sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008


JOSÉ SIMÃO

Ueba! Puxaram o topete do Justus!

É o Roberto Sustus! E o salário mínimo tem apelido: ejaculação precoce. Entrou e acabou!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
Flatulência no local de trabalho!

Tribunal Regional do Trabalho dá ganho de causa a recepcionista que soltava pum: "Flatulência não é motivo para demissão!".

Flatulência não é demissão, é uma emissão. E segurar pum é uma emissão impossível! Rarará!

Ela devia fazer o remake daquele filme com o Tom Cruise: "GASES INDOMÁVEIS"! Rarará!

E justo cargo de recepcionista? Que recepção: PUM! PUM! Funcionária-bomba! E ela só tá colaborando com o país!

O Lula não falou que o Brasil tinha que tirar gás da própria pele? Eu acho que ela devia engarrafar e mandar pra Argentina!

E o Homem-Aranha tentou escalar o edificio Itália e foi preso. E o Dunga escalou o Afonso e continua solto. Rarará!

E o Roberto Justus, ops, o Roberto Sustus sem topete? Puxaram o topete do Justus! Rarará!

E o salário mínimo entra em vigor no próximo sábado. Com esse valor, não entra em vigor, entra em depressão. E a melhor piada sobre o salário mínimo é o próprio salário mínimo.

E sabe o que o Lula falou sobre o salário mínimo? Fiz o mínimo possível! Rarará! Datapadaria informa.

O salário mínimo já tem três apelidos: salário ínfimo, salafrário mínimo e ejaculação precoce: entrou e já acabou. Rarará! E diz que no próximo ano não vai ter aumento, vai ter desconto. E o que fazer com o salário ínfimo?

Investir em gado: comprar meio quilo de bife. Trocar de carro: trocar aquele Fusca velho por outro mais velho ainda! Ou então comprar tudo em camisinha e ficar vivendo de amor. Rarará!

É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz o outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em Santa Bárbara, Minas Gerais, tem um inferninho chamado Racha Bago! Parece Dias Gomes! Essa, mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Flatulência": companheiro que solta pum na torcida do Flamengo. Rarará! O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br

ELIANE CANTANHÊDE

Abrindo o apetite

BRASÍLIA - A informação de ontem do jornal "Valor Econômico" sobre a privatização da Infraero causou um corre-corre no governo, que tratou de desmenti-la.

Há dois motivos para tanta correria. Ou dois temores. Um de que o PT lidere um movimento contra a proposta, acuando um governo que cansou de acusar o PSDB na campanha eleitoral de querer privatizar o país inteiro. Outro de que o forte corporativismo da Infraero entre em ação e inviabilize os planos governistas.

Há, além disso, divergências internas quanto ao que fazer com a Infraero, uma daquelas estatais cheia de dinheiro e vazia de fiscalização -um prato feito para desvios de mil e uma naturezas, especialmente em épocas eleitorais.

Ao que se saiba, o ministro Nelson Jobim e o atual presidente da Infraero, Sérgio Gaudenzi, defendem a abertura do capital da empresa, mas mantendo o controle estatal. Já a ministra Dilma Rousseff e parte da área econômica veriam com bons olhos um passo adiante, com a privatização efetiva da empresa.

Num ponto, porém, os dois lados concordam: assim como está atualmente, a Infraero não é atrativa nem para uma coisa nem para outra. Ou seja: antes de mais nada é preciso reestruturar a empresa de alto a baixo.

E, aí, já há dúvidas sobre a permanência ou não de Gaudenzi. Seria o homem certo para isso? Há controvérsias no governo.

A Infraero tem em torno de R$ 2 bi de recursos neste ano e praticamente independe de Orçamento da União, porque o grosso da receita vem das taxas aeroportuárias que nosotros pagamos a cada vôo.

Mas lhe falta patrimônio: os 67 aeroportos sob seu controle não são da empresa, são da União.

Deles, aliás, só dez dão lucro. São o "filé". E, quando se fala em abrir capital, privatizar, tornar a empresa apetitosa, a pergunta que mais nos interessa, a nós, usuários, é: e o "osso" (ou os 57), quem vai querer?

elianec@uol.com.br

CLÓVIS ROSSI

Crimes, pequenos ou grandes

SÃO PAULO - À primeira vista, parece exagerada a suspeição em torno do vereador petista Antônio Donato, responsável pela contratação da Finatec -a mais recente grife na coleção de firmas envolvidas em trambiques ou suspeitas fortes.

A empresa deveria elaborar modelo de gestão das administrações regionais paulistanas quando Donato era secretário das Subprefeituras (governo Marta Suplicy).

Afinal, Donato recebeu uma doação de meros R$ 4 mil da Pro-Sistemas, subcontratada pela Finatec.

É muito improvável que um político se venda tão barato, mesmo sendo um político brasileiro, dos quais se espera tudo, inclusive vender-se a baixo preço.

Mas um segundo exame de toda a história e do ambiente político geral torna lógicas as suspeitas.

Primeiro, uma prefeitura como a de São Paulo, ou tem capacidade interna para criar modelos de gestão, ou é melhor fechar as portas (vale para todos os prefeitos).

Ao terceirizar tais serviços, o poder público abre espaço para subterceirizações, criando-se tal teia de interesses e pagamentos que escapam ao controle do distinto público e até dos contratantes, no pressuposto de que estes tenham agido de boa-fé.

Nos buracos dessa teia, infiltram-se especialistas como o petista Luiz Antônio Melhado, dono da empresa Pro-Sistemas, que trabalhou com diferentes prefeituras (do PT, claro, nem precisaria dizer), de Santos a Fortaleza.

Ou é um gênio em gestão pública, hipótese que lhe deveria valer um posto no ministério de Lula, claramente carente nessa área, ou é apenas um campeão das "boquinhas", como Anthony Garotinho uma vez definiu o PT.

Como o presidente jamais condenou os trambiques anteriores de petistas e aliados, só podia mesmo prosperar esse ambiente embaçado, sejam as quantias grandes, sejam as pequenas.

crossi@uol.com.br


Jaime Cimenti
29/2/2008


O século XXI será espiritual e laico?

Ao longo dos milênios da história da humanidade religião sempre foi um dos grandes temas, envolvendo aspectos espirituais, econômicos, políticos, relações entre países e poder.

Nos últimos tempos, fala-se em um certo revival do assunto, que ganhou dimensões literalmente globais e inquietantes, especialmente após o atentado de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque.

Países muçulmanos, Israel, religiões ocidentais, novas seitas e religiões, fanatismo e obscurantismo e políticas externas dos países, entre outras coisas, compõem um cenário mundial complexo, que desafia os políticos, os estudiosos e os leigos na busca de explicações e soluções.

O espírito do ateísmo, do grande filósofo materialista, racionalista e humanista francês André Comte-Sponville, que também é professor universitário e autor de quatorze obras sobre vida e filosofia, vem, em boa hora, para contribuir com reflexões e sugestões sobre Deus, espiritualidade, religiões e ateísmo.

Na busca de respostas para grandes questões, como Pode-se viver sem religião?, Deus existe? e Os ateus estão condenados a viver sem espiritualidade?, Comte-Sponville dividiu sua obra em três partes.
Na primeira, intitulada Pode-se viver sem religião?,

ele busca definir religião, fala de lutos e rituais, do ocidente pós-cristianismo, de judaísmo, de Dalai-Lama, das tentações da pós-modernidade e das alegrias e desesperos da atualidade. Na segunda parte, que tem como título Deus Existe?, o autor trata de aspectos teológicos, origem e existência de Deus, mistérios do ser e, ao final, do direito de não crer.

Na parte final, intitulada Que é espiritualidade para os ateus?, Sponville fala de silêncio, misticismo, plenitude, simplicidade, eternidade, serenidade e outros temas.

Em toda a obra, a intenção do filósofo foi responder às grandes questões e mostrar seu horror ao fanatismo, ao obscurantismo e à superstição que tantos males fazem às pessoas e ao mundo. Sponville também condena a apatia e o niilismo.

O autor prega tolerância e é a favor da laicidade, que julga ser a solução para não cairmos no fanatismo de uns em luta contra o niilismo de outros.

Para ele, aos ateus resta inventar a espiritualidade que acompanha a laicidade. Sponville diz que os ateus não têm menos espírito do que os outros.

Com linguagem clara e precisa e, procurando afastar-se de ressentimentos e ódios tão presentes na discussão de questões religiosas e espirituais, ele busca uma "sabedoria para o nosso tempo" e acha que, ao fim e ao cabo, o século XXI será espiritual e laico ou não será nada.

Vale dizer: nem otimista, nem pessimista, mas tentando ver as coisas como elas são, sem se iludir, Sponville se aproxima do racionalismo crítico de Karl Popper e acha que filosofar é pensar a sua vida e viver o seu pensamento.

Propõe uma metafísica materialista e uma espiritualidade sem Deus e, politicamente, se define como social democrata ou liberal de esquerda. Tradução de Eduardo Brandão, 192 páginas, Martins Fontes, telefone 11-3241 3677.

Uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana. Aproveite o 29 de Fevereiro, pois igual a este no calendário, só daqui a 4 anos.


DIÁLOGO ENTRE UM BARBEIRO E UM SEM-TERRA

Repórter sempre em busca da notícia, ainda que afastado dessa função há alguns anos, espichei o ouvido para captar um diálogo deveras interessante entre um barbeiro – o transmissor da doença de Chagas, não o responsável pelas agências noticiosas dos vilarejos – e um sem-terra.

É incrível como se pode colher bom material numa viagem de férias. A tal conversa aconteceu no canto de uma dessas casinhas de barro de um assentamento.

Peço que acompanhem com atenção e não se deixem dominar por convicções ideológicas antes do tempo. É bem verdade que o barbeiro poderá parecer terrivelmente reacionário. Mas o sem-terra, alguma vezes, excedeu-se no radicalismo. Julguem por vocês mesmos ao final desta história real.

O barbeiro acusou o sem-terra de nada entender de agricultura e de ter participado da invasão apenas para receber uns hectares que pudesse vender na primeira oportunidade.

O sem-terra defendeu-se alegando que fora uma ocupação e apontando para o rancho: 'Isto é casa para se viver?' O barbeiro, ofendido, balbuciou: 'Estou bem aqui. Sinto-me no meu hábitat natural'.

O sem-terra, apesar de não ter certeza quanto à precisão do termo, contra-atacou: 'Ora, você não passa de um parasita'. O barbeiro acusou o golpe: 'Eu não vivo do Bolsa-Família nem de outras ajudas do governo federal'.

O sem-terra riu. Afinal, o golpe era baixo demais. A conversa estava tomando um rumo desagradável, rasteiro, baixo nível, semelhante ao de certos debates de televisão.

Não tendo outro argumento, no entanto, usou o previsível: 'De quem é o sangue?' O barbeiro desconversou: 'Quem manda não ser desenvolvido. Doença de Chagas é coisa de primitivo'.

Aturdido, o sem-terra limitou-se a exclamar: 'Cínico!' Realista, corrigiu o barbeiro. O sem-terra reclamou da falta de condições de trabalho e acusou o barbeiro de ter votado em FHC e de ser um eterno collorido.

'Precisamos de uma revolução', exaltou-se. 'Devemos dar a terra para quem nela produz', completou. O barbeiro continuou impassível': 'Você não produz'.

O sem-terra perdeu as estribeiras: 'Vou acabar com você'. O barbeiro permitiu-se uma ironia: 'Era o mínimo que você devia fazer'. Sejamos francos, eu já estava indignado com a canalhice do barbeiro e revoltado com a tibieza do sem-terra.

É indescritível o quanto um barbeiro pode ser desumano e frio. Se não fosse uma imagem demagógica ou simplória, eu diria que aquele bicho tinha alma de banqueiro, tamanha era a sua insensibilidade social.

Foi aí que aconteceu, digamos assim, uma virada. O barbeiro adotou uma voz mais suave e conciliadora: 'Se falo isso é pelo seu bem, meu velho. Não suporto mais ver a sua família vivendo no limite da linha da pobreza'.

O barbeiro adotava agora um tom e um vocabulário mais ou menos sociológicos. O sem-terra ficou um tempo na defensiva. O barbeiro insistiu: 'Você não pode continuar assim, contentando-se com tão pouco, vegetando, vivendo de migalhas'.

Desconfiado dessa conversa mole, o sem-terra retomou o ataque: 'Se aqui é tão ruim assim, meu chapa, por que você não se manda? Por que não vai embora?' O barbeiro deu de ombros com falsa modéstia: 'Cada qual com a sua natureza.

Estou na base aliada. Tudo indica que teremos em breve mais cargos em todos os escalões. Não estamos pedindo favor algum. Só queremos aquilo que nos é de direito. Afinal, sem nós, o país fica ingovernável'.

juremir@correiodopovo.com.br


29 de fevereiro de 2008
N° 15525 - Paulo Sant'ana


Unanimidades inteligentes

Existem exceções para a afirmação do inesquecível Nelson Rodrigues de que "toda unanimidade é burra".

Eu conheço várias dessas exceções. Por exemplo, o pastel. Não conheço ninguém que não goste de pastel. Então, a unanimidade pelo pastel não pode ser considerada burra.

Um pastel recém-saído da frigideira, quentinho, ainda molhado do azeite, é algo que só quem é anormal pode rejeitar.

Pastel de queijo, pastel de carne, pastel de catupiri, pastel até de abacaxi, todos são deliciosos.

Outra unanimidade inteligente é o cafuné. Só um monstro pode não gostar de cafuné. Cafuné de mãe, cafuné de irmã, cafuné da pessoa amada, então, é irrecusável.

Não existe para o homem urbano e civilizado um prazer mais inexcedível do que, de pijama, numa matinê de sábado, ser alvo do cafuné de sua amante.

Vocês já notaram o êxtase de que é tomada uma cadelinha poodle quando lhe fazemos um cafuné?

O cafuné é, portanto, um prazer animal, uma euforia hedônica, um deleite incomparável brindado pela inteligência e sensibilidade humanas.

O cafuné é uma das unanimidades universais.

Outra unanimidade nada burra é o beijo. O beijo da mãe, o beijo do pai, o beijo principalmente com a mulher ou o homem amado, pode existir algum prazer maior que o beijo? Adianto que nem o orgasmo. O orgasmo é filho do beijo e não o contrário.

Por sinal, o orgasmo sem beijo é como um doce dietético, tem um sabor que se sabe que é falso, que não vem do açúcar, o orgasmo sem beijo tem sabor de aspartame.

Não há beijo sem valor considerável. Nem o "beijo de Judas". Aliás, o beijo de Judas só se vem a saber que foi de Judas muito tempo depois de ser dado.

Quer dizer, quando foi dado, como não se conhecia que era de Judas, tratou-se de uma delícia confortante. Só quando, mais tarde, quando se perpetra a traição, é que o beijo de Judas é renegado e maldito.

Ou seja, o beijo, todo beijo, é uma dessas unanimidades indiscutíveis.

Outra unanimidade estupenda é a coçada nas costas. Nunca vi ninguém que não goste, que não adore que lhe cocem as costas.

Chegaram até a criar essas mãozinhas de plástico que são vendidas nas lojas de R$ 1,99 para coçar as costas.

Quem, após ter queimado as costas no sol da praia ou da piscina, não se debulhar em prazer quando alguém lhe coça as costas não é terráqueo, não é humano - e, se for, será um imbecil.

Outra brilhante unanimidade é a massagem, correlata ao cafuné e à coçada nas costas. O beijo na boca é relaxante, a coçada nas costas é relaxante, idem o cafuné, mas o mais relaxante dos toques de mãos alheias ou qualquer pele de outrem é a a massagem.

Quando me fazem cócegas, eu rio. Quando me fazem cafuné, eu enterneço. Mas, quando me fazem massagem, eu durmo, isto é, eu ameaço morrer de relaxamento.

A massagem é a mais mágica das artes manuais, ela nos transporta para o Nirvana, para o céu, para o vestibular da eternidade.

Parece que a massagem livra nosso corpo de todas as impurezas, além de fortalecer o espírito. Sim, porque quando o corpo é massageado ele sente que pode levitar, que pode correr, que pode fazer amor, uma sensação de onipotência toma conta dos ossos, dos nervos e dos músculos, capaz de fazer um homem sentir-se um super-homem, a criança sentir-se um adulto, a mulher sentir-se capaz de dar à luz decagêmeos.

A massagem transmite-nos uma forte sensação de liberdade.


29 de fevereiro de 2008
N° 15525 - David Coimbra


Noites de contravenção

Cláudio Ends tinha uma Luger. Aquela pistola alemã. É que Cláudio Ends era alemão. Alemão alemão mesmo, não da colônia. Falava português com sotaque: "Tuto pom?"

Não sei como veio parar no Brasil, ele sempre despistava quando roçávamos no assunto. Existia uma crença entre os amigos de que fugira da II Guerra e que aquela Luger fora usada por ele em combates pelo exército do Reich, mas não podia ser - em 1945 Cláudio devia ter uns sete anos.

Enfim, Cláudio Ends atravessou o oceano e, depois de rodar pelo continente, estabeleceu-se em Criciúma. Abriu um restaurante, o Recanto do Fritz, que explodiu em sucesso.

Cláudio Ends até já havia vencido concursos culinários, preparava um lombinho à moda russa que seduziria Sharapovas, um purê de batatas tão diáfano que flutuava e uma torta de maçã que a gente comia aos soluços, o que, combinado aos chopes bem tirados, fez-me engordar 26 quilos, já contei essa.

Mas o importante era o que acontecia às segundas-feiras no restaurante do Cláudio. Ele fechava as portas para o público, chamava-nos, a um grupo de amigos, e patrocinava uma noitada de contravenção - jogávamos pôquer no restaurante do Cláudio!

A dinheiro, obviamente, que pôquer só tem graça se for a dinheiro. Os homens ficávamos reunidos numa saleta, fumando, bebendo e jogando. As mulheres em outra, assistindo TV.

No meio da noite, o jogo era interrompido, os casais voltavam a se formar numa terceira sala e Cláudio servia-nos uma refeição suntuosa - até hoje suspiro ao lembrar de certo rahmschnitzel de quatro dedos de altura... Concluído o jantar, os homens voltávamos para a saleta e o jogo recomeçava feroz, para só terminar na última curva da madrugada.

Muitas segundas-feiras saí daquelas tertúlias com o salário desfalcado, mas também já houve de ter ganho o suficiente para me empanzinar de hackepeters durante toda a semana.

De uma forma ou de outra, o que sempre pensava depois da jogatina era o mesmo: por que o jogo é proibido no Brasil? Afinal, eu jogava, meus amigos jogavam, conheço dezenas de pessoas que jogam, todos adultos, sensatos, cumpridores de seus deveres, pagadores de impostos. Qual é o problema?

Há quem vá à bancarrota em cassinos? O que é que tem? Esses se arruinarão com os cavalos lerdos do hipódromo, com as mariposas das boates escusas, no frêmito da bolsa de valores. E os bingos? Existe maior hipocrisia do que proibir bingos?

Aquelas senhoras septuagenárias que vão aos bingos, alguém pode afirmar que não lhes cabe o direito de dissipar o dinheiro da aposentadoria, se quiserem?

E por que um homem adulto, maduro, que já bebeu as cervejas que poderiam ser bebidas, já beijou as mulheres que poderiam ser beijadas, já dirigiu carros, já leu jornais, já passou noites em claro e teve dias sonolentos, por que um homem não pode gastar todo o seu parco salário numa máquina caça-níqueis, se isso lhe aprouver?

As investidas da polícia contra o jogo ilegal, francamente, não passam de desperdício de energia e recursos. Até porque proibição do jogo é que fomenta a criminalidade, assim como a proibição das drogas financia a bandidagem.

Mas por aqui é assim: a solução não é educar; é proibir. E proibir quase sempre é fácil. Só que quase nunca funciona.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008


JOSÉ SIMÃO

Buemba! A volta às múmias!

E sabe por que o dólar tá caindo? Porque, depois que foi achado na cueca, ele foi pro saco! Rarará!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

Leonardo DiCaprio enfrenta problemas de alcoolismo -e sabe como se chama a namorada dele? BAR Rafaeli. Se você tivesse uma namorada chamada Bar, você pararia de beber? É uma modelo de Israel.

Aliás, sabe como se chama Fome Zero em Israel? MARMITZVA!

E sabe qual é a diferença entre rã e perereca? Rã é comestível, e perereca é comível. Rarará!

E atenção: "Encontradas duas múmias no mosteiro da Luz". E o blog Comentando revela os diálogos entre as duas múmias:
1)-Hebe?! -Dercy?!

2)-Marta, o que aconteceu com o nosso botox?! -Sei lá, Marisa Letícia. Rarará!

E 3)-Serra, agora a gente vai ter que encontrar outro esconderijo pra falar mal do Aécio.

-Com certeza, FHC! E sabe por que o dólar tá caindo?

Porque, depois que foi achado na cueca, ele foi pro saco. Nunca mais foi o mesmo. E do jeito que o dólar tá caindo, temos que indenizar o Cacciolla por perdas e danos!

E a última do Timão: o Corinthians jogou na semana passada com o Rio Claro, depois com o Rio Preto e, no próximo domingo, com o Rio Tietê! Rarará! Jogo sujo!

E como o Brasil vai ajudar a dona Kirchner com o problema do gás? Solta um pum, engarrafa e manda pra Argentina. Rarará!

E pegaram o Lula rezando para santo Expedito: "Santo Efedito, prefivo revolver o pobrema do fofial e afelerar o crefimento". Rarará!
E agora estão cobrando a reforma tributária do Lula.

É reforma previdenciária, reforma tributária, reforma ministerial. Operário não pára de fazer reforma nem quando vira presidente?!

É mole? É mole, mas sobe. Ou, como diz o outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que em Vila Seixas, aqui em Sampa, tem uma avícola chamada Frangos e Frangas.

Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil! E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Urucubaca": encosto que vem lá de Cuba. Rarará. O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E quem fica parado é poste!

simao@uol.com.br

CARLOS HEITOR CONY

A carne assassina

RIO DE JANEIRO - Não, não me refiro àquele inimigo da alma: a Carne, que, junto com o Diabo e o Mundo, renunciamos no momento em que somos batizados.

O padre pergunta ao recém-nascido se ele renuncia ao Diabo, ao Mundo e à Carne. Como o batizando ainda não fala, fala o padrinho, que renuncia ao Diabo, ao Mundo e à Carne em nome da criança. O padrinho funciona como uma espécie de laranja.

A carne a que me refiro é a carne mesmo, de boi, porco, cabrito, cordeiro ou de qualquer outro animal que tenha carne vermelha, como a nossa. Descobriram que a carne faz mal, é uma carne assassina.

Tal como o fumo, que tira 15 minutos de vida a cada cigarro que se fuma. Dentro desse cálculo, eu já deveria ter morrido há uns 40 anos, nem sei como continuo vivo. Mais para lá do que para cá, mas vivo.

Quando ministro da Saúde, o Zé Serra impôs aquelas figurinhas nos maços de cigarro para desestimular os fumantes. Homens cadavéricos morrendo em CTIs, em cadeiras de roda após enfartes violentos e até mesmo impotentes sexuais.

Valeu tudo, todas as mazelas físicas e espirituais para mostrar os malefícios do fumo.

Mais dia, menos dia, com a carne vermelha acontecerá o mesmo. Ela não será proibida, porque haverá lobby de produtores, frigoríficos, açougues, churrascarias, restaurantes etc.

Mas, a cada bife que recebermos em nossa mesa, virá alguma forma de advertência, uma imagem espetada em cima da carne, estampando um caixão de defunto, um cemitério, uma caveira com os ossos cruzados, como na bandeira dos piratas.

Confesso que ficarei deveras impressionado. (Nunca usei o "deveras", mas usado está.) Nem por isso deixarei de apreciar um bife suntuoso, uma picanha na brasa. Sem prazer, a vida não vale a pena, mesmo que a alma não seja pequena.

ELIANE CANTANHÊDE

A tapioca azedou

BRASÍLIA - O presidente do PSDB, Sérgio Guerra, seu antecessor, Tasso Jereissati, e os líderes Arthur Virgílio, tucano, e José Agripino Maia, do DEM, desembarcaram em peso ontem na CPI das ONGs.

O gesto sugere que a oposição não dá um tostão furado pela CPI da Tapioca, principalmente depois que os cartões corporativos de Serra entraram na roda, e prefere investir nas ONGs, muito vinculadas ao PT e ao governo federal.

Já que não podiam recuar de todo na CPI da Tapioca, os tucanos indicaram Marisa Serrano para a presidência, pelo menos para manter algum controle sobre as investigações e aproveitar a exposição da senadora para vincular a (boa) imagem dela à do partido.
Mas o alvo preferencial, ou real, é a outra CPI.

Sérgio Guerra, por exemplo, acusa as ONGs de serem cabos eleitorais do PT e de Lula, inclusive propagando a versão de que um eventual governo Alckmin privatizaria Petrobras e BB, botando milhões de empregados na rua.

As ONGs devem servir novamente de instrumento da guerra entre petistas, de um lado, e tucanos e demos, de outro, neste novo ano eleitoral.

Com a oposição no ataque, não é difícil imaginar governo e PT atrás de umas ONGzinhas financiadas pelos governos de São Paulo e de Minas. Para tentar zerar o jogo, como no "mensalão" e na tapioca.

Um dos resultados práticos da CPI do Orçamento, em 1993, foi acabar com a subvenção oficial a entidades privadas, mas logo depois abriram a porteira daqui e dali.

Onde passa boi passa boiada. Soltar dinheiro "governamental" para entidades "não-governamentais" virou prática corriqueira. Daí a virarem braços políticos foi um pulo.

Na balança do Congresso, desce a CPI da Tapioca, sobe a das ONGs. Urge encontrar um ponto de equilíbrio que preserve as centenas ou até milhares de entidades que, além de limpas, prestam importante serviço ao país e à sociedade.

elianec@uol.com.br


28 de fevereiro de 2008
N° 15524 - Nilson Souza


Marias-vitórias

A humanidade se enternece quando um bebê sobrevive ao abandono, como aconteceu esta semana com a menina encontrada numa lixeira de São Gabriel - ironicamente a cidade gaúcha que tem o nome do anjo da Anunciação.

Mas esse tipo de ocorrência se tornou tão comum em nosso país, que o Congresso já analisa uma proposta de lei para possibilitar que mães de filhos indesejados façam seus partos nos hospitais sem se identificar, podendo deixá-los abrigados e cuidados em vez de descartá-los na rua.

A idéia ressuscita a medieval roda dos enjeitados, sistema criado pela Igreja no século 12 para o recolhimento anônimo de crianças que os pais não podiam ou não queriam criar.

Apesar de bem-intencionada, a proposta também provoca resistências, especialmente de quem acha que a nova legislação poderá adiar para as calendas gregas a necessária discussão sobre planejamento familiar em nosso país.

Não quero entrar neste debate, pois não me reconheço habilitado para tanto. O que desejo abordar neste texto despretensioso é a curiosidade do nome escolhido pelas pessoas que recolhem e abrigam bebês abandonados, especialmente para as meninas.

Quase sempre passam a ser chamadas de Vitória - homenagem óbvia ao triunfo sobre a improbabilidade de sobrevivência.

O filhote do homem, como sabemos, vem ao mundo desprovido de resguardos naturais. Se não for alimentado, morre de fome e sede. Se não for coberto, morre de frio. Se não for protegido dos perigos e das doenças, perece inexoravelmente.

E só cresce sadio se continuar recebendo assistência durante a infância. Precisa de alguém que lhe guie os primeiros passos, precisa de alguém que lhe indique os caminhos do futuro, precisa - para se orientar na adolescência - de amor e atenção permanentes.

Sem apoio, os filhotes humanos sequer conseguem atravessar saudáveis de corpo e alma a areia movediça da juventude, que também é cheia de armadilhas e abandonos.

As marias-vitórias, infelizmente, são filhas de marias-derrotas.

Não conheço o texto da nova lei, mas ela será bem-vinda se contribuir para salvar bebês e aliviar a culpa das mães desesperadas ou perturbadas que se desfazem das suas crias, sabe-se lá com que sofrimento.

De minha parte, se tivesse poderes para editar uma norma a respeito deste complexo assunto, redigiria apenas um artigo de quatro palavras: "Nenhuma criança será abandonada". E o complementaria com um inciso mais sintético ainda: "Nunca".

Uma excelente quinta-feira, esta que com certeza, estará cheia de torcedores pelas ruas, com as camisetas de seus times , comemorando as vitórias de goleada ontem a noite.


28 de fevereiro de 2008
N° 15524 - Paulo Sant'ana


Não sei se vou ou fico

Mesmo quando a gente está em férias e viaja, sente nos primeiros dias de distância uma saudade do nosso lar, do papo com os amigos na cidade em que se mora, bate até uma falta enorme do ambiente de trabalho e também do próprio trabalho.

É um absurdo, uma besteira, mas a gente sente.

Eu sei que é o cúmulo da idiotia querer voltar para casa logo após ter deixado a casa em férias, mas é coisa que acontece muito freqüentemente.

Sobre esses dois corações que nos restam quando nos ausentamos do nosso ambiente original ou do nosso pago, no início de sua carreira, há 30 anos, Martinho da Vila compôs um samba exemplar nos primeiros versos:

Não sei se vou
Não sei se fico
Se fico aqui
Ou se eu fico lá
Se estou lá tenho que vir
Se estou aqui eu tenho de voltar.

Tem vários tipos de pessoas e vários tipos de síndromes entre os que se ausentam de casa.

Há os que carregam o mais vasto arsenal de material afetivo quando viajam: desde os chinelos até a cuia de chimarrão e a chaleira.

Há os que levam as fotos das paredes, há os que levam os cachorros, os que carregam a empregada, os que tiram fotos de suas camas, até de seu banheiro, só para se sentir em casa no lugar para onde vão.

E há os que transportam quase por inteiro a sua biblioteca, não vão ler nada, mas querem continuar perto de seus livros.

Há um tipo exótico de gente, passando agora para o terreno das afeições interpessoais, que leva na viagem a mulher, os filhos, mas também leva o melhor amigo. Não querem ficar sem nada que lhes pertença no lugar que escolheram para tirar as férias.

E há também o tipo mais especial mas também mais racional para essas hipóteses de afastamento dos seus valores habituais: é o sujeito que sabe que não pode ficar longe de suas coisas e das pessoas de que gosta e simplesmente se recusa a viajar, se é para ficar sentindo falta de tudo que o cerca, estragando assim a viagem, então se poupa desse incômodo ou tortura não se afastando de seu ambiente original.

De minha parte, faço exatamente o contrário dessas pessoas. Quando viajo, não levo nem escova nem pasta de dentes, compro tudo à chegada no lugar para onde me dirijo.

Tenho até exagerado nessa prática, muitas vezes não levo nem carteira de identidade, o que me tem causado imensas complicações.

Quero mudar completamente de ares. Sei que não conseguirei se carregar uma bagagem gigantesca de coisas identificadas com minha habitualidade.

Tive um amigo que viajava só com a roupa do corpo, não carregava bagagem para despachar, nem de mão. Entrava só com o corpo na viagem, assim mesmo um corpo modificado: raspava a cabeça e o bigode, cortava esmeradamente as unhas, até os óculos ele deixava em casa e logo à sua chegada no lugar de destino ia a um oculista e comprava outras lentes.

Sentia-se invejavelmente um homem novo em cada viagem. E se virava comprando de tudo no lugar da chegada, roupas, sapatos, alpargatas, remédios. E se esforçava com talento para achar lá uma outra mulher que não a sua, a qual deixava estrategicamente em sua cidade e em sua casa.

Um homem admirável aquele meu amigo no seu aferrado anti-sedentarismo.

Cá para nós, é uma idiotice viver em Porto Alegre e carregar todas as suas coisas para férias em Recife. Se todas as suas coisas e pessoas lhe acompanharem até Recife, vai ser a mesma coisa que estar novamente em Porto Alegre. Para que gastar na viagem?

Eu já decidi que não vou levar mais nada do que possuo quando viajar para longe, dentro do Brasil.

Não vou levar nada. Da minha cidade, posso levar só, contra meu esforço mental, raras recordações.

Já chegam os discursos ininteligíveis do Lula na televisão, que teimam em me acompanhar todos os dias, em todos os lugares brasileiros que visito.


28 de fevereiro de 2008
N° 15524 - Luiz Pilla Vares


A Lei Seca

Apóio inteiramente a chamada Lei Seca, que proíbe a venda de bebidas alcoólicas na beira das estradas. Não sou nenhum moralista, nenhum puritano.

Cada um sabe o que fazer de sua vida e ninguém tem nada a ver com isso. Assim, se quiser tomar um porre, que encha a cara, e não pode ser condenado moralmente.

E se vir a ser um alcoolista, o problema é dele: vai adquirir uma doença que só piora com o passar do tempo. Não é, portanto, um problema moral: é um problema de saúde que se adquire, mas depois não é mais possível a cura sem uma devida assistência especializada.

Não cabe, pois, o estigma, a condenação moral. É como o suicídio. Como alguém pode ser condenado por acabar com a própria vida? Trata-se de uma escolha a que qualquer um tem direito.

Como é possível condenar alguém que desiste da vida? Com que direito podemos fazer um julgamento de uma mente aprisionada por desesperos extremos?

Mas voltemos ao caso da Lei Seca, que o Governo Federal pretende enviar ao Congresso. Como afirmei acima, quem quiser encher a cara que o faça. Mas a coisa muda de figura quando alguém alcoolizado assume a direção de um carro.

Então não se trata mais da própria vida, mas da vida dos outros que nada têm a ver com quem decidiu tomar um porre. Nesse caso, todas as medidas legais que restrinjam drasticamente o risco de acidentes em estradas são muito bem-vindas.

É claro que nem todos os acidentes fatais são provocados por excesso de álcool. Muitos deles acontecem por imprudência ou imperícia.

Mas as estatísticas estão aí para provar que o consumo de bebidas alcoólicas é um fator decisivo para as tragédias que ocorrem com freqüência em nossas estradas. Certamente, os donos de bares e restaurantes sentem-se prejudicados com a medida.

E de fato o serão. Perderão ganhos com a proibição da venda de bebidas, mas entre o lucro dos comerciantes e a defesa da vida não há nenhuma possibilidade de vacilar. Fiquemos sempre com a vida.

É ingenuidade pensar que a solução do problema está na educação das pessoas para o trânsito. Décadas de irresponsabilidade não serão resolvidas em alguns poucos anos e, além disso, os eventuais prejuízos dos comerciantes podem se resolver rapidamente com a readequação de seus estabelecimentos diante das novas regras.

O que é indiscutível é a necessidade de leis drásticas que reduzam as proporções da imensa tragédia que faz parte, infelizmente, do cotidiano brasileiro. Com sua decisão o ministro da Justiça, Tarso Genro, está no caminho certo.


28 de fevereiro de 2008
N° 15524 - Luis Fernando Verissimo


A grande festa da comunidade

Uma crise de crédito nos Estados Unidos estremece os mercados financeiros do mundo inteiro, a quantidade de utilitários queimando gasolina nas estradas americanas tem tudo a ver com o que você e eu pagamos por ela no posto da esquina e muita gente que nem se lembra em quem votou para vereador no seu país, e por que, sabe a razão de preferir o Barack ou a Hillary. Gostando ou não, vivemos todos em arrabaldes da América.

Não surpreende que a principal festa destes subúrbios concêntricos seja a da entrega dos Oscars, quando a fábrica de imagens do nosso centro festeja justamente o sortilégio que nos domina: a sua riqueza, a sua potência, o seu fascínio.

Enfim, tudo o que nos mantém presos na poltrona até depois da meia-noite, convencidos que mesmo o tédio entre as partes boas do espetáculo nos diz respeito. Afinal, é uma festa comunitária.

O ritual dos Oscars, como todos os rituais, tem suas reincidências. Desta vez não houve muitos momentos "Meu Deus do céu!", quando alguém que julgávamos morto há anos aparece no palco e é aplaudidíssimo por ainda estar vivo. Poucos vexames, também.

Todos os agradecimentos foram comedidos, talvez porque tantos premiados fossem visitantes estrangeiros na cidade e nenhum fosse o Roberto Benigni, o que explicaria o bom comportamento geral. Se bem que o Javier Bardem, se entendi bem, passou o tempo todo aos beijos com a própria mãe.

O momento mais classudo, ou apenas mais inglês, da noite foi o do Daniel Day Lewis ajoelhando-se diante da única realeza presente na festa, a Helen Mirren, antes de receber o Oscar das suas mãos.

O apresentador Jon Stewart falou do pouco tempo que os escritores tiveram, depois do fim da sua greve, para preparar o roteiro do espetáculo, mas a sua melhor piada pareceu feita na hora.

Depois de notar que três atrizes presentes no teatro estavam grávidas, disse que talvez fosse cedo para fazer uma contagem final, já que a noite recém começara e Jack Nicholson estava no recinto.

Quem mais gostou da piada foi Nicholson, hoje o velho sátiro oficial de Hollywood. Stewart apresenta um show na TV que costuma baixar o pau no Bush, mas houve poucas referências políticas durante a noite.

Na questão das guerras no Oriente Médio, deu empate técnico. Uma seqüência em que soldados americanos no Iraque anunciaram os vencedores numa categoria, depois a premiação de um documentário sobre um afegão torturado até a morte numa base americana.

No seu agradecimento o diretor do documentário fez um breve protesto contra a tortura e mencionou Guantánamo e Abu Ghraib. Não se falou mais no assunto.

Não deram um Oscar para a favorita sentimental de todo o mundo, Julie Christie, mas não houve grandes injustiças nas premiações. Só acho que o prêmio para melhor fotografia deveria ser do "Onde os frescos não têm vez", ou que título deram ao filme em português.

A paisagem, como em todos os filmes dos irmãos Coen, aquela dupla de farmacêuticos que, ninguém sabe como, faz cinema, tem uma participação essencial na história e no seu tom de aridez moral. Na verdade, a maior injustiça da noite foi não darem à paisagem do filme dos Coen o Oscar de melhor atriz coadjuvante.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008


JOSÉ SIMÃO

Socuerro!

A Gretchen soltou um pum! Lulalelé disse: "O país terá de tirar gás da própria pele". Já entendi: todo brasileiro soltando pum!

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Direto do País da Piada Pronta! Sabe como se chama a banda que vai animar a prévia do PT em Porto Alegre? PROMETEUS! Rarará!

E duas condições pro Brasil ajudar a Argentina em energia: 1) Reconhecer que o Pelé é melhor que o Maradona. Aí eles vão preferir ficar no escuro! 2) Se eles pararem de mandar frente fria, a gente manda um monte de vela de sete dias. Rarará!

E sabe o que um leitor disse quando viu a Cristina Kirchner? "Agora a Argentina parece a minha casa: quem manda é a mulher."
E o Lulalelé disse: "O Brasil vai ter de tirar gás da própria pele". Já entendi, vamos ter que soltar pum. Todo brasileiro soltando pum. Menos a Gretchen.

Porque, se a Gretchen soltar um pum num saco de confete, vai ter Carnaval o ano inteiro. Rarará! E o Lula devia lançar o Bolsa Repolho: repolho, batata-doce, brócolis e ovo cozido! E carro seria movido a pum. Tem que ter um adesivo: Carro Movido a Pum.

Aliás, diz que o Lula vai soltar um PUM: Plano de Unificação ao Morales! E quem tiver carro a gás pode processar o Evo por danos IMORALES!

E eu desconcordo do Oscar. Meu Oscar seria assim... Melhor maquiagem: Marta Suplicy. Melhor pancake: Rubens Ewald Filho. Melhor animação: Louro José.

Melhor desanimação: Ana Maria Brega. Melhor figurino: Zé Wilker fantasiado de Charada. E melhor intertrepação: Alexandre Frota e Rita Cadillac.

E diz que o Maluf não foi indicado, foi INDICIADO ao Oscar! Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou, como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês". Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que um restaurante no Minho, em Portugal, tá oferecendo um prato de bacalhau chamado Fodinhas Quentes. Acompanhado de corninhos em marcha lenta, ou seja, caracóis. Rarará! Portugal é o berço do antitucanês.

O Brasil só tropicalizou! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Pungente": a Gretchen soltando um pum na cara da gente! O lulês é mais fácil que o inglês.

Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno. E vai indo, que eu não vou!

simao@uol.com.br

Arnaldo Jabor

O Brasil progride enquanto dorme

Há um inquietante vazio na política do país. A política brasileira me causa arrepios periódicos. Sempre que estamos na soleira de novos tempos, rolam-me tremores na espinha.

Não quero bancar o sensitivo, mas esta Era Lula está me arrepiando também, porque parece se estiolar numa mesmice de procedimentos políticos que parecem véspera de alguma explosão.

A roda viciada desse governo é sempre a mesma: anúncio de medidas não tomadas, radicalizações e indignações verbais do Executivo, seguidas de pressões dos aliados e corruptos, que conseguem vantagens, voltas-atrás e acochambramentos, tudo amenizado por sorrisos carismáticos com covinha e piadinha de Lula. E, pronto, nada muda.

Graças à boa situação da economia mundial ainda, graças à macroeconomia da herança bendita, talvez até o jogo "vaselínico" de Lula seja melhor que se ele se deixasse levar por arroubos. Pelos menos o status quo fica intocado, enquanto o Banco Central segura as pontas.

Mas até quando esse chove-não-molha vai agüentar?

Nada de real acontece neste país. Tudo se dissolve no ar. O mensalão se dissolveu, o Dirceu enriqueceu, botou cabelo, o Valério também cresceu cabelo, o Delúbio sorri, o Renan reina, os cartões corporativos viraram uma competição micha de cuspe em distância entre oposição e governo, enquanto os bilhões são postos em risco como nas indicações a Furnas, nos Fundos de Pensão, enquanto a Amazônia arde e depois os desmatadores são afagados e premiados, enquanto Marina Silva, mulher de bem, é abandonada. E nada se faz, nada termina.

Estamos precisando mais do que de "ação". Estamos precisando de fatos. Este governo está desmoralizando os fatos. Os acontecimentos não acontecem, se diluem, morrem.

Lemos os jornais atolados de denúncias, de descobertas encobertas, de investigações que duram o espaço de uma manhã, como as rosas.

Quando veremos um projeto aprovado, uma reforma, um ato de gestão importante? Quando veremos discussões no Congresso acima de negociações e puxa-saquismo para conseguir favores do Executivo? Quando?

Este Congresso que, no dizer do Garibaldi Alves com seu charme de raposa velha, foi transformado no quarto de despejo do Planalto. Ele disse que há uma espécie de "absolutismo presidencialista". É verdade, sim, mas "absolutismo relativo e malandro", pois a ideologia do governo é o radicalismo do "tanto faz".

Lula usa a brutal resistência do Atraso como caldo de cultura para manter seu prestígio alto. Não fez um gesto de modernização; mas sabe muito bem manipular a sordidez que antes, de boca, condenava. E aí navega no lodo, limpinho.

Estamos assistindo a uma nítida deterioração das instituições, quando ninguém teme mais nada, pois todos, do Renan ao reitor, todos descobriram que delitos e corrupção "não têm bronca", não têm "pobrema", não têm "mosquito"; tudo acaba bem e esquecido. O que antes se fazia com vergonha e até com mais parcimônia, agora é feito às claras, com uma tácita aprovação do Executivo.

Trata-se da institucionalização da amoralidade útil, da desmoralização dos escândalos. Vivemos na República do "é assim mesmo". Os jornais estão cheios de crimes esquecidos, de eventos inconclusos, e o desencanto nos invade, perdendo o gás até para nos horrorizar.

E tudo isso é muito sutil, tudo adoçado pelo charme de "Maquiavel Macunaíma" do presidente; tudo fica invisível quase, tudo fica desmentido pela inesperada diminuição do desemprego, pelo aumento da produção industrial e pela estabilidade monetária.

Que ótimo! A economia vai bem... Como explicar, se ninguém faz nada, a não ser o Banco Central e obviamente competências técnicas isoladas na máquina? Como bem disse o Oswaldo Aranha, há 60 anos, "O Brasil progride enquanto dorme".

Na minha pobre vida, já tive vários arrepios de pavor na véspera de desastres políticos.

Meu primeiro arrepio foi em 54, menino, ao lado do rádio, quando ouço o "Repórter Esso": "O presidente Vargas acaba de se suicidar com um tiro no peito!"

Depois, estou no estribo de um bonde, em 61. "Jânio Quadros renunciou!", grita um sujeito de chapéu e sem dentes. Gelou-me a alma. Eu já tivera uns arrepios quando ele proibira biquínis nas praias e inventara terninhos safári para funcionários públicos. Tínhamos elegido um louco!

Em 64, eu estava no comício da Central do Brasil. Clima de vitória do socialismo, sob as tochas dos bravos operários da Petrobrás. Jango discursando.

Volto para casa e, do ônibus, vejo uma vela acesa em cada janela da classe média, em sinal de luto pelo comício da esquerda. Outro arrepio. "Não vai dar certo" - foi a certeza brutal que me baixou.

Na capa da revista "O Cruzeiro", um baixinho feio, vestido de verde-oliva me olha. Quem é? É o novo presidente, Castelo Branco. Arrepio na alma: minha vida adulta seria corroída por aquele dia. Foram 21 anos.

Tancredo no hospital e o sorriso deslumbrado dos médicos de Brasília, amparando o presidente como um boneco de ventríloquo para a opinião pública. "Vai morrer!" - arrepiei-me.

O jaquetão do Sarney, deslumbrado e contristado, me arrepiou. A foto sorridente de Collor, na capa da "Veja", com o título "Caçador de marajás" me deu pavor.

Em 94, com a vitória do Brasil na Copa e um intelectual da nova esquerda subindo ao poder, tive esperança.

Mas, quando vi que a Academia em peso o sabotaria por inveja e rancor, sem dar-lhe apoio algum em sua tentativa de reformar o Estado patrimonialista, vi que a barra era mais pesada, que o atraso estava dentro de belas cabeças.

E agora? Que arrepio é este que sinto?

Acho que algo muito ruim está cozinhando em banho-maria nosso avanço político. Há alguma coisa "não acontecendo" no Brasil que me dá arrepios.

Elio Gasperi

O BRASIL PRECISA COMEÇAR A DEPORTAR

Peter Collecott, o embaixador de Sua Majestade Britânica, precisa se acautelar. Duzentos anos depois de sua primeira visita ao Brasil, lorde Strangford está armando encrencas com Pindorama.

Só pode ser dele a idéia de criar juntas de triagem para os nativos que desejam visitar o Reino Unido.

Do jeito que as coisas estão, de cada cem brasileiros que compram passagem e descem no aeroporto de Londres, três são deportados. Em 2006, foram 4.985 mil, conforme revelou o repórter Rafael Cariello.

Lorde Strangford foi um craque. Arrancou de dom João VI um tratado que, entre outras coisas, deu aos ingleses residentes na terra o privilégio de serem julgados por tribunais formados por compatriotas.

Agora, ele quer criar juntas inglesas para julgar brasileiros em aeroportos brasileiros. Deve ser mágoa das chicotadas que levou de um estribeiro de dona Carlota Joaquina.

Os acordos firmados pelos governos das duas nações dizem que os brasileiros não precisam de visto para entrar na Grã-Bretanha, nem os ingleses para vir para cá.

Como há milhares de nativos interessados em entrar na Inglaterra, ou em outros países da Europa, em busca de trabalho e sem a devida documentação, os governos se protegem. A Polícia dos aeroportos faz a triagem no olho e pede provas de que o viajante não está mal-intencionado.

Essas exigências variam de país para país e vão da passagem de volta ao comprovante da reserva de hotel, passando por dinheiro no bolso e até demonstração do propósito da viagem. As sentenças dos guardas são quase sempre irrecorríveis e, às vezes, néscias.

É direito de ingleses, espanhóis e europeus em geral recusar o ingresso de estrangeiros. Quanto a isso, nada há a fazer.
Nada mesmo?

Talvez haja. Basta criar um sistema de reciprocidade. Quando um avião da British Airways descer em Guarulhos, pede-se aos passageiros que mostrem reserva de hotel, passagem de volta e uma quantia em dinheiro vivo.

Não tem? Volta, mesmo que seja um físico a caminho da Argentina para uma palestra. Pode-se fazer o mesmo com o vôo seguinte, da Iberia. Por cortesia, os deportados ficariam sempre num patamar equivalente à metade dos brasileiros punidos.

Se esse remédio parecer radical, o Itamaraty pode informar aos embaixadores Collecott e Peidró Conde, da Espanha, que a reciprocidade só será aplicada em 2009.

Até lá, ingleses e espanhóis, que não estiverem com a papelada em ordem, serão convidados a assinar a seguinte declaração:
'Cheguei a este aeroporto sem os documentos necessários para atender às exigências que o governo do meu país impõe aos brasileiros.

Em nome das boas relações entre os dois povos, solicito, pela presente, que seja dispensado desse procedimento.'
Assinou, fica. Não assinou, volta.

Lorde Strangford ameaça restabelecer a necessidade do visto. Se esse for o único caminho, nada a fazer, pois é preferível ser obrigado a solicitar o carimbo dos ingleses (exigindo a mesma coisa deles) do que ser tratado como vagabundo, ou vagabunda, por Polícia de aeroporto.

Em tempo: por mais que os europeus azucrinem os brasileiros, nada os aproxima da inépcia dos serviços consulares americanos.

Eles exigem que os nativos peçam visto e avisam que a demora para marcar uma entrevista está em 109 dias no Rio de Janeiro.

A espera em Pequim é de 15 dias, em em Buenos Aires, de dois.

Pois é... olho por olho, dente por dente, não é assim...? Uma ótima quarta-feira esta que marca o Dia Internacional do Sofá.


27 de fevereiro de 2008
N° 15523 - Paulo Sant'ana


Minha saúde

Eu tenho uma característica, como cronista, da qual não consigo me afastar: só sei escrever sobre algo que esteja me angustiando ou me entusiasmando.

Por isso é que muitas vezes exponho aos leitores vísceras da minha privacidade. Sobre a minha saúde por exemplo.

Vai daí que todas as manhãs eu me enfronho na tremenda tarefa de tomar os primeiros cuidados do dia com minha saúde.

E tiro da minha pasta para segundos e últimos socorros os comprimidos que vou ingerir: um comprimido para proteger os rins do diabetes, um outro comprimido para controlar o colesterol, mais dois comprimidos vitamínicos que o neurologista Franciscone me receitou, até aqui com excelentes resultados, para me tirar a astenia das pernas e as tonturas da cabeça.

Até aqui são quatro comprimidos. Mas tem mais: tem outro comprimido vitamínico de nome japonês, Ginkolab ou coisa parecida, com o fim de erguer o esqueleto da modorra do desânimo.

São cinco comprimidos para as doenças pontuais, fora os comprimidos sazonais, que sempre aparecem em pessoa de terceira idade. Então, vez que outra mais um comprimido de antibiótico para as doenças respiratórias, como gripe e tosse por exemplo.

E também um regulador de humor, um comprimido que tira a irritabilidade, este último já tendo mostrado a que veio, estou suportando melhor nos últimos dias, por exemplo, o estresse do trânsito, deixei de correr atrás dos motoristas que me fecham ou insultam e saem voando a seguir, tentando fugir das minhas represálias.

Temos então que cinco comprimidos eu ingiro certo pela manhã, às vezes sete, outras vezes oito.

Já me disse um médico ilustre que não faz mal jogar na corrente sangüínea, de chofre, oito comprimidos, as substâncias não se anulam nem se confundem nocivamente no metabolismo.

Fora isso, mais tarefas para manter a saúde: todos os dias, pela manhã, tarde e noite, nas proximidades das três refeições, furo a ponta de meu dedo para tirar sangue e colocar num avaliador, um microcomputador, que dirá em quanto está minha glicemia.

Conforme a taxa de açúcar no sangue que mostra o resultado, vou calcular a quantidade de insulina que vou injetar na minha barriga.

Só aí são seis furos que faço no meu corpo, por dia, espetado com agulhas sibilinas, bem fininhas, com a finalidade de doerem menos.

Esta é a mão-de-obra diária que tenho com minha saúde. Mas tenho outros comparecimentos semanais ou quinzenais nos consultórios médicos, que se tornaram compulsórios para mim.

Por exemplo, cumpro a pena perpétua de aspirar os meus ouvidos de 15 em 15 dias, há anos, o que fiz muito tempo com o Dr. Moussale e, para deixar de chateá-lo, faço agora com o devotamento do Dr. Di Nardo. Não dói nada aspirar os ouvidos, mas como há 20 anos me doeu violentamente, então tenho medo.

A mesma coisa com a dentista Marisa, não dói nada, em compensação o medo que tenho quando estou sentado na cadeira da odontóloga me faz sofrer mais do que se doesse.

Já sei o que vão dizer os ingênuos apressados: pior seria se eu tivesse câncer, se já tivesse infartado, só que os exames e biópsias que faço periodicamente para evitar essas doenças mortíferas não têm no gibi.

Sou mais conhecido dos médicos que propagandista de laboratório, o que pareço, de vez que sempre empunho uma pasta, a pasta dos apetrechos de saúde.

Os médicos e enfermeiras dos hospitais e das clínicas me tratam por "tu" e parece que são familiares meus, tal a intimidade e o ingresso periódico que realizam na minha privacidade corporal todos os dias.

Há médicos, enfermeiras e assistentes que, quando chego aos consultórios, já estão com as requisições de exames radiológicos ou laboratoriais prontos para me entregar, quando não já impressos com um selo ou carimbo que não sei onde conseguiram: "Paulo SantAna".

E lá vou eu, driblando as doenças, gambeteando as moléstias, gastando os tubos com remédios caríssimos, que custam mais que as quatro taxas de condomínio que pago para a família atual e para a pretérita.

E lá vou eu, com mais de 16 cirurgias a que me submeti em minha exitosa e só por vezes desastrada carreira de paciente.

Graças a Deus, sou assistido pelos melhores e mais famosos médicos de minha cidade. E eles me tratam como se eu fosse filho deles.

Não fossem eles, e eu seria hoje só uma lápide.


27 de fevereiro de 2008 |
N° 15523 - David Coimbra


A terrível pergunta do lateral Cabral

Era difícil não olhar para a mulher do Cabral. Morena jambo, voluptuosa, com uma malícia esverdeada reluzindo no olhar.

Milena.

Quem a via, dizia: Milena peca. Ou pecará. Tinha todo o jeito de quem podia pecar, e talvez até pecasse, só que Cabral jamais se afastava dela.

Nem quando ia jogar, que Cabral era profissional da várzea. Profissional mesmo, 400 reais por jogo, o maior salário amador da cidade. Mas quem pagava não se arrependia: Cabral garantia segurança absoluta na lateral-direita, Cabral dizia-se, e era, à prova de ponta.

Ninguém sabia como, porque era lento, era tosco, não dava em bola. Só era forte, só isso, mas pontas serelepes passam por laterais fortes, até humilham laterais fortes. Menos Cabral. Cabral nunca havia sido driblado por atacante algum.

Assim transcorreu sua carreira varziana, no entanto bem remunerada, até que um dia, o Cabral já veterano, meio gordo, mais lento do que jamais fora, coube ao time dele, o Canarinho, enfrentar o nosso, o bravo Huracán. Um clássico iapiano.

O Canarinho sempre ganhava. Daquela vez, contudo, o Jorge Barnabé jogava na ponta do Huracán. Chamavam-no Barnabé pela semelhança com um obscuro detetive de TV, Barnaby Jones.

Nunca ninguém assistiu a um único capítulo de Barnaby Jones, no Brasil, exceto o goleiro Languiça, que foi quem grudou o apelido no Barnabé.

Barnabé era magro, alto e, o ponto importante, muito rápido. Sempre vencia os laterais, qualquer lateral. Por isso, o Huracán apostava na velocidade do Barnabé para obter sua primeira vitória sobre o Canarinho. Não seria um veterano, sobejamente conhecido por sua lentidão, que pararia o Barnabé. Ah, não.

Assim, todas as estratégias do Huracán passavam pela rapidez do Barnabé e, durante toda a semana, ele prometeu que ganharia o jogo. Atropelaria o Cabral e ganharia o jogo!

No domingo de manhã, lá estavam todos no Alim Pedro. O Barnabé de um lado, saltitando, explodindo de energia; o Cabral de outro, forte, ameaçador, mas de movimentos lerdos como um paquiderme.

No alambrado, agarrada à tela de arame, ela, Milena, sedutora dentro de seu shortinho mínimo. Quando Cabral estava virado para outro canto do estádio, todos olhavam para Milena. Quando ele se voltava, todos disfarçavam.

Era visível a diferença entre o Barnabé e o Cabral, sentíamos nas travas das chuteiras que o Barnabé voaria o jogo inteiro área adentro, sem que Cabral sequer o achasse para fazer falta nele. Estava na mão - o Huracán venceria, enfim.

Mas não foi o que aconteceu.

Não foi. Antes do jogo, o Cabral aproximou-se mansamente do Barnabé e disse algo para ele. Falou baixinho, ninguém ouviu, mas alguns flagraram o constrangimento do Barnabé. O Barnabé gaguejava:

- Eu? N-nada... Ju-juro... Na-nada...

O Cabral, então, levantou uma sobrancelha e indagou:

- Nada?...

E o Barnabé ficou ainda mais embaraçado. Enrubesceu, uma gota de suor rolou de sua testa e umedeceu a grama.

- Não! - protestou ele. - Não é nada disso! Claro que acho, sim, acho, mas não é nada disso que tu... que você... que o senhor... eu na verdade... eu... eu... com todo o respeito... tenho muito respeito... eu...

Ao que, o Cabral interrompeu.

- Sei - disse somente, e deu-lhe as costas, voltando para sua metade de campo.

Depois daquele diálogo insólito, o Barnabé teve a pior atuação da sua vida. Não foi uma só vez à linha de fundo, não passou nem perto do Cabral, a lateral direita do Canarinho foi um terreno intocado durante 90 minutos, e o Huracán perdeu de novo. Terminado o jogo, claro, fomos no Barnabé. Queríamos saber o que o Cabral dissera para ele.

- Não disse nada - respondeu o Barnabé. - Ele só fez uma pergunta.

- Uma pergunta? Que pergunta???

E o Barnabé contou que o Cabral olhou fixamente em seus olhos, um olhar duro de pedra, e perguntou:

- O que tu achas da minha mulher?

E o Barnabé olhou para Milena pendurada no alambrado, Milena deleitável e robusta, Milena de shortinho, Milena para quem era impossível não olhar e de quem era impensável não pensar nada, e o Barnabé queria muito responder, queria muito dizer o que sentia, queria gritar:

- Ela peca! Ela tem que pecar!

Mas ao mesmo tempo não podia, e sofreu tanto por aquilo tudo, tanto, tanto, que soube, de pronto, que não jogaria nada, que estava irremediavelmente perturbado, que não conseguiria se concentrar na bola, que a tarde estava acabada para ele.

Foi o que se deu, e o Cabral continuou imbatível, continuou à prova de ponta. Continuou merecendo o maior salário amador da cidade, 400 reais por jogo.


27 de fevereiro de 2008
N° 15523 - Sergio Faraco


Tortura chinesa

Acreditam os chineses que a bile dos ursos contém um ácido eficaz no combate às febres e às inflamações.

Essa eficácia não tem comprovação científica. No entanto, existem na China mais de 200 cativeiros de ursos. Eles são mantidos em exíguas jaulas de um metro quadrado, cujo piso também é uma grade.

Com deliberadas e radicais variações da temperatura ambiente, não lhes permitem a natural hibernação, para que a produção de bile não despenque. A expectativa de vida dos ursos não ultrapassa uma década, quando o normal seria em torno de 30 anos.

Bile, define o Houaiss, é a substância amarelo-esverdeada secretada pelo fígado dos vertebrados. Por metonímia, significa irritabilidade.

O que eu queria dizer, desculpando-me por me servir de assunto tão sério, é que até a semana passada, se me descobrissem os chineses, seria eu forte candidato a uma jaula daqueles cativeiros: minha secreção de bile andava nas alturas e, te digo mais, ganhava da Ursa Maior, que dirá da Ursa Menor.

No início de janeiro, recebi uma chamada ao celular. Atendi e, como ninguém falou, desliguei. Minutos depois, tive de atender novamente.

Outro silêncio. E não atendi mais.

Desde então, o mesmo telefone 011 73383100 e seus números vizinhos passaram a me chamar com uma obstinação insana. Por motivos circunstanciais, eu não podia desligar o telefone ou silenciá-lo, e então as chamadas me despertavam às oito da manhã, horário perverso para quem trabalha madrugada adentro, interrompiam minhas refeições, comprometendo minha dieta de magro, isso quando não me distraíam no trânsito, o que sempre é um risco.

E olha só, acabei descobrindo que as chamadas eram da prestadora! Prestadora de quê? De desserviços? De estorvos? De transtornos?

Um acinte.

Que gente mais filha dessa e daquela!

Liguei para a Anatel, mas os chineses de lá não quiseram intervir, vai ver para que continuasse a produção do ácido, embora tenham dito outra coisa, isto é, que àquela agência só cabe intervir em casos de mau funcionamento.

A Anatel queria dizer, contrario sensu, que uma empresa de telefonia importunar o usuário dez vezes por dia é uma evidência de bom funcionamento.

Ah é? Entendi.

Enfim, decorrido algum tempo pude desligar o aparelho e, ao menos por enquanto, passei a usar o de outra prestadora mais amiga do urso e menos amiga da onça.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008


JOSÉ SIMÃO

Big Broder! O edredom continua virgem!

Não rola nem sexo! É mais animado ficar vendo o circuito de segurança do prédio

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!

E o "Big Bode Brasil"!? Ops, o "Big Tédio Brasil"! Um amigo meu comprou o pay-per-view pro "Big Bode". E sabe o que os bigbobos fizeram?

Passaram o dia dormindo. Aí ele viu três cenas trepidantes: um edredom vermelho, um edredom verde e um edredom branco.
Pior, o edredom nem se mexe! Não rola nem sexo! O edredom continua virgem.

Tem que distribuir Gatorade com Viagra! O Pacote do Edredom! É mais animado ficar vendo o circuito de segurança do prédio: o porteiro passando o xaveco nas empregadas, o vigia enfiando o dedo no nariz, o entregador de pizza encoxando a vizinha na garagem! E a sucessão do Fidel Castro?

Aquilo não é sucessão, é CASTRAÇÃO! Passa de Castro pra Castro. Passou Cuba pro irmão caçula. De 76 anos! Então não é renovação, é revelhação! Tá parecendo o governo da China: um pra dirigir e dois pra segurar!

E adorei a âncora da "RedeTV! News": "Cuba sofreu um EMBARQUE dos Estados Unidos". Concordo, todo mundo embarcou pra Miami. Rarará! E os Irmãos Bacalhau revelaram a linha sucessória: Max de Castro, Viviane Castro e Castrinho!

E adorei a charge do Aroeira com o Fidel falando pro Ronaldo e Romário: "Yo tambíen voy a terminhar mi carrera en el Flamengo!" Rarará!

E o Oscar de melhor pancake vai pro Rubens Ewald Filho. Oscar vitalício. E o Zé Wilker tava parecendo o Charada!

E eu sei como o Brasil pode ajudar a Argentina no fornecimento de gás: cada brasileiro soltar um pum na fronteira. Rarará! É mole? É mole, mas sobe! OU como diz aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece! Antitucanês Reloaded, a Missão.

Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha "Morte ao Tucanês".

Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês. É que Guarai, Tocantins, tem um inferninho chamado Big Brother! Mais direto impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Panificação": atletas cubanos do Pan querendo ficar no Brasil! Rarará!

O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno! E vai indo que eu não vou!

simao@uol.com.br

CARLOS HEITOR CONY

Desgraça colorida

RIO DE JANEIRO - Faz tempo, dirigindo um carro em Montevidéu, cometi uma barbeiragem qualquer e me chamaram de "anormal".

Nem dei bola. Não aprecio normas, não as tenho nem as cultivo. Mas outro dia, numa rua aqui do Rio, enfrentando um congestionamento, ultrapassei sem poder uma fila e me chamaram de "palhaço".

Não doeu como deveria, mas me senti como o criminoso que de repente é denunciado. Os palhaços sempre me impressionaram, não os achava engraçados, pelo contrário, tinha medo deles, de suas calvas, de suas vozes arranhadas.

Em criança, quando me levavam ao circo, era um suplício, sonhava com eles, despertava coberto de suor. Eram desgraças coloridas, quanto mais coloridas mais desgraçadas.

Mais tarde, já adulto, encarnei num deles quando li o "King Lear", que convocou o bobo da corte para se distrair dos problemas que o afligiam, mas logo o mandou embora, dizendo: "És um bufão triste".

Taí. Todo bufão é mesmo triste, e os palhaços, tanto no picadeiro como fora dele, têm os olhos mais do que tristes por trás da máscara de alvaiade, a enorme boca pintada de vermelho disfarçando a vontade de chorar, chorar um pranto também enorme, que mistura todos os motivos que qualquer homem tem para chorar.

Em matéria de bufão, não fiquei no "Rei Lear". Um dos primeiros e raros sonetos que consegui decorar era uma chibatada não apenas em cima dos palhaços mas de todos os profissionais de qualquer ofício. Autoria de um padre cearense que andava nas antologias de então.

"Ontem viu-se-lhe em casa a esposa morta e a filhinha mais nova tão doente; hoje, o empresário vai bater-lhe à porta, que a platéia o reclama impaciente".

E o soneto termina: "Enquanto o lábio trêmulo gargalha, dentro do peito o coração soluça".

ELIANE CANTANHÊDE

Amizade colorida

BRASÍLIA - "O PSDB e o PT não precisam ser inimigos declarados por toda a vida", disse o tucano Aécio Neves ontem sobre sua amizade colorida com o petista Fernando Pimentel, que gerou um candidato único à sucessão de Pimentel na prefeitura de BH.

Os dois não têm mesmo nada a perder com o apoio conjunto a Márcio Lacerda (PSB), a terceira via, porque nem o PSDB nem o PT tinham candidatos. A aliança em torno do PSB foi uma saída honrosa, além de um investimento.

Se não têm nomes para 2008, Aécio e Pimentel queimam etapas para 2010, ambos como pré-candidatos. Aécio, a presidente; Pimentel, a governador. Um por todos, todos por um -e contra São Paulo.

Lula é a principal força eleitoral, mas não tem sucessor. E José Serra é o principal candidato, mas não tem ainda força eleitoral. Falta-lhe a unidade do PSDB, e a aliança com o DEM pode implodir no confronto Alckmin-Kassab em São Paulo.

Lula tentou encher a bola de Dilma Rousseff, mas ela não voou até agora. Ciro Gomes voltou a desfilar e a dar opiniões por aí, mas ninguém acredita que o PT assimile apoio a um candidato de fora.

Do outro lado, Serra, por ser de São Paulo, ser o favorito e ser acusado de queridinho da mídia, acaba sofrendo o efeito diametralmente oposto:

São Paulo é muito mais fiscalizado e criticado do que Minas; quem sai na frente muito cedo apanha por muito mais tempo; e a mídia não perde uma boa chance de demonstrar independência.

Enquanto, por baixo, petistas e tucanos arrancam estrelas e penas uns dos outros, por cima, Lula e Aécio, muy espertos, antes de muy amigos, se preservam e estão obviamente acertando um pacto de não-agressão.

No mínimo. Aécio, como o próprio Serra, corre o risco de ficar sonhando com o coração de Lula, que já tem dono. O resultado pode ser dor de cotovelo, além de um bom banho nas urnas.

elianec@uol.com.br


26 de fevereiro de 2008
N° 15522 - Liberato Vieira da Cunha


O belo e a verdade

Tomem professores bem preparados e bem pagos, adicionem um currículo variado, temperem tudo com índices baixíssimos de repetência e estará servida a receita da escola ideal.

Ela existe, e não fica nos Estados Unidos, no Japão ou na Alemanha nem em outras potências econômicas, mas na discreta Finlândia, dona do melhor sistema de ensino do mundo, segundo conta a Veja do dia 20.

Não há milagres na fórmula. Os alunos estudam toda a manhã e parte da tarde, os docentes do ensino fundamental precisam ter diploma de mestrado, o gasto público com educação vai a 6,1% do PIB (no Brasil não passa de 3,9%), as salas de aula não dispensam o giz e o quadro negro - e naturalmente alguns computadores - e os diretores são responsáveis pela criação de um ambiente agradável para os estudantes.

Esses e mais alguns detalhes do gênero tornaram o sistema de formação finlandês o mais eficiente entre 57 nações, segundo avaliação feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O Brasil disputa algumas das últimas posições, com países como a Tunísia e a Indonésia.

Alguns segredos do sucesso da nação nórdica não são difíceis de descobrir. As crianças e os jovens estudam, além das matérias básicas, ecologia, ética, música, artes e economia doméstica.

São obrigadas a aprender duas línguas estrangeiras, número que, se o aluno quiser, pode dobrar para quatro. Não é preciso ser doutor em pedagogia para imaginar que um currículo tão atraente torna a escola ainda mais.

Mais do que isso: transforma-a de uma simples agência de transmissão de conhecimentos num espaço criativo. É o que falta entre nós, além de uma carreira bem estruturada e bem remunerada para os professores, que os estimule a um constante aprimoramento pessoal e profissional.

Dinheiro empregado em educação não é despesa, é investimento. E é preciso não esquecer que quando um aluno encontra mais do que disciplinas burocráticas à sua espera, ele se desenvolve como ser humano, ele cresce - e se acrescem seus interesses e seus sonhos.

Pois nunca é demais lembrar que é para isso que existe a formação: ensinar crianças e adolescentes a amar o belo e a verdade.

Enqanto em Florianópolis chove por aqui faz sol e meu desejo é de que tenhas uma ótima terça-feira.


26 de fevereiro de 2008
N° 15522 - Paulo Sant'ana


O ébrio

Eu fico abismado com a tecnologia que estão empregando nos aparelhos de som dos carros novos.

A última agora é que o motorista soca no tocador de CD do carro seis discos. Seis discos. E sai a andar pela cidade ou a viajar.

Vai ouvindo seis discos, cerca de 90 músicas. Basta digitar no teclado para escolher um dos seis discos que quer ouvir. Depois digita outro teclado e escolhe a música. É fantástico.

E quando cansa daquelas 90 músicas, troca por outras 90.

É uma mordomia formidável.

Eu vivo dizendo que tenho decoradas no compartimento de memória do meu cérebro cerca de 2,8 mil letras e melodias de música. As pessoas ficam espantadas quando me ouvem cantar no rádio e na televisão músicas de 50 anos atrás.

Quando eu era criança, não tinham inventado ainda o rádio portátil e nem eu possuía rádio de cabeceira. Este último, quem tinha era meu pai, que não me deixava ouvir o rádio dele.

Então, como é que eu decorei 2,8 mil músicas? Não sei. Eu me lembro que um amigo, lá no Morro da Polícia, o soldado da Brigada Militar de nome Melo, me emprestava sua galena, uma geringonça de fios e fones, ligada não sei em que antena, em que eu escutava rádio, portanto músicas.

Foi portanto um milagre de comunicação e/ou vocação eu ter arquivado tantas músicas e poemas na minha memória.

Mas o que eu queria dizer é que hoje, com gravadores, tocadores de CDs e outras mordomias tecnológicas, fica mais fácil para as pessoas ouvir e decorar letras de músicas do que no meu tempo de criança e jovem.

Se eu fosse criança hoje, quando alcançasse meus 40 anos, eu seria um museu ambulante de imagem e de som.

Eu nem precisava ter carro novo, bastava-me ter um tocador de CDs, destes modernos, adaptado ao meu patinete de menino.

Porque para mim o aparelho de som de um carro vale mais em dinheiro do que o próprio carro. O que interessa é o som, mesmo que instalado num calhambeque caindo aos pedaços.

Isso me faz pensar na importância dos ouvidos, como de quaisquer dos outros quatro sentidos, na formação de uma pessoa.

Os milhões de versos que ouvi passaram pelo meu cérebro, e aqueles de que mais gostei acabaram arquivados para sempre em minha memória.

Porque eu escutava, há 60 anos, o grande cantor popular Vicente Celestino, é que sei a letra de O Ébrio inteira, da qual transcrevo uma parte, porque é sensacional:

Tornei-me um ébrio, na bebida busco esquecer

Aquela ingrata que eu amava e me abandonou

Apedrejado pelas ruas vivo a sofrer

Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou

Só nas tabernas é que encontro meu abrigo

Cada colega de infortúnio é um grande amigo

Que embora tenham como eu seus sofrimentos

Me aconselham e aliviam meus tormentos

Já fui feliz e recebido com nobreza até

Nadava em ouro e tinha alcovas de cetim

E nos parentes confiava, sim

E hoje ao ver-me na miséria tudo vejo então

O falso lar que eu amava e a chorar deixei

Cada parente, cada amigo era um ladrão.

Me abandonaram e roubaram o que amei.


26 de fevereiro de 2008
N° 15522 - Cláudio Moreno


A utilidade do inútil

Jamais, na história deste planeta, houve época tão radicalmente utilitarista quanto a nossa. Na lógica implacável do sistema, só o que é útil é bom - e, conseqüentemente, tem valor e merece ter um preço.

Nunca dantes, como hoje, os bárbaros se sentiram tão à vontade para questionar para que servem atividades como a poesia, a ikebana, as aulas de educação artística ou os congressos de filatelia, que eles consideram perfeitamente desnecessárias.

Para tornar o cenário ainda mais desalentador, muita gente bem intencionada se esforça em discutir com esses filisteus, tentando demonstrar-lhes a profunda utilidade de tudo isso - sem se dar conta de que, ao entrar num debate desse tipo, já começam perdendo, pois apenas vão reforçar a idéia dominante de que o homem e a natureza são coisas utilizáveis.

Sempre houve quem reagisse desse modo, mas felizmente eram vozes isoladas. Em Roma, Plínio não esconde sua admiração por esses heróis da frivolidade:

além de uma cópia da Ilíada (são mais de 15.000 versos!) escrita num rolo de pergaminho tão reduzido que poderia ser guardado na casca de uma noz, ele menciona o trabalho de Calícrates, que ficou famoso por suas formigas esculpidas em marfim, tão diminutas que não se enxergavam, a olho nu, suas antenas e suas patinhas.

No entanto, um século depois, Aeliano, também romano, ao comentar os dois exemplos que tinham atraído a atenção de Plínio, declara que "nem um nem outro merecem elogio, pois tudo o que fizeram foi desperdiçar seu tempo e seu esforço em coisas completamente inúteis".

Alexandre Magno foi outro que sucumbiu à ditadura da objetividade. Um camponês, depois de muitos anos de persistente treinamento, adquiriu a especialíssima habilidade de arremessar feijões (uns dizem que eram grãos de ervilha), com pontaria certeira, na boca de um pequeno frasco, fosse qual fosse a distância.

Encorajado por amigos, conseguiu uma audiência com Alexandre para demonstrar a sua técnica. Alexandre assistiu, em silêncio, a uma espetacular sessão de arremesso de grãos, ao cabo da qual recompensou o pobre camponês com um saco cheio de... feijões, dizendo-lhe que aquela era a recompensa que ele merecia por ter devotado sua vida ao aperfeiçoamento de uma arte tão escandalosamente inútil.

O que nos resta, neste momento, é resistir de todas as maneiras ao estreitamento desse círculo de aço que vai transformando nossa relação com o mundo e com os outros numa mera rede de serviços recíprocos e quantificáveis.

Quem nos dá a receita é Chuang Tzu, taoísta dos bons, ao explicar a seus discípulos por que razão, no meio de um vale devastado pelo machado dos lenhadores, sobrevivia, solitária, uma árvore magnífica:

"Ela só continua viva porque não serve para nada; sua madeira apodrece e cria vermes na primeira lua cheia. Aprendam, com ela, a valorizar a utilidade do inútil".


26 de fevereiro de 2008
N° 15522 - Moacyr Scliar


O Oscar, a vida

A cerimônia do Oscar obedece a um rígido ritual: o desfile de vestidos oscilando entre o audaz e o mau gosto, a sucessão de rostos conhecidos (e sempre sorridentes), o apresentador (este ano o apenas razoável Jon Stewart) que deve intercalar algumas piadas, em geral fracas, na sua fala.

Os agraciados com o troféu rotineiramente, e monotonamente, agradecem a gurus, a amigos, à família.

E os filmes jamais são revolucionários, ainda que freqüentemente captem, e com maestria, o estado de espírito americano no momento. Não por acaso violência (Onde os Fracos não Têm Vez) e cobiça (Sangue Negro) estiveram em alta neste ano.

Aliás, estes dois filmes também mostram uma tendência da indústria cinematográfica: buscar inspiração em clássicos da literatura.

No primeiro caso trata-se do veterano romancista Cormac McCarthy, best-seller nos Estados Unidos, um excelente escritor cujo tema principal, segundo suas próprias palavras, é a dialética entre a vida e a morte e que, por causa disso, não gosta de autores menos violentos como Proust.

Já Sangue Negro foi adaptado de um romance de Upton Sinclair, numa época o grande contestador na literatura norte-americana. Claro, adaptar não é só uma característica dos americanos: Tropa de Elite também saiu de um livro.

Adaptação é uma verdadeira loteria: Jorge Amado, que teve muitas obras transpostas para a tela e para a telinha, disse-me uma vez que, quando entregava um livro para adaptação, esquecia que era o autor.

Tudo pode acontecer: um livro bom dar um filme bom, um livro bom dar um filme ruim, um livro ruim dar um filme bom e, claro, um livro ruim dar um filme ruim. Mas não há dúvida de que os dois filmes mencionados são ótimas adaptações.

Há muitas coisas que os americanos sabem fazer bem, e o cinema está entre elas. É só comparar um bom filme americano com um bom filme europeu. Podemos gostar de ambos, mas temos de reconhecer que o filme europeu é mais lento (e não raro mais chato).

Num filme americano, se o personagem está indo a uma casa, a câmera mostra-o chegando à porta; no filme europeu, ele percorrerá lentamente a rua, algo que deve ter alguma obscura mensagem metafísica, mas que acaba sendo um teste para a nossa paciência.

Oscar é "more of the same", mais da mesma coisa, mas a verdade é que o cinema continua falando para o século 21, como falou para o século 20 inteiro. A certa altura foram mostradas rápidas cenas de filmes que, desde os anos 20, ganharam o troféu.

Boa parte de nossa vida e de nossas emoções estava ali, porque o cinema é o espelho mágico de nossa época. Muita gente gostaria que a vida fosse um filme, e um filme com final feliz. Nem precisaria ganhar o Oscar.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008



Escuta aqui

Álvaro Pereira Júnior - cby2k@uol.com.br

Os blogueiros, a real e o pagodão

CHEGUEI À definição perfeita de um blogueiro: é o sujeito "que passa a manhã sem fazer nada e depois, à tarde, escreve sobre o que fez de manhã".

Genial, não é? Pena que não é minha, e nem é, na verdade, sobre blogueiros. Trata-se de uma crítica feita sobre o trabalho de um escritor britânico de pouca importância, A. C. Benson.

O autor do disparo é o professor de literatura James Wood, que acaba de publicar na Inglaterra um livro chamado "How Fiction Works" (como funciona a ficção).

Wood pratica um tipo de crítica literária desconhecido no Brasil: a crítica literária interessante. Li a resenha de seu livro na revista inglesa "The Economist", e vou encomendar rapidinho. Foi a "Economist" que citou a frase sobre A. C. Burns, que peguei emprestada para sacanear os blogueiros.

E, falando em internet, voltemos ao assunto-base de "Escuta Aqui": música.

Semana passada, comentei sobre a cantora de 15 anos Mallu Magalhães, nova sensação indie da internet brasileira.

Um dia depois de escrever a coluna, fui ver Mallu tocar em São Paulo. Esperava caos total na porta do clube, tal o bochicho on-line em torno de moça.

Mas estava sossegado, umas 120 ou 150 pessoas, eu chutaria. Bastante para uma artista tão jovem, mas nada, zero, se a gente comparar com o mundo real.

O mundo de verdade fica aqui do outro lado da minha rua, num apê de cobertura que, ou é de uma família com os pais mais tolerantes do mundo, ou é uma república estudantil. Ali é o seguinte: 24 horas por dia de pagode e axé.

Agora, quando leio que A ou B está hypado na internet, saio na janela. Ouço aquele som do Molejo ("Ô, menininha, eu sou seu fã") e caio na real. Não anima, mas ajuda a manter a sanidade.

CD PLAYER

PLAY - Urso de Ouro para "Tropa de Elite"
Um júri presidido pelo velho comuna Costa-Gavras premiou o filme que a panela do cinema brasileiro chamou de fascista. Lindo.

PLAY - Rádio 3wk.com
Os leitores recomendam faz tempo, finalmente fui conferir: beleza pura, só novidades bacanas.

EJECT - Obama na frente da Hillary
Sério, daqui a pouco só vai me restar mudar pro lado oculto da Lua.

MOACYR SCLIAR

O lendário país do recall

Fazer alguma coisa? Mas fazer o quê? Liloca tinha uma resposta: vamos tomar o poder. Vamos nos apossar do país do recall

Leitora manda boneca para recall e não a recebe de volta. "Como explicar para uma criança que seus brinquedos foram embora há três meses e não voltaram?" Cotidiano, 18 de fevereiro de 2008.

"MINHA QUERIDA DONA: quem lhe escreve sou eu, a sua fiel e querida boneca, que você não vê há três meses. Sei que você sente muitas saudades, porque eu também sinto saudades de você. Lembro de você me pegando no colo, me chamando de filhinha, me dando papinha...

Você era, e é, minha mãezinha querida, e é por isso que estou lhe mandando esta carta, por meio do cara que assina esta coluna e que, sendo escritor, acredita nas coisas da imaginação.

Posso lhe dizer, querida, que vivi uma tremenda aventura, uma aventura que em vários momentos me deixou apavorada. Porque tive de viajar para o distante país do recall.

Aposto que você nem sabia da existência desse lugar; eu, pelo menos, não sabia. Para lá fui enviada. Não só eu: bonecas defeituosas, ursinhos idem, eletrodomésticos que não funcionavam e peças de automóvel quebradas.

Nós todos ali, na traseira de um gigantesco caminhão que andava, andava sem parar.

Finalmente chegamos, e ali estávamos, no misterioso e, para mim, assustador país do recall. Um homem nos recebeu e anunciou, muito secamente, que o nosso destino em breve seria traçado:

as bonecas (e os ursinhos, e outros brinquedos, e objetos vários) que tivessem conserto seriam consertados e mandados de volta para os donos; quanto tempo isso levaria era imprevisível, mas três meses era o mínimo.

Uma boneca que estava do meu lado, a Liloca, perguntou, com os olhos arregalados, o que aconteceria a quem não tivesse conserto. O homem não disse nada, mas seu sorriso sinistro falava por si.

Passamos a noite num enorme pavilhão destinado especialmente às bonecas. Éramos centenas ali, algumas com probleminhas pequenos (um braço fora do lugar, por exemplo), outras já num estado lamentável. Estava muito claro que para várias de nós não haveria volta.

Naquela noite conversei muito com minha amiga Liloca -sim, querida dona, àquela altura já éramos amigas. O infortúnio tinha nos unido.

Outras bonecas juntaram-se a nós e logo formamos um grande grupo. Estávamos preocupadas com o que poderia nos suceder.

De repente a Liloca gritou: "Mas gente, nós não somos obrigados a aceitar isso! Vamos fazer alguma coisa!". Nós a olhamos, espantadas: fazer alguma coisa?

Mas fazer o quê? Liloca tinha uma resposta: vamos tomar o poder. Vamos nos apossar do país do recall.

No começo, aquilo nos pareceu absurdo. Mas Liloca sabia do que estava falando. A mãe da dona dela tinha sido uma militante revolucionária e sempre falava nisso, na necessidade de mudar o mundo, de dar o poder aos mais fracos.

Ora, dizia Liloca, ninguém mais fraco do que nós, pobres, desamparados e defeituosos brinquedos. Não deveríamos aguardar resignadamente que decidissem o que fazer com a gente.

De modo, querida dona, que estamos aqui preparando a revolução. Breve estaremos governando o país do recall. Mas não se preocupe, eu a convidarei para uma visita. Você poderá vir a qualquer hora. E não precisará de recall para isso."

MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


A COR DOS PEIXES

Numa piscina natural, tive uma conversa com vários peixinhos. Eram todos colloridos. No rio que desemboca no mar logo depois de Porto da Rua, aqui em Alagoas, dialoguei com um peixe-boi.

Eu já tinha falado com bois, nunca com peixes. É um bicho muito interessante, de hábitos limpos. Herbívoro. Fomos até lá exclusivamente para vê-lo.

Eu não esperava que me recebesse nem que me desse atenção. Mas o peguei num final de tarde especial. Estava de bom humor e disposto a jogar conversa fora. Quando eu lhe disse que era jornalista (poderia ter dito professor) ele se fechou.

Depois, ainda meio arredio, criticou amplamente a mídia pelo que chamou de excessos cometidos contra a classe política nordestina. Deixei-o falar por medo de parecer corporativista ou comprometido.

O peixe-boi mostrou-se muito bem informado sobre a política brasileira. Deu-nos uma aula sobre os grandes políticos alagoanos de todos os tempos, começando por Deodoro da Fonseca e chegando até Collor e Renan Calheiros. Disse ter visto carros de turistas com adesivos tais como 'Desculpa, Collor' e 'Collor é fichinha'.

Em outras palavras, o peixe-boi jurou que Collor e Renan Calheiros foram injustiçados. Tentei argumentar com ele, mostrar que no governo Collor aconteceram realmente coisas inaceitáveis. Fui ainda mais duro em relação aos episódios recentes envolvendo Renan Calheiros. De nada adiantou.

Segundo ele, Collor foi o grande responsável pelo salto econômico que o Brasil deu ao abrir o país às importações. Sobre Renan Calheiros, ele foi categórico: 'Intriga de mulher magoada não pode ser levada em consideração em política. Sei do que estou falando. Filho de peixe, peixinho é, pode escrever...'.

Achei o argumento, especialmente a última parte, irrefutável, vindo de quem vinha, embora tenha ficado surpreso com o machismo do peixe-boi e não captado a lógica do seu raciocínio sinuoso.

'Sei de muita coisa', explicou o peixe-boi, 'pois muita gente importante vem aqui só para me ver. A Gisele Bündchen esteve aqui. O Sebastião Salgado também. Mas quem mais me esclareceu sobre o papel de Collor foi o ex-ministro Ricupero.

Conversamos aqui mesmo, nesta mesma margem onde estamos agora batendo papo. Ele me garantiu que Collor foi vítima da grande habilidade do PT para desqualificar os adversários. Se Lula fosse de outro partido, o PT já o teria derrubado.

Todos são fichinhas perto da roubalheira petista'. Disse-lhe que ele estava sendo bairrista, trazendo água para a sua lagoa, puxando brasa para o seu assado. Acho que ele não gostou desta última imagem um tanto perigosa. Ameaçou até submergir. Acalmei-o.

O peixe-boi me lançou um desafio: 'Fale com quem quiser nestas Alagoas e verá que a maioria concorda comigo. A prova disso é que Collor se elegeu senador facilmente'. Perguntei a razão de tanta inconformidade com o atual presidente da República, afinal de contas um homem do Nordeste, um vizinho, um pernambucano.

O peixe-boi, antes de responder, contemplou a água cristalina do rio com orgulho. Depois, respirou profundamente e disse: 'É um paulista'. Despedi-me dele respeitosamente. Embora não concordasse com a maioria das suas idéias, um tanto reducionistas, tinha de conceder-lhe atenuantes.

Peço que façam o mesmo. Em primeiro lugar, não é todo dia que se pode conhecer a opinião de um eleitor aquático. Em segundo lugar, em Alagoas até o peixe-boi é collorido.

juremir@correiodopovo.com.br

Aproveite a segunda-feira, excelente semana


25 de fevereiro de 2008
N° 15521 - Luiz Antonio de Assis Brasil


Palavras (26)

Planetário? Por milênios a Humanidade destinou à Terra o centro do Universo.

Por milênios a Humanidade viveu esse brilhante e consolador equívoco. O Sol e os planetas e as estrelas giravam em doce equilíbrio à volta da Terra. Desse vagaroso e solene movimento dos astros emanava certa música celeste.

Apenas os deuses podiam ouvi-la.

Concepções? Para os babilônicos, o Universo era uma poderosa abóbada e a Terra flutuava no oceano. Para Anaximandro, a Terra era um disco suspenso no ar. Apenas o lado de cima era habitado.

Para Aristarco de Samos, a Terra girava em torno do Sol, mas o Sol mantinha-se imóvel no centro do Universo.

Ptolomeu, impressionado com o céu, diz, no Almagesto: "Eu que caminho e que sou mortal, eu vos contemplo, ó estrelas. / Mesmo insignificante, eu me associo a essa imensidão. / Eu bebo, em vos contemplando, minha parte de Eternidade".

Esse poema, escrito por um cientista que acreditava com devoção e orgulho no geocentrismo, possui a mais intensa, a mais orgiástica e bela alegria intelectual.

O real - A Terra, solta do espaço, girando como louca em torno de si mesma e em torno do Sol, com um satélite a errar em torno dela, ameaçada por asteróides e cometas, dirigindo-se às cegas a um ponto extremo da Via Láctea - é uma idéia muitíssimo apressada.

Prisão - Ganhamos em saber astronômico, sim, mas perdemos nossa imaginação.

A ciência, em vez de libertar-nos, transformou-se em nosso cárcere.

Escolhas - Mas também é verdade que os astrônomos, quanto mais pesquisam, mais dúvidas encontram.

Um dia essas dúvidas serão intoleráveis; então escolheremos qual o saber que desejamos para nós. Cada qual poderá escolher a mais interessante concepção do universo, a mais poética, a mais imponderável.

Então a Humanidade poderá escutar a música que era ouvida só pelos deuses.

Se isso falhar, poderemos ouvir - e com maior ganho - , o segundo movimento do Concerto para Clarinete, em Lá Maior, de W. A. Mozart.


25 de fevereiro de 2008
N° 15521 - Paulo Sant'ana


Discutindo Deus

Quando sentei nas mesas de bares ou de beiras de piscinas, durante as férias, instalei nesses lugares, naturalmente, uma mesa de consulta ao avatar, eu ali à disposição dos passantes e dos parantes, indefeso.

E eles me perguntando sobre tudo, os mais diferentes assuntos. E eu vou despachando com todos, sacio as suas curiosidades, uns além de falar comigo têm necessidade de me tocar.

Acabam num retoço esses encontros de conhecimento entre o cronista e seus leitores. É uma bela forma de a gente conhecer e privar com os alvos do que se escreve, os verdadeiros objetivos do trabalho da gente, os leitores.

Dou um exemplo de uma dessas consultas que dei esses dias. O senhor se aproximou de mim e da roda que me cercava. E foi atirando logo sua pergunta: "Tu acreditas em Deus mesmo?".

Não sei como eu estava com a resposta na ponta da língua: "Eu acredito cegamente em Deus. Ele é que, pelas últimas amostras do que tem acontecido comigo, não acredita muito em mim".

Estourou como uma bomba na roda a minha resposta, sob o ribombar de gargalhadas.

Este tema de Deus é fascinante, além de me perguntarem muito sobre ele, eu gasto inúmeras horas da semana a matutar sozinho sobre a existência de Deus.

O mais elucidativo dado que já colhi sobre a existência de Deus foi o pensamento incrível, me parece que de Dostoiévski: "Se Deus não existe, tudo é permitido".

Como que a insinuar brilhantemente que se a idéia de Deus consiste em justiça, até mesmo em bondade, em sabedoria, em compreensão, se ele não existir, todos esses valores caem por terra.

Ou seja, não existindo Deus, é permitido o estupro, o roubo, a agressão, o homicídio, enfim todas as calamidades da conduta humana.

Todos podem deitar e rolar com suas maldades, que não os atinge nenhuma punição, não estão nem aí.

Mas, existindo Deus, ele se constitui num freio para a maldade e para a destruição. As religiões nada mais são do que isso, uma forma inteligente de domesticar o homem e encaminhá-lo para a bondade, para o amor ao próximo, para a solidariedade e para a caridade, a ajuda aos outros, uma forma de tornar a vida mais suave no seu círculo gregário.

Dostoiévski deu uma grande, colossal, colaboração para a interminável discussão sobre a existência de Deus.

Não termina por aí o debate. Surge uma dúvida estupenda: se Deus é todo-poderoso, senhor do Universo, por que permite que sobre sua obra desabem diariamente tantas dores, aflições, catástrofes dos atos humanos, tendo como autores exatamente as criaturas que ele criou?

Por que Deus, enfim, permite que o homem seja mau e se torne o lobo do homem?

Os religiosos e os acérrimos defensores da existência de Deus levantam um argumento esplendoroso: Deus criou o homem e lhe deu o livre-arbítrio, o homem é que escolhe entre ser bom ou mau.

Ou seja, tudo de ruim que aconteceu na Terra é por causa do livre-arbítrio que Deus concedeu ao homem. E o que de bom acontece também o é.

Só que este argumento tem uma falha: e os terremotos, os ciclones, os maremotos, as secas, as inundações, estes acidentes que provocam bilhões de mortes durante todas as civilizações, destruições bárbaras, estes fenômenos naturais não são fruto da mão humana, seriam então fruto da mão de Deus?

Atualmente se culpa o homem também pela poluição e por esses acidentes geológicos. Mas no terremoto de Lisboa, em 1755, o homem não poluía a Terra naquela época, como é então que morreram 40 mil pessoas, a capital lusa foi destruída em sangue e pestes!!!

Como é que ficamos então sobre a discussão sobre Deus.

Como é que ficamos?

Quem tem mais explicações que me tire desse doloroso dilema.