terça-feira, 30 de setembro de 2008



ENSAIO SOBRE A COVARDIA

Cada lugar tem as suas rivalidades incontornáveis. No Rio Grande do Sul, sou colorado, maragato e Cyro Martins, enquanto outros são gremistas, chimangos e Erico Verissimo. Em Portugal, sou Lobo Antunes, enquanto metade do país é José Saramago.

É sempre o mesmo esquema. Lobo Antunes é cético, cínico, irônico, barroco e desconstrutor de mitos. Saramago crê. Dá lições de moral.

Aposta no futuro, até no futuro do passado, conservando sua carteirinha de comunista nem que seja para fazer gênero. Mesmo assim, fui ver 'Ensaio sobre a Cegueira', dirigido pelo mauricinho Fernando Meirelles. Eu implico com Meirelles e com Walter Salles.

Cada vez que os dois fazem algo, há um batalhão de bajuladores para dizer logo que finalmente o mundo tem uma nova obra-prima. É sempre menos do que dizem esses lobistas de plantão, entre os quais se destacam Contardo Calligaris e Jurandir Freire.

O filme é legal. Bem menos chato que o livro. O bom de certos filmes é que dispensam muita gente de ler alguns livros rebarbativos. A idéia de Saramago foi genial. A execução bem menos. É a história da covardia humana. Qualquer pessoa razoavelmente lúcida sabe que a humanidade não é confiável.

Uma maneira, por exemplo, de falar do Holocausto. Mas não dos homens-bomba de hoje, que morrem por suas causas, muitas vezes absurdas ou patéticas, mas não aceitam a humilhação passiva.

Jean Baudrillard dizia que era essa a superioridade dos terroristas em relação à ideologia ocidental da morte zero, do risco zero, da incapacidade de morrer por uma idéia. O problema do filme e do livro é que, como quase sempre acontece com Saramago, ele pesa a mão na parábola.

A mensagem é redundante: a humanidade não enxerga o essencial, não vê um palmo à frente do nariz, não percebe que se extravia em mesquinharias deixando o relevante – o amor, a generosidade, a cooperação, os bons sentimentos, a solidariedade, a mão estendida – de lado. Como duvidar disso?

Mas é explícito demais. O fato de só uma pessoa continuar enxergando entre todos os atingidos pela súbita cegueira parece indicar algo ainda mais óbvio: a necessidade de um líder de visão ou de uma vanguarda iluminada.

Pode-se, contudo, sair do cinema com a mensagem inversa: não tem jeito, o homem é mau por natureza e, em qualquer situação, seguirá os seus instintos mais baixos. Ou, ainda, com uma leitura menos extremista: há sempre bons e maus, parasitas e parasitados, cretinos e nem tão cretinos assim. Depende.

Saramago remete à velha lição de Hobbes: o homem é o lobo do homem. Ainda é nobre demais. Filosófico demais. O homem é o cão. Místico demais. O homem é o cachorro do homem.

Mais atual. Em todo caso, não precisa ser muito esperto para ter essa sacada. 'Ensaio sobre a Cegueira' mostra que não há nada de novo no front.

Cinismo, maldade, ambição desmesurada, covardia e falta de caráter continuam a travar um combate diário com os seus opostos e, com freqüência, levam vantagem.

Criativo, o Brasil antecipou o livro inteiro de José Saramago numa frase publicitária que marcou época, a chamada Lei de Gérson: 'Eu gosto de levar vantagem em tudo, certo?'.

Errado. Mas vá convencer os defensores de que só a competição melhora o mundo dessa verdadezinha tão sem graça. O sujeito sai do cinema com uma certeza: pior cego é o que vê demais.

juremir@correiodopovo.com.br

Aproveite o dia - uma ótima terça-feira


30 de setembro de 2008
N° 15744 - LUÍS AUGUSTO FISCHER


Vinicius entrevistado

Uma excelente idéia levada à prática pela editora Azougue: organizar volumes contendo várias entrevistas de uma grande figura do mundo cultural e intelectual brasileiro. Configurou-se uma série, Encontros, e a coisa está aí nas livrarias.

Tem um volume para Darcy Ribeiro, outro para Milton Santos e muitos outros. Uma maravilha, para ler e para conhecer a história do país e do século 20.

O volume dedicado a Vinicius abre com a entrevista dada por ele ao Museu da Imagem e do Som, em 1967, e fecha com uma outra à Veja, um ano antes de sua morte, em 1979. O poeta, nascido em 1913, se dá a conhecer profundamente em todas as conversas.

Ficamos sabendo com detalhes de suas posições católicas de direita, na juventude (ele confessa que torcia pela Alemanha na Segunda Guerra), época em que sua poesia andava pelas alturas da metafísica, em busca do Absoluto. E tinha escassos leitores, naturalmente.

Depois da Guerra, várias mudanças, entre as quais o ingresso na carreira diplomática, que o faz conhecer o mundo norte-americano, o jazz, o cinema e toda uma nova valorização da cultura oral e da música popular, que ele, paradoxalmente, já freqüentava desde menino.

Ao final dos anos 50, a pororoca de que ele mesmo é responsável: a bossa nova. Sem ele, sem a música de Tom Jobim e sem a batida de violão e a voz de João Gilberto, ela não seria ela.

Claro que Vinicius nunca coube bem no modelo enxuto, minimalista, da bossa nova xiita; sua vocação era mais para o excesso, a redundância, o derramamento, do que para a contenção.

O livro nos dá mais ainda, no conjunto das entrevistas: computadas as amizades (com Mário de Andrade e Antonio Candido, em São Paulo, com Sérgio Buarque de Holanda, Otto Lara Resende e todo mundo que interessa, no Rio),

os laços familiares (um tio-avô de Vinicius era companheiro de farras de Castro Alves), mais os casamentos e as parcerias, se vê que a alta cultura brasileira realmente dependeu de uns quinze sobrenomes, para existir e prosperar. A cara do Brasil, em todos os sentidos.


30 de setembro de 2008
N° 15744 - PAULO SANT’ANA


Esgota-se até o esgoto do presídio

Na próxima quinta-feira, dia 2 de outubro, às 17h, defronte à Igreja Matriz de Viamão, haverá uma manifestação de que participarão várias entidades e instituições viamonenses, visando ao protesto pelas condições de saúde e segurança da população viamonense.

Será uma mobilização dos viamonenses em favor de melhores condições de saúde e segurança para o povo daquele município.

A mobilização está sendo liderada pelo padre Rogério Flores, auxiliado pelo padre Gérson. A paróquia da histórica matriz viamonense é o centro dessa manifestação.

E o motivo que levou a essa mobilização dos paroquianos e das outras entidades representativas do tecido social viamonense foi o assassinato de Carlos Alberto Grando, um paroquiano com intensa atividade religiosa,

uma pessoa muito querida na comunidade, que no dia 16 de setembro passado foi baleado por um assaltante em Viamão, vindo a falecer ontem pela madrugada, depois de dramático internamento na UTI do Hospital Cristo Redentor.

Segundo o pároco, o mesmo senhor Grando, falecido em face da bala assassina do assaltante, lutava intensamente para que fosse punido um outro criminoso. Dessa vez, o assassino de um filho seu, a cujas vestes foi ateado fogo para cometer o bárbaro crime.

Será uma manifestação pacífica, manda-me dizer o padre Rogério. Será uma manifestação apartidária, voltada apenas para a paz, a saúde e a segurança da população viamonense.

O pároco viamonense brada que “basta desta barbárie que a todo momento está ceifando as vidas de pessoas, basta deste mundo do crime organizado que se implantou em nossa sociedade e está nos levando para o caos e o fundo do poço”.

“Basta dessas organizações do tráfico de drogas que já foram alertadas pelo papa Bento XVI de que terão de prestar contas a Deus do mal que estão fazendo.

Basta da indústria do seqüestro, do roubo de cargas e de toda a ladroagem nos altos escalões dos poderes públicos e outras instâncias que nos estão levando a nenhum lugar.

Sem exagero, a esses segmentos do crime e do mal, queremos dizer-lhes que o inferno não lhes será apenas uma possibilidade na vida eterna, mas os seus autores já começaram fatidicamente a edificar este inferno aqui em nosso mundo”, acrescenta o pároco de Viamão.

E convoca todos os cidadãos e cidadãs do município para pacificamente erguerem sua voz por urgente melhoria nas condições de segurança e saúde de Viamão.

Será depois de amanhã, dia 2, às 17h, por iniciativa de membros da Igreja, o início dessa mobilização da sociedade civil viamonense, traumatizada com os assassinatos que ocorrem em seu município.

Quando vejo assim sacerdotes e religiosos mobilizarem seus fiéis e a sociedade para que se ponha um basta na insegurança e condições precárias de saúde reinantes em nosso meio, sou obrigado a entender que os governos e demais poderes públicos precisam urgentemente comover-se e reagir contra estes colapsos.

Na semana passada, setores do Ministério Público cogitavam de interditar o Presídio Central. Como tanto temos insistido, não pode haver segurança pública sem vagas nos presídios.

O Presídio Central é um monumento ao descaso de sucessivos governos. Agora, com 4,5 mil presos, com capacidade para menos de um terço desse número, entrou em fadiga séria e definitiva o sistema de esgoto daquele estabelecimento penitenciário.

Só podia entrar. O Presídio Central recebe diariamente 40 presos. Há dias em que cem presos são recolhidos. Juntando-se a uma população carcerária que vive em infamantes condições de sobrevivência e segurança, assistidos por agentes penitenciários e policiais militares que vêem seus nervos se estressarem e suas mentes entrarem em depressão pelo que acontece lá.

E nenhuma reação pronta e enérgica parte do poder público. Nada. O Presídio Central está implodindo.

E como há de querer-se que nas ruas haja assim segurança, se nem lugar para os presos existe mais em nossos limites?


30 de setembro de 2008
N° 15744 - MOACYR SCLIAR


A esquerda e a beleza

Na adolescência fiz parte de um grupo judaico de esquerda. Um grupo muito radical, não só nas idéias, como também no estilo de vida. Uma das regras desse grupo era o completo desprezo pela aparência física.

As meninas não podiam usar roupas bonitas, nem sapatos de salto alto, nem cosméticos. Os rapazes não podiam usar terno nem gravata, esta considerada um símbolo da burguesia.

O tempo passou e meses atrás fui convidado por esse mesmo grupo, que ainda existe, e que queria me fazer uma homenagem no Rio de Janeiro, lançando um prêmio literário com meu nome. Fui lá. Na sede, na Zona Sul, fui recebido por uma bela moça, usando um vestido ousadamente decotado, e sapatos de salto alto.

Perguntei pela pessoa que iria coordenar o evento. Para minha surpresa era ela própria. Aliás, não só coordenava o evento, coordenava o grupo. Não pude me conter: mas com aquelas roupas? Ela riu: os tempos mudam, meu caro.

Mudam mesmo, e se vocês querem uma prova disso olhem as fotos de três candidatas a prefeita, a Maria do Rosário, a Luciana, a Manuela. Três moças bonitas, elegantes, inteligentes. E as três de esquerda. No passado, a aparência delas teria de ser completamente diferente, sobretudo se pertencessem ao Partido Comunista.

Na finada União Soviética, que era a grande referência para os comunas, beleza simplesmente não tinha importância (a bela tenista Maria Sharapova lá seria uma impossibilidade). Não havia oferta de artigos como vestidos elegantes, ou colares, ou cosméticos.

A idéia era de que as mulheres tinham de se preocupar com a vitória do comunismo, com o trabalho, com a militância, não com a aparência pessoal. Claro, havia algumas moças, sobretudo atrizes de cinema, que se destacavam pela beleza, mas tinha de ser beleza natural.

O mesmo poderia se dizer das militantes partidárias em todo o mundo. Um exemplo foi Simone Weil, cujo centenário de nascimento será lembrado no ano que vem.

De uma confortável família judia – o pai era médico – Simone teve uma mãe complicada, que temia germes mais que qualquer outra coisa no mundo (era a época que, em Paris, a microbiologia chegava ao auge) e educou a filha para evitar qualquer contato físico e odiar a sujeira.

“Sou repugnante”, costumava dizer a pequena Simone, que era de uma inteligência brilhante, de uma cultura assombrosa, mas que não queria nada com homens:

seu apelido era “Virgem vermelha”. Tornou-se operária, participou em greves e demonstrações, lutou na Guerra Civil Espanhola, mas a certa altura tornou-se mística e abandonou o comunismo.

Ficou tuberculosa, mas por causa da sua patológica necessidade de autopunição não se tratava e também não comia: se os pobres não têm comida, esse era o seu raciocínio, ela também não poderia tê-la.

Uma estranha forma de anorexia nervosa, portanto. Escusado dizer que Simone não dava a mínima para a aparência física. Morreu aos 34 anos.

Durante muito tempo, militantes de vários movimentos seguiram o exemplo dela. Havia quem recusasse até o banho, considerado coisa de burguês, o que provavelmente tornava irrespirável a atmosfera das reuniões.

Mas tudo isso ficou para trás. É possível, sim, mudar o mundo, torná-lo mais justo, menos feroz.

Mas o inimigo a combater não é o sabonete, nem o batom, nem o vestido elegante. Esta é uma descoberta do nosso tempo. Não chega a ser uma descoberta revolucionária, mas é, pelo menos, sensata.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008



Em dia turbulento, Bovespa retrocede 12%; dólar fecha a R$ 1,966

Publicidade - da Folha Online

A incerteza generalizada sobre a aprovação do pacote anticrise de US$ 700 bilhões levou a taxa de câmbio para seu valor mais alto desde setembro de 2007.

O dólar comercial disparou 6,21% --a sua variação mais alta desde janeiro de 1999-- e atingiu R$ 1,966, em sua cotação de venda. Nas casas de câmbio paulistas, o dólar turismo foi cotado a R$ 2,050, com avanço de 3,53%.

A Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) retrocede 12,06% e desce para os 44.660 pontos, o nível mais baixo desde março de 2007. O giro financeiro é de R$ 4,43 bilhões.

A Casa dos Representantes (Câmara dos Deputados) dos EUA rejeitou o pacote de US$ 700 bilhões de salvamento para o setor financeiro norte-americano, apesar dos apelos de urgência do presidente dos EUA, George W. Bush. O plano recebeu 228 votos contra e 205 a favor.

Na Bovespa, quando a queda do mercado superou 10%, foi acionado o "circuit-breaker", o mecanismo de interrupção dos negócios, em caso de fortes oscilações.

Em 2001, no dia dos atentados terroristas, a Bolsa fechou em queda de 9,06%. o "circuit-breaker" somente deve ser acionado novamente se a baixa do índice Ibovespa chegar a 15%.

Incertezas

O estresse do mercado financeiro já começou logo de manhã, com a notícia de que o pacote de US$ 700 bilhões somente seria totalmente votado na quarta-feira.

Analistas também não apreciaram o fato de que o projeto de lei no Congresso "fatiou" a liberação dos US$ 700 bilhões pedidos pelo Tesouro dos EUA para resgatar o sistema financeiro.

Para piorar o cenário, o noticiário econômico europeu também contribuiu para azedar o humor dos investidores. O banco alemão Hypo Real Estate somente escapou da falência graças a um crédito de 35 bilhões de euros, garantido essencialmente pelo Estado alemão.

O britânico Bradford & Bingley (B&B), também é um dos gigantes europeus do setor de hipotecas, também teve que ter salvo pelo governo local.

E nos EUA, o banco Citigroup, um dos maiores grupos financeiros do mundo e um dos mais atingidos pela crise das hipotecas, informou que irá adquirir as operações bancárias do rival Wachovia -- quarto maior banco dos EUA--, com a assistência da FDIC (Corporação Federal de Seguro de Depósito, na sigla em inglês), órgão do governo que garante operações do setor bancário americano.

O impasse quanto à aprovação do pacote se arrasta deste a última quinta-feira (25), quando uma reunião na Casa Branca convocada por Bush (e que contou com os candidatos à Presidência dos EUA) terminou sem um acordo, depois que os republicanos rejeitaram a proposta do Tesouro.

Horas antes, democratas e republicanos haviam sinalizado com um acordo para aprovação rápida do pacote no Congresso.

MOACYR SCLIAR

A complicada vida dos pombos

Andei por vários lugares, e de todos fui expulso por causa de guerras; chamavam-me de Pomba da Paz

Pombo-correio que errou endereço sofre rejeição nos EUA. Um casal da cidade de Manchester, em New Hampshire (EUA), está tentando descobrir o que fazer com um pombo-correio que foi parar na casa errada -a deles.

Por uma fita de identificação, Don e Fran Roy rastrearam a origem da ave, que ganhou o nome de Trouble (Problema), e chegaram a um homem que participa de campeonatos de pombos-correios.

Mas Dan Sizczynski, de Dingmans Ferry (Pensilvânia), afirmou que o animal foi um dos vários que ele doou após o fim dos campeonatos. O casal contatou diversas entidades protetoras de animais, mas ninguém quis Trouble. "Estamos preocupados com ele", afirmou Fran.

Nas duas vezes em que tentaram soltar a ave, ela deu a volta e retornou à casa. Por enquanto, o pombo dorme sob a cobertura da porta da frente. Ele é alimentado com comida para pássaros e água. Enquanto não é acolhido por alguém definitivamente, Trouble começa a se sentir em casa com os Roy.

O cachorro do casal já o trata como membro da família. Folha Online Aves atacam moradores para defender território nos EUA. Especialistas têm alertado os moradores de Chicago (EUA) para que tomem cuidado com os pássaros.

O comportamento extremamente territorial dos pássaros conhecidos como tordos-sargentos está causando muitos incidentes na cidade. As aves intensificaram suas investidas sobre a cabeça das pessoas, como se estivessem no célebre filme "Os Pássaros" (1963), de Alfred Hitchcock. Folha Online

OS DOIS POMBOS se encontraram por acaso, na residência em que um deles tinha buscado abrigo. Começaram a conversar, na linguagem dos pombos -arrulhos, tristes arrulhos- e logo estavam trocando mútuas confidências.

O primeiro pombo, morador da casa em que estavam, relatou as desventuras pelas quais passara, depois que seu dono, um homem chamado Dan, tentara livrar-se dele, mandando-o embora: -Cheguei a esta casa, avistei o casal de proprietários, simpatizei com eles e tentei fazer com que me aceitassem como ave de estimação.

Foi muito difícil. Tudo o que queriam era mandar-me embora. Chegaram a entrar em contato com o Dan, que se negou a aceitar-me de volta.

Falaram com supostas associações protetoras de animais e também não obtiveram apoio. Enquanto isso eu voejava aqui pelas redondezas, desesperado e revoltado. Cheguei a pensar em imitar aqueles tordos-sargentos que se unem e atacam os habitantes de Chicago -como no filme do Hitchcock, sabe?

Eu convocaria os irmãos pombos, formaríamos um grupo revolucionário com um lema tipo "Pombos de todo o mundo, uni-vos, nada tendes a perder a não ser as gaiolas", e partiríamos para o ataque. Mas a verdade, amigo, é que nós, pombos, não damos para isso, não somos belicosos.

-Eu que o diga -suspirou o segundo. Já andei por vários lugares, e de todos fui expulso por causa de guerras. Estive no Afeganistão, estive no Iraque, estive em Darfur, estive na Georgia, estive na Bolívia...

Esse pessoal me expulsa, sabe? Como se eu fosse uma ave agourenta. Não querem nada comigo.

-É verdade. Eles não gostam da gente. Olhe só o nome que me deram: Trouble, problema. Isso é nome, meu amigo? A propósito, como você se chama?

-Eu não tenho nome -sorriu a ave, tristemente. -Mas, antigamente, costumavam me chamar de Pomba da Paz.

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


MACHADO DA SILVA

Não sejam precipitados. O título aí acima não se refere a mim. Mas a uma mistura que vai incomodar alguns: Machado de Assis mais Luiz Inácio Lula da Silva.

Há cem anos, em 29 de setembro de 1908, morria o escritor Machado de Assis, fundador da Academia Brasileira de Letras e autor de obras-primas como 'Dom Casmurro'.

Filho de um pintor de paredes, o mulato Machado de Assis foi o Luiz Inácio da literatura brasileira. Praticamente sem educação formal continuada, por ser pobre e precisar trabalhar desde cedo, Machado venceu todos os obstáculos e chegou ao topo.

Ele e Luiz Inácio representam, certamente, os dois maiores exemplos de superação da história do Brasil. Venceram preconceitos e regras. Chegaram aonde não se esperava. Frustraram expectativas.

Há dois Machado assim como há dois Luiz Inácio. O primeiro Machado, romântico, foi um chato, um escritor medíocre. O primeiro Luiz Inácio também foi um chato romântico, embora, como sindicalista, tenha sabido pavimentar o seu caminho rumo ao alto.

O segundo Machado, realista, é um gênio da ironia e da crítica social. O segundo Luiz Inácio também é um realista, menos irônico, mas campeão da metáfora popular e do pragmatismo. Pode ser descrito como um gênio da política.

Machado teve seus deslizes assim como Luiz Inácio. O mulato, descendente de escravos alforriados, parecia não saber de nada sobre a questão da escravidão. Optou pelo silêncio estratégico nos seus espaços de imprensa ou por estocadas transversais e sinuosas nos seus livros ácidos.

Luiz Inácio também nunca sabe grande coisa sobre a corrupção que tem cercado o seu governo. Instinto de sobrevivência, astúcia e necessidade de legitimação unem os dois.

Que posso fazer? O maior exemplo de superação literária do Brasil é um Machado. O maior exemplo de superação política é um Silva. Nós, os Machado da Silva, estamos com tudo. Podemos até gozar com o chapéu alheio.

A elite brasileira foi melhor em ditadores ou em artistas conservadores. Aleijadinho, certamente o maior artista plástico que o Brasil já teve, era um mulato miserável.

Machado foi, porém, um delicioso pessimista. Luiz Inácio esbanja otimismo. Nunca na história deste país se teve um escritor como Machado, capaz de ter sido tão bom e tão ruim em fases bastante próximas.

Quase sempre na história deste país se teve políticos dispostos a fazer alianças antes condenadas, mas nenhum como Luiz Inácio, um retirante nordestino que ainda não fez pior que os doutores da Sorbonne.

Machado o tomaria certamente como personagem. Luiz Inácio é mais conhecido do que Machado no mundo inteiro. Afinal, faz parte da era da mídia.

Machado era cético. Luiz Inácio é um tanto cínico. Todo cético, no entanto, tem algo de cínico.

Mais da metade da obra de Machado só tem valor histórico. Serve para apavorar adolescentes. A parte que conta, porém, é soberba. E a obra de Luiz Inácio? Mesmo sem nenhuma obra-prima, está confundindo a crítica.

Afinal, é ruim ou boa? Vai ficar ou não? A principal obra de Luiz Inácio talvez seja o seu percurso. Como Machado, ele chegou lá. Mais do que isso, chegou e ficou. Eu mesmo me confundo. Vou da decepção ao encantamento.

Com Machado sempre vem a pergunta: Capitu traiu ou não traiu? Com Luiz Inácio não é diferente: traiu ou não traiu? Sabia ou não sabia? A verdade é que, com Machado e Luiz Inácio, a maioria dos (e)leitores mostra-se bastante satisfeita.

juremir@correiodopovo.com.br

Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana.


29 de setembro de 2008
N° 15743 - LF VERISSIMO


Gilda

Zapear pelos canais da TV a cabo que mostram filmes antigos pode ser uma experiência emocional. Você volta e meia é tragado por um buraco negro e cai num lugar do passado que já tinha esquecido, e o revive com uma intensidade doida.

Ou doída. Foi o que me aconteceu quando dei com uma reprise de Gilda (Charles Vidor dirigindo Rita Hayworth e Glenn Ford) na TV, há dias. Meu tombo no passado foi longo, não vou dizer de quantos anos. E cai em Caxambu, Minas Gerais.

Onde o único cinema da cidade – já que se tratava de uma cidade turística, uma estação de águas – não seguia com muita rigidez as leis da censura da época, e onde, portanto, pela primeira vez vi um filme proibido até 18 anos. Era Gilda.

Grande sensação. “Nunca houve uma mulher como Gilda” era a principal frase promocional do filme. Diziam que Hollywood nunca fizera um filme como Gilda também. Era ousadíssimo. Tinha cenas “fortes”. Falava-se até numa cena de “strip-tease” da Rita Hayworth.

Não preciso dizer que entrei no cinema em grande estado de excitação premonitória. Ver um filme “até 18”, eu que ainda não vira um “até 14”, que mal podia ver os “até 10”, era um feito de sonho. Senti que depois daquilo eu não seria mais o mesmo. Que estava entrando para uma ordem privilegiada.

Que os signos e os segredos da nova ordem me seriam revelados durante o filme – e ai se eu contasse para os da minha idade o que se passava num “até 18”.

Durante 10, 15 minutos, nada acontecia no filme que merecesse ser escondido das crianças. E então aparecia a Rita. Antes de entrar no seu quarto, o marido, que quer apresentá-la ao Glenn Ford, pergunta “Gilda, você está decente?”.

E ela faz a mais sensacional entrada em cena, e na iconografia do século, de uma atriz, apenas levantando o tronco e a cabeça para ocupar a tela e dizendo “Eu?”.

E depois que vê o Glenn Ford: “Sim, eu sou decente”, uma frase que passa a desmentir pelo resto do filme. Com a Gilda na tela o cinema não era, decididamente, um lugar para menores de 18.

E ainda tinha o strip-tease. Com o vestido tomara-que-caia mais tomara-que-caia de todos os tempos, Gilda canta e dança e começa a tirar a roupa. Primeiro, lentamente, uma luva, depois...

Bom, só tira a luva. Quando pede para alguém da platéia ajudá-la a abrir o zíper do vestido, a dança é interrompida e o resto do strip-tease acontece na imaginação do espectador. Pelo menos aconteceu na minha.

Nos longos anos que separam o Gilda visto há dias do Gilda visto em Caxambu mudou a moral, mudaram os costumes e mudaram as crianças, mas nenhuma mulher ficou nua na tela como a Rita Hayworth não ficou. Nunca houve e nunca haverá outra mulher como Gilda.

Tchau
Vou tirar férias. Sem foguetes, por favor. Volto no dia 2 de novembro.


29 de setembro de 2008
N° 15743 - LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Bartleby

Imagine-se um funcionário de escritório que necessite dramaticamente de seu emprego; imagine-se que ele receba uma importante ordem de seu patrão; imagine-se que ele, por preguiça, desobedeça à ordem.

A demissão será natural ou, pelo menos, será natural uma reprimenda seguida de advertências. Imagine-se, entretanto, que esse funcionário, à ordem do patrão, responda-lhe direta e serenamente: “Prefiro não fazer”. Que atitude tomar?

Demiti-lo de imediato? Simples demais. À perturbação seguir-se-ia a ira, a perplexidade, o desconcerto e, por fim, a descoberta das razões para a negativa, provavelmente algum motivo existencial a preceito para justificar um conto ou uma novela.

Tudo isso seria um caminho razoável, na mão de um escritor convencional; na mão de Herman Melville, transforma-se numa obra-prima, igualável ao imenso e metafísico Moby Dick. Falamos de Bartleby, o Escriturário: Uma História de Wall Strett (Bartleby, the Scrivener: A Story of Wall Street), publicada em 1853.

O patrão é um advogado com escritório em plena Nova York. É ele quem narra o ocorrido. O leitor segue com crescente angústia a sucessão das negativas do funcionário, as quais percutem como um pesadelo na cabeça do advogado.

Ter a sua frente Bartleby, com uma sobranceria a que se mistura orgulho e ingenuidade, sempre a repetir “prefiro não fazer”, é um exercício de paciência e um desafio à curiosidade. Pois a essa curiosidade sucumbe o nosso advogado, decidido a descobrir o mistério de seu estranho subalterno.

Não o demite; ao contrário, fascina-se morbidamente por Bartleby, a ponto de desconfiar de sua própria sanidade mental. Como o mesmo narrador diz, “nada molesta tanto uma pessoa sensata quanto uma resistência passiva”.

Esse incômodo vai atingindo tal paroxismo que o leitor, solidário com o advogado e à busca de razões, não consegue largar o livro antes da linha final. Eis aí o melhor sintoma de uma boa, excepcional literatura.

Isso nos leva a pensar o quanto o “não” é criativo. É um “não”, por exemplo, que sustenta o romance A História do Cerco de Lisboa, de José Saramago; a trama deriva de um indevido “não”, que o revisor de uma editora acrescenta indevidamente ao texto em que está trabalhando.

O “sim” nunca resultou em boa literatura.

A verdadeira literatura só acontece quando ocorre algo diferente do esperado pelo leitor. O “não” está na base de todo bom livro. Pense naqueles que você já leu.


29 de setembro de 2008
N° 15743 - PAULO SANT’ANA


Liderança virou pó

Quinta-feira passada, no Sala de Redação, eu disse o seguinte: “Se há alguma conspiração no comando das arbitragens para tirar o Grêmio da liderança, suspeita que se levantou ao não ser marcado um pênalti claro sobre Soares em Curitiba, o beneficiado dessa montagem será o Internacional no Gre-Nal do próximo domingo.

O Internacional não tem nada a ver contra esse suposto complô, mas ele será o beneficiado, desde que o que se pretenderia centralmente com essa armação era afastar o Grêmio da liderança. Lucra quem joga contra o Grêmio e quem joga contra o Grêmio no domingo é o Internacional”.

Se havia esse complô, foram achar um árbitro gaúcho de fora para apitar o Gre-Nal. Pariram esse árbitro gaúcho para apitar o Gre-Nal.

Antes do Gre-Nal, o árbitro gaúcho que apitou o clássico ainda disse o seguinte à reportagem: “Devo confessar que tenho uma irmã que é torcedora do Internacional”.

Gelei. Pariram um árbitro gaúcho que não mora aqui para apitar o Gre-Nal. Que ventre produziu tão feio parto?

Bem, então vamos à participação do árbitro na goleada de ontem. Para que o D’Alessandro fizesse aquele belo gol de abertura do escore, esse lance foi originado por uma falta de um jogador gremista na intermediária.

Rigorosamente não houve a falta. O defensor gremista nem encostou no jogador colorado. Mas foi cobrada a falta e saiu o primeiro gol.

No segundo gol colorado, outra falta contra o Grêmio. Quando grande número de jogadores gremistas se preparava parar armar a barreira e o árbitro se aprestava para organizar a barreira, cobraram a falta e o juiz, em vez de ir armar a barreira como já tinha se designado, deixou a bola correr.

Quando o time que fez a falta pede para armar a barreira, o juiz tem de ir organizar a cobrança de falta com barreira. Pára o jogo.

E o juiz não parou. Já temos aí duas irregularidades em dois gols do Internacional.

No terceiro gol do Inter, nada de irregularidade. Gol legítimo de Índio. Só não sei como o Celso Roth, sabendo que o Índio é goleador nessas bolas aéreas, não designou ninguém para vigiá-lo. Omissão do treinador do Grêmio e de seus zagueiros.

Finalmente, o quarto gol do Internacional: Nilmar estava impedido, à frente uns 10 centímetros do defensor gremista que o custodiava,

O árbitro encheu, desde o início, os jogadores do Grêmio de cartão amarelos. Foi minando a confiança do time do Grêmio.

Se havia armação do comando de arbitragens para beneficiar Palmeiras e Flamengo, este árbitro do Gre-Nal cumpriu rigorosamente com seu papel.

Não foi só no Gre-Nal que a atuação do árbitro influiu decisivamente. Ele deu um cartão amarelo para Tcheco e mais tarde deu um outro cartão vermelho para Tcheco, expulso junto Edinho.

As melhores informações dizem que Tcheco não jogará o próximo jogo pelo cartão vermelho e nem o seguinte por força do segundo cartão amarelo.

Ou seja, o árbitro gaúcho que não mora aqui foi trágico para a liderança ou vice-liderança do Grêmio. Tcheco não joga as próximas duas partidas.

Serviço completo do árbitro, validou várias irregularidades nos gols colorados e desfalcou o Grêmio para as próximas partidas.

Que nunca mais apareça por aqui este árbitro. Nunca vi tão desastrado. E como o jogo resultou em uma goleada, isso tudo passou despercebido a todos e vamos em frente.

Lucrou o Inter, que deu a sorte de ser adversário do Grêmio quando a conspiração se voltou contra a liderança tricolor.

Mas é merecida a queda do Grêmio da liderança. Há vários jogos o Grêmio vem atuando com 10 jogadores, Marcel é absolutamente inútil. Inútil! E Celso Roth não vê isso?

Como é que um treinador não enxerga isso? E quando é que vai botar em campo o uruguaio Morales?

Celso Roth, de grande influência na liderança que o Grêmio tinha construído até ontem, agora está sendo o responsável pela queda do time. Responsável direto. Não ver que o Marcel é uma nulidade é injustificável incompetência do treinador gremista.

domingo, 28 de setembro de 2008


CLÁUDIA COLLUCCI - A REPORTAGEM LOCAL

SAÚDE/MULHER

Mulheres usam injeção para estimular ponto G. Procedimento, que visa aumentar zona erógena, não é recomendado pela Anvisa

Nos EUA, no termo de consentimento que as pacientes assinam antes da injeção, há uma lista com 68 possíveis complicações

Enquanto o mundo ainda discute se o ponto G feminino existe de fato ou não, os americanos inventaram uma injeção de colágeno -o mesmo usado para preenchimento de rugas- que promete ampliar essa zona erógena e melhorar a performance sexual das mulheres.

A injeção, chamada "G-Shot", já está sendo oferecida por cirurgiões plásticos e ginecologistas brasileiros, mesmo sem nenhuma comprovação científica da eficácia ou da segurança.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não recomenda o uso do colágeno para tal fim, mas também não o proíbe. O órgão diz que a responsabilidade é do médico.

Especialistas consultados pela Folha se mostraram contrários ao procedimento, que não tem aval da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Até a existência do ponto G é controversa no meio científico.

Nos EUA, no termo de consentimento que as pacientes assinam antes da injeção, há uma lista com 68 possíveis complicações associadas ao procedimento -entre elas, infecção, perda da sensibilidade e retenção urinária.

O produto da injeção é o ácido hialurônico, usado para o preenchimento de rugas e lábios. A aplicação é feita na parede anterior da vagina, a cerca de 4 cm da abertura, onde supostamente estaria o ponto G.

A promessa é que o produto aumente essa área, tornando-a mais sensível durante a penetração do pênis, o que possibilitaria orgasmos mais intensos. O procedimento é feito no consultório médico, com anestesia local, e custa R$ 2.500 a sessão.

Atrito

O cirurgião plástico Murilo Caldeira Ribeiro, de São Paulo, um dos primeiros a oferecer a técnica no Brasil, afirma que a injeção é indicada para mulheres com "disfunção de orgasmo". "Muitas mulheres só conseguem ter orgasmo clitoriano, não o vaginal.

Com o ácido hialurônico, o ponto G fica mais saliente. Durante a penetração, há mais atrito e, então, dispara o orgasmo vaginal, o que melhora muito a vida sexual. Você volta a ter um orgasmo pleno."

Injeção na vagina não dói, doutor? "Nada, nada. Damos um pontinho de anestésico antes de aplicar a injeção e já está pronto. Os efeitos podem durar até um ano, mas o tempo pode variar de mulher para mulher", afirma o médico.

E a falta de comprovação científica da eficácia e da segurança? "Nos EUA e na Europa, especialmente na Itália, eles fazem amplamente esse procedimento, é seguro. No Brasil, as coisas demoram um pouco para acontecer. Controvérsia existe em tudo na medicina."

Ribeiro garante que o resultado é "fantástico". "Todo mundo está adorando o resultado. Todo mundo está se programando para, quando acabar [o efeito], fazer de novo."

O "todo mundo" a que ele se refere são 70 pacientes que já receberam a injeção na sua clínica. Segundo ele, mulheres acima dos 40 anos tendem a apresentar flacidez no canal vaginal, o que diminuiria o ponto G. A injeção só funcionaria nesses casos. "Se o problema for psicológico, não resolve", diz ele.

Elogios

A esteticista Mara, 48, diz que há 20 anos, quando se casou, tinha "muito prazer" durante as relações sexuais com marido. "Mas, depois, as coisas foram ficando mais mornas, fui perdendo o tesão."

Mãe de dois filhos, um de oito anos e outro de 12, ela conta que há sete meses seguiu o conselho de uma amiga e resolveu tentar melhorar sua vida sexual com a injeção no ponto G.

A injeção foi dada por um cirurgião plástico. "Melhorou uns 100%. Agora tenho vontade de transar. Meu marido está adorando essa nova Mara", brinca.

Eliane (nome fictício), 37, casada e mãe de dois filhos, também aprovou o procedimento.
"Meu marido questionava por que eu não tinha vontade de ter relações sexuais. Eu até tinha, mas na hora H não conseguia gozar", conta.

"Acho que antes eu nunca tinha tido orgasmo. Achava que tinha tido, mas não é nada perto do que eu sinto agora. Antes meu marido me procurava uma, no máximo duas vezes por semana.

Agora fazemos sexo de quatro a seis vezes. Ele já falou que, depois que passar um ano, vou ter que fazer de novo."

Colaborou BRUNA SANIELE

Citada pela 1ª vez em 1950, zona erógena é controversa
DA REPORTAGEM LOCAL

O nome ponto G surgiu em homenagem ao médico alemão Ernst Gräfenberg. Em 1950, ele publicou um livro que descrevia a existência de uma zona erógena na parede vaginal.

Três décadas depois, a comunidade científica voltou a discutir os estudos e deram o nome à região de "ponto de Gräfenberg" ou ponto G.

Segundo Gräfenberg, trata-se de uma zona erógena que quando bem estimulada leva as mulheres a orgasmos intensos.

Na comunidade científica, a existência do ponto é controversa. Os que acreditam dizem que a zona está numa área da vagina muito sensível, localizada na parede anterior, cerca de 2 cm a 5 cm de sua entrada.

A psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade da USP, diz que todos os órgãos têm um ponto de convergência de nervos. Na vagina, seria o ponto G. "Mas não se pensa mais em ponto fixo. Varia para cada pessoa."

Outra teoria, defendida pelo ginecologista Theo Lerner, é que a zona erógena seria a região interna e externa do clitóris. Para o sexólogo Amaury Mendes Júnior, "sexo não é onde se toca, mas como se toca.

A mulher deve se permitir se tocar e ter prazer com aquele homem ou com aquela mulher."

FERREIRA GULLAR

Palmas para Lula

Nunca os pobres se sentiram tão protegidos e nunca os banqueiros lucraram tanto no Brasil

O ALTO índice de popularidade do presidente Lula tem suscitado a reflexão dos comentaristas que se sentem desafiados a explicá-la.

A tarefa não é das mais fáceis e, por isso mesmo, as explicações nem sempre coincidem, muito embora sejam, na sua maioria, pertinentes. E porque o assunto envolve numerosos fatores e causas, resta sempre algum ponto que ainda não foi explicitado.

Vou tentar examinar alguns deles e, para isso, terei que tocar em aspecto já argüidos mas que não se podem excluir na apreciação do tema. Um deles é, sem dúvida, a estabilidade econômica de que o país goza hoje e de que não gozaria se as teses de Lula, contra o Plano Real, tivessem prevalecido.

Não faço tal observação com outro propósito senão o de tentar definir a natureza dessa popularidade e suas possíveis conseqüências para o processo político.

O fato de Lula, eleito presidente, ter adotado a política econômica que combatera ferozmente, revela-se uma louvável sensatez, revela também, ao mesmo tempo, por ele não reconhecer o débito de hoje e o equívoco do passado, certa carência de escrúpulos, o que explica muita coisa da popularidade de que desfruta hoje.

Certamente, essa popularidade se deve também aos programas sociais de amparo às camadas desfavorecidas da sociedade, antes aplicados em Campinas (SP) e Brasília, depois adotados por Fernando Henrique em âmbito nacional e que Lula manteve e ampliou.

Mas também aqui, mais uma vez, procurou turvar a água e apresentar-se como o criador do programa, fundindo os dois programas existentes e mudando-lhes o nome. Com isso, prejudicou-lhes a eficiência, por dificultar a avaliação precisa dos resultados.

Como era de se esperar, aumentou a ajuda a cada família e a dotação global para abranger o maior número possível de famílias, que hoje somam cerca de 11 milhões, o que equivale a mais de 40 milhões de indivíduos.

Bastaria, portanto, o Bolsa Família para lhe garantir uma ampla aprovação das camadas pobres do povo. Isso é do conhecimento de todos. No entanto, não bastaria para assegurar a Lula a aprovação de que desfruta hoje.

Ele lançou mão de outros recursos, como, por exemplo, manter-se permanentemente no palanque e na mídia, tudo fazendo para, com seus discursos e pronunciamentos, capitalizar, não apenas o resultado dessas iniciativas, como de tudo o que, de positivo, ocorre no país. Tudo o que ocorre de bom, foi ele quem fez; tudo o que ocorre de ruim, tem um culpado, que não é ele.

E, como esta é sua principal ocupação, está sempre atento à mais mínima notícia que possa comprometer o "paraíso" em que ele transformou o Brasil: ao surgir uns primeiros sintomas de aumento da inflação, ele imediatamente culpou Bush e os países europeus.

Não importa se é verdade ou não, já que a grande massa do povo não entende bem como essas coisas se dão; o que ele diz é aceito, porque ele é seu amigo e salvador e "os outros", seus inimigos.

Lula tem a esperteza do demagogo, e não a esconde. Quando surgiu o escândalo do "dossiê", declarou: "O povo não sabe o que é dossiê; pensa que é alguma coisa doce".

E por essa mesma razão, quando lhe perguntaram pela crise econômica, respondeu: "Pergunta pro Bush". E assim responsabilizava o presidente americano por uma crise que é do sistema econômico e não do governo.

Por que fez isso? Porque lhe interessa levar o povo a pensar que o presidente de um país é responsável por tudo, donde decorre que, se os Estados Unidos vão mal, a culpa é de Bush e, se o Brasil vai bem, é graças a Lula e a ninguém mais.

Mas isso só vale até que alguma coisa dê errado, quando então o responsável será, inevitavelmente, alguém que não ele, a imprensa talvez ou os "inimigos" do Brasil.

E por falar em inimigos, vale lembrar que Lula tem um discurso para cada público e para cada ocasião; ultimamente, comporta-se, nos palanques, como se estivesse num palco:

"Dilma, já pensou se isso acontecesse dez anos atrás?". A sorte é que temos no governo um mago das finanças, que é também uma metamorfose ambulante.

A sua popularidade deve-se também a um raro talento político, a que se soma o fato de, originário da classe operária, atuar como uma espécie de amortecedor dos conflitos entre pobres e ricos: em função disso, nunca os pobres se sentiram tão protegidos e nunca os banqueiros lucraram tanto.

Os nossos capitalistas -do mesmo modo que Bush- não ligam quando ele posa de esquerdista. Sabem que os fatos valem mais do que as palavras. E daí, os aplausos gerais. Atenção, auditório, palmas para o Lula, que ele merece!

DANUZA LEÃO

Se eu pudesse

Rasparia a cabeça, fumaria 2 cigarros ao mesmo tempo e tomaria vodca dupla, sem gelo, num copo de geléia

ACORDEI hoje pensando que, se eu pudesse, mudava minha vida toda; não que ela esteja ruim, mas só para ver que ela poderia ser diferente.

Me desfaria de muitas coisas: da minha casa e de quase todas as roupas. Afinal, quem precisa de mais de dois pares de sapato, dois jeans, quatro camisetas e dois suéteres, sobretudo quando está mudando de vida?

Se eu tivesse jóias, enterrava todas elas na areia da praia para que um dia alguém enfiasse a mão na areia, brincando, e tivesse a felicidade de encontrar um colar de brilhantes.

Seria lindo, não? Das garrafas de champanhe guardadas cuidadosamente na horizontal, daria para abrir mão, sem nenhum remorso; champanhe, além de engordar, não passa de um espumante metido a alguma coisa e nem barato dá, de tão fraquinho que é.

Dos vinhos, mais fácil ainda. É um tal problema ter vinhos em casa, abrir a garrafa e descobrir que viraram vinagre, que se acaba chegando à conclusão de que nada melhor do que uma boa vodca, com a qual sempre se pode contar.

E as amizades? Aliás, as amizades, não: as relações. Ah, se tivesse coragem rasgava o caderno de telefones e fazia outro, só com o nome das pessoas que estão guardadas dentro do coração.

Aliás, para essas nem precisaria de agenda. Se pudesse, seria vegetariana, passaria as noites em claro e teria muito amor por todos os bichos e pelas crianças.

Mas como não gosto de bichos (só de gatos) e não tenho nenhuma paciência com crianças, a não ser as minhas, vou ter que atravessar a vida levando essa pesadíssima cruz; afinal, ficou combinado que de certas coisas não se pode não gostar, e se não gostar, não se pode dizer.

Se pudesse, me transformaria numa pessoa sem passado e sem futuro; iria para um lugar esquisito onde não entenderia a língua do povo, ninguém entenderia a minha e ninguém conseguiria me fazer sofrer, pois a capacidade de sofrer é um bem pessoal e intransferível.

Seríamos todos, assumidamente, estranhos, como somos no edifício em que moramos, no local de trabalho, dentro da nossa própria família. Ou você pensa que as pessoas se conhecem só porque se telefonam e jantam juntas?

Se eu pudesse, acordaria hoje de madrugada e sairia descalça, só com um casaco em cima da pele, e iria molhar os pés na água do mar, sozinha. E depois ia tomar café num botequim, em pé, como fazem os homens.

Se eu pudesse, faria uma linda fogueira com meus casacos de pele para saber como vivem os que não têm, nunca tiveram nem nunca vão ter nenhum.

E aproveitando o embalo, cortaria os fios do telefone, jogaria o celular na tela da televisão e o computador pela janela.

Se eu pudesse, rasparia a cabeça, fumaria dois cigarros ao mesmo tempo e tomaria uma vodca dupla, sem gelo, num copo de geléia.

E pegaria uma tesourinha para picar os talões de cheques, cortar os cartões de crédito, carteira de identidade, o CPF, e o passaporte, sem pensar um só instante nas conseqüências, e sem um pingo de medo do futuro.

E jogaria no lixo meus lençóis, meus travesseiros de pluma, meu edredom, e engoliria minhas pestanas postiças, só para aprender que a vida não é isso.

Se eu pudesse, esqueceria do meu nome, do meu passado e da minha história, e iria ser ninguém. Ninguém. Pois é, tem dias que a gente acorda assim; mas passa.

danuza.leao@uol.com.br

JOSÉ SIMÃO

Ereções 2008! Tão distribuindo pinto!

E em Caruaru tem o Nem: "Nem faz, Nem fez e Nem vai fazer". Adorei a sinceridade!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! Hilário eleitoral! O pleito caído! Brasileiro não gosta de pleito. Gosta de blunda! E já tão chamando a dona Marisa de Mulher Cabide! Só anda pendurada no Lula.

E sabe por que o Lula tá lá em cima na pesquisa? Porque vive alto! Aliás, ele tá tão lá em cima que gritou pra Dilma: "Daqui de cima a terra é azul". Rarará! E duas baixas no meu Partido da Genitália Nacional, o PGN!

Rondônia cassa a candidatura de Sandro Cardoso. E sabe por quê? Tava distribuindo pintos. Eu quero logo dois! Enquanto um trabalha, o outro dorme!

E em Palmeira dos Índios, cassaram o Zé Rolinha. Tava distribuindo óculos.

Ué, tava distribuindo óculos pro povo enxergar a rolinha dele! Rarará! E em Caruaru temos o candidato Nem: "Nem faz, Nem fez e Nem vai fazer". Adorei a sinceridade!

E aquele candidato em Munhuaçu: "Povo de Munhuaçu, não vos desanimeis, ANIMAIS COMO EU!". Rarará!

E vocês sabem como faz um frango à Maluf? Primeiro rouba o frango. E depois faz como você quiser mesmo. Rarará!

Ereções em Sampa! Tô adorando a Marta prometendo internet grátis pra todo mundo. Ela parece o Silvio Santos gritando no meio dos pobres: "Quem quer banda larga?".

Eu! EU! Não precisa nem saber o que é, todo mundo quer. Tá dando! Mas diz que o mouse da Marta é um camundongo mesmo!Outros dizem que é um ferro de passar. Passa o ferro no pad.

E, em vez de software, vai ser Tupperware. Marta distribui Tupperwares. Rarará. E o lema da Marta é: a banda é larga mas a taxa é gorda. E sabe como se chama e-mail em Portugal? Carta voadora!

E a Gretchen vai imitar a Marta. Tá prometendo pro povo de Itamaracá: BUNDA LARGA GRATUITA! Acesso instantâneo!

E o Alckmin é o candidato esteira: corre, corre e não vai pra lugar algum. E eu já falei sério pro Alckmin: deixa o Covas descansar em paz. E quais os projetos do Alckmin? Covas, Covas, Covas! E qual a plataforma?

Covas. E quem vai governar? O COVAS! E o lema do Alckmin é: COVAS PARA TODOS! Muda o nome pra Alckovas!

E o Kassab? Ops, o Kaxab: "Criei trexentos mil e seixentos e xeis postos de xaúde". Ele parece o Kiko do Chaves: o Kachaves! Rarará. E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante.

"Equívoco": companheiro que cometeu um erro cavalar. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br

sábado, 27 de setembro de 2008



28 de setembro de 2008
N° 15742 - MARTHA MEDEIROS


Longa vida aos famintos

A fome é o flagelo número 1 do mundo.

Todos querem combater a fome na África, na Ásia, no Brasil, em todos os cantos onde possa haver uma criança que não usufrua do direito de se alimentar e crescer. Fome zero. De democratas a ditadores, a intenção é única: erradicá-la. Não há como manter um ser vivo com fome.

Posto isso, passo para o terreno das metáforas, que sempre nos coloca frente a frente com a ambigüidade das situações. Tendo pão e manteiga à mesa, um copo de leite, alguma proteína e vitamina, ainda assim uma criatura bem alimentada pode seguir faminta e isso lhe salvar a vida.

Não há razão para se existir com fome, mas tampouco sem fome. Alguma fome é necessária. É o que nos dá energia para levantar todos os dias.

Você tem fome de quê, perguntava uma letra de rock. De paixão, responde a maioria. Há milhares de casais que se amam e que não compreendem a razão de seguirem insatisfeitos, já que a vida lhes foi tão boa e generosa. Falta-lhes paixão, que é coisa bem diferente de amor.

Paixão mantém a falta de gravidade do corpo, os pés longe do chão, a vida de ponta cabeça, prazer e vertigem, o sim e o não convivendo no mesmo espaço de tempo. Paixão: a causa de tantos desacertos comemorados com champanha, depois das lágrimas.

A raridade de sentir-se vivo como nunca se desejou conscientemente, porque a gente sabe o tamanho da encrenca. Paixão é uma fome hemorrágica: de sangue e coração. Milhares morrem pela carência, e outros tanto vivem justamente por mantê-la como uma gula feroz: é a fome mais gloriosa.

E há a fome de vida, que é ainda mais aguda. Além de incorporar a fome por paixão, inclui a fome contraditória por liberdade, e também a fome por conhecimento, a fome pelo êxtase, a fome de sol.

Uma pessoa que atingiu a saciedade não percebe que jaz embaixo da terra, ainda que mantenha-se como um zumbi caminhando sobre ela. Morre-se de fome, mas também morre-se por não ter fome.

A fome é mais violenta que o desejo. Este está aliado à vontade, é uma intenção que mistura o emocional com o racional, já que a gente deseja com o cérebro também.

A fome, ao contrário, não pensa. Não dialoga, não negocia. É instintiva, febril. A fome é um grito de “eu quero”, “eu preciso”, sem levar em consideração tudo o que está ao redor. A fome nos expulsa da sociedade, nos desloca de toda civilização e nos isenta de todos os pecados.

Voltamos à natureza mais primitiva. A luta por esse tipo de sobrevivência nos redime de qualquer culpa e de qualquer racionalidade.

É uma necessidade vital. Como se fôssemos ursos, leoas, guepardos. Não há lei regendo nossas ações predatórias, de subsistência. Você precisa, você luta, e se tiver sorte, vence.

Olho para os lados e vejo pessoas atracadas em pratos de macarrão, sem fome alguma. Devorando carnes, bolos, doces, sem que a vida lhes pareça igualmente suculenta.

Não vão morrer de fome de comida, mas alguns correm o risco de morrer antes do tempo, saciados pelo seu vazio.


28 de setembro de 2008
N° 15742 - MOACYR SCLIAR


Coração de companheiro

Atrás de um grande homem existe sempre uma grande mulher.

Ao menos no caso de Machado de Assis, cujo centenário de falecimento ocorre neste dia 29, esta frase parece ser muito verdadeira. Estamos falando no maior escritor brasileiro, o que é praticamente consenso da crítica.

Mas estamos falando também no menino pobre, mulato, neto de escravos, epiléptico e gago, um menino que não freqüentou escola, mas que enfrentou com bravura um destino adverso. Sua infância foi marcada pela perda de figuras femininas que haviam sido muito importantes para ele.

Quando tinha seis anos, morreu-lhe a única irmã. Quatro anos mais tarde, a mãe faleceu. Depois perdeu a madrinha, uma senhora rica, protetora e afetuosa, em cuja propriedade a família morava.

E dê-lhe vida dura: aos 14 anos, Joaquim Maria começou a vender os doces confeccionados pela madrasta para ajudar no sustento da casa. Trabalhou ainda como caixeiro de livraria, tipógrafo e revisor, antes de iniciar a bem-sucedida carreira de jornalista e escritor.

Machado de Assis tinha um amigo, o poeta Faustino Xavier de Novais, que, a certa altura, começou a apresentar sinais de perturbação mental.

De Portugal veio então a irmã de Faustino, Carolina Xavier de Novais, para supostamente cuidar do irmão. Supostamente porque, segundo uma versão, ela teria sido mandada embora pela família depois de um caso amoroso, em que fora seduzida e abandonada.

Carolina ficou amiga de Machado, que era quatro anos mais moço do que ela. Conta-se que, numa visita, Machado, a sós com a moça, pegou a mão dela e perguntou-lhe se aceitava-o como esposo.

A resposta afirmativa veio firme e decidida, mas não contou com o apoio da família, que não queria ver Carolina casada com um mulato epiléptico.

Carolina desempenhou um papel importante na vida de Machado, inclusive do ponto de vista literário. Culta, versada em gramática, ela lia os textos dele, corrigia-os, passava-os a limpo.

Mais importante: até então Machado tinha sido um escritor romântico, que escrevia bem, mas que não produzira obras marcantes.

Por insistência de Carolina, ele muda de estilo, torna-se realista e, como se vê em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ultrapassa até mesmo o realismo, inaugurando uma nova fase na ficção brasileira.

Muitos psicanalistas veriam nessa relação um elemento edipiano, Carolina representando para Machado uma figura materna. E isto ficou mais evidente porque não tiveram filhos.

Quando ela morreu, Machado desabou; sobreviveu-lhe apenas quatro anos, doente e melancólico. Um poema escrito quando do falecimento dela fala dessa paixão:

Ao pé do leito derradeiro/ em que descansas desta longa vida/ aqui venho e virei, pobre querida/ trazer-te o coração de companheiro.

Coração de companheiro. Coração da companheira. Desses corações é que são feitas as verdadeiras uniões.


28 de setembro de 2008
N° 15742 - DAVID COIMBRA


Os destaques do Gre-Nal

1. O grandalhão

Richard Morales está a quatro centímetros de alçar-se a dois metros de altura. A torcida do Grêmio adora centroavantes com quase dois metros de altura.

Richard Morales é uruguaio. A torcida do Grêmio é meio uruguaia e, segundo o Peninha, também meio inglesa, meio alemã e meio argentina, se é que algo pode ter tantos meios.

Desde que pisou no gramado do Olímpico, levantou o queixo pronunciado e viu o cemitério na colina, Richard Morales range os dentes para falar da sua ânsia de jogar dentro da camisa do Grêmio.

O que mais precisaria para que os gremistas passassem a sonhar com Richard Morales no time, enfiando dois gols por partida?

Óbvio: Richard Morales em ação.

Bem. Na única tarde em que esteve em campo, 13 mínimos minutos contra o Atlético no Paraná, Richard Morales tocou na bola quatro vezes, pelo que contei. Uma parede bem-sucedida nas cercanias da meia-lua, um começo de arrancada arrematado com passe lateral, e os gremistas de olhos arregalados diante da TV.

De repente, Morales recebe a bola em meio ao cipoal típico da fronteira da grande área, enquadra o corpanzil e chuta. Seu primeiro chute no Grêmio. A bola sai veloz, rente à grama, a palmo e meio do poste, e os gremistas sorriem e balançam a cabeça. Mas foi com um quarto lance, logo depois ou pouco antes deste, que Morales extraiu suspiros de esperança do torcedor.

Foi um cruzamento levantado da direita, a bola viajava muito alta para um homem de parcos 180 centímetros de altura. Morales saltou para alcançá-la. Conseguiu. Testou-a para o meio da área, à procura de um atacante que viesse de trás a fim de empurrá-la para o gol.

Não apareceu ninguém, o jogo terminou zero a zero, mas pude ver gremistas congratulando-se e os ouvi a comentar sobre este lance nos dias subseqüentes. Porque, de fato, aquela é uma bola traiçoeira para o zagueiro.

O defensor espera que o centroavante tente cabecear para o gol, não está preparado para uma bola que cai mansa às suas costas, à feição para o adversário que vem ávido da retaguarda.

Morales não estará em campo, e sim no banco do Grêmio, neste domingo, mas estará também nos melhores planos do torcedor. Talvez ele nem entre em campo, mas o promovo desde já a destaque do Gre-Nal.

2. O rapidinho

O guepardo é o animal mais veloz sobre a superfície da Terra. Alcança as gazelas esquálidas, as lebres ligeiras, os roedores esquivos e os devora a todos. Isso graças às suas longas pernas e ao seu corpo aerodinâmico, capaz de atingir 110 quilômetros por hora, mais do que muito Fuca.

Só há um ser caminhante que o guepardo não pegaria na corrida:

Nilmar.

Sobretudo se, em frente a eles, estivesse uma bola.

Nilmar é da estirpe dos grandes velocistas do futebol brasileiro: Euler, o Filho do Vento; Tarciso, o Flecha Negra; e um colorado ilustre: Sapiranga.

Em 1961, Sapiranga ganhou um campeonato sozinho. O Grêmio tinha um time melhor e era pentacampeão. O Inter não tinha muito mais além de Sapiranga.

Era o que bastava.

Sapiranga enfrentou um marcador feroz, Ortunho, lateral-esquerdo que, em cada dividida, divertia-se ao ver a que distância conseguia atirar o ponteiro-direito adversário, que desabava na poeira todo troncho e disforme, feito o Recruta Zero depois de apanhar do Sargento Tainha.

Sapiranga saía dos Gre-Nais mostrando as lascas que a chuteira afiada de Ortunho havia arrancado das suas canelas.

Mas Sapiranga era tão rápido, tão rápido, que, mesmo vigiado de perto pelo inclemente Ortunho, vez ou outra escafedia-se rumo à linha de fundo e fazia o cruzamento ou o chute de viés.

Foi assim que o Inter venceu um dos campeonatos mais importantes da sua história. Porque, se não o vencesse, o Grêmio empilharia 13 títulos seguidos, algo tão assombroso que nem sei como se chama alguém que ganha 13 títulos seguidos.

Pois Nilmar é como Sapiranga. Sozinho, ele está construindo a campanha do Inter neste Brasileirão. Também o promovo a destaque do Gre-Nal antes de o Gre-Nal começar.


28 de setembro de 2008
N° 15742 - PAULO SANT’ANA


Três mulheres e um só lugar

Preteou o olho da gateada. A pesquisa divulgada hoje pelo Ibope tem vários flagrantes surpreendentes.

O primeiro é que na pesquisa anterior a diferença entre Manuela D’Ávila e Maria do Rosário era expressiva, a favor da primeira.

Mas agora, embora Maria do Rosário não tenha crescido, houve queda de Manuela D’Ávila, pelo que as duas se mostram, pela pesquisa, em empate técnico. Manuela D’Ávila tem 19 pontos e Maria do Rosário 16.

Como qualquer criança sabe, as pesquisas erram. E as três pesquisas que têm sido publicadas mostram discrepâncias. Será preciso confrontar esta pesquisa do Ibope publicada hoje com as outras duas que virão a seguir.

No entanto, embora se deva demonstrar cautela frente aos índices, o jornalismo não pode ignorar as pesquisas.

E esta pesquisa do Ibope divulgada hoje mostra uma mexida séria na eleição.

Já vimos então que o primeiro dado impactante da pesquisa de hoje do Ibope é que endureceu a disputa pelo segundo lugar no primeiro turno, isto é, sobre quem acompanhará Fogaça no segundo turno.

O favoritismo para essa posição era de Manuela D’Ávila nas pesquisas anteriores. Agora não é mais, embora ela continue com três pontos à frente de Maria do Rosário, essa diferença decaiu, apesar de que a candidata do PT não tenha crescido.

Mas como Manuela perdeu pontos, as duas agora estão no que se convencionou chamar de empate técnico, o que deve ter sido saudado com estrépito nas fileiras petistas.

Manuela com 19 pontos, Rosário com 16 pontos, preteou o olho da gateada.

O outro dado estupefaciente da pesquisa do Ibope de hoje é que, na projeção para o segundo turno, José Fogaça cresceu intensamente.

Algumas pesquisas, antes, chegavam a acusar empate técnico entre Fogaça e Manuela para a hipótese de que se defrontassem em um segundo turno.

E agora a projeção para o segundo turno mostra Fogaça com 52 pontos, enquanto Manuela tem apenas 31 pontos.

Ou seja, Fogaça cresceu abundantemente e Manuela caiu na mesma intensidade. Um subiu, a outra entrou em declínio.

Além disso, pela primeira vez em pesquisas, Maria do Rosário passou à frente de Manuela em um aspecto: a diferença entre Fogaça e Manuela na projeção de um segundo turno é maior do que a que separa Fogaça de Maria do Rosário.

Traduzindo, o que parecia ser antes inviável, aconteceu: embora com pequena margem, esta pesquisa do Ibope de hoje mostra que Rosário é mais candidata que Manuela para um segundo turno, a candidata do PT teria 34 pontos num segundo turno, enquanto Manuela ficaria com apenas 31.

Apesar de que a diferença entre Fogaça e as duas, na projeção de um segundo turno, seria de 21 pontos com relação a Manuela e de 16 pontos com relação a Maria do Rosário, não deixa de ser espetacular que, de repente, Maria do Rosário ofereceria maior resistência a Fogaça num segundo turno do que Manuela.

Nas pesquisas anteriores, dava-se o contrário, Manuela era a mais cotada para enfrentar Fogaça no segundo turno.

Manuela deverá hoje estar torcendo o nariz para esta pesquisa, Maria do Rosário, embora não tenha crescido, repito porque é importante, com certeza comemora esta projeção do Ibope e vai incendiar esta eleição.

Outro dado significativo da pesquisa é o crescimento de Luciana Genro. Ela agora tem 10 pontos, seis apenas a separam de Maria do Rosário. Porque a candidata do PT estagnou na pesquisa e Luciana Genro cresceu meteoricamente.

Ou seja, Manuela caiu, Luciana Genro cresceu, Fogaça cresceu, Maria do Rosário estagnou mas viu sua mais séria rival, Manuela, cair lá de cima e despencar no seu colo na luta acirrada, sempre em face da pesquisa de hoje, pela segunda colocação.

Aparentemente, Fogaça tem lugar garantido no segundo turno, salvo grande surpresa.

Mas ninguém mais tem lugar garantido no segundo turno, como parecia que Manuela vinha tendo nas pesquisas anteriores.

Nos debates que acontecerão esta semana, tudo pode acontecer com as três peças femininas que disputam o segundo lugar, portanto um só lugar no segundo turno.

Vai ser uma luta de pranchaços e coronhadas nos debates entre as três candidatas.

Saiam da frente, que preteou o olho da gateada. Tudo, é claro, lembrando que as pesquisas muitas vezes erram.


28 de setembro de 2008
N° 15742 - VERISSIMO


Mais bondes

No outro dia ensaiei uma incursão arqueológica ao passado, escrevendo sobre o tempo dos bondes, e sem querer perfurei um veio de saudades. Muita gente manifestou as mesmas lembranças afetuosas, que talvez sejam apenas saudade não dos bondes mas do que nós éramos. Acima de tudo, mais jovens.

O bonde foi uma lição de vida para algumas gerações. Foi parte importante da minha educação sentimental e física, e tenho certeza que o que me sobra de equilíbrio e introspecção filosófica devo a longas viagens de bonde no passado. A desorientação da juventude atual se explica pela ausência do bonde na sua formação.

Os bondes ensinavam destreza, coragem e autoconfiança. Um dos períodos mais importantes da minha vida foi dedicado à preparação psicológica para minha primeira (e, pensando bem, última) grande prova de bravura, subir no estribo com o bonde andando. Correspondia ao encontro solitário de um guri pré-histórico com seu primeiro bisão.

Depois disso, você era um homem. Não precisava ter ninguém olhando. Subir no bonde em movimento era um triunfo pessoal e particular. Você se provava para você mesmo.

Descer com um bonde em movimento não era nada, uma menina conseguiria. Bastava continuar correndo depois de tocar com os pés no chão. E pular para a calçada antes que o carro que viesse atrás fizesse você voar.

Fácil. Subir com o bonde andando era outra história. Levei meses para criar coragem antes da primeira tentativa. Não falhei. Nunca falhei. Só, mais velho e mais pesado, parei de tentar.

Fora o Tesourinha, lendário ponteiro direito do Internacional, e dois ou três personagens de gibi, meu herói da infância era o fiscal de bondes.

Aquele cara que pulava de um e subia em outro bonde em movimento sem perder o quepe. Ele olhava o marcador do bonde e fazia marcas num papel verde com um carimbo vermelho que tirava do bolso.

Durante algum tempo hesitei entre ser jogador de futebol, aviador ou fiscal de bondes quando crescesse. O ideal seria ser as três coisas ao mesmo tempo, mas se tivesse que escolher, seria fiscal de bondes.

O cobrador passava pelo corredor do bonde, recolhendo o pagamento. A cada passagem paga, acionava o marcador que depois o fiscal checava. Você poderia, se quisesse, entrar no bonde e se meter no meio do corredor e, quando o cobrador passasse, dizer “já paguei”.

Ele só contava com a própria memória, não tinha como provar que você não pagara. Mas imagino que isso acontecia pouco. Os bondes também ensinavam honestidade e confiança no próximo. E não poluíam o ar!

Alguns bondes da minha cidade eram menores dos que os outros, e sacudiam mais. Eram chamados, não sei por que, de bondes “gaiola”.

Andar na parte de trás de um bonde “gaiola”, numa descida, sem segurar em nada, só se equilibrando com o jogo de pernas, era como se manter no lombo de um cavalo bravio. Outra prova de hombridade que nos preparava para os embates da vida.

Volta e meia falam na volta dos bondes. Sou a favor. Não sei se eles melhorariam o nosso trânsito, mas certamente melhorariam o nosso caráter.


Paula Neiva e Roberta de Abreu Lima - Lew Robertson/Corbis/Latinstock

Já sobrou para a lagosta

Queda no consumo do crustáceo é sinal de que a próxima vítima pode ser o mercado de luxo

A preço de picanha

A crise econômica fez com que os americanos passassem a consumir menos lagosta. O aumento da oferta derrubou o preço da iguaria nos Estados Unidos em 25%.

No Brasil, que exporta 85% de sua produção para os EUA, o preço caiu pela metade – nos supermercados brasileiros, compra-se lagosta a preço de carne de primeira

Ainda não se sabe ao certo como a crise financeira nos Estados Unidos vai afetar o Brasil, mas pelo menos um benefício ela trouxe aos apreciadores da boa mesa – o preço da lagosta caiu pela metade nos supermercados brasileiros. Já é possível comprá-la pelo mesmo valor da picanha ou outra carne de primeira.

A explicação para isso está nos mecanismos do mercado. Diante da turbulência na economia, os americanos têm contido os gastos com produtos caros e supérfluos, como a lagosta.

A demanda em baixa fez com que seu preço despencasse 25% nos EUA desde o início do ano. O país passou a importar menos o pescado e a pagar menos por ele. O Brasil costuma exportar para os Estados Unidos 85% de sua produção de lagosta.

Com a retração dos importadores americanos, os produtores brasileiros começaram a direcionar maior quantidade do produto para o consumo interno. Resultado: o crustáceo ficou mais acessível também no Brasil.

"A lagosta é um alimento de celebração, consumido em ocasiões especiais. Se a economia vai mal, as pessoas deixam de comprá-la", disse a VEJA Bob Bayer, diretor do Instituto da Lagosta da Universidade de Maine.

Peter Kramer/AP


A crise das bolsas

Quinta Avenida, em Nova York: algumas das lojas mais caras da cidade anteciparam as liquidações

Se o que acontece com a lagosta se estender a outros produtos caros, a próxima vítima da crise deverá ser o mercado de luxo, aquele nicho de roupas, veículos e objetos pessoais que custam uma fábula, mas têm um público fiel que não se importa em sacar do cartão de crédito seja qual for o valor estampado na etiqueta.

Desde o início da década, após amargar uma retração passageira com os atentados de 11 de setembro, o mercado de luxo vem crescendo à razão de 15% ao ano.

De modo geral, o segmento é considerado um dos menos vulneráveis às trepidações da economia. Agora, começam a soprar os primeiros ventos de que a crise pode atingi-lo em cheio.

Lojas de Nova York especializadas em artigos de luxo, como a Saks Fifth Avenue e a Neiman Marcus, vêem seu faturamento aumentar a ritmo mais lento. No caso dessa última, as vendas no primeiro semestre deste ano não aumentaram em comparação com o mesmo período do ano passado.

Outra rede do gênero, a Nordstrom, teve faturamento 6% menor nos primeiros quatro meses de 2008 com relação ao mesmo período de 2007. Muitas delas anteciparam as liquidações de fim de estação deste ano.

Spencer Platt/AFP


Baixa velocidade

Feira de carros luxuosos montada em Manhattan: a venda dos modelos mais caros encolheu 10% nos EUA neste ano

Os primeiros clientes a fugir das lojas que vendem artigos de luxo não são os milionários, mas aqueles que podem comprar um ou outro objeto de desejo.

Na joalheria Tiffany & Co., celebrizada no filme Bonequinha de Luxo, a queda mais acentuada nas vendas ocorreu com as jóias que custam até 10 000 dólares.

O comércio de alianças de 50 000 dólares ou mais continua estável. O mercado de carros de luxo nos Estados Unidos, por sua vez, encolheu 10% entre janeiro e agosto deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado.

A BMW projeta vender nos EUA, neste ano, 40 000 veículos a menos do que o inicialmente previsto. Segundo os analistas de mercado, embora a crise ainda não tenha afetado os produtos destinados aos muito ricos, pode ser questão de tempo para que isso aconteça.

"Esses consumidores geralmente são imunes às crises, mas desta vez seus investimentos podem estar ameaçados, e isso os deixa duplamente alertas", disse a VEJA o consultor americano Edward Henderson, especialista no setor de varejo da agência internacional de avaliação de risco Moody’s.

Divulgação


Vão-se os anéis

Jóia da Tiffany: alianças de até 10 000 dólares estão encalhadas

À medida que se espalham pelo mundo, os reflexos da crise americana forçam os consumidores a mudar de hábitos. Na França, 3.000 restaurantes fecharam as portas nos primeiros quatro meses deste ano – no mesmo período, as redes de fast-food triplicaram suas vendas.

Segundo os sindicatos que representam esses estabelecimentos, os hábitos dos clientes à mesa também se tornaram mais frugais, de modo a diminuir o valor da conta ao fim da refeição. No caso do mercado de artigos de luxo, a crise que se avizinha no Primeiro Mundo pode ser benéfica para o Brasil, e não apenas por baratear o preço da lagosta.

Diz o empresário Carlos Ferreirinha, consultor especializado em mercado de luxo: "A prioridade dos grandes conglomerados desse segmento sempre foram os mercados americano e japonês.

Agora, para se estabilizar, eles contam também com os mercados emergentes, como a China e o Brasil. Isso poderá trazer mais investimentos para o país nos próximos anos".

Lya Luft

Somos um país de analfabetos

"A verdadeira democracia tem de oferecer a todos o direito de saber ler e escrever, pensar, questionar e escolher"

Segundo pesquisa do confiável IBGE, estamos num vergonhoso lugar entre os países da América Latina, no que diz respeito à alfabetização. O que nos faltou e tanto nos falta ainda? Posso dizer que tem sobrado ufanismo.

Não somos os melhores, não somos invulneráveis, somos um país emergente, com riquezas ainda nem descobertas, outras mal administradas.

Somos um povo resistente e forte, capaz de uma alegria e fraternidade que as quadrilhas, o narcotráfico e a assustadora violência atuais não diminuem. Um povo com uma rara capacidade de improvisação positiva, esperança e honradez.

Ilustração Atômica Studio

O sonho de morar fora daqui para escapar não vale. Na velha e sisuda Europa não há um sol como este. Recordo meu espanto na primeira estada por lá, num verão, vendo o sol oblíquo e pálido.

Lá não se ri, não se abraça como aqui. Eles trabalham mais e ganham mais, é verdade. A pobreza por lá é menos pobre porque, se fosse miserável, morreriam todos de frio na primeira nevasca.

O salário-desemprego é tão bom que, infelizmente, muitos decidem viver só com ele: o mercado de trabalho lá também é cruel, e com os estrangeiros, nem se fala. Em muitas coisas somos muito melhores.

Mas somos um país analfabeto. Alfabetizado não é, já disse e escrevo freqüentemente, aquele que assina seu nome, mas quem assina um documento que leu e compreendeu.

A verdadeira democracia tem de oferecer a todos esse direito, pois ler e escrever, como pensar, questionar e escolher, é um direito. É questão de dignidade.

Quando eu era professora universitária, na década de 70, já recebíamos nas faculdades vários alunos que mal conseguiam escrever uma frase e expor um pensamento claro. "Eu sei, mas não sei dizer nem escrever isso" é uma desculpa pobre.

Não preciso ser intelectual, mas devo poder redigir ao menos um breve texto decente e claro. Preciso ser bem alfabetizado, isto é, usar meu instrumento de expressão completo, falado e escrito, dentro do meu nível de vida e do nível de vida do meu grupo.

Para isso, é essencial uma boa escola desde os primeiros anos, dever inarredável do estado. Não me digam que todas as comunidades têm escolas e que estas têm o necessário para um ensino razoável, para que até o mais pobre e esquecido no mais esquecido e pobre recanto possa se tornar um cidadão inteiro e digno, com acesso à leitura e à escrita, isto é, à informação.

Um sujeito capaz de fazer boas escolhas de vida, pronto para se sustentar e que, na grave hora de votar, sabe o que está fazendo.

Enquanto alardeamos façanhas, descobertas, ganhos e crescimento econômico, a situação nesse campo está cada vez pior. Muito menos pessoas se alfabetizam de verdade; dos poucos que chegam ao 2º grau e dos pouquíssimos que vão à universidade, muitos não saem de lá realmente formados.

Entram na profissão incapazes de produzir um breve texto claro. São desinteressados da leitura, mal falam direito. Não conseguem se informar nem questionar o mundo. Pouco lhes foi dado, pouquíssimo lhes foi exigido.

A única saída para tamanha calamidade está no maior interesse pelo que há de mais importante num país: a educação. E isso só vai começar quando lhe derem os maiores orçamentos.

Assim se mudará o Brasil, o resto é conversa fiada. Investir nisso significa criar mais oportunidades de trabalho: muito mais gente capacitada a obter salário decente. Significa saúde: gente mais bem informada não adoece por ignorância, isolamento e falta de higiene.

Se ao estado cabe nos ajudar a ser capazes de saber, entender, questionar e escolher nossa vida, é nas famílias, quando podem comprar livros, que tudo começa. "Quantos livros você tem em casa, quantos leu este mês?

E jornal?", pergunto, quando me dizem que os filhos não gostam de ler. Família tem a ver com moralidade, atenção e afeto, mas também com a necessária instrumentação para o filho assumir um lugar decente no mundo. Nascemos nela, nela vivemos.

Mas com ela também fazemos parte de um país que nos deve, a todos, uma educação ótima. Ela trará consigo muito de tudo aquilo que nos falta.

Lya Luft é escritora

Um ótimo sábado e um Feliz Fim de Semana


...depois, querida, ganharemos o mundo”

A profética frase de Machado de Assis faz parte de um conjunto inédito de cartas que ÉPOCA revela com exclusividade. Hoje, o maior escritor brasileiro começa a ser reconhecido em todo o mundo
Luis antônio Giron

MATURIDADE?

A fotografia de Machado de Assis por Marc Ferrez tem a data presumida de 1890. Mas o modelo parece ter menos de 50 anos, comparado à imagem das fotos das próximas páginasNos cem anos de sua morte, comemorados nesta segunda-feira, 29 de setembro, Machado de Assis ainda é capaz de provocar surpresas.

Sua extensa obra – nove romances, 200 contos, uma dezena de peças de teatro, cinco coletâneas de poemas e milhares de crônicas – está praticamente canonizada e o torna, indiscutivelmente, o maior escritor do Brasil.

Mas quem é esse gênio? É o austero fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL)? O monstro cerebral pessimista e sarcástico como o descreviam os modernistas? Ou o herói do povo, como defendiam os primeiros socialistas?

Embora os estudos machadianos tenham gerado dezenas de milhares de títulos – Machado é o ramo do conhecimento literário brasileiro mais estudado –, sua vida permanece envolta em mistérios, em especial os anos de juventude.

Como um sujeito pobre e mestiço, numa sociedade ainda escravagista, conseguiu se tornar o mestre da cultura brasileira?

ÉPOCA teve acesso, com exclusividade, a um conjunto de cartas ainda inéditas de Machado, que ajudam a responder a essas perguntas e a desvendar o enigma machadiano. “Pela primeira vez, podemos compreender o fluxo da correspondência de Machado, suas amizades, amores, relação com a política de seu tempo e preocupações filosóficas”, diz o ensaísta e diplomata Sérgio Paulo Rouanet, da ABL.

Rouanet coordena o projeto mais arrojado do centenário de Machado: organizar em ordem cronológica toda a correspondência do escritor, tanto a escrita por ele como a recebida por ele ao longo de 50 anos de vida intelectual.

O primeiro volume do trabalho, Correspondência de Machado de Assis, Tomo I (1860-1869) , sairá em outubro. São 90 cartas. O segundo, previsto para 2009, contém oito centenas de cartas e cobre os 40 anos restantes.

O Machado de Assis que emerge dessas cartas é um personagem novo, distante dos estereótipos que nos habituamos a estudar na escola. Trata-se de um dândi, um jornalista e poeta empolgado com a frenética vida social e boêmia do Rio de Janeiro imperial. Ele sai com atrizes de teatro, conta suas aventuras aos amigos, divide confidências e dá conselhos.

Num sinal de que estava bem à frente de seu tempo, sugere à noiva a leitura de um compêndio feminista. A um amigo distante, filosofa sobre a podridão do comportamento humano e a vida na cidade.

De modo maroto, esquiva-se das ordens dos caciques políticos que chefiam o jornal em que trabalha, o Diário do Rio de Janeiro. Ele é um Machado que, mais que tudo, desce do monumento da academia e vai às ruas, rejuvenescido.

A ÍNTEGRA DAS CARTAS

As duas cartas manuscritas de Machado a Carolina que restaram da correspondência íntima do casal foram reencontradas há um mês no Museu da República, do Rio de Janeiro.

A investigação que descobriu esse novo personagem mundano começou há dois anos, sem outra intenção que ordenar um material desconhecido.

Rouanet convidou as pesquisadoras Irene Moutinho e Silvia Eleuterio para sair à cata de cartas em arquivos e bibliotecas. Logo, as surpresas e os textos inéditos começaram a vir à tona – e esse novo Machado, mais jovem e impetuoso, começou a ganhar corpo.

Uma das principais descobertas feitas por Irene está no texto de uma das duas cartas íntimas que restaram de Machado a Carolina, então sua noiva. Elas foram escritas no mesmo dia, 2 de março de 1869, quando Carolina estava em Petrópolis para tomar conta do irmão, o jornalista e poeta – e amigo de Machado – Faustino Xavier de Novaes (1820-1869).

Faustino sofria de distúrbios mentais e morreria em agosto. “Machadinho”, como Machado assinava sua correspondência a Carolina, estava aflito por reencontrar a amada.

Derramou-se em declarações e elogios a ela, numa letra apressada e nada legível. Perto da conclusão, uma palavra soava estranha a quem se acostumara com uma versão que fora divulgada em 1939, no Catálogo da Exposição do Centenário de Machado de Assis, repetida até hoje.

O trecho da carta que embatucou a pesquisadora dizia: “depois... depois, querida, queimaremos o mundo, porque só é verdadeiramente senhor do mundo quem está acima das suas glórias fofas e das suas ambições estéreis”.

O convite de Machadinho para a queimada planetária soava esquisito. “Havia algo de errado”, diz Irene. Acostumada com manuscritos, ela foi à caça dos originais, dados como perdidos.

Encontrou o documento no Museu da República, no Rio de Janeiro. As duas cartas foram doadas à instituição pela sobrinha de Machado, Laura Braga da Costa.

Irene fez a cópia das cartas e comparou-as com os textos impressos. “Notei discrepâncias e deduzi, pela análise dos garranchos, que tudo apontava para ‘ganharemos’, e não ‘queimaremos’”, afirma Irene. A carta, corrigida, ganhou um novo sentido.

Machadinho declara premonitoriamente a sua “Carola”: “...depois, querida, ganharemos o mundo”. “A sensação foi de alívio”, diz Rouanet. “Nosso Machado não era incendiário aos 30 anos, nem fez um convite terrorista a Carolina!”

AMOR DEFINITIVO

A portuguesa Carolina (em foto de c. 1890) casou-se com Machado de Assis (acima, aos 25 anos) em 1869. Ela foi trazida do Porto depois de uma suposta desilusão amorosa. Viveram juntos por 35 anos

O desejo de Machado está se cumprindo. Hoje, ele começa a conquistar o mundo. Os simpósios internacionais sobre sua obra, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, atraem a atenção de acadêmicos respeitáveis.

Críticos de alta reputação, como os americanos Harold Bloom e Susan Sontag e o inglês John Gledson, elevaram-no ao patamar dos gênios.

Em seu livro Gênio, de 2003, Bloom define Machado como “um milagre”, por ter conseguido fugir de sua situação social e histórica para criar uma ficção universal. Seus livros foram traduzidos para 14 idiomas, a maior parte na década passada. Há, nos EUA, um entusiasmo por novas traduções.

A glória mundial de Machado será enriquecida pela redescoberta de suas cartas. Elas contêm mistérios que mostram a complexidade da relação amorosa entre Machado e Carolina. Uma das charadas da primeira carta está no terceiro parágrafo.

Ele diz: “Sofreste tanto que até perdeste a consciência do teu império; estás pronta a obedecer; admiras-te de seres obedecida”. Soa cifrado. E as únicas explicações que poderiam elucidar o enigma estariam nas demais cartas íntimas, queimadas após a morte de Machado.
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A ÍNTEGRA DAS CARTAS

As duas cartas manuscritas de Machado a Carolina que restaram da correspondência íntima do casal foram reencontradas há um mês no Museu da República, do Rio de Janeiro.

Para: CAROLINA AUGUSTA XAVIER DE NOVAIS
Fonte: MUSEU DA REPÚBLICA. Arquivo Histórico. Manuscrito original.
[Rio de Janeiro,] 2 de março [de 1869].
Minha Carola.


Já a esta hora deves ter em mão a carta que te mandei hoje mesmo, em resposta às duas que ontem recebi. Nela foi explicada a razão de não teres carta no domingo; deves ter recebido duas na segunda-feira.

Queres saber o que fiz no domingo? Trabalhei e estive em casa. Saudades de minha Carolina, tive-as como podes imaginar, e mais ainda, estive aflito, como te contei, por não ter tido cartas tuas durante dois dias. Afirmo-te que foi um dos mais tristes que tenho passado.

Para imaginares a minha aflição, basta ver que cheguei a suspeitar oposição do Faustino, como te referi numa das minhas últimas cartas. Era mais do que uma injustiça, era uma tolice.

Vê lá; justamente quando eu estava a criar estes castelos no ar, o bom Faustino conversava a meu respeito com a Adelaide1 e parecia aprovar as minhas intenções (perdão, as nossas intenções!)

Não era de esperar outra coisa do Faustino; foi sempre amigo meu, amigo verdadeiro, dos poucos que, no meu coração, têm sobrevivido às circunstâncias e ao tempo. Deus lhe conserve os dias e lhe restitua a saúde para assistir à minha e à tua felicidade.

Contou-me hoje o Araújo2 que, encontrando-se num dos carros que fazem viagem para Botafogo e Laranjeiras, com o Miguel, este lhe dissera que andava procurando casa por ter alugado a outra. Não sei se essa casa que ele procura é só para ele, se para toda a família.

Achei conveniente comunicar-te isto; não sei se já sabes alguma coisa a este respeito. No entanto, espero também a tua resposta ao que te mandei dizer na carta de ontem – relativamente à mudança.

Dizes que, quando lês algum livro, ouves unicamente as minhas palavras, e que eu te apareço em tudo e em toda a parte? É então certo que eu ocupo o teu pensamento e a tua vida? Já mo disseste tanta vez, e eu sempre a perguntar-te a mesma coisa, tamanha me parece esta felicidade. Pois, olha; eu queria que lesses um livro que eu acabei de ler

1 Adelaide Xavier de Novais, irmã de Carolina, que viera para o Brasil pouco depois desta. (IM)

2 Provavelmente o amigo comum Manuel de Araújo*. (IM)

3 La Famille - la Mère (1865), segundo Massa (1995). Obra do polígrafo francês Eugène Pelletan (1813-1884), por quem Machado teve grande admiração desde muito jovem. Dedicou-lhe o poema “O Progresso (Hino à Mocidade)” e citou-o inúmeras vezes.

A respeito de suas idéias progressistas sobre a emancipação feminina, escreveu, em crônica publicada pelo Diário do Rio de Janeiro (21/11/1861):


há dias; intitula-se: A família3. Hei de comprar um exemplar para lermos em nossa casa como uma espécie de Bíblia sagrada. É um livro sério, elevado e profundo; a simples leitura dele dá vontade de casar.

Faltam quatro dias; daqui a quatro dias terás lá a melhor carta que eu te poderei mandar, que é a minha própria pessoa, e ao mesmo tempo lerei o melhor (...)4.

“Pretende Eugène Pelletan que a mulher, com o andar dos tempos, há de vir a exercer no mundo um papel político. Sem entrar na investigação filosófica da profecia, a que dá uma tal ou qual razão a existência de certas mulheres da sociedade grega e da sociedade francesa, eu direi que é esse um fato que eu desejava ver realizado, em maior plenitude do que pensa o autor da Profession de Foi.

Eu quisera uma nação, onde a organização política e administrativa parasse nas mãos do sexo amável, onde, desde a chave dos poderes até o último lugar de amanuense, tudo fosse ocupado por essa formosa metade da humanidade. O sistema político seria eletivo.

A beleza e o espírito seriam as qualidades requeridas para os altos cargos do estado, e aos homens competiria exclusivamente o direito de votar. / Que fantasia! Mas, enquanto esperamos a realização dessa linda quimera, à mulher cabem outros papéis, que se não satisfazem a inspiração de um humorista, podem contentar plenamente o espírito de um filósofo e de um cristão.” (IM)

4 Esta carta, incompleta, e a anterior – tão emocionantes – são o que restou da correspondência de Machado e Carolina. Ambas pertenceram à sobrinha e afilhada do casal, e herdeira universal de Machado, Laura Braga da Costa, mais tarde Laura Leitão de Carvalho (1894-1988).

Concordam os biógrafos ao afirmar que, a pedido expresso do escritor, após seu falecimento fossem destruídos os papéis e outras recordações de sua companheira. Porém, um relato de Herculano Borges da Fonseca (1960) altera um pouco essa versão. Referindo-se ao pequeno móvel queimado com as relíquias, diz o autor:

“O famoso móvel, comprado por Carolina com suas economias mensais, foi mandado entregar por Machado às irmãs Pinto da Costa, que moravam perto, com instruções para que estas o dessem a minha tia, Fanny de Araújo, então residente na rua Moura Brasil, a quem Machado e Carolina votavam excepcional afeição.

Sua vontade foi cumprida. Entretanto, jamais consegui apurar, com certeza, se Machado quisera as cartas queimadas ou não. / Sempre ouvi contar que tia Fanny o fizera para que olhos estranhos não profanassem o santuário de amor doméstico do casal;

sempre ouvi observações de pessoas que ficaram inconsoláveis com o zelo excessivo de minha tia que, espontaneamente ou cumprindo instruções de Machado, agira em relação a ele e a Carolina, pensando mais nos grandes amigos que no escritor.

De qualquer forma, recatado como foi, estou certo de que o autor do Memorial de Aires ratificaria, com um sorriso irônico, aquela deliberação, que veio privar-nos, os bisbilhoteiros da posteridade, do maior e mais saboroso quitute e da mais preciosa relíquia de seu pequeno mundo.

Revista da Sociedade dos Amigos de Machado de Assis n.º 3, 1960. (IM)


27 de setembro de 2008
N° 15741 - NILSON SOUZA


O céu de Porto Alegre

No dia em que conheci o monastério de Melk, na Áustria, pensei que nunca mais chegaria tão perto do céu.

O lugar é mágico, tem 900 anos de história, uma igreja barroca e uma biblioteca com mais de 100 mil volumes, muitos deles mais antigos do que o personagem medieval ressuscitado por Umberto Eco – o célebre Adso de Melk – em O Nome da Rosa.

E fica encravado no alto de uma rocha, de onde se vê o Danúbio riscar aquele recanto encantado da Europa. Pois esta semana cheguei novamente perto do azul infinito, e essa possibilidade estava todo o tempo ao meu alcance.

Estive no teto de Porto Alegre, o Morro da Polícia, e também no Morro da Glória, onde se localiza o Santuário Nossa Senhora Mãe de Deus. Não são os lugares mais altos da Capital. Mas certamente são os mais impressionantes.

Do primeiro, se vê a cidade inteira, viva e exuberante, como uma aquarela recém pintada. Do segundo se vê aquela luz que deve ter inspirado o poeta Mário Quintana quando ele escreveu: “Oh, céus de Porto Alegre, como farei para levar-vos para o Céu?”.

Talvez eu tenha sido contagiado pela fé do meu anfitrião, o padre Antônio Lorenzato, que teve a bondade de me acompanhar na excursão aos dois morros.

Profundo conhecedor de cada pedra do bairro onde vive há mais de 30 anos e onde exerce a função de capelão do Hospital Divina Providência, o religioso me explicou pacientemente um paradoxo local: a famosa Gruta da Glória (Gruta Nossa Senhora de Lourdes) não fica na Glória e sim no bairro Cascata, que foi desmembrado da antiga localidade.

Pois monsenhor Lorenzato me levou a conhecer também o Santuário, que fica no Morro da Glória, onde também não é mais Glória. Mas o que interessa é a beleza e a paz do local.

O templo de linhas modernas tem vitrais lindos e uma estátua da padroeira feita em madeira de tília, vinda da Itália. Ao relatar-me que a imagem foi abençoada pelo papa João Paulo II, antes de ser trazida para o Brasil, o experiente religioso deixou escapar uma lágrima de emoção.

Também fiquei comovido com tudo o que presenciei. Sempre vejo minha cidade natal com os olhos do coração. Mas costumo observá-la a partir do espelho do Guaíba, chegando de alguma viagem ou percorrendo as calçadas de Ipanema.

Desta vez, tive o privilégio de subir nos seus ombros, auscultar-lhe a alma e vislumbrar o seu céu.


27 de setembro de 2008
N° 15741 - ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


O Moringue

O melhor, o mais ativo, o mais estrategista, o mais valente, o mais astucioso, o mais jovem comandante do Império durante o Decênio Heróico (1835 – 1845) foi Francisco Pedro de Abreu, vulgarmente chamado Chico Pedro, ou Moringue ou o Fuinha.

Chico Pedro porque era Francisco Pedro. Fuinha porque era metido e fuçador, e Moringue porque fisicamente lembrava uma moringa (embora alguns digam que esse era também o apelido do seu pai).

O Moringue nasceu em Porto Alegre a 23 de março de 1811. Seu nome completo era Francisco Pedro Brusque de Abreu, filho do comerciante português Pedro José Gomes de Abreu e de dona Maria Alves de Menezes.

Não descobri quase nada sobre a vida do Moringue, nem ao menos o seu ingresso no Exército. A minha teoria é que ele começa a se destacar durante os cercos que os farrapos impuseram por três vezes á Capital da Província. Mas a sua carreira militar foi rápida.

A primeira notícia que eu tenho do Moringue, quando a guerra dos farrapos vai em alta, é de 13 de julho de 1838, quando o grande comandante farrapo Amaral Ferrador derrota no Camaquã forças legalistas sob o comando do Chico Pedro.

Mas já no dia 28 de agosto, ou seja, pouco depois, o Moringue derrota o mesmo Amaral Ferrador na Picada, perto do cerco que os farrapos impunham a Porto Alegre. Com a vitória, o Moringue arrebata preciosa cavalhada ao inimigo e leva a presa para dentro dos muros da Capital.

Em novembro, ainda em 1838, o Moringue realiza uma de suas maiores façanhas, uma das surpresas de que ele tanto gostava: embarcando suas tropas em canoas, ele surpreende no Rio Jacuí, em Santo Amaro, o farroupilha Francisco Teixeira.

A 19 de setembro o Moringue, que tinha a volúpia da surpresa, invade a charqueada do coronel farroupilha José Manoel Leão, no interior de São Jerônimo. Morre o Juca e um irmão. Foi um estrago bárbaro.

A 18 de outubro o Moringue não consegue vencer a resistência farroupilha aos arredores de Gravataí. Enfrenta um contra-ataque e se segue um combate violento.

A 25 de novembro, Moringue ataca Rio Pardo, cidade que ocupa e saqueia por seis horas causando mortes e feridos.

Continua na próxima semana