuações de Marquinhos, de Magrão e Giuliano, estes três gênios, como os chamaram os analistas, só sobressaíram depois da expulsão de Fernandão.

Objetivamente, materialmente, a goleada, não a vitória, que esta até poderia ter vindo, se apoia numa só pilastra dialética: a expulsão de Fernandão.

Aos que não me acreditam, lembro só de um fato indeclinável: com o Goiás tendo 11 homens em campo, o jogo estava só em 1 a 0, ou seja, com possibilidade de endurecer.

O resto é conversinha.

Agora, abordo obrigatoriamente o Grêmio. Até pouco antes de terminar o jogo, o Grêmio figurava no quinto lugar da tabela do Brasileirão.

Mas, infelizmente, um jogo de futebol tem de modo maldito a duração de 90 minutos.

Já lá se vão oito derrotas fora e três empates.

Não se vá atribuir isso ao azar ou a causas misteriosas que importam o enigma de um time que é o melhor do Brasileirão em sua casa e um dos piores fora.

A causa principal é a modéstia do time gremista. Eu não queria escrever a palavra porque ela pode ser dura, implacável, por demais severa, mas é a mediocridade do time gremista que o leva a não ganhar fora. Mediocridade, é bom que se diga, vem de “médio” filologicamente, isto é, na origem da palavra.

O Grêmio é, portanto – está bem, concedo –, um time médio que só sabe ganhar quando é apoiado por sua grande torcida.

Órfão da torcida, nos jogos de fora, o Grêmio expõe aos analistas, que não enxergam porque são cegos, a sua mediocridade.

Lembram-se daquele time gremista treinado por Mano Menezes? Deu-se com ele exatamente o que se dá com o time de Paulo Autuori, não ganhava fora de casa e no Olímpico vencia todos os jogos.

Sabem como é que terminou aquele time do Mano Menezes? Perdendo para o Boca Juniors, no jogo de Buenos Aires e na partida daqui por, 5 a 0. Uma tragédia por mim esperada.

Morreu ontem e será enterrado hoje o Dr. Gildo Russowsky. Seu filho, Ricardo, sabe que ele era meu amigo.

Morreu um médico humanista. Até quase o fim de sua vida, em torno dos 90 anos, atendia pacientes nas vilas populares, com sua maletinha profissional.

Um grande homem.


31 de agosto de 2009
N° 16080 - L. F. VERISSIMO


Especulação

A questão histórico-biográfica envolvendo o ovo e a galinha que há anos divide a humanidade – quem veio primeiro, quem deve sua existência a quem – pode, com alguma adaptação, se aplicar a Lula e o PT. Lula deve sua existência política ao PT ou o PT deve seu poder político a Lula?

O presidente teria o mesmo sucesso com ou sem o PT ou sem o PT nunca teria chegado aonde chegou? Na medida em que grande parte da aprovação do seu governo se deve à empatia com a personalidade de Lula, a resposta certa seria que o PT é dispensável, ou foi irrelevante, para o seu sucesso.

A questão seria acadêmica – como, aliás, a do ovo e da galinha – se a relação entre Lula e o PT e como suas vidas se entrelaçam não fossem a especulação política do momento.

A decisão de Lula de abraçar, literal e metaforicamente, Sarneys e Collors para garantir sua base de apoio forçou o partido a revisões de consciência e ginástica retórica, duas atividades politicamente desgastantes. A tal “realpolitik” pode acabar significando “suicídio político” em brasileiro, ou, se der certo, outra prova de que Lula e o PT só são ligados – como, aliás, o ovo e a galinha – por uma conveniência passageira.

1609, O ANO QUE NÃO ACONTECEU

Há exatos 400 anos, Galileu Galilei apresentou ao senado veneziano um instrumento para olhar as estrelas e estudar os mistérios do Universo. Ele não foi o inventor do telescópio.

Um holandês e um inglês tiveram a mesma ideia, só não tiveram o mesmo tino de Galileu, que convenceu seus patrocinadores da importância do seu instrumento numa guerra. No mesmo ano de 1609, Johannes Kepler publicou a sua lei da moção dos astros.

Galileu e Kepler inauguraram a astronomia moderna, contrariando as teorias oficiais, sacramentadas pela Igreja, que tinham sobrevivido à revelação de Copérnico, 70 anos antes, de que a Terra não era o centro do Universo.

Desde então, é difícil dizer o que impressiona mais: os avanços havidos na exploração do espaço desde Galileu e Kepler ou a resistência das pessoas não a Galileu e Kepler mas a Copérnico.

Vivemos, em grande parte, num Universo em que nem Copérnico nem o ano de 1609 existiram. Afinal, quem quer saber que não passamos de um planeta menor girando em torno de uma estrela entre trilhões – e ainda tendo que aguentar a política brasileira?

domingo, 30 de agosto de 2009



Os seios caíram

No Ocidente, o século 20 viu um progressivo desvestir-se feminino, agora há o retrocesso -sabe-se lá o que nos aguarda

Triste notícia. A revista francesa "Le Nouvel Observateur" relata: "Os tendenciólogos são formais: nada mais brega do que passear na praia sem a parte de cima do maiô".
É que, dos anos de 1970 até agora, as francesas puseram-se a expor os seios não só à beira-mar, mas nas piscinas públicas, de clubes ou condomínios.

Livres, eles não chocavam mais ninguém. Aquelas que os tinham bonitos chamavam a atenção ao oferecer a beleza descoberta. As menos favorecidas não se importavam muito com deixá-los de fora, e, olhando bem, sempre havia neles alguma coisa que despertava interesse.

Agora, caíram de moda. Pelo menos os nus. Os tempos tornaram-se pudicos, regressivos, conservadores. As muçulmanas sequestram o próprio aspecto com seus hijab (lenço que oculta cabelos e pescoço), jilbab, nicab, sitar, até chegar à burca, que as recobre como se fosse uma tenda ambulante.

As francesas escondem os seios: é muito menos que as muçulmanas, mas é sempre uma dissimulação do corpo, portador de pecados.

No Ocidente, o século 20 testemunhou um progressivo desvestir-se feminino: basta ver as fotografias de praias há cem anos. Agora, há o retrocesso. Sabe-se lá o que nos aguarda: pode ser que o século 21 assista a um paulatino e coletivo striptease ao contrário.

Helenos

Os antigos gregos demoraram em esculpir mulheres nuas. No 6º século a.C., os curos, rapazes, eram representados nus, mas as corês, moças, eram sempre vestidinhas.

No final do século 5º a.C., Calímaco esculpiu sua "Vênus Genitrix" revelando apenas um seio, magnífico. Seria preciso esperar o 4º século a.C. para que, enfim, Praxíteles desse um novo sopro hedonístico à cultura helênica despindo sua "Afrodite de Cnido". A viril democracia ateniense entrara em decadência e a sedução feminina se infiltrava nos costumes.

Eleição

Os seios da Vênus de Calímaco, um visível, o outro recoberto por finíssimo tecido, são estupendos.

Na história da pintura, Courbet [1819-77] deixou um par, insuperável, na tela "A Mulher e a Vaga" (Metropolitan Museum, Nova York). A textura translúcida permite perceber o tom pálido, verde-azulado, das veias sob a pele.

Daniel Arasse, historiador da arte, viu uma metáfora do esperma na espuma do mar que avança sobre o torso da banhista. Análise sem dúvida excessiva, ela confirma, no entanto, a força erótica da tela.

São sempre escolhas pessoais, questão de gosto, que variam. Qual seria o mais belo par de seios em toda a história das artes? Mensagens para esta coluna.

Sutiã

Se Calímaco e Praxíteles esculpiram sublimes seios, Brecheret [1894-1955] é o autor dos mais curiosos. São os da "Musa Impassível", que ornava o túmulo da poetisa Francisca Júlia [no cemitério do Araçá, em São Paulo] e que a Pinacoteca do Estado trouxe para o seu acervo.

Essa estátua tem o mesmo título de um poema admirável e outrora célebre da grande escritora. Traz as marcas estilísticas de um simbolismo "art nouveau" e tardio naqueles anos de 1920: alongamentos, linhas que fluem.

Apoiada numa muretinha, a musa, muito alta, recua os ombros, avança o ventre, empina os peitos pontudos e dobra a cabeça num movimento contrário ao arco do corpo.

O rosto demonstra compunção, buscando traduzir em pedra "o sobrecenho austero", que figura num dos versos: o modelado dos olhos lembra as deformações de "O Grito", de Munch.

Apenas, ao contrário do que diz o poema, fecha as pálpebras. O efeito engraçado vem do contraste entre a expressão de solenidade afetada, oposta aos seios espevitados e oferecidos.

jorgecoli@uol.com.br

FERREIRA GULLAR

Para muitos, ele era o cara

Prudente pregava a derrubada de Jango, mas tratava com carinho os esquerdistas da Redação

POSSO DIZER que dei sorte na vida, porque sempre encontrei pessoas generosas que me ajudaram. Não consigo imaginar que rumo teria tomado se não as tivesse conhecido. Por exemplo, se Lucy Teixeira, lá em São Luís do Maranhão, não me houvesse incentivado a vir para o Rio, teria vindo?

E, se tivesse vindo, mas sem ter me tornado amigo de Mário Pedrosa, Ivan Serpa, Lygia, Amílcar, Palatnik? A vida é feita também de acasos, pode tomar um rumo ou outro, dependendo de fatores circunstanciais.

Lucy apresentou-me a Otto Lara Rezende, que me admitiria na revista "Manchete", onde havia ótimos profissionais com os quais muito aprendi. No "Diário Carioca", para onde fui em seguida, assimilei o modo novo de escrever a notícia.

E lá estavam Carlos Castelo Branco, Evandro, Tinhorão, entre outros, e, especialmente, Prudente de Moraes Neto, que era o chefe da Redação.

A Redação do "Diário Carioca" foi o lugar mais divertido em que já trabalhei. Já falei disso em outra ocasião: o jornal funcionava na sobreloja de um prédio na avenida Rio Branco, quase esquina com a praça Mauá, onde está o edifício em que ficava o jornal "A Noite" e também os estúdios da Rádio Nacional. Era o ano de 1956, quando o rádio ainda mantinha enorme popularidade.

Nas tardes de domingo, as fãs de Emilinha e Marlene saíam do auditório da Nacional, gritando o nome das cantoras. Tinhorão, debruçado à janela da Redação, as provocava: "Macacas! Macacas de auditório!". Elas respondiam com palavrões. Prudente, de pé no meio da Redação, ria às gargalhadas.

Esse era o ambiente do jornal, consentido e estimulado por ele, que também se divertia com as peças que alguns pregavam aos outros, atirando-lhes bolas de papel ou passando-lhes trotes com falsos telefonemas. Lembro-me de um desses trotes, cuja vítima foi Tinhorão, que tinha fama de namorador.

Um dos colegas, imitando voz de mulher, marcou um encontro com ele aquela noite mesmo, na Cinelândia. Imediatamente vestiu o paletó, foi até Prudente e inventou que sua mãe o chamara, aflita, pelo telefone.

Mal saiu da Redação, Prudente e o autor do trote começaram a rir, logo seguidos pelos demais. Uma meia hora depois, voltava Tinhorão, sorrindo amarelo, encabulado por ter bancado o bobo.

Do "Diário Carioca", fui para o "Jornal do Brasil", onde fiquei até 1962, quando fui demitido por ter aderido à greve dos jornalistas. Logo, recebi um recado de Prudente de Moraes Neto, que então chefiava a sucursal de "O Estado de S. Paulo" no Rio. Ali, se o ambiente não era o mesmo do "Diário Carioca", também reinava o bom humor e a camaradagem.

Ganhei muitos amigos, Mário Cunha e Villas-Boas Correa, e me divertia com as piadas de Guaxito, teletipista do jornal. Ele punha apelido nos companheiros e gozava a todos. Quando alguém falava alto demais ao telefone, ele os sacaneava: "Avisa o coleguinha aí que já inventaram o telefone!".

Durante 1963, as tensões políticas e a agitação social já anunciavam o golpe militar. Prudente, em seus artigos, pregava a derrubada de Jango, mas tratava com carinho os esquerdistas da Redação. Assim foi que, no começo do ano seguinte, quando finalmente os generais consumaram o golpe, Prudente nos aconselhou a sumir.

Eu e Mário Cunha sumimos, mas, de vez em quando, telefonávamos para ele, que nos falava em código: "O tempo continua nublado, ameaçando chuva", avisava ele. Quando, algumas semanas depois, o tempo melhorou, nós voltamos ao trabalho.

Prudente era uma personalidade pouco comum. Quando jovem, fundara, com Sérgio Buarque de Holanda, a revista "Estética", que difundia as ideias modernistas. Ensaísta brilhante, tinha uma visão muito própria das questões estéticas e literárias.

Foi também poeta, embora de sua poesia pouco se conheça, além do célebre poema "A Cachorra", que Manuel Bandeira incluiu na sua antologia dos poetas bissextos. "Sorriu da minha tolice / eu sou a Cachorra, disse / Tu me chamaste, aqui estou."

Em 1975, eleito presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), ele, que apoiara o golpe militar e já se tornara um de seus mais firmes opositores, liderou a luta dos jornalistas contra a censura.

Essa firmeza e determinação exasperaram de tal modo os militares que chegaram a destruir, com uma bomba, o sétimo andar do edifício-sede da instituição.

Prudente morreu em dezembro de 1977. A última vez que estive com ele foi em sua casa, em Ipanema, quando um grupo de amigos o homenageou. Ao despedir-me, segredei-lhe ao ouvido: "Você é o melhor ser humano que conheci em minha vida". Ele me apertou o braço e sorriu entre encabulado e agradecido.

DANUZA LEÃO

Vivendo de Brasília

A simpatia é seu capital, e seu objetivo, um só: fazer negócios. Alguns mais ingênuos entram na dança

É MUITO BOM conhecer pessoas simpáticas; mas se elas forem simpáticas demais, prestativas demais, desconfie, sobretudo no mundo dos negócios. Quem não gosta de ser bem tratado, de ter em volta pessoas que sempre concordam com nossos pontos de vista, que acham graça em tudo que dizemos? Pois fique sabendo que isso é uma profissão e que são exatamente estas as pessoas mais perigosas.

Esse é o caminho mais curto para chegar à nossa intimidade e conquistar nossa confiança, e se você ocupa algum cargo poderoso, todo cuidado é pouco. Essas pessoas têm talento para serem agradabilíssimas, estão sempre prontas a fazer pequenos favores, apresentar alguém a outro alguém, e um dia vão pedir alguma coisa que você vai ter dificuldade em negar.

Às vezes, uma pequena (aparentemente) informação para eles é mais importante do que um cheque em branco.

Os homens corretos -em seu trabalho e diante da vida- podem ser discretamente simpáticos, mas nunca passam da conta, porque não vivem disso; já esses outros têm, como profissão, um grande charme pessoal e total disponibilidade para estarem nos lugares certos, nas horas certas, para encontrarem as pessoas certas. Eles sabem exatamente que lugares são esses, e as pessoas que interessam.

São adoráveis; com eles não há um só minuto de tédio, e estão sempre prontos a conseguir qualquer coisa de que você precise.

De um twister que ainda não existe no mercado a qualquer aproximação que você queira, seja com um homem de negócios ou com uma gatinha; tudo isso rindo muito e prontos a dizer, se pegar mal, que estavam apenas brincando. A simpatia é seu capital, e seu objetivo, um só: fazer negócios. Bons negócios.

Alguns mais ingênuos entram na dança, e às vezes, inocentemente, facilitam que esses negócios aconteçam. Negócios que, claro, não têm nada a ver com trabalho honesto, é um toma lá dá cá. Eles são perigosos, e quanto mais simpáticos, mais perigosos.

Nunca, em nenhum momento, pensam no país, nem de onde está vindo o dinheiro que conseguiram numa "tacada". São nefastos à sociedade de um modo geral, e não porque sejam imorais. São piores, porque são totalmente amorais, e também muito espertos: não deixam rastros por onde passam e têm sempre uma corte em volta, que eles alimentam com pequenos favores.

E são capazes de qualquer coisa, por exemplo, namorar uma mulher que não tem nada a ver com eles mas que tem uma posição que poderá ser de grande utilidade em algum momento. Mulher carente, como se sabe, faz qualquer coisa pelo homem que a saiba levar, e é até covardia chegar perto de uma delas.

Os chamados homens de bem que se cuidem; esses são extremamente destrutivos, mas conseguem fazer amigos com facilidade. Amigos geralmente com pouca experiência de vida e que conhecem pouco o ser humano. Se tomassem informações, saberiam, mas quem tem tempo para isso nos dias de hoje?

Essas pessoas geralmente não bebem, nem fumam, o que causa sempre uma boa impressão. Mas é só ficar atento para perceber o mal que são capazes de fazer.

Esse tipo de gente costuma ir muito a Brasília.

danuza.leao@uol.com.br
O "cara" cansou?


CLÓVIS ROSSI

O "cara" cansou?

SÃO PAULO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva emite crescentes sinais de que está cansado da pirotecnia verbal de seus pares latino-americanos. Mais de uma vez, em atos públicos ou entrevistas coletivas dessa turma, o presidente me olha com um sorriso maroto no canto da boca e uma cara de "eu-não-mereço".
Até aí, podia ser apenas leitura equivocada do gesto.

Mas é a segunda vez em poucos meses em que Lula reclama publicamente do excesso de discursos de seus pares. Primeiro, na Cúpula das Américas (abril), em que ironizou o tempo que o nicaraguense Daniel Ortega gastou em sua fala, aliás uma peça patética.

Agora, em Bariloche, generalizou a crítica: "A gente vir para uma reunião como chefe de Estado e cada um ficar falando para seu público não dá certo".

Entendo Lula. Vai à cúpula do G20, que reúne grandes e emergentes, e faz sucesso. Vai aos Brics, os futuros grandes, segundo uma firma financeira interessada em lucrar com eles, e também faz sucesso.

Aí, volta para o Sul, em que deveria mais ainda ser "o cara", e não consegue arrumar a casa. Não conseguiu convencer Álvaro Uribe de que não funcionou até agora o acordo Colômbia/Estados Unidos, e que, portanto, é preciso mudar de rumo.

Não consegue, nunca aliás, convencer Hugo Chávez a seguir a ordem do rei da Espanha ("porque no te callas", lembra-se?) e aceitar que a preservação da Unasul é o grande objetivo, que suplanta todos os demais, como diz Marco Aurélio Garcia, o assessor de Lula para temas internacionais.

Antes, já dissera ao presidente boliviano Evo Morales que não aceitava negociar "com uma espada no pescoço", em referência à nacionalização do gás.
Nesse ritmo, não demora e Lula também acabará proclamando o seu "cansei".

crossi@uol.com.br

sábado, 29 de agosto de 2009



30 de agosto de 2009
N° 16079 - MARTHA MEDEIROS


Desacorrentadas

Se você alcança uma certa longevidade e tem um parceiro bacana, mantenha-o, claro . Mas se está sozinha e já teve vários bons romances, vai procurar sarna pra se coçar a troco de quê?

O amor liberta? De certa forma, sim. Amar faz você desprender-se da razão, incorporar novos hábitos, expandir seus sentimentos, invadir recantos da sua alma nunca antes explorados. De fato, é bem poético e libertador amar.

Mas tem seus contratempos, lógico. A convivência entre duas pessoas nem sempre é um mar de calmaria, muitas concessões necessitam ser feitas, ou seja, alma gêmea não existe, é conversa. Ainda assim, é melhor estar amando do que não estar amando. Ao menos até uma determinada idade.

Circulam por aí reportagens que enaltecem o amor aos 70, 80 anos, dizendo que nunca devemos encerrar as buscas, que o amor merece ser encontrado em qualquer etapa da vida. Merece, mas tenho ressalvas a fazer.

Se você alcança uma certa longevidade e tem um parceiro bacana, mantenha-o, claro. Mas se você está sozinha da silva, já teve vários bons romances na vida e está em paz com a sua solidão, vai procurar sarna pra se coçar a troco de quê?

Há duas mulheres famosas na faixa dos 60 anos que, depois de amarem muito, já manifestaram publicamente a sua desistência em seguir procurando companhia (ainda que eu intua que esse desprendimento ainda vai lhes proporcionar novas surpresas amorosas). Mas, enfim, são mulheres inteligentes e bem resolvidas, e essa postura de “largar de mão” me inspirou: pretendo seguir a mesma cartilha. Não que eu colecione desilusões, pelo contrário. Não tenho do que me queixar.

Já vivi o lado zen e o lado tsunâmico do amor, e o saldo é de puro prazer e gratidão. Sou totalmente pró-amor, nem penso em aposentadoria agora. Mas o agora vai se transformar em depois, e depois é outra história.

Estou sem a menor pressa de que o tempo passe, mas vai passar e quando eu chegar nos meus 60 e tantos, bem saudável, independente e mantendo o espírito da juventude (estão rindo do quê?), pretendo curtir a vida mais do que já curto hoje. E não haverá problema em estar sozinha, caso estiver.

Quem tem amigos, não se aperta. Ainda mais quando são amigos de diversas tribos, diversas idades, gente com a cabeça aberta, o humor tinindo, bem informados - existe turma melhor?

Depois de uma noitada regada a ótimas conversas, você pega sua bolsa e volta pra casa, pega seu livro, se esparrama na cama e dorme até a hora que quiser, se for final de semana - e se não for, também.

Além de amigos, ter algum dinheiro é importante, lamento tocar nesse assunto desagradável. É ele que possibilitará que você viaje, vá a shows, receba gente querida em casa, se presenteie com pequenos mimos. Sim, você pode fazer tudo isso com um parceiro ao lado, mas não na hora que você bem entender e sem dar satisfações.

Tudo terá que ser negociado. E será preciso abrir espaço na agenda para os amigos dele, a família dele, as carências dele, as doenças dele, as galinhagens dele. Será que, maduríssima da silva, terei tempo e paciência para me dedicar tanto assim à manutenção de uma relação nova?

Sem falar em continuar tendo que se preocupar com o próprio corpo, com as artimanhas da sedução, com o sexo. Ai, o sexo... Sentirei saudades.

Poético e libertador é pensar que nunca estarei sem ninguém, porque chega uma hora em que a gente decide que é alguém, e basta.


30 de agosto de 2009
N° 16079 - PAULO SANT’ANA


Megalomania e insegurança

Não sei se o pensamento a seguir transcrito embute uma verdade, mas estou meditando bastante sobre ele: “É melhor morrer crendo do que viver duvidando”.

E me inclino a adotá-lo.

Eu não concordo em largar o cigarro, mas se aparecer uma mente brilhante que me argumente lucidamente sobre a vantagem que terei deixando de fumar, cedo e faço o sacrifício da renúncia a esse prazer, digamos assim, quase incomparável.

Acho mesmo que só largaria o cigarro se me ressurgisse de repente, numa esquina da vida, um daqueles templários de priscas eras e me convencesse a substituir o cigarro por algum prazer físico ou espiritual que me fizesse esquecer o cigarro.

Largar o cigarro, só pela substituição.

Substituir o cigarro por um grande amor por exemplo. Será? Mas não será que, arranjando um grande e incontrastável amor, terei, por isso mesmo, nervoso, emocionado e inseguro, que fumar mais ainda cigarros do que hoje repelentemente fumo?

O diabo do cigarro é que a gente sempre arranja para que ele se conjugue com outro prazer, com o cafezinho, com o almoço recém saboreado ou até mesmo nos instantes que se seguem aos jogos de amor bem realizados, entre os lençóis.

Por sinal, os lençóis podem servir como excelente combustível tanto para as labaredas do amor quanto para uma brasa caída do cigarro logo após o intercurso ou durante a irrupção do sono, naquele estado de lassidão e languidez que se sucede ao orgasmo.

Por falar em orgasmo, o que vem a ser ele? É mesmo o ápice da excitação?

Mas, se é o ápice, isso transmite a ideia de que nada melhor há que o orgasmo na excitação.

E, se nada é melhor do que o orgasmo e ele é o ápice, isso não subentende que o orgasmo é também a extinção, o fim da excitação?

E, se o orgasmo é o fim da excitação, se ele extingue a excitação, ele é uma sensação bem-vinda ou malvinda?

Digo isso porque o ideal seria que a excitação se prolongasse indefinidamente: não fosse interrompida pelo orgasmo.

Todo esse meu último e intrincado silogismo sobre o orgasmo se destrói porque dizem os sexólogos que algumas mulheres têm o privilégio de sentir o orgasmo múltiplo, ou seja, uma metralhadora de prazer.

Atenção psiquiatras, analistas, psicólogos e outros terapeutas adjacentes: surgiu-me de repente o raciocínio de que todos os homens, portanto eu e meus leitores incluídos, somos ao mesmo tempo megalomaníacos e inseguros.

Dirão alguns terapeutas e filósofos que a insegurança peculiar nossa nasce exatamente da nossa megalomania.

Ou seja, que todos somos megalomaníacos, disso não resta dúvida: todos exacerbamos nossa autoestima.

Mas o interessante é que somos megalomaníacos porque no fundo desconfiamos da nossa real capacidade.

Então, tiro na mosca: é justamente porque somos megalomaníacos que somos simultaneamente inseguros.

Tiro e queda.


30 de agosto de 2009
N° 16079 - MOACYR SCLIAR


O senhor do anel

Olhem só a notícia que apareceu, dias atrás, aqui em ZH. Na Nova Zelândia, o ambientalista Aleki Taumoepeau (o pessoal lá tem nomes complicados, mas, provavelmente, devem dizer a mesma coisa de nós) trabalhava no porto de Wellington quando sua aliança de casado caiu no mar, que ali tem três metros de profundidade.

Aleki marcou o lugar com uma âncora e prometeu à mulher que encontraria a aliança, o que de fato aconteceu três meses depois, e valeu-lhe, entre os amigos, o apelido de Senhor do Anel, uma referência ao livro e ao filme O Senhor dos Anéis.

Isso nos faz pensar no simbolismo do anel de casamento. É uma coisa que vem de longe, dos antigos hindus e dos antigos gregos. Os romanos introduziram o hábito de colocá-lo no anular do qual, acreditava-se, partia uma veia (veia d’amore, em italiano) que estaria diretamente ligada ao coração.

Bota simbolismo nisso. Um simbolismo que se ampliou quando a Igreja adotou a aliança como um símbolo de união e fidelidade.

A própria forma da aliança explica esse simbolismo. Pode ser considerada uma algema em miniatura, como dizem os inimigos (não poucos) do casamento, mas mais provavelmente é vista como o elo de uma corrente da qual fazem parte o noivo e a noiva, o marido e a mulher. Mais do que isso, por causa de sua forma circular, remete-nos ao ciclo da vida, no qual a união entre dois seres é um momento importante.

Será que essas coisas explicam a determinação de Aleki? Será que ele valorizava tanto assim seu casamento? Ou será que se tratava apenas do desafio, de encontrar a aliança de qualquer maneira para mostrar à esposa e aos amigos sua determinação?

Ou ainda, quem sabe ele era movido pelo fato de que a aliança, afinal, é um objeto de valor, confeccionada em ouro? Ou, finalmente, será que é uma soma de tudo isso, e de mais alguns fatores que desconhecemos?

Questão complexa, como complexo é o casamento. O que aproxima um homem de uma mulher levando-os a uma união que, teoricamente ao menos, deveria ser duradoura? O amor? Mas existem casamentos sem amor. Existem casamentos que resultam de interesses, de pressão familiar e que, ainda assim, funcionam. E mesmo que fosse o amor – é só o amor? Não é o hábito, o costume, a cumplicidade?

Há uma outra questão aí, muito mais embaraçosa. Por que uma pessoa perde a aliança? Por acidente, por descuido? Será que é só por isso? Ou será que o acidente, o descuido, são expressões de um impulso inconsciente, como o lapso freudiano?

A mulher que perde a aliança está condenada a perder o marido, diz-se na Escócia. Condenada a perder o marido – ou pronta para livrar-se do marido? Será que perder a aliança (este “perder” podendo significar “jogar fora”) não revela já uma oculta predisposição para acabar com o casamento?

O Aleki poderia não ter perdido a aliança – se ele não usasse aliança. Muitos casais fazem isso. Podem até ter a aliança, mas guardam-na em casa. De novo, pode-se perguntar o que leva casados a não usarem a aliança.

A explicação que eu prefiro é aquela que remete à maturidade: não precisamos de nenhum símbolo material, se estamos seguros de nossos sentimentos, de nossas opções, sem que seja necessário demonstrá-lo publicamente. E sem que seja preciso mergulhar no mar em busca de alianças perdidas.

A propósito da crônica do último domingo, comentando o caso de um homem que pediu na Justiça indenização à ex-esposa que tinha casos extra-conjugais, recebi do advogado Joaquim Francisco Polvora Victoria um interessante comentário.

Diz o Dr. Joaquim Francisco que, até a Constituição de 1988, “reinava o entendimento de que ressarcir a dor moral com indenizações pecuniárias era algo imoral.” Atualmente, continua o advogado, existe uma verdadeira “orgia” de demandas neste sentido. E conclui: “Mas o valor das indenizações é estabelecido por critérios pouquíssimo objetivos...

Na Inglaterra alguns matemáticos resolveram criar uma tabela de indenizações, quantificando com rigor matemático o quanto valia em dinheiro a dor da traição, da perda de um ente querido ou de uma ofensa irrogada pelo vizinho. Tarefa difícil, essa, para não dizer impossível.” Verdade, Dr. Joaquim.

Mas convenhamos: é melhor algum número do que nenhum (pelo menos é o que se diz em saúde pública). Agradeço também as mensagens de Eduardo Ritter, J. A. Lemos, Simone L. Berti, Maria Elizabeth Knopf, Rodrigo Velasquez, Prof. Duilio de Ávila Berni, Luiz Carlos Avila, Ricardo F. dos Anjos, Flavio da Rosa. Nada como ter leitores cultos e inteligentes.


30 de agosto de 2009
N° 16079 - DAVID COIMBRA


A doçura de um tratamento de canal

Às vezes me dá uma saudade de fazer um tratamento de canal... Por causa do Doutor Vuaden. Dois dentistas mudaram minha vida, o Doutor Ramão e o Doutor Vuaden.

O Doutor Ramão aplica uma anestesia que é como se você tivesse a boca beijada pela Megan Fox. Manja a Megan Fox, a nova Mulher-Gato? Oh, quantas fantasias infanto-juvenis tive com a Mulher-Gato, quantos sonhos sensuais irrealizados, e agora ela será encarnada pela Megan Fox. Megan Fox, maaan. Procure no Google Imagens.

É doce assim uma anestesia aplicada pelo Doutor Ramão. E um tratamento de canal feito pelo Doutor Vuaden, Cristo!, que prazer! O Doutor Vuaden é um homem que, à primeira vista, pode assustar. Um alemão de quase dois metros de altura, poderia ser quarto-zagueiro do Bayer Munich.

No entanto, o Doutor Vuaden é todo discrição. Sua voz é ronronada, seus movimentos são suaves e a mão com que ele torce o nervo de um canino é uma mão de Cinderela, com artelhos de fadinha, com falanges, falanginhas e até falangetas delicadas como as de uma debutante. Um tratamento de canal do Doutor Vuaden é um afago de mãe.

Mas o que mais me faz sentir saudade do Doutor Vuaden e do Doutor Ramão é a filosofia. Porque, quando me instalo numa cadeira de dentista, sou um Platão, um Spinoza, um Kant. Ali, de boca aberta, com o sugador pendurado na comissura dos lábios, compreendo a verdadeira dimensão da existência. Ali sei o que é o ser humano: é um ser eminentemente físico.

Físico, nada mais do que isso.

Não me venha com teorias sofisticadas, não me venha com lógicas intricadas, não me venha com toda a psicologia de Freud e Lacan, com as reflexões de Schopenhauer, com os dilemas sociais de Marx e Engels ou com a literatura de Balzac e Dostoievski, não me venha com nada disso se eu estiver com uma dor de dente. Eis a realidade: se você está com um pré-molar inflamado, aquela pequena área de meio centímetro quadrado é o centro do universo, é todo o seu ser.

Nada mais importa, nada vale, nenhuma consideração é procedente, se você está sentindo dor física. A moral, o espírito, a inteligência são meros acessórios. O mundo só voltará a ser belo quando passar a enxaqueca.

Tudo é muito simples, afinal. O mundo é simples. É físico, em sua essência. É com esse raciocínio reto e liso que se tira proveito da luz de cada dia. Uma alegoria? O futebol. O futebol sempre se presta a alegorias. Lembro do sistema de jogo do Huracán, nosso time do IAPI. Dois zagueiros brabos lá atrás, o Larri e o Manga. Todo mundo tinha medo do Larri e do Manga. Quando algum desavisado vinha para cima de nós em qualquer viela entre o Cemitério São João e a Zivi-Hércules, bastava dizer:

– Nós somos amigos do Larri e do Manga. Pronto. Sem problemas. Ser amigo do Larri e do Manga era salvo-conduto.

Antes do Larri e do Manga, debaixo do travessão, tínhamos um goleiro de dois metros de altura e bigode, o Raimundão. O Raimundão, quando ia jogar, levava junto uma capanga. Entrava em campo todo fardado de goleiro, com a capanga debaixo do braço.

Colocava a capanga no fundo da rede. Os adversários ficavam olhando aquilo. Sabiam que, dentro da capanga, dormia um trezoitão cano longo.

Os outros integrantes do sistema defensivo, entre eles o degas aqui, eram menos relevantes no esquema técnico-tático da equipe. Minha função, basicamente, era marcar algum meia e esticar a bola para a direita, por onde zanzava o Jorge Barnabé. O busílis da questão era precisamente esse: a velocidade do Jorge Barnabé.

Quando ele atirava a bola para frente, ninguém o alcançava. O Barnabé zunia rumo à linha de fundo, tzzzzimmm!, e cruzava para a área, ou entrava em diagonal e mandava um chute seco, rente ao capim ou a palmo e meio de altura, feito o Vento Sul.

Uma gazela de chuteiras, o Barnabé. Um perigo para as defesas. Então, nosso esquema era simples: todo mundo lá atrás, com duas missões: tomar a bola e lançá-la ao rapidinho do time.

Todo time tem que ter um rapidinho. Era isso que tinha o Inter. Nilmar era o rapidinho. Quando o Inter se fechava, com quatro zagueiros e três centromédios, o Inter vencia. Por quê? Porque era objetivo. Reto e liso.

Todo mundo lá atrás e o rapidinho na frente, esperando. Que Rolo Compressor, que nada: Huracán. O Inter jogava como o velho Huracán. De um jeito simples, mas prático. Como as melhores coisas da vida.


A matança dos camelos

O governo da Austrália decide eliminar 650 000 do 1 milhão de animais soltos no interior do país. Até turistas são bem-vindos para a caçada

Duda Teixeira - Divulgação

AVENTURA NO OUTBACK



O americano Mike Mistelske com sua presa: caça esportiva para ajudar a reduzir o número de camelos

Não é o tipo de animal que se imagina caçado a tiros, mas já há quem viaje para a Austrália especialmente para abater camelos. O americano Mike Mistelske, que já caçou elefantes em Botsuana e cabritos selvagens nas montanhas da Nova Zelândia, participou neste ano de um safári no deserto australiano.

Durante dois dias, ele e um grupo de turistas, a bordo de duas picapes 4X4, rastrearam os animais pelo outback, o sertão australiano. Nas duas ocasiões em que localizaram bandos de camelos, os disparos foram feitos a 300 metros de distância.

"São necessárias duas ou três balas para derrubar um animal", disse Mistelske a VEJA, na semana passada. O tiro de misericórdia normalmente é dado na cabeça. Caso o caçador deseje levar o crânio como troféu, o disparo final mira o coração.

O animal abatido é abandonado ao sol e vira banquete para águias, raposas e dingos, os cães selvagens da Austrália. Em uma semana, sobram apenas os ossos.

A matança de camelos não apenas é permitida, mas tem o incentivo oficial. No fim de julho, o governo australiano lançou uma campanha para abater 650 000 animais, dois terços da população de 1 milhão.

Até destinou uma verba de 16 milhões de dólares para ajudar nas despesas dos caçadores, especialmente os profissionais que perseguem os animais de helicóptero. Importados da Arábia Saudita, foram introduzidos no país em 1840 para servir de bestas de carga na travessia dos vastos desertos do interior. Muitos animais acabaram fugindo para o outback, onde se multiplicaram até se converter na praga atual.

Eles invadem os banheiros das casas em busca de água, quebram tubulações nas lavouras, derrubam cercas, comem a grama nos jardins e os arbustos no campo, acelerando a desertificação.

A Austrália tem uma lista de 56 animais cuja extraordinária proliferação os coloca na categoria de pragas. Vários fatores facilitaram a multiplicação desses animais, que são, na maioria, espécies exóticas: a falta de predadores, de barreiras naturais, como montanhas, e os grandes espaços com escassa presença humana. Até os cangurus, nativos do país, multiplicam-se hoje como coelhos (veja quadro abaixo). O abate dos camelos provocou duas reações.

A primeira foi contra a morte de animais inocentes. A matança, contudo, visa a preservar o ambiente original. "Enquanto a caçada comercial pode extinguir espécies inteiras, a esportiva, feita sob controle, ajuda na preservação dos animais silvestres", diz o ecólogo Luciano Verdade, do câmpus da Universidade de São Paulo em Piracicaba.

A segunda rea-ção foi uma tentativa frustrada de aproveitar a carne do bicho. "Transportar um bicho de 600 quilos do meio do deserto para virar ração na cidade seria um pesadelo logístico", disse a VEJA Leszek Kosek, que presta consultoria a caçadores na Austrália. As carcaças continuarão abandonadas no deserto.

Claudio de Moura Castro

De malandros e manés

"É inegável o Rio do malandro. Menos visíveis, mas também

inegáveis, são a vida e a força do outro Rio. É o Rio careta, dos que frequentam livrarias e salas de concerto, em vez de praias e baladas"

Rio de Janeiro (onde nasci) evoca uma imagem clássica. É a pátria do malandro. É o reino da esperteza, do "golpe", da falta de seriedade proclamada como virtude redentora. É o campo de provas da lei de Gerson, prescrevendo que é preciso levar vantagem em tudo. Não são poucos os prejuízos trazidos pela cultura da malandragem.

É alarmante o número de empresas cuja sede fugiu para São Paulo. No nosso cotidiano, é difícil não ter um calafrio ao deixar o carro para consertar em uma oficina carioca. Do lado mais ameno, é o território do bom humor, da piadinha maliciosa e da inexplicável alegria diante da desgraceira.

O malandro carioca é assunto canônico dos sambistas: "...Navalha no bolso / Eu passo gingando / Provoco e desafio / Eu tenho orgulho / Em ser tão vadio. / Sei que eles falam / Deste meu proceder / Eu vejo quem trabalha / Andar no miserê / Eu sou vadio / Porque tive inclinação" (W. Batista). Bezerra da Silva imortaliza o perfil: "Malandro é malandro e mané é mané".

Essa caracterização popular tem respaldo acadêmico e raízes históricas. Roberto da Matta intitula seu livro clássico de Carnavais, Malandros e Heróis. Segundo ele, na sua origem, "o malandro é o nobre pé-rapado, o sujeito que viu os aristocratas lendo e escrevendo, não teve educação para entender o eventual valor da escola e vive de expediente".

José Murilo de Carvalho mostra a imagem do malandro carioca emergindo como reação à alienação engendrada por confrontos políticos no início do século XX. Fala de "irreverência, de deboche, de malícia". Se digitamos no Google "malandro" junto com "Rio de Janeiro", aparecem 200 000 referências.

Ilustração Atomica Studio

Porém, há outro Rio de Janeiro, menos lembrado. Durante séculos, por ser a capital econômica e política do país, atraiu as melhores cabeças. Inicialmente, desembarcou a corte de Portugal, com seus mais destacados figurantes.

Por muito que seja criticada, é preciso reconhecer, ela criou uma aristocracia intelectualizada, que se perpetua ao longo dos anos. Desde sempre, atraiu os mais inspirados intelectuais das províncias.

Até há pouco, foi um magneto para escritores e cientistas, mesmo de São Paulo. A despeito de décadas de desgoverno, ainda tem as melhores escolas médias, um plantel de grandes intelectuais e notáveis centros de pesquisa e pós-graduação. A lei de Gerson passa longe.

Que cara tem esse outro Rio? Sugiro que tem a cara de dom Pedro II. Eis um carioca arquétipo dessa outra persona do Rio. Ao morrer, foi considerado a cabeça coroada mais culta de quantas havia na Europa.

Dom Pedro é o outro Rio: sério, digno, disciplinado, erudito. Era o caretão rematado, a figura do antimalandro. Em vez de beija-mãos na corte, promovia saraus intelectuais e trocava cartas com Victor Hugo, Humboldt, Lamartine e Jean-Louis Agassiz, notável zoólogo e geólogo suíço.

É inegável o Rio do malandro. Menos visíveis, mas também inegáveis, são a vida e a força do outro Rio. É o Rio careta, dos que frequentam livrarias e salas de concerto, em vez de praias e baladas.

Por anos de convivência, é um Rio incólume e vacinado contra o vírus da malandragem. O grande paradoxo é a incapacidade desse Rio intelectualmente tão sério e bem-dotado de frear o desgoverno que aos poucos foi se infiltrando.

A malandragem pitoresca virou bandidagem, com a desmoralização resultante. Inapetência dos "puros" de chafurdar na política? Talvez. Os bons são muito poucos? Acho que não. Estão por todos os lados. Mas não chamam atenção, por serem menos pitorescos e divertidos. Aliás, dom Pedro II gostava mesmo era de um papo cabeça.

Mas, se o Rio tiver alguma arma secreta para reverter sua decadência, com certeza, será esse enorme e possante segmento, estilo dom Pedro II, que representa o oposto da malandragem e possui um respeitável vigor intelectual e moral.

Vamos torcer para que decida salvar a sua cidade. "O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos nem dos desonestos nem dos sem ética... (mas) o silêncio dos bons" (M. Luther King).

Claudio de Moura Castro é economista


Cheiro da conquista

Não seria ótimo se um perfume tornasse você irresistível? A indústria cosmética está apostando nisso
MArtha Mendonça



TESTE

Mulheres participam de um experimento sobre feromônios em Manhattan. O cheiro venceuSeria perfeito: um homem toma banho e coloca perfume atrás da orelha. Quando sai de casa, várias mulheres reparam em sua presença, e à noite já tem uma fila de pretendentes.

Ele é irresistível. Há quem diga que esse dia vai chegar – ou ao menos quer convencer o consumidor disso. No fim de julho, uma empresa de cosméticos organizou um evento em Nova York: mulheres usando vendas nos olhos foram aproximadas de homens de três grupos: um deles havia tomado banho com sabonete comum; outro era de homens suados, sem banho; e o terceiro havia se lavado com um sabonete que continha feromônio sintético.

As moças deveriam dizer, apenas pelo cheiro, quais eram mais atraentes. Ganhou o grupo do feromônio. As “cobaias” não sabiam explicar o porquê da atração. Depois de tirar as vendas, se chocaram ao perceber que não se interessavam pelos escolhidos.

Gerente de marcas da Dial, empresa que fabrica os produtos e organizou o evento, Ryan Gaspar explicou ao The New York Times que o produto pode não fazer uma mulher agarrar um homem que usa um sabonete com feromônio, mas vai se sentir mais atraída do que se ele estivesse usando um comum.

Feromônios são substâncias que funcionam como mensageiros entre seres da mesma espécie, permitindo que eles se reconheçam, inclusive sexualmente. O termo foi cunhado em 1959 a partir de duas palavras gregas: féro quer dizer “transportar” e órmon excitar. Seria o leva e traz daquilo que atrai sexualmente seres da mesma espécie. O suficiente para que se pensasse em produzir essa substância em laboratório, o que começou nos anos 1990. Hoje, já são vendidos no mundo inteiro produtos com fórmulas que contêm feromônio.

O marketing dos fabricantes, da confiança e do sex appeal, é fundado na ideia de que é preciso recuperar os efeitos dessa substância, já que a pequena quantidade de feromônios em nosso corpo seria destruída pelos desodorantes e perfumes comuns e pelas roupas.

Não há nenhum estudo que confirme o efeito dos feromônios na atração humana

Os efeitos desses produtos, no entanto, são contestados por especialistas. ÉPOCA ouviu o neurocientista americano Charles J. Wysocki, do Monell Chemical Senses, na Filadélfia, autor de vários estudos sobre feromônios. “Qualquer experiência é questionável”, diz.

Segundo Wysocki, não há nenhum estudo que confirme o efeito dos feromônios na atração sexual dos seres humanos – apesar de experimentos com outras espécies sugerirem essa relação. “A substância está sendo superestimada para fins comerciais”, afirma.

Ainda assim, o feromônio ganhou o mercado. São comuns em malas diretas na internet, em sex shops e, agora, até em marcas famosas como Givenchy e Parlux, fragrâncias que prometem trazer o ser amado em três segundos. Wysocki explica que alguns odores podem causar relaxamento e sensação de bem-estar, mas isso não pode ser confundido com atração sexual.

E, afinal, o que conta mais: o que se cheira ou o que se vê? “Para nós, vale o amor à primeira vista, e não o amor ao primeiro cheiro”, diz a antropóloga americana Helen Fisher. “Nosso cérebro reage ao estímulo visual, antes de tudo.”


29 de agosto de 2009
N° 16078 - NILSON SOUZA


Observadores

Tenho horror de pássaro preso. Por isso, levei um susto quando uma amiga de muitos anos me procurou na hora do café e disparou:

– Quero te contar uma coisa legal: tem dois passarinhos no meu apartamento.

– Não vais me dizer que compraste uma gaiola? – reagi, já quase indignado.

Ela riu da minha preocupação. Contou que são visitantes ocasionais, mas que têm aparecido com frequência, pousam no parapeito, entoam os seus cânticos e já nem se assustam mais com a sua movimentação no interior da casa. Perguntei-lhe, então, que tipo de aves seriam – se sabiás, corruíras, canários, bem-te-vis, saíras...

Ela não sabe. Só sabe que têm azul nas costas e branco no peito, mas me prometeu que vai fotografá-los para que a gente possa identificar em algum catálogo ornitológico. É curioso como as mulheres – obviamente que com as exceções de sempre – conhecem pouco sobre as espécies de pássaros.

Suponho que seja uma questão cultural: os meninos da minha época caçavam, faziam bodoques, perseguiam os pobres bichinhos nas árvores – maldades jamais compartilhadas pelas garotas. Felizmente tínhamos má pontaria.

Eu, pelo menos, jamais consegui acertar uma pedra em qualquer coisa que se mexesse, quanto mais nos voadores. Mas aprendi a conhecê-los: coleiros, tico-ticos, anus, almas-de-gato e outros mais ou menos votados. Já naquela época, porém, detestava ver um pássaro engaiolado, saltando inquieto de um poleiro para outro, cantando algum canto triste pela liberdade perdida.

Os donos de viveiros e gaiolas costumavam dizer – acho que ainda dizem – que aquelas aves nasceram no cativeiro, que soltá-las seria uma condenação à morte. Nunca me convenci muito disso. Se os bichos pudessem decidir, tenho certeza de que optariam pelos riscos da liberdade.

Bom, mas não estou querendo entrar em guerra com ninguém. Desde que não me convidem para ver pássaro preso, tolero este estranho prazer dos engaioladores. Me consolo pensando que tem coisa muito pior neste mundo: os espanhóis, por exemplo, se divertem torturando touros.

Eu, como a minha amiga, me transformo nesta época num silencioso observador dos pássaros que encontro nas ruas e nas praças.

Quando caminho pela manhã na beira do rio, costumo deparar com rolinhas, barreiros, quero-queros e garças – também eles, em seus voos, observadores deste animal rastejante que enaltece a liberdade e constrói gaiolas.


29 de agosto de 2009
N° 16078 - PAULO SANT’ANA


Governo responde

É o tal negócio, eu escrevi um tópico pequeno sobre os salários defasados dos funcionários públicos estaduais e recebo uma resposta extensa do secretário da Fazenda a respeito.

Não tenho outro recurso, senão transcrevê-la:

“Prezado Paulo Sant’Ana

Na última quarta-feira, ao ler sua prestigiada coluna, observei que mencionaste o apelo feito aos servidores públicos para que estivessem alertas para o momento de dificuldade que enfrentam as finanças públicas do Estado em função da queda da arrecadação.

Esse apelo, na verdade, foi feito não só aos servidores, mas para todo o conjunto da sociedade, como já fizemos em outros momentos de dificuldades, buscando preservar o equilíbrio das contas. Isso porque acreditamos que somente um Estado equilibrado pode oferecer melhores condições de trabalho a seus funcionários, gerar mais investimentos e serviços.

Os números que divulgamos sobre um incremento de R$ 574 milhões na folha dos servidores entre os meses de janeiro e julho, na comparação com o ano passado, revelam que aumentamos significativamente o volume de recursos destinados aos servidores.

A regularização dos reajustes das ‘Lei Britto’ em quatro parcelas, o aumento à Defensoria Pública, aos delegados de polícia (categorias essas que haviam ficado fora da Lei Britto), o pagamento da matriz da segurança pública e o pagamento de precatórios (que beneficia primordialmente servidores públicos ou pensionistas) só foi possível porque houve avanços nos resultados fiscais.

Sem contar a reposição que houve nos quadros do Poder Executivo, com novos concursos, nomeações e regularização de promoções que estavam em atraso, todas essas medidas que impactam as contas públicas e que eram demandas antigas.

Mas em relação às tuas observações, prezado Sant’Ana, gostaria também de fazer um esclarecimento quanto ao que classificaste de ‘arrocho salarial selvagem’. É verdade que a grande parte dos servidores públicos estaduais merece uma remuneração mais adequada. Mas preciso contestar, por uma questão de dever, a informação de que só têm sido repostos os índices inflacionários.

Análises feitas pela Secretaria da Fazenda, sobre as quais me coloco à disposição para maiores esclarecimentos, mostram que poucas são as categorias que tiveram reposições abaixo da inflação.

No cômputo geral, entre os meses de dezembro de 1994 e maio de 2009 (15 anos), o reajuste do conjunto dos servidores do Executivo foi, em média, de 210%. Nesse período, as variações de inflação foram de 195,75% (INPC) e 190,86% (IPCA). Portanto, os reajustes acumulados ficaram acima da inflação.

O fato de a maior parte do funcionalismo gaúcho ter recebido reajustes acima da inflação nos últimos 15 anos não significa que estejam adequadas. A determinação pelo ajuste das contas públicas justifica-se exatamente pelo objetivo de garantir melhores condições de trabalho aos servidores e mais investimentos. No entanto, isso só é possível num Estado eficiente, que gaste menos do que arrecada.

No momento em que a arrecadação de tributos estaduais e os repasses federais revelam-se abaixo das expectativas, temos o dever de fazer um apelo à população e também aos servidores, segmento no qual estão concentradas grandes frentes de pressão pelo aumento de gastos, certamente legítimas.

Foi essa determinação pelo ajuste fiscal que permitiu que pagássemos o 13º salário em dia e que colocássemos em dia a folha de pagamento dos servidores, ações que não teriam sido alcançadas sem a ajuda de toda a sociedade gaúcha. (a) Ricardo Englert, secretário estadual da Fazenda”.


29 de agosto de 2009
N° 16078 - CLÁUDIA LAITANO


Uma menina chamada Susan

O diário começa assim:

“eu acredito:

a) que não existe nenhum deus pessoal nem vida após a morte;

b) que a coisa mais desejável do mundo é a liberdade de ser verdadeiro para si mesmo, ou seja, Honestidade;

c) que a única diferença entre os seres humanos é a inteligência;

d) que o único critério para uma ação é a felicidade ou a infelicidade individual que em última instância ela produz;

e) que é errado privar qualquer homem da vida.”

A autora é a ensaísta americana Susan Sontag (1933 -2004), que manteve um diário do início da adolescência até pouco antes de sua morte, registrando tanto o percurso de sua formação intelectual quanto passagens de sua vida íntima.

Organizados pelo único filho dela, o escritor David Rieff, esses textos começam a vir a público agora com um primeiro volume dedicado ao período que vai de 1947 a 1963. O trecho acima abre o primeiro diário e foi escrito quando a autora ainda não havia completado 15 anos.

Há sempre uma dose de voyeurismo na leitura de um diário, e mais ainda quando os textos não foram selecionados pelo próprio autor para publicação. No caso dos diários de Susan Sontag, essa impressão é ainda mais forte pelo fato de a autora demonstrar um talento tão precoce para escrever e, mais que isso, para pensar – uma espécie de Anne Frank sem final trágico, se substituirmos as divagações românticas pelas reflexões filosóficas (ambas tinham mais ou menos a mesma idade e origem judaica, mas Susan teve a sorte de estar do lado certo do Atlântico naquele momento).

A jovem Susan fazia listas dos livros a serem lidos, registrava passagens dos autores que estava descobrindo e traçava metas rígidas de autodisciplina para sua formação.

Os diários incluem as experiências com sexo – sexo com amor, sexo sem amor, sexo com mais ou menos prazer –, mas esse ligeiro perfume de escândalo é menos impressionante do que a monumental energia intelectual concentrada em alguém tão jovem. Estamos diante de uma menina plenamente consciente de sua inteligência e do trabalho que tinha pela frente se quisesse alcançar o grande futuro que imaginava para si mesma.

No prefácio do livro, David Rieff não esconde um certo constrangimento por ter tomado a decisão de publicar os diários sem que Susan Sontag tivesse expressado diretamente esse desejo em vida.

Em um texto anterior, Rieff já havia comentado o fato de que a mãe recusou-se até o fim a aceitar a morte, convencida de que seria capaz de vencer mais um câncer (já havia vencido dois antes). Logo, não deu orientação nenhuma sobre o destino de sua obra, assim como não encenou qualquer tipo de despedida das pessoas mais próximas.

Rieff admite que também não fez questão de abrir seus olhos sobre a gravidade da doença, preferindo embarcar com a mãe na fantasia de que em breve ela estaria em casa e trabalhando novamente.

Respeitando o que Susan Sontag já intuía aos 14 anos, David Rieff apostou que o único critério para uma ação é a felicidade ou a infelicidade individual que em última instância ela produz.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009


JOSÉ SIMÃO

Ueba! Já tem o marido-rubinho!

É um novo tipo de marido: só sobe no pódio de cinco em cinco anos e ainda chora!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

É que uma amiga tem um porteiro super gato que se chama DELÍCIO! Bom dia, Delício! Pior um amigo meu que foi tirar certidão de casamento no cartório de Vila Maria.

E o balcão onde marca casamento é o mesmo que tira atestado de óbito! Depois não pode alegar que não sabia, que não avisaram. Tá lá a placa: "Casamentos e Óbitos"!

E uma outra amiga minha diz que o marido dela é como o Rubinho: só sobe no pódio de cinco em cinco anos. É um novo tipo de marido, o marido-rubinho, só sobe no pódio de cinco em cinco anos e ainda chora! Pior: um amigo meu tava seguindo o Rubinho no Twitter. E acabou ultrapassando. Rarará!

E tá tendo o Festival do Bigode no Brasil: Sarney, Mercadante e Belchior! Mas o site Comentando mostra as diferenças das atitudes bigodescas: o Sarney diz que não ia sair e não saiu. O Mercadante diz que ia sair e não saiu. E o Belchior não disse nada e SAIU! Rarará!

E um leitor mandou avisar pro Suplicy que Woodstock já acabou, o Vietnã venceu a guerra e que a Janis Joplin, o Jim Morrison e o Freddie Mercury já morreram. E um outro disse que o Suplicy quer ser o oitavo membro do CQC! E aí perguntaram se existe um político honesto. Existe, o Suplicy. De uma honestidade que até enche o saco. Rarará!

E sabe qual é o novo apelido do Serra? Sei, porteiro de necrotério. Não, o novo apelido do Serra é O Maníaco do Pedágio! Diz que vai botar 19 pedágios no Rodoanel Sul! Então é túnel! Então não é mais Rodoanel, é ROUBOANEL! ROUBÁGIO NO ROUBOANEL! Aliás, Rodoanal! Só falta ele botar pedágio em farmácia: pedágio genérico!

Rarará! E pra ir ao banheiro, peidágio. São Paulo é uma ilha rodeada de pedágios por todos os lados! É mole? É mole, mas sobe! Ou como disse o outro: "É mole, mas trisca pra ver o que acontece!".

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heroica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. Em Olinda tem um restaurante francês chamado La Mer. Aí, abriram uma barraca em frente, a La Merdinha. Mais direto, impossível! Viva o antitucanês! Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. O Orélio do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. Acareação: companheiro que assina a "Caras"! O lulês é mais facil que o ingrêis. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br
crossi@uol.com.br
CLÓVIS ROSSI

Templo é dinheiro?

SÃO PAULO - Passo a coluna para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), porque o que ele narra consegue ser estarrecedor mesmo em um país em que parecia esgotado o estoque de estarrecimentos.

Chico fala da madrugada de 26 para 27 deste mês, em que a Câmara dos Deputados aprovou um absurdo projeto de lei que "dispõe sobre as garantias e direitos fundamentais ao livre exercício da crença e dos cultos religiosos" ("você sabia que estavam ameaçados?", pergunta o deputado. E você, sabia?).
Passemos ao estarrecedor, na palavra do deputado:

"Se o acordo Santa Sé/governo brasileiro já era questionável em vários aspectos, o acordão com setores evangélicos (não a totalidade), patrocinado por quase todos os partidos (inclusive o "oposicionista" DEM), à exceção do PSOL, foi um absurdo. O projeto tramitou numa celeridade inédita (foi apresentado em julho agora) e, com o relator Eduardo Cunha (PMDB-RJ, neoevangélico), avançou a toque de caixa em plenário, sem ter sido nem sequer proposto no colégio de líderes".

Consequência da aprovação: "É o liberou geral. Agora, quem inventar uma "instituição religiosa" terá sua organização obrigatoriamente reconhecida pelo Estado no simples ato de criação, independentemente de lastro histórico e cultural, doutrina, corpo de crença.

É o supermercado aberto da "fé". E a "instituição" poderá modificar à vontade suas instâncias. E suas atividades gozarão de todas as isenções, imunidades e benefícios -fiscais, trabalhistas, patrimoniais- possíveis e imagináveis".

O país já conhece o resultado do que Chico Alencar chama de "supermercado da fé", graças às denúncias do Ministério Público contra a alta cúpula de um desses "supermercados", que tem também uma rede de televisão, além de templos (aliás, Chico pergunta: "templo é dinheiro?").


ELIANE CANTANHÊDE

Tudo, ou nada, pode acontecer

BARILOCHE - Faz frio em Bariloche, mas a expectativa é de um clima bem quente na reunião dos 12 presidentes da Unasul (União das Nações Sul-Americanas). Sem surpresas, portanto. Tão natural quanto o frio aqui nessa época é esquentar o clima em reunião com Chávez, Morales, Rafael Correa. E, desta vez, misturados com Alvaro Uribe, da Colômbia.

Jobim foi a Quito e a Bogotá e diz que a tensão baixou. Marco Aurélio Garcia, que estava com ele, fala em "distensão". OK, mas falta combinar com os amigos dos russos.

Às vésperas da reunião, Chávez ameaçou seguir o Equador e romper com a Colômbia. O chanceler colombiano deu o troco, dizendo que vai chegar aqui botando a boca no trombone contra o "expansionismo chavista". E os dois embaixadores ecoaram na OEA.

Uribe está na berlinda, por dar liberdade a tropas norte-americanas de usarem (e abusarem?) de bases militares colombianas. Leia-se sul-americanas. Como ele não foi à última reunião, em Quito, houve todo um trabalho para amansar a fera e trazê-la a Bariloche.

O primeiro cuidado foi jogar a reunião para campo neutro. O segundo foi uma agenda que não seja focada só no acordo Colômbia-EUA e possa contemplar as ligações da Venezuela com o Irã, com a Rússia e, dizem as más línguas, com as Farc.

Aí entram em campo Brasil, Argentina e Chile, tentando empurrar o assunto para uma nova reunião, agora do Conselho de Defesa, nas ilhas Galápagos, no Equador.

Seriam então criados mecanismos para catalogar os acordos militares, o armamento e o efetivo de cada país.

Ou seja, parar com o disse-que-disse e botar tudo no papel, para quem quiser, ou precisar, ver.

Chávez vai puxar para um lado, Uribe, para o outro, os dois dando de bandeja para Lula a chance de brilhar pelo equilíbrio, bom senso e negociação. Essas coisas que o presidente sabe muito bem como levar para fora do país. E que tanta falta fazem dentro do próprio Brasil.

elianec@uol.com.br

Jaime Cimenti

Amores e desamores nos tempos da internet

Será que nessa dita “era da comunicação” as novas tecnologias afastam ou aproximam as pessoas? É verdade que na internet a gente está com todo o mundo e sozinho? Será que é mais fácil se expressar por e-mail do que cara a cara? Como é que andam as relações amorosas na rede?

As palavras unem ou afastam as pessoas? Estas e outras coisas essenciais estão presentes e narradas, com elegância e palavras bem escolhidas e justas, no romance “epistolar” Estranhos, Noturnos.... e amantes Retrouvailles on-line da psicanalista porto-alegrense Rosane Pereira.

A obra pertence à linhagem de romances epistolares clássicos como As ligações perigosa, de Laclos e A caixa preta do israelense Amos Oz. Cometendo uma gafe involuntária, a psicanalista Yasmina encaminha para seu ex-amante, o músico Mathieu, uma mensagem trocada por eles quando ainda estavam juntos.

A partir do deslize virtual e de uma grande troca de mensagens eletrônicas, os dois passam a recontar sua história de amor, numa espécie de “jogo da memória”. Mas a densa narrativa e os conteúdos dos e-mails não se limitam às idas e vindas corriqueiras de um caso de amor e seus aspectos puramente emocionais e amorosos. Os e-mails vão bem mais longe do que a fala sem fim dos sentimentos.

Em se tratando de personagens cultos e de gostos requintados, normal que as relações amorosas venham em conjunto com referências literárias e musicais clássicas e fundamentais, como, por exemplo, o imortal volume de poemas As Flores do Mal, de Charles Baudelaire e Doença da Morte, de Marguerite Duras.

As melodias de Jacques Brel e os Noturnos de Chopin também estão em meio às conversas eletrônicas e presenciais dos dois amantes das letras e das artes que, claro, também falam de outras pessoas e de outros amores e, como não poderia deixar de ser, de memórias de infância e juventude.

Filmes de Bergman, canções de Mahalia Jackson e dezenas de referências culturais atuais e antigas também estão no livro, que, acima de tudo, é uma declaração de amor às palavras e ao poder de expressão, comunicação e incomunicação que elas tem.

Palavras que podem ser trançadas como a corda usada para sair de um poço e ir à vida ou palavras em forma de corda para algum tipo de enforcamento.

Enfim, os leitores brasileiros têm à disposição um bom romance sobre o amor e o desamor nos tempos da internet, com estrutura, linguagem, forma e conteúdo adequados. Não é pouco.

Acesse! 280 páginas, R$ 35,00, prefácio de Pedro Gonzaga, Editoras Associadas, telefone (51) 3222.4895.

Uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana.

Jaime Cmenti

Tragédia familiar no sertão

Galiléia, romance de estreia do médico, dramaturgo e escritor cearense Ronaldo Correia de Brito, ganhou, merecidamente, o Prêmio São Paulo de Literatura, de R$ 200 mil, o maior do País, concedido pelo governo paulista.

O autor já tinha publicado dois livros de contos (As noites e os dias, 1997 e Livros dos Homens, 2005), uma novela infanto-juvenil, O pavão misterioso, e é autor de três peças teatrais, Baile do menino Deus, Bandeira de São João e Arlequim.

Em Galiléia as narrativas em forma de romance giram em torno de personagens de uma família que tem origem em uma fazenda do sertão cearense.

Galiléia é o nome da fazenda para onde se dirigem três primos, Ismael, Davi e Adonias, que tem um passado comum e viveram parte da infância na fazenda do avô, Raimundo Caetano, patriarca de uma família numerosa e decadente.

Os três fazem parte de uma geração que se afastou do campo para nunca mais voltar. Ismael, filho ilegítimo, foi tentar a sorte na Noruega, onde teve experiências amargas e nunca bem explicadas. Davi, criado em São Paulo, viajou pela Europa e pelos Estados Unidos, tocando pianos em bares e tentando obter sucesso. Adonias, o narrador central, formou-se em medicina, estudou no Reino Unido e fez carreira em Recife.

Enquanto os três primos cruzam o sertão do Ceará numa caminhonete, rumo ao que resta da fazenda Galiléia, para ver o avô agonizante, revivem fantasmas familiares e lembram dos adultérios, mortes e vinganças que fazem parte da triste e tumultuada história do clã.

A narrativa é cinematográfica, concisa, cortante, econômica e, reunindo fragmentos de tradição oral, dá grandes e intensas dimensões aos cacos de uma família arruinada do sertão.

Enquanto viajam, os primos, mais do que nunca, se dão conta de que por mais que tenham andado pelo mundo, sempre terão seus umbigos plantados no sertão e nas mazelas da família. Eles voltarão a sentir de perto a violência que sempre acompanhou a trajetória daqueles homens e mulheres que os antecederam.

O grande mérito do romance, justamente, é o caráter de renovação que o autor dá para temas tradicionais, através de uma abordagem e de uma linguagem contemporâneas.

O Prêmio São Paulo confirmou Ronaldo Correia de Brito como uma das vozes mais originais da literatura brasileira atual e agora é aguardar pelas próximas obras. 238 páginas, Alfaguara, telefone (21) 2199-7824.


28 de agosto de 2009
N° 16077 - DAVID COIMBRA


Comentários a respeito de John

Há algo de comovente neste sumiço do Belchior. Não o digo por ser admirador dele, que sou. Quando fui morar em Criciúma, minhas únicas posses eram, além das roupas poucas, um colchonete, um gravador de entrevistas do tamanho de uma agenda e três fitas cassete: uma dos Beatles, uma do João Bosco, uma do Belchior.

Ouvia-as até gastar as pilhas e o gravador começar a fazer uon-uon-uon. Decorei todas as letras de Coração Selvagem, um dos maiores discos da história da MPB. Belchior era um sujeito capaz de escrever uma frase destas:

Meu bem, guarde uma frase pra mim dentro da sua canção

Esconda um beijo pra mim sob as dobras do blusão.

Não é uma lindeza de imagem? Ela guardando o beijo para ele no blusão enrugado, como se fosse uma bala Sete Belo.

Nesta mesma música ele diz: Talvez eu morra jovem

Alguma curva no caminho Algum punhal de amor traído

Completará o meu destino. O destino finalizado por um punhal de amor traído. Outra pedra preciosa.

Numa de suas músicas mais belas, Belchior chegou a avisar que, um dia, poderia sumir:

Há tempo, muito tempo, que eu estou longe de casa

E nessas ilhas cheias de distância o meu blusão de couro se estragou.

E, mais adiante, um verso poderoso: Gente de minha rua, como eu andei distante

Quando eu desapareci ela arranjou um amante Minha normalista linda, ainda sou estudante da vida que eu quero dar.

Não é tão difícil de a gente descobrir a vida que quer dar? Suponho que Belchior ainda não tenha descoberto. Suponho que ele ainda seja aquele estudante desesperado de 73. Por isso saiu por aí e já há dois anos ninguém, nem família nem amigos, sabe do seu paradeiro. Belchior está pelo mundo, estudando a vida que quer dar.

As músicas de Belchior sempre tiveram esse cheiro do asfalto da estrada, esse tom de rebeldia, de ânsia por liberdade.

Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho Deixem que eu decida a minha vida

Não preciso que me digam de que lado nasce o sol Porque bate lá meu coração.

O que explica em parte o seu desaparecimento. Quem aspira à liberdade total não pode se apegar às outras pessoas. Belchior não depende de ninguém. Mas é a outra parte da explicação que me comove. É que, parece evidente, ninguém depende de Belchior. E não existe solidão maior do que viver sem ter quem precise da gente.


28 de agosto de 2009
N° 16077 - PAULO SANT’ANA


Cadeira dura

É como eu digo sempre aos ateus: um pouco com Deus é muito, um muito sem Deus é nada.

Tento consolar os gremistas aflitos que me procuram: Duda Kroeff entende tanto de futebol quanto de propriedade rural.

A diferença entre um restaurante fino e um restaurante popular é que o restaurante fino cobra caro e adota guardanapos de pano. Já o restaurante popular cobra barato e adota guardanapos de papel.

Talvez seja porque usa guardanapos de papel que o restaurante popular cobre barato de seus clientes. Mas não é raro que a comida do restaurante popular seja melhor que a do restaurante fino.

E é raríssimo que o restaurante popular cobre mais caro que o fino.

Venham por mim, que tenho mais de 38 anos de experiência em debates. Eu costumo dizer que debater por 38 anos no Sala de Redação é a mesma coisa que a gente levantar peso durante 38 anos, fica-se capaz de erguer o peso de um trator. De tanto treino, uma hora por dia de qualquer exercício te faz forte e/ou exímio.

Mas o que eu queria dizer é que o debatedor pior e mais irritante de a gente enfrentar num debate é o bunda-mole de cadeira dura.

Vejo pastores evangélicos pregando insistentemente na televisão, principalmente nos horários de tarde da noite e de madrugada.

E fico a cismar o que sempre cismei quando era criança e via os padres pregarem nos púlpitos da Igreja Católica: “Será que eles acreditam verdadeiramente em Deus?”.

Falo-lhes sinceramente: uns acreditam e outros não, é o que penso.

Andei durante muito tempo anunciando nesta coluna que procurava ansiosamente por um pregador religioso que fosse culto, eloquente, didático e instigante à minha inteligência.

Pois encontrei o homem: Silas Malafaia, que fala quase todos os dias na TV Bandeirantes, fim de noite e início da madrugada.

Estou apaixonado pelo modo como ele prega a Bíblia. A impressão que ele transmite habilidosamente é de que tem decorados todos os capítulos e versículos da Bíblia. Escolhe alguns deles e faz sua brilhante oratória explicá-los e justificá-los, num improviso criativo de abismar.

Eu o entendo, ele jamais me deixou qualquer dúvida em quaisquer sermões. Sua palavra me penetra e convulsiona o meu arsenal neuronial.

A única coisa que me falta para me jogar submisso aos seus pés é saber se ele é sincero, se ele não é só um ator, se não está me enganando.

E confesso também que ele, depois de um intervalo entre o seu sermão principal, que dura uma hora, e o próximo espaço, ele próprio aparece pedindo ajuda financeira dos telespectadores para sua igreja, com a finalidade, diz ele, de custear aquele espaço de televisão que ocupa, que custa-lhe os tubos.

Acredito no custo caro da televisão, mas duvido que o que sobra vá todo para a igreja.

Em todo caso, o desenvolvimento cultural e o conhecimento bíblico do pastor Silas Malafaia me levam a intuir que ele é sincero e que acredita em Deus.

Seu preparo e seu desempenho na televisão, algo assim como um pop star, me levam a crer serem potencialmente verossímeis sua crença e suas boas intenções.

Estou envolvido pela oratória desse homem.

Peço a Deus que me elucide depressa se ele é honesto. E eu quero firmemente que ele seja honesto.

Se for, me entrego a ele. Se não for, me desiludo definitivamente.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009


CARLOS HEITOR CONY

Cartão amarelo

RIO DE JANEIRO - O Senado continua a oferecer um show da condição humana, que, mesmo em nível parlamentar, é o que conhecemos: feita de barro, sujeita aos mil acidentes da carne e do espírito. O bate boca feroz entre Eduardo Suplicy e Heráclito Fortes revela a tênue casca de civilização que todos vestimos para suportarmos uns aos outros.

Foi sem dúvida um espetáculo lamentável, na medida em que tentou reavivar uma crise (também lamentável) que ocupou o noticiário e o apetite de sangue, exigindo o "mata! esfola!" cívico com o qual a turma que se considera do bem tem saciada sua fome de moralidade.

O caso Sarney, para todos os efeitos, está encerrado. Lula não pode governar sem o PMDB, e o PMDB, até que surja nova liderança, é Sarney. Curiosamente, está sendo reeditada a dicotomia que prevaleceu nos anos 80, com a dupla Sarney-Ulysses Guimarães.

Embora do mesmo partido, Sarney não tinha ainda o som e a fúria do velho MDB, que Ulysses encarnava historicamente. O jeito foi governar com ele. Sem Ulysses, o governo de Sarney não duraria o que durou. O que fez de bom (transição democrática e Constituinte) não teria sido feito.

Por mais estranho e ridículo que pareça, a história agora se repete. Para governar e emplacar um(a) sucessor(a), Lula precisa do PMDB, precisa de Sarney.

Não adiantam as portas do inferno petista baterem contra a dupla. Não prevalecerão -estou citando um texto bíblico. A política tem uma política que a própria política desconhece.

Não adianta chorar nem tentar expulsar os jogadores. Sem eles não há jogo e todos acabam perdendo, entrando em campo a tropa de choque, que aproveita a confusão para uma volta ao passado, quando toda a nação, quando todos nós vivíamos ameaçados por um cartão amarelo.

Aproveite o dia. Uma ótima quinta-feira


27 de agosto de 2009
N° 16075 - RICARDO SILVESTRIN


De memória

A atriz Márcia do Canto me deu a informação correta sobre o elenco da peça School’s Out, que comentei aqui na última coluna. Por ordem de entrada em cena como está no programa: Pedro Santos, Osvaldo Perrenoud, Angel Palomero, Cleide Fayad, Márcia do Canto, Soraia Simaan, Jussara Felippi (Xala), Rosa Luporini e Marco Sório. Na internet, não tem muita informação sobre esse momento tão interessante do teatro gaúcho.

O Eduardo Axelrud, um dos diretores de criação da agência Escala, comentou comigo sobre várias outras ótimas peças gaúchas dos anos 1980 pra cá. Disse que cabia alguém escrever um livro resgatando essa memória. Seria um bom tema talvez para o Rafael Guimaraens, que já fez tantos textos premiadas sobre a história da nossa cultura porto-alegrense.

O registro da arte, como o registro da vida, é um desafio. Não tenho muita vocação para turista. Quando viajo, muitas vezes me esqueço de levar a máquina de fotografia. Sorte que agora o celular vem com câmera. Mas, mesmo assim, presto mais atenção ao presente, a viver a viagem. Trago tudo na memória. O que esquecer, talvez não valesse lembrar.

Espetáculos ao vivo, que nunca se repetem, como uma peça, um show, são totalmente vulneráveis ao tempo. Sobram cartazes, programas, ingressos, recortes de matérias de jornal. Não tenho também muito talento para organizar e guardar isso tudo. Mal consigo organizar as coisas do agora. Mas alguém tem que se ocupar de domar a voragem do tempo.

Seguido me vejo tendo que reter exemplares dos livros que eu escrevi. A edição vai acabando. Minha cota de autor já foi toda repassada para amigos, escritores, familiares, pessoas que admiro.

Quando vejo, nem eu tenho mais. Já tive que confiscar de amigos. Mostro a capa, com o meu nome, e brinco: viu, o livro é meu. Mas logo fico sem outra vez. É para isso que são feitas as obras. Para que sejam levadas embora. Com as peças, acontece o mesmo. Levamos embora. Só que na lembrança.

Não lemos hoje Sófocles, Ésquilo, Aristófanes, os dramaturgos da Grécia Antiga, apenas porque eles foram grandes artistas. Mas também porque alguém resolveu anotar os textos e protegê-los contra o esquecimento.


27 de agosto de 2009
N° 16075 - PAULO SANT’ANA


Filhos indesejados

Tenho observado atentamente as vidas dos jovens casais que não são casados.

Sob certo aspecto, esses jovens casais obedecem ao meu conselho de que não devem amanhecer na mesma cama. Se possível, devem morar em casas diferentes.

Eles vão vivendo seus romances muitas vezes durante cinco ou sete anos. No entanto, a maioria dessas relações termina em meses.

O ponto a que eu queria chegar, entre as várias faces desses conúbios entre dois jovens de sexos diferentes, é a notícia de que a moça está grávida.

O auspício de que em breve ele será pai e ela mãe muitas vezes serve para uni-los ainda mais. Eles até celebram o casamento, vão morar juntos etc.

Ocorre no entanto que, outras muitas vezes, a notícia de que terão um filho, em vez de uni-los, separa-os definitivamente.

Quase sempre, quem refuga a relação quando aparece um filho é o homem, esse eterno fujão peregrino, que rejeita responsabilidades.

A mulher segue em frente, às vezes desamparada. Vai criar seu filho, depois aparece a história da pensão alimentícia etc., embora as mulheres de hoje sejam tão independentes, que por questão de dignidade recusam-se a aceitar pensão alimentícia.

Mas deixemos de perfumarias e voltemos ao fulcro da questão: o filho que surge depois de algum tempo de relação.

Há filhos bem-vindos e há filhos malvindos. Eu, por exemplo, fiquei sabendo por várias assistentes sociais que, na grande maioria, os filhos das pessoas muito pobres ou miseráveis são malvindos, indesejados: eles vão servir apenas de encrenca econômica e financeira para os casais desassistidos.

Eu sei de uma história de uma prostituta, a profissional que menos deseja ter um filho, justamente por não saber quem é o pai.

A prostituta ficou grávida e quase enlouqueceu. Não se perdoava.

Mas não era pelo filho que ela não se perdoava. Era por ela mesma.

Explico: não sei por que cargas d’água, ensinaram a essa prostituta, erradamente, que todo feto de mulher grávida foi concebido se a mulher teve prazer, ou melhor, orgasmo, no congresso carnal respectivo.

Disseram para ela: se tu gozares, pode nascer um filho.

E, desse caso que eu fiquei sabendo, disseram-me que a mulher não só se desesperou porque não cumpriu à risca o mandamento profissional de não gozar, como desconhecia quem era o pai de seu feto, isto é, tinha completa dificuldade em identificar o cliente com quem ela tivera um orgasmo: queria saber quem ele era para procurá-lo outra vez e ter outro orgasmo com ele. Dessa vez, sem punição, pois já estava grávida. Sem punição, mas com consciência.

Vejam como são as coisas na vida. Uma mulher culpando a si própria por abrigar em seu ventre um filho, que além de indesejado, sem pai conhecido, era fruto de um prazer que ela não sabia que tinha tido, nem com quem.

Por isto, eu digo sempre, amparando-me nos ditados célebres e sábios: o mundo dá tantas voltas, o tempo é o senhor da razão, aqui se faz e aqui se paga e a banca do cassino paga e recebe.

E com esta frase termino minha coluna, porque tenho de tomar meus remédios, preparando meu corpo e meu espírito para a cirurgia que vou fazer daqui a dias, na qual, cada vez mais me convenço, me safarei da doença mais temerária que tenho entre as quase uma dezena de outras.

E as outras eu depois curarei com menor dificuldade.