quarta-feira, 31 de dezembro de 2008


JOSÉ SIMÃO

Ueba! Boas entradas e melhores saídas!

Feias, bagulhos e mocréias, evitem as praias! Senão, o Ano Novo se assusta!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Boas entradas! Boas entradas e melhores saídas. Porque a última vez que me desejaram boas entradas, eu entrei pelo cano.

Rarará! Então: boas entradas e melhores saídas! E olha o que umas amigas minhas já tão dizendo umas pra outras: FELIZ HOMEM NOVO! Rarará! E uma delas disse que, em vez de entrar, ela quer ser entrada.

E eu acho que vou passar o Réveillon na padaria. Hoje de manhã, entrei na padaria, e os caras: "É aí garoto, tudo bem?". "Vai um cafezinho, meu jovem?". Garoto? Meu jovem? Ueba! Vou passar o Réveillon na padoca. Virada na Padoca!

E só hoje reparei que Réveillon tem acento. Eu achava que só a Ivete Sangalo falava RÉveillon! E essa guerra na Faixa de Gaza no Natal? Eu me lembro de duas frases. "A humanidade não deu certo", de Nelson Rodrigues. "A civilização não se comportou", de Ronald Golias, o Bronco. A civilização não se comportou! E essa manchete: "EUA exigem que Hamas pare de atacar Israel".

E atenção! Feias, bagulhos e mocréias, evitem as praias! Senão, o Ano Novo se assusta e não entra! E o Lula que falou: "No dia 31, os brasileiros vão dormir e acordar no dia 1º com uma vida melhor". Só que ninguém dorme no dia 31. Fica todo mundo em pé. E não vai acordar com uma vida melhor, vai acordar com um fígado pior! Vai acordar fazendo curva quadrada. E com a língua mais seca que língua de papagaio! Rarará!

E um grande conselho para a crise: se não tiver dinheiro pro champanhe, pega um saco de supermercado e estoura. O que importa é o barulho. É que um amigo meu foi pro supermercado e disse que tudo aumentou. No Iraque, tem carro-bomba. E agora no Brasil tem o carrinho-bomba. Carrinho-bomba de supermercado. Explode qualquer saldo! É mole? É mole, mas sobe. Ou como disse aquele outro: é mole, mas chacoalha pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que em São Miguel do Gostoso (RN), tem uma casa de shows chamada Traseirão. Taí um bom programa pra começar 2009: encarando o Traseirão. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Analista": companheiro especializado na vida emocional do ânus. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. Pra ver fogos psicodélicos!

simao@uol.com.br

Ótima quarta-feira - FELIZ ANO NOVO - FELIZ 2009 - ENTRELACOS

LIA ZATZ

Assim caminha a juventude...

E será desse barco, que ainda anda à deriva, que o desenvolvimento sustentável, a utopia deste século, poderá lançar âncora

VAI CHEGANDO ao fim o ano em que se comemorou e se homenageou de diversas formas -festas, debates, palestras, exposições- os 40 anos de Maio de 68. Nesses eventos, foi possível ouvir um discurso repetido como uma espécie de mantra por muita gente da chamada geração 68: "Os jovens de hoje não têm ideais como tínhamos, não lutam como lutávamos".

Causa no mínimo estranheza ver muitos desses sessentões sendo vítimas de conhecida armadilha: manifestar surpresa ao encontrar um jovem que não é contestador.

Inimaginável pensar que não saibam que sempre foi e sempre será uma minoria dentro da juventude a principal alavanca de novas idéias, de mudanças e de revoluções.

Ou não foi assim com a geração 68? Pesquisa realizada em 1967 pela finada revista "Realidade" e citada em caderno especial da Folha sobre o perfil do jovem do século 21 (27/7) mostra que as mudanças revolucionárias, como a libertação da mulher, não eram ideais da juventude como um todo, mas de uma minoria.

O que interessa, portanto, é entender as dificuldades que hoje enfrentam os jovens que tendem a ser contestadores e rebeldes. Muitos filhos da geração 68, ao ouvirem embevecidos os relatos das aventuras vividas por seus pais, chegam ao ponto de afirmar que estes é que tiveram sorte de viver no tempo da ditadura militar, pois sabiam contra o que lutar.

Esses perplexos adolescentes e/ou jovens adultos se deparam com múltiplos adversários ou inimigos, sendo não só difícil identificá-los como localizá-los, nomeá-los, hierarquizá-los e, principalmente, enfrentá-los.

É fácil ficar perdido em época de inigualáveis liberdades, governos democráticos, abundância, crescimento rápido da esperança de vida e comunicação interligando todas as partes do planeta. Sobretudo porque tudo isso coexiste com a insegurança de uma crise financeira anunciada que finalmente atingiu todos e cujas conseqüências ainda são imprevisíveis, com a persistência trágica da fome, da subnutrição, da pobreza, da insatisfação das necessidades mais básicas, da falta de oportunidades em todos os âmbitos, da violação das liberdades, das injustiças e violências cometidas contra pobres, mulheres, negros, deficientes, indígenas etc. e, finalmente, da ameaça à única casa em que todos -brancos ou negros, homens ou mulheres, ricos ou pobres, enfim gente, bicho ou planta- podem morar.

Em tal situação, não há por que se surpreender com o fato de que o jovem deste início de século 21 queira, em sua maioria, atender em primeiro lugar suas necessidades básicas, como se formar, ter emprego, uma carreira, uma casa, uma família. E, sobretudo, não ter tanto medo dos perigos cada vez mais presentes e próximos, como a violência e a Aids.

O Nobel de Economia Amartya Sen já dizia, no livro "Desenvolvimento como Liberdade", que, para pensar em outras demandas, não basta sequer ter as necessidades básicas -renda digna, saúde e instrução- supridas. É fundamental ter também a oportunidade de fazer escolhas e de exercer a cidadania.

Não é difícil constatar que se está muito longe de viver algo parecido.

Mas também é preciso estar atento e sensível para perceber que há, sim, no mundo todo, jovens não conformistas. Uma minoria combativa, discutindo novas formas de fazer política, escancarando em atos coletivos e participativos coisas que acontecem em pleno regime dito democrático.

Como o exílio (dentro do próprio país) de quem não está inserido na economia de mercado. Mais: propondo modos de vida, de produção, de consumo, de trabalho alternativos aos vigentes nas atuais sociedades.

E será certamente desse barco, que ainda anda à deriva, que o desenvolvimento sustentável, a utopia deste século, poderá lançar âncora.

LIA ZATZ é escritora de livros infantis e juvenis. Lançou recentemente em co-autoria com José Eli da Veiga o livro dirigido aos jovens "Desenvolvimento Sustentável, que Bicho é Esse?".

MOACYR SCLIAR

O julgamento de 2008

Tendo ouvido a acusação e a defesa, o juiz deveria dar o veredicto. Faltavam poucos minutos para a meia-noite e todos aguardavam ansiosos

COMO ERA de esperar, o julgamento do ano de 2008 realizou-se na noite do dia 31 de dezembro e deveria terminar impreterivelmente à meia-noite. Primeiro falou o advogado de acusação.

"Meritíssimo, como é de seu conhecimento, este tribunal funciona há muitos anos -quase tantos quanto os réus aqui julgados, que não foram poucos. Já tivemos casos sombrios: 1914, que viu o começo da Primeira Guerra; 1929, que deu de presente ao mundo uma tremenda crise.

Mas acho, meritíssimo, que dificilmente algum ano terá se saído pior que este senhor chamado 2008 e que ali está sentado no banco dos réus. É, como deveria se esperar de um ano que termina, um ancião. Mas anciãos merecem nosso respeito. Esse senhor aí, não. Observe, meritíssimo, a cara debochada desse senhor 2008, muito pouco compatível com a dignidade que se espera da idade avançada.

Há mais, porém. Há um depoimento precioso, e este se refere a um ano que está recém-chegando, o jovem e simpático 2009. Como todos sabem, os anos ocupam sempre os mesmos aposentos por um período de 365 dias -às vezes, e como infelizmente foi o caso com esse sinistro 2008, estendendo-se para 366 dias.

Digo "infelizmente" porque essa malfadada coincidência deu ao 2008 um dia a mais para que ele aumentasse os seus estragos. Que não foram poucos. Disse-me, com justificada indignação, o jovem 2009: "Eu nunca imaginei que teria de viver num lugar tão mal cuidado. Vou ter de passar boa parte da minha gestão arrumando as coisas que o 2008 estragou. Só lamento que essa tarefa tenha tocado a mim. Bem que eu queria ser o 2010".

Mas o que fez o sinistro 2008? Começou permitindo que impostos aumentassem, mesmo depois que a CPMF foi rejeitada. Deixou que a destruição ambiental chegasse a níveis incríveis. Trouxe febre amarela, meritíssimo! E dengue! Doenças que já poderiam estar controladas há muito tempo!

Isso sem falar nos escândalos dos dossiês -aliás, até esse estrangeirismo foi ele quem popularizou. Assistiu, deliciado, ao fracasso da Rodada Doha, que tanto prejudicou o Brasil. E trouxe a crise dos grampos. Grampo, coisa que antes só se via em penteados femininos ou grampeadores, de repente estava nas manchetes.

Mais: foi em seu reinado que ocorreram ataques terroristas em Mumbai -coisa que deve ter aplaudido. Isso sem falar no seqüestro do petroleiro -um navio enorme seqüestrado por piratas da Somália, coisa inédita. Por fim, deu um jeito de fazer as Bolsas desabarem, iniciando uma crise que vai ficar na história.

Por tudo isso, meritíssimo, peço a pena máxima para 2008. Que ele seja retirado de todos os calendários, que sua retrospectiva seja apagada e que nunca mais seja mencionado." Respondeu o advogado de defesa: "Meritíssimo, nós acabamos de ouvir o advogado da acusação atacando o meu cliente.

Como é habitual, ele usou todos os artifícios de retórica para atacar um ano já velho, que não tem forças para se defender. A propósito, é interessante que tenha citado palavras do novo ano, o 2009. Claro, meritíssimo: ele quer ficar bem com quem está assumindo. Provavelmente está de olho em alguma boquinha.

Mas será verdade isso que foi dito com tanta veemência? Será que 2008 só fez bagunçar a casa? Acho que não. É suficiente percorrer o seu relatório de gestão, aliás redigido em termos modestos, comedidos. Ele falou em problemas do Brasil. Quero lembrar, meritíssimo, que, logo no começo do ano, uma conceituada agência classificou o Brasil como um país confiável. Há quantos séculos isso não acontecia?

E outras coisas boas ocorreram no Brasil. A lei seca, por exemplo. A acusação talvez não goste disso -o nariz vermelho do meu colega sugere uma certa afinidade com o álcool-, mas a verdade é que o número de acidentes e de mortes nas estradas diminuiu muito.

A acusação citou grampos, mas quero recordar aqui que, graças a um excelente trabalho de investigação, foram presos Marcos Valério e Daniel Dantas -certo, este último foi solto, mas, pelo menos, experimentou o que é a prisão.

O Brasil também proibiu o nepotismo, coisa que parecia embutida no genoma do país. E que me dizem da descoberta do pré-sal? A esta altura já está meio esquecida, porque as pessoas têm memória fraca, mas o petróleo está lá, esperando por nós.

No plano internacional -à exceção da crise mencionada, que talvez não seja marolinha, mas também não é dilúvio bíblico-, as notícias foram boas: Ingrid Betancourt foi solta, a China mostrou que não é um dragão furioso, realizando as Olimpíadas, e Obama foi eleito -caso a acusação queira rotular 2008 como um "ano Bush".

Por último, mas não menos importante, meritíssimo, o São Paulo conquistou o hexa, um feito obviamente glorioso, como o senhor haverá de admitir, a menos que torça pelo Grêmio.

Por tudo isso, peço que 2008 seja absolvido e que ele suba ao pódio para receber o troféu "Ano do Ano"."

Tendo ouvido a acusação e a defesa, o juiz deveria dar o seu veredicto. Faltavam poucos minutos para a meia-noite e todos aguardavam ansiosos.

Mas o magistrado teve uma crise (não é a palavra do momento?) de tosse. Tossiu durante um bom quarto de hora. Quando finalmente conseguiu falar, o prazo para o funcionamento do tribunal tinha se esgotado e ele marcou nova sessão para 31 de dezembro -algum 31 de dezembro, a definir no futuro. E foi correndo para casa, brindar, com a família e os amigos (incluindo os dois advogados, seus convidados) ao novo ano que começava.

MOACYR SCLIAR, 71, médico e escritor, é membro da Academia Brasileira de Letras e colunista da Folha. É autor, entre outras obras, de "O Texto, ou: A Vida".

ELVIRA LOBATO

Ser ou não ser nacional

NA SEMANA em que a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) aprovou a compra da Brasil Telecom pela Oi, a Folha reacendeu a discussão sobre a falta de instrumento legal para impedir a venda da supertele ao capital estrangeiro.

A constatação é verdadeira, mas desconfio da eficácia de leis ou decretos para manter empresas sob controle nacional à força. A história das telecomunicações está recheada de exemplos nesse sentido.

Durante o regime militar, só empresas sob controle nacional podiam fabricar equipamentos de telefonia no país. Grandes grupos estrangeiros, como a Ericsson, a Nec e a Siemens transferiram artificialmente o controle de suas subsidiárias no Brasil a empresários locais para se beneficiarem da reserva de mercado.

O controle da Nec foi entregue, inicialmente, ao empresário Mário Garnero. Em 1986, graças à intervenção do então ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, o controle passou para as Organizações Globo, o que rendeu até uma CPI.

Depois que a reserva de mercado acabou, no governo Collor, e outros fabricantes puderam produzir livremente no país, Siemens, Ericsson e Nec voltaram a seu controle estrangeiro de origem.

Outro exemplo foi o da banda B de telefonia celular, na segunda metade dos anos 90. Para quem não se lembra, a banda B iniciou a competição na telefonia celular no país. O governo leiloou as concessões em julho de 1997. A legislação exigia que os consórcios fossem controlados por capital nacional.

Também era proibida a troca de controle nos cinco primeiros anos de atividade. Rapidamente as empresas acharam meios de burlar as proibições e iniciou-se o processo de fusão entre elas e de venda para o capital estrangeiro.

Foi em razão dessa tática que o grupo mexicano América Móvil entrou no país e montou a rede da Claro.
Na privatização da Telebrás, em 1998, também houve situação semelhante. A Lei Geral de Telecomunicações estabeleceu prazo mínimo de cinco anos para a mudança de controle acionário das empresas privatizadas.

Porém, seis meses depois do leilão, a UGB (empresa formada pelo Bradesco e Globo) foi autorizada a vender 50% da Tele Norte Celular e da Tele Nordeste Celular ao sócio estrangeiro, Telecom Italia.

A Anatel interpretou que se tratava apenas de um remanejamento de ações entre acionistas e aprovou a venda. Pelo menos no Brasil a história tem provado que controle nacional, por decreto, não funciona.

ELVIRA LOBATO é repórter especial da Sucursal do Rio. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Antonio Delfim Netto.

CLÓVIS ROSSI

O exílio de Eliot Ness

SÃO PAULO - O delegado Paulo Lacerda é o mais próximo que o Brasil conseguiu produzir em matéria de Eliot Ness, que acabou mais famoso pela série/filme "Os Intocáveis" do que por ter derrotado o crime organizado em Chicago.

Aliás, é justo que a fama venha pelo cinema, já que o crime organizado em Chicago goza de muito boa saúde, como acaba de demonstrar o episódio envolvendo o governador de Illinois, Rod Blagojevich.

Lacerda, em vez de se tornar personagem de cinema, está indo para o exílio, ainda que dourado, na doce e bela Lisboa.

É a grande diferença entre Brasil e Estados Unidos: lá, o xerife vai para o céu ou para o inferno, mata ou morre, mas não vai para o exílio nem para o limbo.

Aqui, não. Quantos dos Al Capones que a Polícia Federal de Paulo Lacerda expôs ao público estão na cadeia? Se eu disser nenhum estarei exagerando? Aqui, tudo é turvo, raros casos chegam de fato ao epílogo quando envolvem criminosos ou suspeitos de colarinho branco.

Tanto que o único punido, até agora, na tal Operação Satiagraha é quem? Sim, sim, é o nosso Eliot Ness, o xerife, enquanto os vários acusados de Al Capone gozam do ar fresco da liberdade -e no Rio de Janeiro, que não perde para Lisboa, a não ser no quesito bala perdida.

Se, como diz o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Lacerda é uma das pessoas que ele mais respeita, por que a punição, ainda que seja doce como o é um exílio dourado? (o exílio só é duro quando você não pode voltar para casa sob pena de ser preso).

Nos Estados Unidos, Eliot Ness não conseguiu enquadrar Al Capone em nenhum crime a não ser em sonegação fiscal. No Brasil, a Operação Satiagraha só conseguiu enquadrar o nosso Eliot Ness. É todo um compêndio sobre os usos e costumes da pátria amada. Ainda assim, Feliz Ano Novo.

crossi@uol.com.br

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Para ouvir a mensagem não esqueça de desligar a rádio Guaíba que toca automaticamente ao entrar na página.






FELIZ 2009 - ENTRELACOS

CANDIDO MENDES

Lições e espantos de 2008

A democracia sai, de fato, do anônimo de seus rituais para a virada histórica de página como sustento dos direitos humanos

O RECADO do êxito de Barack Obama foi sobretudo o da obrigatória convivência da democracia com os emergentes sistemas de poder do século 21. Veio à frente desse sucesso uma América profunda que nos trouxe de volta à cidadania arraigada em Estados drasticamente conservadores, como Iowa ou Virgínia do Sul, rompendo todas as previsões de jogo, que afinal fazem das eleições sempre meras alternativas de um mesmo establishment.

O ganho do senador do Illinois livra-nos por outro lado do horror da permanência dos republicanos, o que só cristalizaria de vez o pior fundamentalismo ocidental. Na declaração de George W. Bush, esses valores autorizariam até a mentira política no enfrentamento previsível de uma guerra de religiões.

Se a queda do atual situacionismo afasta a hegemonia política tradicional, a crise financeira deste fim de ano elimina de fato, após as dramáticas reuniões de outubro último, o comando do globo pelo G8, trocado pelo G20 e dando a partida a uma multipolaridade universal.

O desponte dos Brics elimina de vez a noção de centro e periferia, aposentando a visão de um mundo partido em que sobrevivia o fantasma da Guerra Fria.

Não há que ver a catástrofe financeira, porém, como um tsunami na sua chegada às plagas de países continentais, de mercado interno gigantesco e mobilidade social desatada, a modificar as dominantes da prosperidade moderna ainda assentada no balanço das trocas externas e de uma complementaridade de mercados.

De toda forma, não há de pensar numa retomada da crise de 30 nem de um retorno do modelo liberal, de seu dinamismo selvagem e irresponsável pela extraordinária prosperidade da última trintena -esta que acaba agora nos desequilíbrios da ganância confessa, da falta de previsibilidade dos retornos do mercado imobiliário e de seus "subprimes" ou da aposta na obsolescência dos parques clássicos da produção automobilística norte-americana.

As terapias financeira européias, a partir da iniciativa de Gordon Brown, na Inglaterra, reinstalam as cautelas dos controles de investimento público que representam uma vitória póstuma do ideário de Keynes sobre o de Freedman na base da prosperidade, como entrevista por Nixon, Reagan e Bush.

O terrorismo internacional em 2008, no recado de Zawahiri -o guru do Al Qaeda- a Obama, não deixa dúvidas sobre a manutenção do impasse, na medida em que Bin Laden baixará as armas diante do novo homem da Casa Branca, presumidamente nascido de pai islâmico, se voltar à fé de origem e converterem-se, a seu exemplo, os Estados Unidos à crença do profeta.

Não se irá à jihad no entretempo, mas os destruidores do World Trade Center são os mártires precursores de uma nova ordem internacional, que promete conviver com a barbárie ocidental.

Nessa liderança transversa, os Brics eliminam as velhas bússolas Norte-Sul e juntam de vez o crescimento econômico e o reforço democrático em que o Brasil apresenta posição ímpar.

Obama acordará tarde para a América Latina, numa das poucas falhas que hoje abalam as suas prioridades internacionais. Mas o salto histórico que representou a sua vitória, tornando anacrônicos populismos como o de Chávez, reverbera no continente dessa consolidação democrática que lidera o Brasil de Lula, repudiando um terceiro mandato e conservando um paradigma para ficar.

Torna a pretensão à Presidência perpétua de Chávez grotesca, senão patética. A democracia sai, de fato, do anônimo de seus rituais para a virada histórica de página como sustento dos direitos humanos.

No ano em que se celebram os 60 anos de sua declaração, mais do que nunca, são os países da afirmação cidadã, como o nosso, que podem oferecer a melhor garantia ao desenvolvimento, já, e de fato, sustentável.

CANDIDO MENDES, 80, membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz, é presidente do "senior Board" do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

MARCOS NOBRE

Medo de fantasmas

NO CONTO "Os mortos", de James Joyce, Gabriel Con- roy é o encarregado do discurso da festa na casa de suas tias, que acontece todo ano na época do Natal. Suas hesitações e contradições são as de uma pessoa viva.

Mas que pretende também representar uma nova geração, capaz de lidar com sucesso com o passado, com os mortos.

Diz ele no discurso: "Em encontros como este, sempre nos ocorrem tristes recordações: lembranças do passado, da juventude, de mudanças, de rostos ausentes, cuja falta sentimos.

Nossa passagem pela vida é marcada por muitas dessas recordações e, se tivéssemos de pensar nelas todo o tempo, não nos sobrariam forças para desempenhar corajosamente nossas tarefas entre os vivos". 2008 mostrou que não é nem um pouco fácil viver entre os vivos.

Obama foi entendido como o Martin Luther King que sobreviveu e venceu. A crise econômica de hoje veio dizer que aprendeu a lição de 1929. Já a agitação de 1968 não teve repetição. Cartola e a bossa nova também não.

São experiências que ficaram no passado. Não foram atualizadas como matéria viva do presente.
Reverências e homenagens protocolares receberam Antonio Vieira, Machado de Assis e Guimarães Rosa.

E também a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição de 1988. As comemorações da chegada da corte portuguesa, em 1808, ameaçaram fixar a data como a verdadeira fundação do Brasil. Uma vez mais, ficaram na superfície folclórica.

Em 2008, o passado surgiu, no geral, dessas maneiras assepticamente conservadoras: cuidadosamente progressista, saudosista, reverencial ou folclorizante. Um ano de muito pouco barulho. Como que para não perturbar o sono dos mortos. Medo de fantasmas, com certeza.

Um fantasma apareceu para Gabriel Conroy naquela noite. Sua mulher ouviu uma canção que a deixou triste e chorosa. Lembrou-a de sua juventude e de um rapaz de 17 anos, Michael Furey, que tinha se martirizado por amor a ela, no duro frio irlandês.

Pela primeira vez ela contava essa história trágica a Gabriel. E, pela primeira vez, ele penetrou no mundo de fantasmas em que vivem os vivos: "Sua alma acercava-se da região habitada pela vasta legião dos mortos.

Pressentia, mas não podia apreender suas existências vacilantes e incertas. Ele próprio dissolvia-se num mundo cinzento e incorpóreo. O mundo real, sólido, em que os mortos tinham vivido e edificado, desagregava-se".

O passado e o presente estão repletos de Michael Fureys. Lembrar-se deles, deixá-los falar é a mais corajosa promessa que se pode fazer para o ano novo.

nobre.a2@uol.com.br - MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.

JOSÉ SIMÃO

2009! O ano do estacionamento!

E quem mais pediu Viagra foi um chefe tribal de 70 anos e quatro mulheres!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

Ops, do planeta da piada pronta: "EUA distribuíram Viagra para obter ajuda dos afegãos". Pra eles virarem dedo duro. VIAGRA DEIXA DEDO DURO! E quem mais pediu Viagra foi um chefe tribal de 70 anos e quatro mulheres! Esse vai cair duro! Tomou Viagra e caiu duro!

E em troca de informação, um afegão pediu centenas de Viagra: esse vai transar até com o papagaio. Ou ele coleciona Viagra. Vai empilhar. Fazer uma torre Eiffel de Viagra.

E a filha do Ronaldo Fofônemo se chama Sofia. E um leitor me disse que ela devia se chamar SoFia do Gordo! Rarará! Ninguém deixa escapar nada! E isso que é comercial.

Olha a placa num poste da Baixa do Fiscal, em Salvador: "Jesus é o meu Senhor, e Luiz é pintor, telefone xxxx-xxxx". E atenção! 2009 mandou avisar que só entra depois do Carnaval. E diz que em 2009 teremos um crescimento sustentado. Sustentado por quem? Espero que não seja por mim.

Rarará! E a crise? Acho que 2009 não vai ser o ano do crescimento. Devido à crise, vai ser o ano do ESTACIONAMENTO! Vai ficar todo mundo estacionado e pagando por hora! E um amigo meu tá tão traumatizado com a crise que quando a aeromoça gritou: "Por favor, apertem os cintos", ele rebateu: "MAIS AINDA?". E um outro: "JÁ?! Não dá pra esperar até março?".

E um amigo meu estava sem dormir por causa das dívidas. E aí, sabe o que ele fez? Ligou para todos os credores desejando um Feliz Ano Novo e avisando oficialmente que não ia pagar dívida alguma. Aí, ELES é que estão sem dormir! Rarará!

E diz que as praias estão tão sujas que ninguém mais joga frescobol, é bostabol! E um primo foi visitar a mãe no interior e disse que prefere buraco que pedágio. Dos buracos, pelo menos, a gente consegue desviar! É mole?

É mole, mas sobe! OU como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que em Conchal tem uma esquina conhecida como DIVA.

Departamento de Investigação da Vida Alheia. Rarará. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil! E atenção!

Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. Hoje não tem. Porque o Lula continua com a língua plesa no pelu. Rarará. O lulês é mais fácil que o ingreis. Nóis sofre, mas nóis goza.

Hoje só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br


30 de dezembro de 2008
N° 15834 - Paulo Sant'ana


Os Cohen e o robalo

Havia um desconforto silencioso no cinema na noite em que fui ver Queime Depois de Ler. O filme dos irmãos Cohen começa com o John Malkovich caminhando num corredor da CIA. Malkovich apareceu atarracado.

A cena continuava numa sala em que todos ficam gordos, e o filme seguia adiante assim, com imagens esgarçadas. Tinha minha mulher ao lado para compartilhar meu espanto. Os Cohen enlouqueceram, eu disse. Virgínia me consolou: mas faz tempo.

Percebemos que também as legendas eram gorduchas. Os Cohen estariam interferindo até nas legendas, esses malucos? Esparramou-se na sala a paralisia do estranhamento. Era um defeito na projeção, claro. Ou não?

Quem tomaria a iniciativa de bater os pés no chão, como se fazia nas matinês do Cine Continente, no Alegrete? E se fosse uma sacada do Cohen? Quem pagaria o mico?

Umas cem pessoas quietas, como se confrontassem suas ignorâncias com a genialidade, como acontece quando ficamos diante de fios de tricô dependurados num teto dessas bienais. Os Cohen estavam esgarçando o cinema, e um sentido deveria haver naquilo. Se o mundo ficou plano, o cinema teria ficado esgarçado? Por que teriam escolhido logo uma sala de Porto Alegre para passar a idéia de que a arte deveria ser achatada?

E eis então, uns 10 minutos depois, que a projeção volta ao normal e ouve-se um uhhh no cinema. Que viessem os Cohen. E vieram com tudo. Arapongagem profissional e amadora, logro, blefe, a idiotia da CIA.

A personagem de Frances McDormand repete que alguém precisa tomar uma atitude, como se pedisse para que pusessem ordem no próprio roteiro. Uma secretária eletrônica programada para ouvir falas de clientes de um plano de saúde não consegue decifrar nem o yes de Frances. Um legítimo Cohen sobre a estupidez.

Quando saímos do cinema, vimos o Verissimo e a Lúcia na fila. Pensei em alertá-los para a possibilidade de repetição da tela esgarçada das primeiras cenas. E se cometesse uma gafe? Se o Luis Fernando me diz que aquilo é um truque dos Cohen, o grande truque do cinema em 2008? Me afastei, sempre olhando para os Verissimo, me interrogando se não tinha o dever de avisá-los. Os Cohen nos põem em cada dilema.

Fomos jantar num restaurante do shopping onde fica o cinema. Depois de um Cohen, é preciso distensionar. Os pratos eram individuais. Pedimos dois, um peixe e um ravióli. Decidimos que naquele dia iríamos pagar bem porque merecíamos comer bem. Num prato, apresentou-se um retângulo de robalo pouco maior do que um Chokito. No outro, 15 trouxinhas de ravióli. Nos tensionamos de novo.

O peixe solitário estava envergonhado, sem nenhuma proteção, nu, sem um trevinho de salsa ao menos. As massas, longe uma da outra, pareciam dizer: cada uma no seu quadrado. Cortamos com dó o peixe ao meio, repartimos o ravióli (eu fiquei com oito trouxinhas). O vazio daqueles pratos era tão ameaçador como o vazio de uma bienal, com a desvantagem de que não tínhamos nem o direito à controvérsia pública.

Ou seria uma brincadeira do restaurante com os Cohen? Fomos parar num ambiente temático? Pedi de volta o cardápio para ver se havia um prato à moda Fargo ou algo como encontre-o-ravióli-e-descubra-quem-não-morre-no-filme-dos-Cohen. Nada. Bebi duas cervejas long neck. Corremos o risco de pedir dois cafezinhos. Pagamos R$ 92,40. E sem a salsinha no robalo ou um queijinho ralado no ravióli. Senti pena de nós e do peixe.

Pensamos em alertar o maître: não deixe um robalo tão sozinho nesse período sensível de fim de ano, ou enturme mais os raviólis. Aviso ou não aviso? E se o homem me persegue como o Brad Pitt no filme dos Cohen? Desisti.

Na saída, vimos Verissimo e Lúcia caminhando no estacionamento. Vinham felizes com o cinema esgarçado dos Cohen. Se fossem em direção ao restaurante, iria alertá-los para o robalo.

Passaram reto. Fomos embora confusos como os agentes da CIA do filme, pagos para não entender quem matou, quem morreu e por quê.

Até a CIA faz mais sentido do que a solidão de um robalo. Se a vida não vale nada nos filmes dos Cohen, por que um naco de robalo e uma dúzia de raviólis custam tanto? E tem gente que paga. E ninguém toma uma atitude.

MOISÉS MENDES (interino)


30 de dezembro de 2008
N° 15834 - MOACYR SCLIAR


Cuba: sim, mas…

Em 2003 fui a Cuba como jurado do Casa de las Américas, um prêmio literário referendado pela longa duração e pela consistência (“O critério é a qualidade, não a posição ideológica do autor”, disse-nos Roberto Retamar, o presidente da Casa, na primeira reunião).

Fiquei em Cuba duas semanas, e nesse período tratei de observar, e de anotar, o que eu podia acerca do cotidiano cubano – cheguei a acompanhar um médico no seu trabalho por um dia inteiro. Na volta, escrevi para ZH três matérias. Nelas, busquei a maior neutralidade possível, mostrando, de forma objetiva, o que tinha visto de bom e o que tinha visto de ruim.

Recebi uma enxurrada de e-mails, muitos comentando os textos com isenção, mas alguns baixando a lenha. Estes, por sua vez, podiam ser divididos em dois grupos: o grupo que me criticava por ser esquerdista e partidário da Revolução Cubana e o grupo que, ao contrário, me acusava de reacionário e de inimigo da Revolução Cubana.

Ambos os grupos usavam o raciocínio “sim, mas”. Sim, a Revolução Cubana desenvolveu uma rede de proteção social; mas esta mesma Revolução perseguiu, prendeu e fuzilou muita gente. Sim, a imprensa livre tal como praticada no Ocidente não existe em Cuba; mas toda a população tem direito a educação.

Sim, Cuba tem uma mortalidade infantil muito baixa; mas o sistema de saúde tem enormes carências. Sim, Cuba restringe a liberdade de expressão; mas isto porque se trata de um país ameaçado pelos Estados Unidos, e aí está o bloqueio para comprová-lo.

A lista dos “sim, mas”, que poderia se prolongar de forma quilométrica, é a forma preferencial de discutir o que acontece na ilha do Caribe. Com este tipo de argumentação, ideal para um bate-boca, não se chega jamais a conclusão alguma; não se pode responder à pergunta decisiva: agora que a Revolução Cubana completa meio século, o saldo é positivo ou negativo?

Aliás, o próprio aniversário já enseja pontos de vista diversos, dentro do raciocínio “sim, mas”: sim, o regime tem problemas, mas se já dura meio século é porque funciona. Resposta dos adversários: sim, o regime completou 50 anos, mas duração não quer dizer nada, tem muito ditador que ficou décadas no poder.

O raciocínio “sim, mas” não resolve. Ele é claramente parcial. O “sim” representa uma admissão relutante; o adversativo “mas” é a oposição supostamente triunfante. Cada pessoa usará o “sim” e o “mas” de acordo com sua posição ideológica. O que fazer para, ao menos, tentar chegar à verdade?

Primeira providência: substituir o “sim, mas” por um simples “e”. Cuba tem um sistema de proteção social, tem uma abrangente rede educacional, tem baixa mortalidade infantil; e Cuba tem também restrições à liberdade de imprensa, tem prisões para os inimigos políticos, tem um governo que está há 50 anos no poder. As coisas não se excluem.

Claro, esta simples admissão da coexistência de fatos não resolve o problema – por causa do juízo de valores. Alguém dirá: não importa que as pessoas não tenham completa liberdade, se elas têm comida garantida. Outro responderá: de que adianta ter comida garantida, se a pessoa não tem completa liberdade? Depende do que a pessoa valoriza mais, se a liberdade ou a comida.

Para nós, isto é basicamente uma discussão – importante discussão, mas discussão à distância, num bar ou numa mesa de jantar. Quem precisa julgar os prós e os contras do regime são os cubanos. Neste sentido, a velha democracia, com todos os seus defeitos, ainda é a melhor solução.

É importante, portanto, remover aquilo que serve de obstáculo, ou de pretexto, para a democratizaçao do país. Nesta lista, o absurdo bloqueio promovido pelos Estados Unidos está em primeiro lugar. Obama já declarou que está disposto a revê-lo. É um passo ousado, mas em política é preciso ousar.

A Revolução Cubana nasceu de um sonho de jovens que lutavam contra um governo ditatorial. Porém, como costuma acontecer, o choque brutal com uma realidade não raro hostil às vezes transforma os sonhos no contrário daquilo que representavam.

Isto foi o que aconteceu em Cuba. Só podemos desejar que o novo governo cubano recupere os ideais de 1959. Que o sonho volte a ser sonho.

E falando em sonho: que 2009 nos permita, no mínimo, continuar sonhando. Feliz Ano-Novo, leitores.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008


MOACYR SCLIAR

A difícil arte de adivinhar o futuro

Esse foi um erro que o sr. cometeu. Vamos ver agora se o sr. acerta a sua previsão. Diga: o que vai lhe acontecer agora?

Há tantos fatores imprevisíveis que é difícil adivinhar o futuro. Folha Online

ERAM OITO DA NOITE e, depois de ter atendido mais de 20 pessoas, o adivinho, cansado, preparava-se para ir para casa.

Quando, porém, abriu a porta da sala, viu-se diante de um desconhecido, um homem alto, grande, forte que ali estava, imóvel no corredor do velho prédio. Por um instante ficaram os dois parados, olhando-se. Finalmente o homem disse: - Vim para uma consulta. O sr. pode me atender?

A primeira reação foi dizer que estava de saída; que o homem voltasse no dia seguinte. Mas era tão imperioso o tom do estranho -não estava pedindo, estava mandando- que mudou de idéia: sim, poderia atendê-lo. Convidou-o a entrar.

Passaram pela pequena sala de espera e entraram naquilo que o adivinho chamava de "recinto mágico": uma sala de razoável tamanho, guarnecida de pesadas cortinas de veludo vermelho desbotado. Uma mesa, várias cadeiras e, no centro da mesa, a bola de cristal que herdara do tio, famoso adivinho, e que ali estava, sobre a sua base de madeira de lei.

Convidou o homem a sentar-se, sentou também, ambos iluminados pela luz mortiça de uma única e fraca lâmpada que, no entanto, fazia com que a bola de cristal emitisse uma espécie de mágica claridade.

Normalmente o visitante deveria fazer alguma pergunta, sobre como estaria a saúde ou o casamento ou o seu dinheiro no ano que entrava. Mas não foi isso o que o homem fez.

Começou a falar, mas não sobre si mesmo, e sim sobre o adivinho. - O sr. é muito conhecido. Seus clientes dizem que raramente erra uma previsão. É verdade?

Perplexo e inquieto, o adivinho disse que aquilo o envaidecia muito, que fazia o que podia, usando a misteriosa vocação que se manifestara na infância e recorrendo também àquela bola de cristal que era uma verdadeira fonte de inspiração, graças à qual sempre acertava as previsões. Mas o homem o interrompeu:

- Eu sei de um caso em que o sr. errou. Um empresário que o procurou há muitos anos. O sr. disse que se sairia muito bem no ano que se iniciava, que abriria várias filiais e que todas seriam bem-sucedidas.

O empresário abriu várias filiais por esse interior afora. Todas foram mal, todas. Ele faliu e depois se matou. É uma história que conheço muito bem. Esse homem era o meu pai. Uma pausa e ele continuou:

- Esse foi um erro que o sr. cometeu. Vamos ver agora se o sr. acerta a sua previsão. Diga: o que vai lhe acontecer agora?

O adivinho estava em pânico. Claramente o visitante estava ali para se vingar. Mas vingar-se como? O que faria? Pegou o lenço e enxugou o suor que lhe corria pelo rosto. E aí viu o revólver que o homem lhe apontava, sorridente:

- O sr. tinha previsto isso? Que seria assaltado? E assaltado pelo filho do homem a quem o sr. há muito tempo enganou?

Sem uma palavra, o adivinho entregou-lhe o dinheiro, tudo o que recebera no dia, o que não era pouco. O homem levantou-se. Antes de ir, olhou para a bola de cristal. "Vai arrebentá-la com um tiro", pensou o adivinho. Mas o homem sorriu:

- Não, não vou dar um tiro na sua bola de cristal, fique tranqüilo. Mesmo porque o revólver é de brinquedo. Para assaltar alguém que brinca com o futuro é a arma ideal, não lhe parece? Boa noite.

Abriu a porta e saiu. O adivinho suspirou. Estava na hora de atualizar suas técnicas. E talvez de trocar a bola de cristal.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

LUIZ FELIPE PONDÉ

Deus

Deus não é necessário para matarmos milhares de pessoas, basta uma "boa causa"

NATAL E fim de ano, Deus está no ar, em meio à fúria do consumo e das expectativas.

Mas antes de falar coisa séria, uma palavrinha: adoro a inércia do fim de ano. As pessoas ficam preguiçosas, sem pressa. Escorregam lentamente para a praia ou o campo, ou para a cidade que se esvazia.

Época de sexo fácil e solidão em grandes quantidades. O que antes era eficácia e ambição perde a forma e vira imprecisão, sono, bebida e comida, horas a fio sem objetivo. Este colunista que vos fala está com o que a sabedoria popular chama de "uma gripe do cão".

A cabeça pesando quilos, febre, tosse, espirros, enfim, com todas as vantagens que uma gripe nos dá: contemplação do teto e das paredes, noites mal dormidas, o direito honradamente adquirido de fazer nada e de demandar tudo da mulher apaixonada pelo doente. Um presente de Natal.

A doença não implica necessariamente incapacidade. Pelo contrário, a desordem fisiológica pode abrir portas para percepções incomuns. As religiões antigas bem o sabem, com seus jejuns, poções "mágicas", mantras, orações intermináveis, música, vigílias no deserto e na solidão.

Tudo visando estados alterados de consciência. Há uma dimensão da vida que está distante da banalidade cotidiana, e isso nada tem a ver com essa coisa barata chamada "espiritualidade quântica".

Tem gente que jura que Deus morreu. Tentativas de matar Deus foram feitas, e por gente muito capaz. Nietzsche tentou nos convencer que quem crê em Deus tem medo da vida. Ressentimento é a palavra. O horror cósmico faria de nós covardes. E mais: Deus nos tiraria o Eros, o desejo pela vida.

Mas você pode ser um brocha diante da vida e ser ateu. Freud quis provar que crer em Deus revela o retardado assustado que vive no adulto. Mas Freud bem sabia que ateus e crentes retardados desfilam pelas ruas em busca dessa coisa superestimada chamada "felicidade". Marx jurou que ganham dinheiro com a fé em Deus. Mas se ganha dinheiro com tudo, amor, sexo, ódio, arte, basta dar sorte, enganar os outros ou trabalhar com afinco.

Infelizmente, há muita teologia que ajuda a matar Deus. Deus me livre da teologia de vanguarda. Se, na arte, a "vanguarda" serviu pra justificar quem não sabia pintar, escrever ou fazer filmes, na teologia, serviu para fazer de Jesus um personagem de novela das oito.

Nada contra a teologia, ao contrário, julgo-a uma disciplina essencial para nos ensinar a ver o invisível. Mas, como disse Heine em relação aos teólogos de sua época, "só se é traído pelos seus".

Fernando Pessoa, em seu desassossego, diz que não aderiu ao culto da Humanidade, essa mania dos modernos, porque sendo ela, a humanidade, nada além do que uma espécie animal, adorá-la é adorar um conjunto de corpos humanos com cabeça de bicho. Portanto, uma reles forma de paganismo. Dizia o poeta que sendo Deus improvável, adorá-lo é sempre menos ridículo.

Outro grande escritor português disse recentemente que a Bíblia é um livro ruim e que não deve ser lido. Bobagens desse tipo, cheias de glamour, são repetidas ao sabor da ignorância comum. Mas devemos ter paciência com ele, afinal ninguém precisa entender de tudo.

Mesmo em pessoas inteligentes, Deus se mistura com todo tipo de trauma infantil ou raiva do pai ou da mãe ou do patrão.

Muita gente grande fica com cara de criança brava e mal amada quando se fala de Deus. No fundo é a velha carência humana gritando contra a indiferença cósmica se revelando em "crítica a Deus" e não em "fé em Deus", como diriam os nietzschianos de plantão.

Outro erro comum: Deus faz os homens matarem. Mentira: matamos porque gostamos de matar. O século 20 provou de modo cansativo que Deus não é necessário para matarmos milhares de pessoas, basta uma "boa causa".

A teologia feminista diz que "a Deusa" existe para punir o patriarcalismo. A teologia bicha (Queer Theology) se pergunta: por que Jesus viveu entre rapazes, hein? Alguns latino-americanos vêem Nele um primeiro Che, hippies viam um primeiro Lennon, outros, um consultor de sucesso financeiro. Ufólogos espíritas dizem ser Ele um extraterrestre carinhoso.

Prefiro o cristianismo antigo (prefiro sempre as religiões velhas). Um Deus que sente dor e morre por amor a quem não merece é um maravilhoso escândalo ético. O Cristo antigo é um clássico. Melhor do que essas invenções da indústria teológica de vanguarda, feitas para o consumo moderno.

luiz.ponde@grupofolha.com.br


29 de dezembro de 2008
N° 15833 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Do fundo do tempo

A fotografia é um instante aprisionado da eternidade. A idéia me vem ao folhear Memória Visual de Porto Alegre 1880 – 1960, álbum publicado pelo Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa e organizado, sob a batuta de Lauro Schirmer, por Denise Stumvoll e Naida Menezes.

Na verdade, o período contemplado é um tanto elástico, pois sobra espaço para um anúncio de 1860 e imagens de 1970. Mas isso é o que menos importa. O que conta é a esplêndida coleção de flagrantes da vida real modelarmente selecionados pelos técnicos de uma instituição que atravessa um excelente momento, como mostrou reportagem do caderno Cultura, de Zero Hora.

Tomem a capa do álbum. Uma banda colegial desfila pela Rua da Praia no penúltimo dia de inverno de 1960. Ali estão os cinemas Imperial e Guarani, a Farmácia Carvalho, o Grande Hotel, o prédio de A Federação, que viria a ser a sede do museu. Mas ali está também o rosto extraordinariamente expressivo de uma menina, que nos mira do fundo do tempo.

Considerem as cenas da Legalidade. Naqueles dias o Rio Grande se levantou pela democracia, na que foi uma das mais belas páginas de sua história.

Olhem a esquina da Rua Conceição com a Voluntários da Pátria. Aqui se ergue o torreão da Estação Ferroviária. Daqui partiam os trens que me levavam a Cachoeira e a inesquecíveis instantes de minha primeira juventude.

E esse bonde que desliza pelos trilhos da Praça da Alfândega, numa manhã perdida da década de 30? Não será ele o símbolo de uma capital com um extraviado cenário vagamente europeu?

E essa mansão do cruzamento da Hilário Ribeiro com Formosa (leia-se Florêncio Ygartua) não será a confirmação de que éramos um quarteirão esquecido de Berlim ou de Viena?

E esse Austin A-70, estacionado junto a um Citroën negro em plena Rua da Praia, esse Jaguar parado na Jerônimo Coelho, esse Stutz percorrendo a Avenida Farrapos não espelham dias que não voltarão?

Sei não, pois talvez tornem a cada vez que eu abrir a Memória Visual de uma Porto Alegre que não existe mais.

Aproveite a segunda-feira e tenhamos todos uma excelente semana. Esta que marcará o fim de 2008 e o início de 2009.


29 de dezembro de 2008
N° 15833 - KLEDIR RAMIL


Uma língua estranha

Em minha coluna anterior, publiquei um texto escrito em gauchês. “Um findi a fuzel” é uma história improvável, com personagens que misturam gírias atuais de Porto Alegre, algumas que caíram em desuso e até coisas antigas que eram faladas no Interior. A intenção era brincar com a possibilidade de escrever em português (?) sem que a maioria dos brasileiros conseguisse entender.

Nas colunas que publico em outros jornais e revistas, fora daqui, fui obrigado a escrever um glossário explicando cada termo usado. Um glossário tão extenso que ficou maior que o próprio texto.

Nós, os gaúchos, precisamos saber identificar quais são as expressões usadas apenas aqui no Sul, para, quando estivermos longe dos pagos, podermos traduzir para aquela língua estranha que falam no restante do Brasil.

Se você está com planos de viajar para fora do Rio Grande do Sul, tome cuidado. Não vá fazer como minha mãe, gaúcha do Interior. Na primeira vez que foi ao Rio de Janeiro, entrou numa padaria e pediu: “Tchê, me dá um cacete!”. E nem vá comentar numa festinha de crianças que está a fim de comer uns negrinhos. Pode pegar mal.

E mais. Esqueça a mania de cortar as palavras e falar coisas como fíndi, súper, berga, bici. No caso da berga, não adianta dizer que é bergamota, é preciso explicar que deseja tangerina ou mexerica. E se estiver em Curitiba, tem que pedir “mimosa”.

O pai, a mãe – o gaúcho fala de seus próprios pais na terceira pessoa, como se o artigo definido já deixasse explícito que não se trata de um qualquer. Pelo Brasil afora usam sempre “o meu pai”, identificando de que pai estão falando. Ou o estilo carinhoso “papai, mamãe”, que deixa claro a quem se refere.

Vou ir – do nosso verbo “ir ir”. Não é preciso repetir o verbo, o pessoal entende melhor quando se diz apenas “eu vou”.

Se você soltar um “bem capaz!”, vai ter que traduzir. Agora, se deixar escapar um “tchê”, um “bah” ou um “mas ah!”, não se preocupe. O interlocutor vai conseguir entender o espírito da coisa. Só não faça isso dentro de um táxi, senão o motorista vai ficar dando voltas pela cidade.

Acho que, com essas instruções básicas, já dá pra você viajar sem maiores problemas. Melhor do que isso, só se pedir ajuda pro Fischer e pro Cláudio Moreno.


29 de dezembro de 2008
N° 15833 - PAULO SANT’ANA | MARCELO RECH (interino)

Prazeres perdidos

Por favor, olhe de novo ali em cima. Ocupa este espaço aqui o primeiro dos interinos de Paulo Sant’Ana durante as suas mais que merecidas férias. E ao fim de um ano, estréio o inquilinato com uma contabilidade de prazeres passados que, a exemplo de 2008 e do acento em estréio, não voltarão mais.

Por razões óbvias, encabeça minha relação publicada nesta coluna emprestada por Pablo um prazer cada vez mais solitário e, com toda a razão, me desculpe Sant’Ana, rejeitado pela sociedade.

Fumar – Faz um mal desgraçado, não se tenha dúvida. Mas amaldiçoar o cigarro não o apaga e nem a memória da fumaça invadindo o pulmão, ou da nicotina entorpecendo os nervos para aplacar a vontade.

Quem fumou por muitos anos (no meu caso, parei há nove anos, quatro meses, 12 dias, sete horas e 14 minutos) sabe quão prazeroso era ver a brasa ardendo a cada tragada.

Claro, não vamos recordar aqui da tosse, da pele amarelada, dos dedos manchados, da perda de paladar, da falta de ar, da ameaça de enfisema, câncer... Foi bom, quero dizer, foi ruim. Acabou, finito. Fumar hoje é coisa de pária, de quem se dispõe a ser escorraçado de ambientes com ar puro para se enfurnar em saletas fedorentas e saciar sua sanha. Coisa feia. Xô.

Fumar em avião – Sei, você não era fumante e tinha vontade de atirar pela saída de emergência, a 33 mil pés, aquele sujeito que se embevecia com a brasa ao seu lado. Mas se você fumou em avião sabe no que se convertia aquele fundão assim que se apagava a luzinha com a figura do cigarro proibido.

Era uma sólida nuvem de fumaça a unir uma tribo que tinha vontade de uivar quando o fumacê era acompanhado por um uísque e jornal de graça. Never more, em nome da civilidade e da saúde.

Ovo frito – Esse o Luis Fernando Verissimo já içou há muito tempo ao topo dos prazeres perdidos, mas seguirá pela eternidade como um clássico. Aquela gema escorrendo pela gelatina branca da clara e se esparramando pelo prato à espera de macular a alvura do pão é uma cena de arrancar lágrimas de saudade.

Restou, é claro, a clara. Isso se você não se importar com a fritura ou com algo que ainda vão acusar nas manchinhas queimadas da insossa clara frita.

Reunião familiar para ver TV – Não tinha MP3, videogame, DVD, banda larga e nem 134 canais ou telas nos quartos e na cozinha. Era quase como assistir a uma fogueira. Programação de dois ou três canais na única TV no lugar de honra da sala. Zero opção, mas era um momento de união da família, que ria e chorava das mesmas coisas.

Agora, um amigo meu que quer conversar com os filhos adolescentes e a mulher está planejando uma lan house para sua sala. Pensa em colocar ali umas baias, uns computadores, monitores de TV LCD e ligar tudo em rede. Conexão familiar do futuro.

Passear à noite – Antes do toque de recolher, seres humanos que habitaram estas terras no passado caminhavam pelas ruas depois que o sol se punha. No verão, davam voltas na quadra após o jantar e respiravam o ar fresco da noite.

Encontravam vizinhos e conversavam nos portões por horas a fio. As balas perdidas eram entregues às crianças, para alegrar os pequenos. Ok, eu sei, não chore. Foi bom, mas esse é um prazer que não podemos dar por perdido para sempre. Só estamos momentaneamente exilados. Um dia voltaremos a pisar nosso solo.

Vigiar o mercado – Mesmo que você não tivesse um tostão furado aplicado, reconfortava ver as ações subindo e o dólar caindo. Esse era o Brasil que seguia para a frente e para o alto, com desemprego em queda e investimentos externos em massa. Íamos flutuar numa nuvem de fartura, mas devíamos ter desconfiado quando a manteiga belga passou a freqüentar a prateleira dos supermercados.

Você tinha seu FGTS aplicado em ações da Vale ou da Petrobras e não vendeu lá atrás? Ninguém vendeu. Não há por que se lamentar pela manteiga importada. A luxúria e a lascívia financeiras foram a Sodoma e Gomorra do planeta. A chuva de fogo que cai agora sobre todos há de redimir os mercados.

Revelar filme – A gente clica cem fotos por dia de férias e não paga nada a mais. Mas perdemos o prazer de escolher cuidadosamente a cena, selecionar com esmero o enquadramento para não torrar filme e de pagar o mico de pedir “digam cheese”.

Depois, era passar na lojinha de fotografia, esperar ansiosamente alguns dias e não agüentar até chegar em casa para abrir o envelope e descobrir que, bem, algumas fotos tinham ficado desfocadas e escuras mas outras haviam se salvado para o álbum. Sumiu o negativo. Sumiram também muitas lojinhas. Só ficou a expressão “queimar o filme”.

Cavar buraco na praia – Caminhe pela beira da praia e você ainda topará com alguns esquadrões de pais e filhos cavoucando na areia, na torcida por encontrar água e dar início aos reservatórios onde nadarão tatuíras por amestrar.

Os cavadores são os heróis da resistência do movimento dos esburacadores, a última barreira contra a sujeira na areia e a ofensiva dos camelôs das ondas, dos vendedores de óculos, saídas de praia, queijo derretido, castanhas, paella (paella por enquanto não?). Atenção, cavoucadores das águas salgadas. Não abandonem de vez esse prazer paterno-infantil com receio de serem pisoteados pelos vendedores da beira de praia. Esse é nosso território. Não o cederemos sem combate.

Comprar algo diferente no Exterior – Sim, crianças, já houve um tempo em que quando um parente melhor de vida viajava ao Exterior trazia-nos presentes das mil e uma noites, brinquedos e novidades nunca antes sonhados no Brasil.

Ir para fora era a chance de comprar coisas diferentes, de se surpreender com roupas, suvenires e outros objetos impensáveis. Acabou. Tudo agora é Made in China mesmo.

Não há nada para pôr na bagagem em San Francisco que já não esteja à venda nas ruas de São Paulo a Capão da Canoa, provavelmente por preço mais baixo. Melhor assim. Agora quando se viaja, a diversão está em se trazer recordações, experiências e imagens únicas.


29 de dezembro de 2008
N° 15833 - L.F. VERISSIMO


2009: evite-o

Se 2009 vai ser um ano tão ruim, por que não evitá-lo? Se uma nação pode adotar ou não adotar o horário de verão, por exemplo, adiantando ou atrasando seus relógios de acordo com sua conveniência, por que não pode adiantar ou atrasar o calendário?

Por que esta subserviência cega a uma simples convenção internacional? Onde fica a nossa soberania? Se nos recusássemos a passar para 2009 e repetíssemos 2008, as vantagens seriam muitas.

Poderíamos corrigir ou evitar os erros que cometemos. Desfazer o mal feito, refazer o que deu errado e só entrar em 2009 quando estivéssemos realmente prontos, talvez daqui a uns dois anos. E outra coisa: o Vasco da Gama teria uma segunda chance.

HORRORÓSCOPO

Que 2009 vai ser ruim ninguém duvida. As previsões astrológicas para o ano são... Bem, veja você mesmo. O planeta dominante do período será Mercúrio, o menor do sistema solar e o de órbita mais excêntrica. O equivalente cósmico ao baixinho chato. De acordo com a influência de Mercúrio nas doze casas do zodíaco, este será seu horóscopo em 2009:

AQUÁRIO – Os nascidos neste signo desejarão que isto nunca tivesse acontecido.

PEIXES – Evite tudo. Não abra a porta ou atenda ao telefone. Fique em casa e aguarde instruções.

ÁRIES – Seu regente é Marte, que também rege a cabeça do Meirelles. Quanto melhor você se sentir, mais alta estará a taxa de juro e maiores serão as dificuldades do comércio e da indústria. Você terá períodos alternados de euforia e culpa e dará para cantar compulsivamente no chuveiro, qualquer chuveiro, inclusive invadindo o banheiro de amigos e desconhecidos para testar a acústica.

TOURO – Melhor nem saber. Só um aviso: ande sempre de costas, por precaução.

GÊMEOS – Você ficará preso num elevador com o Gilmar Mendes, o Dado Dolabella e um grupo de pagode por 17 horas.

CÂNCER – Uma tia-avó lhe deixará uma grande herança mas você nunca ficará sabendo. Seus cabelos cairão todos ao mesmo tempo, e dentro da sopa.

LEÃO – Você será glosado pelo Imposto de Renda, que, não contente com isso, pichará paredes com insinuações a seu respeito e telefonará no meio da noite para dizer piadas.

VIRGEM – O período será bom para mudanças. Mude de nome, de estado civil, de profissão, de sexo e emigre.

LIBRA – Coitado...

ESCORPIÃO – Você acordará certa manhã e descobrirá que se transformou na Angela Merkel.

SAGITÁRIO – Corra!

CAPRICÓRNIO – Seu símbolo é o bode. É preciso dizer mais?

domingo, 28 de dezembro de 2008


ODILO P. SCHERER

Lobo e cordeiro viverão juntos

É a superação completa dos conflitos e da vontade dominadora sobre os outros. Algo assim será possível entre os seres humanos?

NO NATAL , os cristãos anunciaram mais uma vez ao mundo o seu sonho. As expressões da liturgia natalina trazem as convicções mais belas e profundas dessa festa: "esta noite santa foi iluminada com a claridade da verdadeira luz"; a "palavra eterna de Deus revestiu-se de nossa carne e veio habitar entre nós"; e ainda: "o céu e a terra trocam seus dons": oferecemos a Deus nossa humanidade e ele nos faz participar de sua divindade.

Cheios de estupor, então pedimos: "seja-nos concedido em plenitude, no céu, aquilo que já vislumbramos na terra com o olhar da fé". Isso tudo mexe com a utopia boa que, mesmo sem o saber, cada um traz no coração.
A origem do Natal cristão, porém, não vem de uma utopia, mas de um fato real e histórico: o nascimento de Jesus Cristo, fundador do cristianismo.

Nele, a fé dos cristãos reconhece o filho de Deus vindo ao mundo para nos dizer que Deus é como um pai, que ama loucamente seus filhos, e convida cada criatura humana a participar de sua felicidade. Jesus nasceu para reunir a comunidade humana numa única grande família de irmãos e irmãs. O Natal é a festa da fraternidade universal entre pessoas e povos.

Um dos textos da Sagrada Escritura lidos no Natal é a profecia de Isaías, anunciando o nascimento do messias, um rei todo animado pelo espírito de Deus e cujo reinado será de justiça e paz perfeitas; inimigos tradicionais deixarão de se odiar e viverão juntos em bucólica harmonia.

As imagens dessa profecia são belíssimas: lobo e cordeiro viverão juntos, o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito, bezerro e leão comerão juntos e até uma criança poderá cuidar deles (cf Is 11,1-10). É a superação completa dos conflitos e da vontade dominadora sobre os outros. Algo assim será possível entre os seres humanos?

Na prática, sabemos quanto isso é difícil. Conflitos fazem parte do dia-a-dia e aparecem por toda parte; mesmo assim, e apesar de continuarem os focos de tensão, é preciso tocar a vida.

No fundo do coração, porém, acreditamos que bem melhor seria se todos se entendessem e convivessem em paz; que não houvesse violência, os direitos essenciais de cada ser humano fossem reconhecidos e respeitados e a justiça triunfasse. Também é esse o pressuposto da Carta dos Direitos Humanos, promulgada há 60 anos. Sonho bom da humanidade!

No contexto do Natal, a cada ano o papa envia aos chefes de Estado e a todos os povos uma mensagem para o Dia Mundial da Paz, comemorado pela igreja no dia 1º de janeiro.

Desta vez, o papa trata da superação da pobreza para a construção da paz. A pobreza extrema de amplos setores da população, e mesmo de povos inteiros, é fonte de constantes conflitos e ameaça para a paz.

A disparidade gritante entre ricos e pobres está mais evidente que nunca, mesmo em nações economicamente desenvolvidas. "Trata-se de um problema que se impõe à consciência da humanidade", diz o papa: as condições de miséria em que vivem muitas pessoas ofendem a dignidade natural de cada ser humano.

Falamos com freqüência da sustentabilidade da vida em nosso planeta e, com razão, nos preocupamos com isso. Da mesma forma, é preciso pensar na sustentabilidade da paz entre os povos: e isso requer a superação da miséria aviltante do ser humano e a promoção de condições de vida digna para todas as pessoas e povos.

Em tempos de crise econômica e instabilidade no mercado financeiro, corremos o risco de pensar mais em números que em pessoas. Acalmar o nervosismo das Bolsas e retomar a economia, passando pesadas contas a pagar aos pobres do mundo, não seria sustentável para a paz.

Mais do que simplesmente "salvar" a economia, seria necessário rever os pressupostos sobre os quais a ordem econômica e financeira mundial veio sendo edificada e que estão a revelar toda a sua fragilidade e engano.

Talvez também isso seja visto como um sonho impossível, uma utopia fora da realidade... No entanto, não é essa a boa utopia que deveria nortear a busca das soluções para os problemas do mundo? É bem melhor que o lobo não devore o cordeiro e que o leão coma em boa paz palha com o boi, sem ceder ao apetite voraz de devorá-lo...

E retorno ao Natal. O profeta Isaías também anunciava o grande rei-messias, como "príncipe da paz", em cujo reinado haveria grande paz para todos, para sempre! Como os anjos anunciaram na noite de Belém aos pastores: "paz aos homens de boa vontade".

Com boa vontade, essa boa utopia pode tornar-se realidade um pouco mais em 2009. Feliz Ano Novo!

CARDEAL DOM ODILO PEDRO SCHERER , 59, doutor em teologia pela Universidade Gregoriana (Roma), é arcebispo de São Paulo.

DANUZA LEÃO

Adeus, juventude

Adeus pegar a estrada e se mandar no fim de semana, levando uma mochila só com um repelente e um filtro solar

DOIS CASAIS muito jovens me telefonam na mesma semana para dizer que vão ter um bebê. Um deles, mesmo com pouca grana, vai se mudar para um apartamento que comprou na planta e, quando o filho nascer, já estará instalado. O outro, com menos grana, vai ter que se mudar de onde mora de aluguel para um maior, para que o bebê tenha um quarto só para ele.

Num primeiro momento me enterneço; sei que esses dois casamentos foram por amor de verdade, que tanto eles como elas são pessoas do bem, que acreditam nas coisas, que têm as melhores intenções a respeito do futuro, e me emociono pensando no momento de felicidade que estão vivendo.

A chegada do primeiro filho, para um casal apaixonado, é tão importante, tão cheio de alegrias -lembra? É tão bom começar a vida, com esperanças e certezas quanto ao futuro.

Mas ao mesmo tempo me dá uma certa pena pensar que por melhor que tudo corra e que esses casais sejam felizes para sempre, a vida vai mudar.

Em alguns pontos, até para melhor, mas vai mudar. E o gosto da irresponsabilidade, essa coisa tão prazerosa, estará perdido para sempre. Adeus pegar a estrada e se mandar no fim de semana, levando uma mochila só com um repelente e um filtro solar.

A sacola vai ter que ser maior -isso se enfrentarem o fim de semana, o que é improvável- e cheia de fraldas, mamadeiras, latas de leite em pó, sapatinhos, casaquinhos, mantinhas e nem sei mais o quê. E a ilusão de que vão jantar tomando vinho não vai passar de uma ilusão, porque crianças pequenas parece que adivinham a que horas ficar inquietos e chorar com fome.

O bebê vai crescer e logo entrar numa creche, para que a mãe possa voltar a trabalhar. E depois vai ser o colégio, que custa caro. Para fazer frente às novas despesas -tênis, skate, aula de judô, escolinha de futebol, natação (isso sem falar do pediatra, da dor de ouvido, da tosse noturna, do xarope de duas em duas horas). O pai vai arranjar um bico para aumentar a renda familiar e começar a chegar em casa mais tarde, mais cansado.

A mãe vai abrir mão das mechas no cabelo, e talvez até da manicure, por falta de tempo e para economizar e poder levar seu filho à Disney. Mas a vida continuará um mar de rosas até chegar aquele momento de que nenhum pai e mãe escapam: a adolescência.

Tudo pode acontecer, até mesmo do garoto ser um adolescente tranqüilo e estudioso, mas segundo as estatísticas, é bom não contar com isso. E se em vez do garoto, for uma menina, aí as preocupações se multiplicam.

As baladas, as noites em claro esperando que eles cheguem (sempre mais tarde do que a hora que foi estipulada), o medo do trânsito, dos assaltos, das drogas, da Aids, da gravidez inesperada. É claro que quando você, recém-casado, abriu o envelope do exame e leu POSITIVO não pensou em nada disso, até porque nessa idade não se pensa nessas coisas.

Mas corta meu coração saber que ao ter o primeiro filho eles estão deixando para trás a juventude, que não tem nada a ver com a idade; juventude é ser dono e responsável apenas por si mesmo, aos 20 ou aos 80.

Porque depois que se é mãe ou pai, mesmo que os filhos estejam casados e felizes, já com seus próprios filhos, nunca mais se vai a lugar nenhum sem deixar com cada um deles o lugar onde poderá ser encontrado "se acontecer alguma coisa", e nunca mais, mesmo tendo ido a uma festa e dormido às 6h da manhã, vai ter coragem de desligar o telefone, de medo que "aconteça alguma coisa" e você não possa ser encontrada.

Nunca mais, nunca mais, se dorme em paz; mas não sei o que seria de mim sem os meus.

danuza.leao@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

O horror e a ternura

SÃO PAULO - O leitor César Danilo Ribeiro de Novais puxou ontem Guimarães Rosa para falar das touradas na Espanha. "Se todo animal inspira ternura, o que houve, então, com os homens?", perguntam Guimarães Rosa e César Danilo.

Os ataques do Hamas a Israel e a resposta violentíssima e desproporcionada de Israel permitem deduzir que os homens (e a mulheres) daquela parte do mundo não inspiram a menor ternura uns aos outros.

"O que houve com os homens [sejam judeus, sejam palestinos]?" (há várias outras parte do mundo em que a pergunta cabe igualmente, mas o espaço é pouco).Faço coberturas esporádicas em Israel e nos territórios palestinos, a cada tanto. Uma só vez, em 1987, antes da primeira intifada, havia o que, para os parâmetros locais, se poderia chamar de paz.

Depois, foi ficando crescentemente inviável tentar encontrar um mínimo de racionalidade de parte a parte, porque ambos os lados pensam com o fígado e com os respectivos livros sagrados à mão (nada contra religiões, mas, definitivamente, não dá para repartir um território com base na Torá ou no Corão ou na Bíblia).

Na última vez, em 2002, Israel havia invadido os territórios palestinos e sitiado, entre outras cidades, a Belém em que, segundo a tradição cristã, nasceu Jesus.

O administrador do hospital local contou que encontrara 28 cadáveres de pessoas mortas pelos israelenses. Os corpos haviam sido enterrados no jardim, porque as tropas ocupantes não permitiam a entrada de ambulâncias que os retirassem.

Em outro momento, houve um atentado no Mahane Yehuda, popular mercado de Jerusalém. Vi pedaços de massa encefálica misturados a tomates esmagados.

Nessas circunstâncias, os homens (e as mulheres) naquela região não podem mesmo sentir ternura. Apenas reproduzem o horror que leva a mais horror e a menos ternura.

crossi@uol.com.br


A Grande Virada! Vou virar abóbora!

Madonna esculhambou com o Natal! O Jesus mais famoso neste ano foi o namorado dela. BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

Contagem regressiva pra grande virada. Eu vou virar abóbora! E duas mulheres abalaram dezembro: Madonna e Carla Bruni. Eu prefiro a Madonna porque ela é devassa em público. Aliás, só em público! E a Carla Bruni deve ser o contrário.

E sabe por que a Madonna usava playback? Pra poder ficar com a boca livre pra beijar as bailarinas. E sabe por que choveu tanto nos shows da Madonna? Porque são Pedro ficou bravo dela ficar pegando o menino Jesus. Só a Madonna pra pegar um modelo chamado Jesus! Aliás, o Jesus mais famoso neste Natal foi o namorado da Madonna!

E aí inverteu tudo: em vez do menino Jesus estar no colo da Madonna, a Madonna é que sentou no colo do Jesus! Esculhambou com o Natal! É a Madonna dos velhos tempos!

E a Carla Bruni? Esse que era o avião que o Lula devia ter comprado: a Carla Bruni. Mas aí o Lula comprou do Sarkozy um monte de submarino. Se o Brasil afundar, a gente já tem submarino!

E o diálogo entre Lula e Sarkozy: "Você trouxe a Carla Bruni, QUE SORTE". "E você trouxe a dona Marisa. QUE AZAR!" Aliás, a dona Marisa tá parecendo boneco de Olinda: vai pra todo evento, fica balançando a cabeça e não fala nada!

E com a vitória do Sarkozy, a França deu uma guinada: não tem mais socialista e não pode mais fumar nos cafés. Ou seja, acabou com a França. Não tem mais socialista fumante.

Rarará! E o Sarkozy tem cara e nome de remédio. Azia? Má digestão? Tome um Sarkozy. E a Carla Bruni é tão apaixonada pela inteligência do Sarkozy que declarou que ele tem seis cérebros. Só se for um na cabeça de cima e cinco na cabeça de baixo!

Piada pronta: "Atleta alemã de salto com vara muda de sexo". Em vez de PULAR com uma, resolveu TER uma! Pra melhorar a modalidade: já vem com vara. Ela se chamava Yvonne e agora se chama Balian. Trocou o salto pela vara! E agora direto do Sudeste, ops Chuveste. Essas enchentes mudaram os impostos no Brasil.

IPVA quer dizer Imposto Para Vias Alagadas. IPTU quer dizer Imposto Para Tetos Úmidos. E o Kaxab vai lançar o IPB, Imposto Para Bote. E em vez de bilhete único, ele vai lançar o BILHETE ÚMIDO! Rarará!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Santificada": companheira que transa todo santo dia! E mais um verbete: "Obelisco": companheiro do Asterisco. Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br


28 de dezembro de 2008
N° 15832 - MARTHA MEDEIROS


Iolanda e Copola, dois mundos

Quando eu era guria, gostava bastante de novela, mas aos poucos fui abandonando o vício e hoje assisto apenas uma ou outra, sem fissura. Mas esses capítulos finais de A Favorita estão me deixando presa em frente à tevê, seja pelo desempenho magnético de Patricia Pillar, seja pelas situações bizarras: o Gonçalo (Mauro Mendonça) morrendo literalmente de susto foi quase engraçado de tão trash.

Seria preciso sacrificar uns três bois para espalhar tanto sangue pela casa, e só por mágica alguém conseguiria eliminar toda a sujeira em poucas horas, sem deixar resquícios de manchas ou cheiro. Mas o que cativa nas novelas são justamente os absurdos.

Em outro núcleo de A Favorita, há um drama menos ruidoso. É o que envolve o casal Copola e Iolanda, vividos pelos excelentes Tarcisio Meira e Suzana Faini. São dois coadjuvantes de luxo da novela, que não têm o que fazer em cena, a não ser demonstrar com muita sutileza a importância da sintonia para a felicidade de um relacionamento.

Copola, apesar do jeito rústico, é um homem que gosta de livros, que se emociona com música, que sabe apreciar arquitetura histórica, que dá o devido valor à arte.

O resultado disso é que se tornou um homem com uma sensibilidade refinada e um olhar abrangente pra vida. Se sente confortável em qualquer ambiente porque sabe que o dinheiro não torna ninguém melhor do que os outros: ele é um cidadão que mergulhou no mundo sem sair da sua aldeia, portanto transita em qualquer meio com a segurança de quem fez das emoções o seu código de conduta.

Sua mulher, ao contrário, não compreende onde está o mérito de se entregar à contemplação do que lhe parece tão abstrato. Ela dedica sua vida à cozinha e à limpeza da casa. Só lhe interessa o que é prático.

Não se desloca um milímetro do lugar comum, é a embaixatriz do trivial. Dá a impressão de que a rotina escravizante é que lhe deixou assim amarga, mas essa escravidão não foi imposta pelas paredes do seu castelinho de alvenaria: ela se deixou enclausurar pela ignorância. Tornou-se obtusa por não desenvolver a paixão pela vida, e perdeu ambas: a vida e sua paixão, Copola.

Às vezes as pessoas me perguntam: por que os casamentos terminam tão cedo hoje em dia? Não terminam mais cedo hoje. É que antes o casal não se separava porque a mulher não tinha como se sustentar, e isso dava a falsa impressão de que eram casais longevos.

O casamento acabava, mas o convívio prosseguia. Mais do que a separação de corpos, o que pode dar fim a um amor é a separação de percepção: um enxerga o mundo em cores, o outro em preto-e-branco.

Um percebe a delicadeza e a profundidade de tudo o que existe, o outro não consegue ir além da superfície. Pode um casal ser mais desunido do que aquele que, olhando na mesma direção, não consegue enxergar a mesma coisa?

Temperamentos antagônicos apimentam uma relação, dão graça ao embate, mas a falta absoluta de afinidades emocionais e intelectuais torna a convivência desértica e sem comunicação. Sentir o mundo de forma parecida é o que formata uma dupla.

Copola e Iolanda não se traem, não se espancam, não brigam nem reatam mil vezes, não é o protótipo do casal de novela e não faz a mínima diferença se ficarão juntos no final. Nunca estiveram.

òtimo domingo - Aproveite os últimos dias de 2008.


28 de dezembro de 2008
N° 15832 - MARTHA MEDEIROS


Iolanda e Copola, dois mundos

Quando eu era guria, gostava bastante de novela, mas aos poucos fui abandonando o vício e hoje assisto apenas uma ou outra, sem fissura. Mas esses capítulos finais de A Favorita estão me deixando presa em frente à tevê, seja pelo desempenho magnético de Patricia Pillar, seja pelas situações bizarras: o Gonçalo (Mauro Mendonça) morrendo literalmente de susto foi quase engraçado de tão trash.

Seria preciso sacrificar uns três bois para espalhar tanto sangue pela casa, e só por mágica alguém conseguiria eliminar toda a sujeira em poucas horas, sem deixar resquícios de manchas ou cheiro. Mas o que cativa nas novelas são justamente os absurdos.

Em outro núcleo de A Favorita, há um drama menos ruidoso. É o que envolve o casal Copola e Iolanda, vividos pelos excelentes Tarcisio Meira e Suzana Faini. São dois coadjuvantes de luxo da novela, que não têm o que fazer em cena, a não ser demonstrar com muita sutileza a importância da sintonia para a felicidade de um relacionamento.

Copola, apesar do jeito rústico, é um homem que gosta de livros, que se emociona com música, que sabe apreciar arquitetura histórica, que dá o devido valor à arte.

O resultado disso é que se tornou um homem com uma sensibilidade refinada e um olhar abrangente pra vida. Se sente confortável em qualquer ambiente porque sabe que o dinheiro não torna ninguém melhor do que os outros: ele é um cidadão que mergulhou no mundo sem sair da sua aldeia, portanto transita em qualquer meio com a segurança de quem fez das emoções o seu código de conduta.

Sua mulher, ao contrário, não compreende onde está o mérito de se entregar à contemplação do que lhe parece tão abstrato. Ela dedica sua vida à cozinha e à limpeza da casa. Só lhe interessa o que é prático.

Não se desloca um milímetro do lugar comum, é a embaixatriz do trivial. Dá a impressão de que a rotina escravizante é que lhe deixou assim amarga, mas essa escravidão não foi imposta pelas paredes do seu castelinho de alvenaria: ela se deixou enclausurar pela ignorância. Tornou-se obtusa por não desenvolver a paixão pela vida, e perdeu ambas: a vida e sua paixão, Copola.

Às vezes as pessoas me perguntam: por que os casamentos terminam tão cedo hoje em dia? Não terminam mais cedo hoje. É que antes o casal não se separava porque a mulher não tinha como se sustentar, e isso dava a falsa impressão de que eram casais longevos.

O casamento acabava, mas o convívio prosseguia. Mais do que a separação de corpos, o que pode dar fim a um amor é a separação de percepção: um enxerga o mundo em cores, o outro em preto-e-branco.

Um percebe a delicadeza e a profundidade de tudo o que existe, o outro não consegue ir além da superfície. Pode um casal ser mais desunido do que aquele que, olhando na mesma direção, não consegue enxergar a mesma coisa?

Temperamentos antagônicos apimentam uma relação, dão graça ao embate, mas a falta absoluta de afinidades emocionais e intelectuais torna a convivência desértica e sem comunicação. Sentir o mundo de forma parecida é o que formata uma dupla.

Copola e Iolanda não se traem, não se espancam, não brigam nem reatam mil vezes, não é o protótipo do casal de novela e não faz a mínima diferença se ficarão juntos no final. Nunca estiveram.

òtimo domingo - Aproveite os últimos dias de 2008.


28 de dezembro de 2008
N° 15832 - VERISSIMO

2008, o ano que já vai tarde

HOMEM DO ANO:

Barack Obama.

MULHER DO ANO:

Flora.

MICO DO ANO:

Do superacelerador de partículas que levou anos para ser construído ao custo de bilhões de euros e pifou 36 horas depois de ser ligado. A notícia do vexame foi muito festejada no Vasco da Gama – “Assim eles largam do nosso pé”.

TROFÉU FAÇA O QUE EU DIGO MAS SÓ FAÇA O QUE EU FAÇO COM A SUA MULHER:

Para o governador do Estado de Nova York, Eliot Spitzer, que fez sua carreira combatendo a corrupção e os maus costumes e descobriu-se que era cliente de um serviço de prostituição, onde seus gostos eram descritos como “especiais”.

A MUITO DOIDA DO ANO:

A cantora e compositora Amy Winehouse, presa diversas vezes por porte de drogas, bebedeira, desacato às autoridades e linguagem deseleganter, entre outras coisas.

AGORA VAI!

Cientistas anunciaram a descoberta da exata posição do ponto G nas mulheres, e pesquisadores da Petrobras localizaram uma imensa reserva de petróleo no pré-sal, na costa brasileira.

TROFÉU ANTES TARDE...:

Para o papa, que pediu desculpa em nome da Igreja pelos casos de pedofilia entre padres; para o governo australiano, que pediu desculpas aos aborígenes pelo tratamento que receberam durante a colonização do país; e para o Maradona, que pediu desculpas pelo gol que fez com a mão na decisão da Copa do Mundo de 86.

TROFÉU PAFT, POFT, PEFT! DO ANO:

Dado Dolabella.

NÃO DESOCUPEM O MEU ARMÁRIO...

Fidel Castro deixou a chefia do governo cubano mas ainda dá seus palpites, Vladimir Putin fez o seu sucessor na presidência da Rússia mas não foi para muito longe.

PRONTO, DESANDOU:

Os cubanos já podem comprar eletrodomésticos.

LAMOUR, LAMOUR:

Nicolas Sarkozy e Carla Bruni.

LAMOUR, LAMOUR, MAS PERAÍ UM POUQUINHO:

Ronaldo flagrado com travestis num motel da Barra. Depois, ele reconheceu que deveria ter desconfiado quando uma das moças disse que tinha deixado seu ponto G na outra bolsa.

A QUE PONTO CHEGAMOS (1):

O ator de Batman foi preso por agredir a mãe sem motivo justificado.

A QUE PONTO CHEGAMOS (2):

Exames revelaram que o cavalo Rufus, montado por Rodrigo Pessoa nas Olimpíadas da China, estava dopado durante a competição. Pessoa diz que não sabia de nada mas que desconfiou quando o Rufus começou a sair com a Amy Winehouse.

IMPRENSA MARROM?

Sapatos atirados no Bush durante uma entrevista coletiva.

HUMILHAÇÃO:

Bernard Madoff deu um golpe de 50 bilhões. De dólares. Só isso já justifica um terceiro hábeas- corpus para o Daniel Dantas.

MACACO VELHO:

A teoria da evolução de Darwin fez 150 anos.


28 de dezembro de 2008
N° 15832 - PAULO SANT’ANA


Doe seus órgãos

Pensando bem, nós somos uns heróis. Estamos deixando para trás 2008 e permanecemos intactos, na trincheira, na luta pela vida.

Sobrevivemos aos assaltos, à aids, às drogas espalhadas por toda a nossa volta, aos presídios à míngua de recursos para os presos, o que impede que se mande para dentro das cadeias gente que insiste em assaltar cada vez mais, à alta violenta do dólar, à queda violenta de mais de 70% no preço internacional do petróleo sem nenhuma queda no preço que se paga pelos combustíveis nas bombas, o que é inexplicável, ainda mais sabendo-se que os países vizinhos ao Brasil mantêm preços bem mais baixos do que os nossos para a gasolina.

Sobrevivemos aos pedágios, somos um povo heróico. Pagamos cerca de R$ 1 mil por uma carteira de motorista, preço inédito em todo o mundo, nem sei como os motoristas profissionais que querem se iniciar em seus ofícios conseguem resistir a este preço, uma extorsão inominável até para os motoristas amadores.

Pagamos a gasolina mais cara do mundo e a carteira de motorista mais cara do mundo, os juros nossos são os mais altos do mundo, ou os segundos mais altos do mundo, e o povo brasileiro continua bravamente comprando a crédito a sua habitação, o seu carro, a televisão. Nem sei como essa gente estóica resiste a tantos preços altos, no caso dos juros altíssimos por longos meses e anos, que é esse o tempo que o povo pobre leva para comprar a sua televisão, a sua máquina de lavar roupa, o seu fogão, em intermináveis e perversas prestações.

Mas nos salvamos, vamos entrar 2009 sobreviventes, principalmente os mais pobres, de preços desumanos nas passagens de ônibus. Passagens que o povão paga todos os dias, às vezes quatro passagens por dia, para se deslocar de casa para o serviço ou de casa para procurar emprego. Sem falar nas passagens de ônibus intermunicipais e interestaduais, que custam aqui no Brasil de três a quatro vezes mais que no Uruguai, isso que o salário mínimo no Uruguai é muito maior que o do Brasil.

Somos sobreviventes, o que me espanta, de filas intermináveis no SUS para as consultas e para as cirurgias.

Muitos morreram nessas filas, mas nós sobrevivemos.

Somos sobreviventes, incrivelmente, de pessoas que estão morrendo nas filas de transplante, basicamente porque os vivos, quando ainda vivos, se omitem lamentavelmente ao não doar os seus órgãos.

Muita gente está morrendo – e me chegam as notícias todos os dias – porque não são doados fígados, a fila do transplante de fígado e de outros órgãos é dramática e se torna cruciante para os maridos, para os pais e para os filhos dos candidatos a transplante, que a medicina esteja apta a transplantar todos os órgãos necessários, mas não há órgãos, porque nós não nos inscrevemos para sermos doadores.

Esta é uma das maiores perversidades a que nós sobrevivemos. Porque os acidentes de trânsito estão todos os dias matando gente nas estradas e nas ruas, e os órgãos desses mortos não são transplantados por insensibilidade nossa. Eu diria crime nosso. O nosso mais deplorável desperdício.

Como é que não nos organizamos ainda, incrivelmente, para abastecer de órgãos os hospitais de transplante, morrendo os da fila à míngua, sem esperança, sabendo que vão morrer porque inacreditavelmente não conseguimos ainda derrubar a muralha da omissão em doar órgãos.

Pelo amor de Deus, meus leitores, doem seus órgãos. Milhares de pessoas morrem por não haver órgãos para serem transplantados.

É uma morte seca, acompanhada de uma agonia física e psicológica irresistível.

Pelo amor de Deus, gaúchos, doem seus órgãos. Não imaginam o calvário que passam os que estão na fila do transplante e seus parentes! Que calvário! E que fim que causa remorso perpétuo!

E assim vamos sobrevivendo a tantos infortúnios, que sei agora por que o brasileiro não se assusta com essa crise econômico-financeira que se anuncia: quem passa por tudo isso que passamos e permanece vivo – e lutando –, pronto para viver 2009, não tem medo de crise nenhuma.

Qualquer crise que vier será só uma, em seguida vai passar.

E os obstáculos que se antepõem às nossas vidas são múltiplos. E nós ultrapassamos até agora todos eles.

Somos destemidos e lendários sobreviventes.


28 de dezembro de 2008
N° 15832 - MOACYR SCLIAR

O ano do desafio


Oitenta anos se passaram – e 2009 não é 1929.

Bem ou mal, o mundo aprende, e Marx tinha razão.

A História não se repete, a não ser como farsa

Em A Era dos Extremos, o historiador Eric Hobsbawm, que já esteve em Porto Alegre e é uma das melhores cabeça de nosso mundo, diz que o século 20 na realidade começou em 1914, com o início da guerra que marcou o fim do velho liberalismo. Da mesma maneira podemos dizer que o século 21 vai começar em 2009.

Até agora ainda vivíamos sob os efeitos da otimista conjuntura que marcou o fim do século 20, a expansão econômica, o desenvolvimento da informática, a emergência de novas potências, nelas incluído o Brasil. Agora estamos em crise, uma crise cujas proporções ainda não conhecemos, mas que certamente terá conseqüências. Por causa dessa crise, já podemos dar um apelido ao ano que se inicia: será o ano do desafio.

Em 2009, em outubro, mais precisamente, estaremos lembrando os 80 anos do crash da Bolsa de Nova York. E temos de lembrar, porque o capitalismo é cíclico, e nele as coisas se repetem. Em 1929, chegavam ao fim “os loucos anos 20”, um período de prosperidade e de excessos, a era do jazz, dos cabarés, das festanças.

E, como agora, a crise foi precedida primeiro por uma queda violenta no valor dos imóveis e depois por uma instabilidade na Bolsa, as cotações subindo e descendo como numa montanha russa. Seguiu-se a Grande Depressão, o desemprego maciço e uma estagnação da economia que repercutiu em todo o mundo.

As pessoas, assustadas, queriam governos fortes, e governos fortes elas tiveram: o fascismo na Itália, na Espanha e em Portugal, o nazismo na Alemanha, o stalinismo na União Soviética, o Estado Novo no Brasil. Só o fim da Segunda Guerra trouxe de volta a democracia.

Alguém pode dizer: mas então as perspectivas são más, porque de novo estamos vendo o estouro da bolha imobiliária, a instabilidade das bolsas de valores, os governos sendo chamados para socorrer a economia. É a repetição do velho filme?

Não, não é. E não é, exatamente porque 80 anos se passaram. 2009 não é 1929. Bem ou mal, o mundo aprende, e Marx tinha razão: a História não se repete, a não ser como farsa. Os erros do passado servem como vacina, como imunizante.

A intervenção governamental, e isso estamos vendo em vários países, inclusive o Brasil, não significa o estabelecimento de governos fortes.

Pelo contrário, ela resulta de um debate democrático, de um consenso. As medidas até agora tomadas podem não ser suficientes, mas não são irracionais, não são autoritárias. Se essas medidas mobilizarem a racionalidade e o bom senso das pessoas, se evitarem o pânico, a crise poderá ser superada.

É por isso que 2009 será o ano do desafio. E é por isso que em 2009 o novo século (quem sabe uma nova era) estará de fato começando.

sábado, 27 de dezembro de 2008



Panetone, Papai Noel, peru e presentes no Bom-Fim

Morei no Bom-Fim durante dezesseis anos. Faz alguns dias o Zé me perguntou se a comunidade judaica comemorava o Natal e o Ano-Novo dos goym, os gentios, os não-israelitas. Naqueles tempos da Casa Santa Catharina na esquina da Fernandes com a Osvaldo e do Panifício Zoratto na esquina da Fernandes com a Henrique Dias, onde hoje está o Zaffari, olha,

Zé, alguns patrícios, discretamente, ou nem tão discretamente, curtiam as muitas comemorações e bebemorações religiosas-gastronômicas-consumistas de final de ano. E daí? Estás estranhando? Qual o problema deste simpático sincretismo? Nenhum.

Todos somos filhos de Deus e, me diga, quem resiste a panetone, peru, presentes, champanha, nozes, Papai Noel e festas em todo lugar? O negócio é confraternizar, festejar, acreditar. De repente pinta a paz mundial, aquela, tão sonhada. Sei lá, dizem que Deus criou os gentios (goym) porque alguém tem de comprar no varejo, mas isso é outra história.

Problema mesmo surgiu em relação a uma amiga israelita-católica que freqüentava sinagogas e igrejas ao mesmo tempo e eu, já boca-grande muito antes de ser jornalista, sem saber que ela estava com umas amigas israelitas na sala, perguntei se já tinha ido à missa naquele dia. Ela deu uma bela enrolada e me disse para jamais tocar no assunto. Fiquei bem quietinho.

Minha amiga fazia umas festas legais e eu, décadas antes do jornalismo, já era chegado numa boca-livre esperta e não ia perder as dela. Minha amiga agitava um sincretismo comedido, até. Um conhecido meu, por exemplo, é um baita de um crente. Freqüenta terreiros de umbanda, igrejas de vários tipos, mesquitas, sinagogas, centros espíritas, suítes da tia Carminha, escritórios de consultoria administrativo-financeira e, dizem, até divã de psicanalista para "elaborar" tudo o que lhe vai na cabeça.

Mas é como falei: o importante é acreditar em algo que te faça pegar no sono de noite e pular da cama pela manhã, nem que seja para, depois, ficar sentado num banco do Parcão o dia inteiro, olhando para os bumbuns das babás. Pedras, runas, baralho de tarô, xin tang banzai, cristais, pirâmides, livros do Paulo Coelho, sei lá, acredite no que quiser. Só não faça que nem o Petrúcio, amigo meu que já partiu cedo desta para o infinito desconhecido.

Ele não acreditava nem na descrença e aí a vida não acreditou mais nele. No mais, boas festas, imensos abraços, beijos de ex-gordo, felicità e tante cose belle para 2009. (Jaime Cimenti)


27 de dezembro de 2008
N° 15831 - A CENA MÉDICA | MOACYR SCLIAR


Evitando a ressaca

A melhor maneira de evitar a ressaca é não beber ou beber com moderação. Quem o diz não é o autor destas linhas, abstêmio por opção, mas sim um exaustivo estudo publicado no British Medical Journal. Os autores examinaram centenas de formas de tratamento supostamente eficazes no controle dos sintomas da bebida, chegando a esta conclusão: nenhum deles resolve o problema.

Que, no entanto, tem de ser enfrentado, sobretudo nesta época do ano em que o consumo de álcool aumenta substancialmente – e assim também a ressaca. A palavra, aliás, tem dois sentidos: designa o movimento agitado das ondas (e por isso Machado de Assis falou nos “olhos de ressaca”, de Capitu) e os sintomas que se seguem à ingestão excessiva de álcool.

E que sintomas são estes? Todo mundo sabe: dor de cabeça, náusea, vômitos, sede, letargia, fraqueza, intolerância à luz (“Fecha esta janela, por favor!”), irritabilidade, repulsa ao álcool (que aliás bem poderia ser duradoura). Os sintomas, que incluem risco maior de acidente vascular cerebral, às vezes duram três ou mais dias e podem ser severos a ponto de exigir hospitalização.

E qual a causa dos sintomas? Em primeiro lugar, o álcool faz a pessoa urinar mais, como mostra a romaria ao banheiro em bares, e pode levar à desidratação. Irrita o estômago e é transformado, no fígado, numa substância chamada acetaldeído, 30 vezes mais tóxica do que o próprio álcool, carcinogênica e mutagênica. O fígado também produz menos glicose, que é a fonte de energia para o cérebro, que passa a funcionar mal. De tudo isso resulta a ressaca. Como evitá-la?

> Beba com moderação. O consumo leve a moderado de álcool é definido como uso de uma a duas unidades (drinques) de álcool por dia para homens e uma unidade por dia para mulheres. Um drinque equivale aproximadamente à quantidade de álcool contida em uma dose (50ml) de bebida destilada (uísque, conhaque e vodca), ou um cálice de vinho, ou um copo (200 ml) de cerveja.

Beba devagar. Não beba com estômago vazio.

Beba água também. Assim você tomará menos álcool e poderá evitar a desidratação.

E como aliviar os sintomas? Bem, para isto existe um milhão de receitas mágicas que, segundo o estudo inglês, incluem pizza, casca de laranja, carvão (isto mesmo). Não funcionam. Faça o seguinte:

Consuma alimentos e sucos com frutose, o açúcar das frutas, que ajuda a queimar o álcool mais rápido.

Não deixe de se alimentar. Sopas ou caldos ajudam a repor os sais mineirais perdidos pelo consumo de álcool.

Descanse. E tome cuidado: mesmo que você não tenha sintomas, sua capacidade motora e sensorial diminui após o consumo de álcool. Pode ser perigoso dirigir nestas circunstâncias.

Evite medicações que contenham o analgésico acetaminofen (como é o caso do Tylenol), porque podem causar dano hepático.

De resto, é aquilo que a gente sempre diz quando brinda: saúde!


27 de dezembro de 2008
N° 15831 - PAULO SANT’ANA


Dever cumprido

Queridos, não é possível fazer mais nada. Agora sei por que estes dias de Festas são tão arrastados, longos, melancólicos.

É que se convencionou que dezembro era o fim do ano. E nada funciona no fim do ano, desde as repartições públicas, desde as escolas, nas ruas restam poucos pedestres e carros.

É que todos acham que esta etapa terminou. Não é que não sejamos capazes de dar mais: é que tudo que ainda somos capazes de dar, dá-lo-emos, mas no ano que vem.

Pára a Justiça, a não ser nos casos urgentes, pára a polícia, a não ser nos casos urgentes, pára o governo, param os cidadãos, pára tudo neste fim de ano, todos já deram o seu quinhão, há no ar uma sensação de dever cumprido.

É aquilo que se pode chamar de lassidão. Lasso está quem não tem mais nada a fazer.

Como não há nada mais a fazer, o certo e aconselhável é entrar em férias. E tentar recuperar as forças para voltar a fazer tudo depois das férias.

Por isso é que se chama o ano que vem de Ano-Novo. Este ano já está velho, a ele só cabe carregar esperanças.

Vai daí que entregues à terra e ao cimento durante o ano inteiro, as multidões querem agora arremessar-se para as águas do mar, dos rios, dos lagos, uma ânsia de verde e de natureza nos domina.

Felizes os que podem ainda mudar de ambiente neste fim de ano.

E retemperar suas energias para um ano inteiro que vem pela frente, a julgar pelos noticiários.

Agora é de espreguiçar-se. Os privilegiados hão de achar uma sombra larga de árvore, usando chinelos ou alpargatas, sem camisa, só de calção ou de bermudas, uma caipirinha, uma cervejinha bem gelada, saboreando talvez um leitão assado que foi criado na Granja Fontana, lá da cidade de Charrua, ou então o cordeiro mais saboroso do Estado, criado pelas Organizações Pitangueiras de Itaqui, uma gentileza de que jamais me esquecerei depois de ter sido brindado quando lá estive.

Que cordeiro o de Itaqui, sinto dizer que bateu de goleada o já célebre cordeiro da fazenda de Afonso Motta, no Cerro do Dinheiro, Serra do Caverá, Alegrete.

Afonso tem a humildade de admitir que a carne de Itaqui é melhor. A carne do Alegrete é divina. Mas a carne de Itaqui foi criada pelo Colégio dos Apóstolos.

Eu falo assim porque sou, como consumidor, o maior connaisseur de carnes no Rio Grande do Sul.

E vamos transpor essa lassidão do Ano-Novo e encarar a crise anunciada da seguinte maneira: se a crise vai ser dura, ela saberá que nós vamos ser melhores.

Sempre há pessoas anunciando que perderam cães. Agora, aqui comigo, é o contrário: a leitora Renata Behrends achou um cão labrador nas imediações da Avenida Carlos Gomes com Avenida Bagé.

Ela entregou-o para cuidados a uma clínica veterinária, mas precisa com urgência encontrar o seu dono. O labrador está em uma gaiola e necessita de liberdade e de dono.

Ele é de cor champanha, é adestrado e atende a vários comandos. Muito dócil.

Se não encontrar o dono, Renata quer doá-lo a alguém. O que não pode é ele ser entregue ao centro de zoonoses.

Os telefones de Renata são 9602-9651 e 9319-3100.

Sabe-se lá se o dono do cão não está desesperado à procura, sentindo falta dele.